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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 63)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 10 de março de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Desfile de Carnaval

Lydia Federici

Pelas frases catadas no ar, acho que aquela moça não era de Carnaval. Chegou de manso, foi avançando com jeito, pedindo licença, sorrindo e, no fim, devia estar onde queria. Porque ali parou e ficou. Bem na frente. Agarrada ao cordão de isolamento. Como era baixa, os de trás não reclamaram. Ficou ali, sozinha e quieta. Olhando para tudo com curiosidade. Rindo para os arranha-céus do Boqueirão, rindo para os guardas muito sérios, rindo para as crianças sentadas do outro lado da rua, no meio-fio.

Depois começou a falar. A Leste, com um garoto de coco rapado. Que só sabia levantar os ombros e dizer sim e não. Mas a moça de Oeste era faladeira. E estava louca para conversar. Foi por essa conversa que vi que ela não entendia nada de desfile. Nem de Carnaval de rua. Porque do outro, uhm!... devia saber.

Quando o desfile começou, ela arregalou os olhos. Era a Escola de Samba Lavapés, de São Paulo. Ficou tão entusiasmada, vendo as fantasias, os tremeliques das cabrochas, que só piou no fim, olhando para a vizinha do lado:

"Nossa. Acho que Santos não tem disso. Ou tem?" Perguntou a medo. Meio complexada.

"Espere para ver. O Macuco garante. X-9. Brasil. São grandes".

"Que é que o Macuco tem a ver com isso?"

A outra espantou-se. Mas depois, toda vibrante, explicou que as Escolas de Samba santistas moravam no Macuco. No bairro do Macuco. Conhece? Já os blocos eram do outro lado. O Santa Tereza, por exemplo, era do pessoal do sopé daquele morro. O Dengosas era do Marapé. O Dengosas, campeão do outro Carnaval, não tinha visto? E os ranchos eram da Vila Mathias. Da zona da cidade.

Uma falava, esparramando entusiasmo. A outra ouvia, olhos brilhantes, bebendo as informações. Imaginando Macuco sambeiro, Marapé a inventar modas. Tanta coisa desconhecida na cidade.

Vinha o Santos. Preto e branco. Com pierrôs e arlequins. E um frevo maluco. De fazer a multidão saltar nos vinte centímetros de chão.

As Escolas de Samba, maneirosas nas figuras nobres, selvagens nos requebros, com os estandartes a gingar no ritmo gostoso que as frigideiras marcavam, com toques histéricos, e os bumbos e cuícas sublinhavam, com as pancadas surdas, deixaram-na sem fôlego. Discutia com a outra: "Mas isso é do Macuco? Do Macuco de Santos? Barbaridade. E eu que não sabia dessa beleza. Como é que pode?"

Os blocos começaram a passar. Os primeiros, após o dilúvio das vestes verdes, amarelas, azuis e brancas da Escola de Samba Brasil, não lhe devem ter parecido tão bonitos. Remexia-se impaciente. Cansada.

"Espere o Dengosas. Espere o Cruz de Malta". E ela esperou.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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