O padre
Imagem: reprodução da página 158 do 1º volume da edição de
1941, da Cia. Editora Nacional
Capítulo IX
Religião.
A religião "Católica, Apostólica, Romana" é a religião do Estado no Brasil; contudo, pela liberal constituição do país e sentimentos igualmente
liberais dos brasileiros, todos os demais credos religiosos têm o direito de cultuar a Deus, como bem o entendam, quer em público, quer em
particular, com a simples restrição de que o edifício da igreja não deve apresentar um "exterior de templo", o qual foi definido pelos juízes
superiores como sendo um edifício "sem campanários e sem sinos".
O catolicismo romano no Brasil nunca foi sujeito às influências com que teve de lutar na Europa,
desde a Reforma. Foi introduzido simultaneamente com os primeiros colonizadores do país e, por mais de trezentos anos, teve perfeita liberdade e
gozou de uma existência sem perturbações. Teve oportunidade de exercer as suas melhores influências sobre a mentalidade do povo, e de chegar ao mais
alto grau de sua perfeição. Em pompa e ostentação não é ultrapassado nem na Itália.
Os maiores defensores da Igreja de Roma devem admitir que a América do Sul foi um ótimo campo para
a sua política eclesiástica; e se a sua religião pudesse ter feito esse grande povo esclarecido e bom, teria tido o poder de transformar a América
Portuguesa e Espanhola num paraíso moral, elas que são um paraíso natural.
A Espanha e Portugal, ao tempo da apropriação de suas possessões no Novo Mundo, igualavam se é que
não eram superiores à Inglaterra, em todos os grandes empreendimentos dos séculos XV e XVI, mas, quão diferentes foram os resultados obtidos nas
colônias que ambos fundaram! O Brasil é, a todos os respeitos, o maior estado da América do Sul, justamente na medida em que soube abandonar o
exclusivismo do Romanismo.
Desde a Independência, o poder sacerdotal foi quebrado, e a poderosa hierarquia
de Roma não governou sobre as consciências e os atos dos homens como no Chile e no México. Em numerosas
ocasiões, tomaram-se medidas na Assembleia Geral para cortar as ambições do Papa; e, certa vez
[A29], pelo menos, foi proposto tornar-se a Igreja Brasileira
independente da Santa Sé.
Dizem que os progressos sem liberalismo que o Império apresentou têm sido devido a considerações políticas. De acordo — porém cada leitor da
História sabe que o começo da reforma inglesa grandemente se relacionou com a política, e que a independência inglesa do poder papal foi o começo da
sua grandeza como estado e preparou o caminho para o rápido progresso moral, que caracteriza a Inglaterra de hoje.
No Brasil, todavia, outras que não as vistas políticas devem ser consideradas na atual liberdade contra o fanatismo.
Tolerância dos brasileiros.
Não há nenhum outro país na América do Sul em que os filantropos e os cristãos tenham campo mais livre para fazer o bem do que no Brasil, embora
seja verdade que um pastor protestante é sempre tabu, e que o povo mantém um sentimento em relação a ele quase de satisfação — como um escritor
brasileiro já o exprimiu; posso testemunhar a forte amizade formada com brasileiros, em várias regiões do Império, amizade que não se enfraqueceu
pelo contato de anos, ou pelas minhas manifestações em defesa das minhas crenças; posso subscrever as observações feitas pelo meu collega dr. Kidder,
em 1845, quando disse:
"É minha firme convicção, que nenhum outro
país católico do globo existe, onde prevaleça maior grau de tolerância e liberalidade de sentimento para com os protestantes. Posso afirmar que,
durante toda a minha estada e viagens no Brasil, na qualidade de missionário protestante, nunca recebi a mais leve oposição ou afronta do povo.
Como se podia esperar, alguns poucos padres fizeram toda oposição que lhes foi possível, mas o fato
mesmo dessa oposição ter sido incapaz de excitar o povo mostra a pequena influência que possuem; por outro lado, também, a maioria do clero e os
mais respeitáveis homens do Império manifestaram em relação à nossa pessoa e à nossa obra favor e amizade.
Deles, assim como das inteligentes autoridades leigas, ouvi as mais severas repreensões contra os abusos que eram tolerados, no sistema religioso, e
nas práticas do país, juntamente com sincero pesar de que não mais dominasse maior espiritualidade na mentalidade pública."
Para aqueles que consideram exclusivamente os ritos vazios e exibicionistas da Igreja oficial do Brasil, não há bons prognósticos quanto ao futuro
do país. Mas quando consideramos os sentimentos liberais e tolerantes, que prevalecem, quando refletimos na liberdade de discussão, na inteira
liberdade da imprensa, na difusão da instrução e nos frutos de sua admirável Constituição — não podemos acreditar que as futuras gerações de
brasileiros haverão de retrogradar.
A intelectualidade sem moralidade é, estamos certos, um engenho de tremendo poder a que falta um regulador; mas, temos fé em que Deus, que abençoou
o Brasil tão altamente em outros pontos, não lhe negará as suas maiores dádivas, por mais imprevisível que presentemente possa ser a perspectiva de
tal benefício.
Um fiel narrador não pode passar por cima desse assunto sem dar uma breve notícia de algumas das particularidades relacionadas com o culto no Rio de
Janeiro, o qual até certo ponto é o que se verifica em todas as províncias do Império.
Não há como confundir um padre ou outra qualquer espécie de eclesiástico no Brasil. Os frades, as irmãs de caridade, assim como os sacerdotes, usam
vestimentas características, — a maioria deles excessivamente impróprias para um clima quente.
Não se pode estar mais de uma hora nas ruas do Rio de Janeiro sem ver um padre, com o seu grande
chapéu e sua comprida batina abotoada por inteiro, movendo-se com perfeita compostura debaixo de um sol que faria suar a qualquer um. Nas igrejas,
onde geralmente predomina uma atmosfera fresca, os padres com a sua cabeça tonsurada e descoberta com as suas vestes leves e rendadas, parecem
preparados para o clima tropical; mas quando acabam de dizer a missa e terminam os seus deveres, cobrem-se de vestimentas espessas e de aparatos que
só seriam confortáveis num clima nórdico.
A profissão de padre não é onerosa no Brasil, a não ser que eles a queiram assim fazer; mas muitos poucos são aqueles que assim o fazem. Não há aqui
famílias pobres a visitar através de rudes tempestades de neve, não há cura particular das almas, nem o que tenham que fazer além de rezar missa nas
horas frescas da manhã, carregar o Santíssimo para os moribundos, acompanhar os enterros, cuja carruagem e despesas são sempre pagas.
Os confessantes não o perturbam muito, porque o povo não é muito dado a confissões, sabendo muito
bem o caráter do confessor. Se o padre tiver o espírito ambicioso, candidata-se à Câmara dos Deputados — oportunidade que, quando bem-sucedida, lhe
garante uma cadeira no Senado — e aí manifesta a sua melhor eloquência, num português Ore Rotundo, como nunca usou no púlpito.
Talvez que antigamente seus mais pesados encargos fossem promover festivais. Estes, porém, foram em
muito diminuídos, mas ainda se realizam em respeitável número, que dá trabalho aos padres e aos coletores de esmolas, e proporciona dias santos aos
funcionários, aos escolares e aos escravos.
O bispo Manoel do Monte Rodrigues de Araujo, quando professor em Olinda, publicou um compêndio de Moral Teológica, onde afirmou que o número de dias
santos observados no Império do Brasil é o mesmo que foi decretado pelo Papa Urbano VIII em 1642, adicionado de um em honra de cada santo padroeiro
de província, cidade, vila e paróquia, sobre o qual a bula de Urbano não falava.
Esses dias feriados são divididos em duas classes. Dias santos de guarda — ou dias santos totais,
em que a lei não permite trabalhar; e dias santos dispensados, ou meios-dias santos, em que as leis eclesiásticas exigem que se assista à missa, mas
permite que se trabalhe. O número dos primeiros varia de vinte a vinte e cinco, conforme certos aniversários caiam num sábado ou num dia de semana;
ao passo que o número dos últimos é de dez a quinze.
A celebração desses feriados por festivais e procissões desperta a atenção geral em todo o país;
lembrando aos norte-americanos a comemoração da sua data de 4 de julho, menos o entusiasmo patriótico. O número de dias de festa foi diminuído de
poucos anos para cá; ainda assim, uns cinco ou seis, durante o ano, interrompem o curso do comércio e dos deveres materiais em geral.
Festas de Igreja.
É particularmente notável que todas as celebrações religiosas sejam julgadas interessantes e importantes na proporção da pompa e do esplendor que
ostentam. O desejo de ter toda a exibição possível é geralmente o argumento decisivo pelo qual se pede o patrocínio governamental e que se emprega
em todos os apelos, para conseguir o auxílio e a liberalidade do povo.
A imprensa diária do Rio de Janeiro deve ganhar anualmente enormes somas pelos avisos religiosos, de que damos alguns exemplos.
O anúncio de um festival na Igreja de Santa Rita termina assim: "Esta festa deve se celebrar
com missa solene e sermão, à custa dos devotos da Virgem, a Sacratíssima mãe do Salvador, os quais são convidados pela comissão para emprestar com a
sua presença esplendor à solenidade, recebendo por isso a devida recompensa de Nossa Senhora".
Segue-se o aviso de uma festa, realizada numa cidade que fica por trás da baía do Rio, em Estrela: "O
juiz e alguns devotos da Igreja de N. S. da Estrela, erigida na vila do mesmo nome, resolveram realizar um festival, com missa cantada, sermão e
procissão à tarde e te-deum — tudo na maior pompa possível — no próximo dia 23, havendo à noite uma bela exibição de fogos de artifício. Os
promotores da festa solicitaram, do diretor da companhia de vapores de Inhomirim, um vapor extraordinário, que levará os convidados da praia dos
mineiros, às 8 horas da manhã, para o local, voltando depois dos fogos de artifício. Pede-se que todos os devotos se dignem assistir a este ato
solene a fim de torná-lo o mais brilhante possível — Assinado, Francisco Pereira Ramos, secretário — Estrela, 17 de setembro de 1855".
O que se segue será tão novo quanto irreverente para um cristão do Norte: "A irmandade do
Divino Espírito Santo de São Gonçalo (pequena vila do outro lado da baía),
realizarão a festa do Espírito Santo no próximo dia 31, com todo brilho possível. As pessoas devotas, são convidadas a assisti-la, dando maior pompa
a esse ato de religião. No próximo dia 1º se realizará a festa do SS. Sacramento, com uma procissão à tarde, te-deum, e sermão. No dia 2, a
festa do Padroeiro de São Gonçalo — às 3 da tarde haverá uma brilhante corrida de cavalos; após esta, será realizado o te-deum e soltados
magníficos fogos de artifício".
Mas não e só a Igreja que avisa as festas. Os negociantes, com o olho no negócio, livremente dão a conhecer seus artigos eclesiásticos por
intermédio dos jornais. Eis um exemplo:
"Aviso aos ilustres promotores do festival do Espírito Santo. Na Rua dos Ourives n° 78 poderão
encontrar um belo sortimento de imagens do Espírito Santo em ouro, com diademas a 80 vinténs cada uma; de menor tamanho, sem diadema, a 40 vinténs;
imagens de prata, com diadema, a 13$000 o cento; dito, sem diadema, 7$000 o cento; imagens de estanho do Espírito Santo, imitação de prata, 75
vinténs o cento".
A linguagem desses dois últimos avisos nos soa como uma blasfêmia, mas para o público brasileiro, que considera com certa frivolidade e falta de
veneração as coisas sagradas, tais coisas não chocam como aqueles cujos sentimentos religiosos se derivam da palavra de Deus.
Em certos aspectos, os festivais de todos os santos se parecem. São todos eles anunciados, na véspera, por foguetes à noite e pelo toque de sinos à
tarde. Durante a festa, quer dure um ou nove dias, ouve-se frequente foguetearia. Esses foguetes são feitos de modo a explodir muito alto no ar,
soltando um estouro e, em seguida, descem descrevendo belas curvas de fumaça branca, se é de dia, ou chuveiros meteóricos de noite.
O dr. Walsh, que residiu vários anos na Turquia, acha que os brasileiros rivalizam perfeitamente
com os turcos de Constantinopla, na sua paixão pela explosão de pólvora nas ocasiões festivas. Dá também uma avaliação pela qual se vê que "cerca
de setenta e cinco mil dólares são anualmente gastos no Rio de Janeiro em pólvora e cera, — os dois artigos que entram tão grandemente em todas as
exibições de pompa e esplendor". A cera é consumida em grande quantidade de velas conservadas
acesas diante dos diferentes altares, de mistura com flores artificiais e outras decorações.
Grande carinho é dedicado ao adorno de igrejas, tanto de dia como de noite. Muitas vezes veem-se filas regulares de círios acesos, arrumados em
frente do altar-mor, tomando a forma de semicones e pirâmides de luz, que se erguem do chão até o teto do templo. Esses círios são todos feitos de
cera importada da costa da África expressamente para isso. Não se usa nenhum óleo animal nas igrejas do Brasil: — o que alimenta as lâmpadas é
fabricado de oliveira, ou de coco. Os círios são todos fabricados de cera vegetal, ou de abelha.
Nada é mais imponente do que o altar-mor da igreja da Candelária, quando iluminado por mil círios perfumados, que derramam sua luz, entre vasos das
mais vistosas flores. O dr. Walsh afirma que, em certa ocasião, contou na igreja de Santo Antonio, 830 grandes tochas de cera, acesas ao mesmo tempo
e, na mesma noite, na Igreja da Ordem Terceira do Carmo, 760; porém, levando-se em conta o pequeno número de igrejas, que simultaneamente estão
iluminadas desse modo, a sua avaliação não parece exagerada.
Algumas vezes, por ocasião desses festivais, levanta-se um palco na igreja ou, ao ar livre, próximo dela, onde se realiza uma espécie de
representação dramática, para diversão dos espectadores. Outras vezes, realiza-se um leilão, onde grande variedade de objetos, conseguidos para essa
ocasião por compra ou donativo, são vendidos ao mais alto lance. O leiloeiro geralmente se esforça por manter a multidão em volta em riso constante
e, como é presumível, consegue os preços em proporção desse divertimento.
A Epifania é celebrada em janeiro, e é chamada Dia de Reis. A passagem desse dia santo se faz de modo a não escapar da lembrança dos mais
indiferentes pois, de manhã cedo, o açougueiro bondosamente nos manda a carne grátis. A festa dessa data se realiza na Capela Imperial, na presença
do imperador e da Corte, que lhes emprestam verdadeiro caráter majestoso.
A data de 20 de janeiro é o dia de São Sebastião, em que se costuma honrar o glorioso patriarca,
sob cuja proteção foram derrotados os índios e os franceses e lançados os fundamentos da cidade. Os membros da Câmara Municipal tomam especial
interesse por essas celebrações e, em virtude de suas funções, têm o privilégio de carregar a imagem do Santo em procissão, desde a Capela Imperial
até a velha Catedral.
O Entrudo.
O entrudo, que corresponde ao Carnaval na Itália, estende-se por três dias antes da Quaresma e é geralmente considerado pelo povo como uma visível
determinação para compensar, por meio de divertimentos, o longo retiro que irão guardar na Quaresma.
O entrudo entretanto não é mais celebrado como quando estive pela primeira vez no Rio. Dava-se então uma saturnal do mais líquido aspecto e todos —
homens, mulheres e crianças — entregavam-se a ele, com abandono que constituía o mais forte contraste com a sisudez e a inação habitual dos mesmos.
Antes de ser suprimido pela polícia, constituía um notável acontecimento. Não era com chuva de
confeitos que as pessoas se saudavam nos dias do entrudo, mas com chuveiros de laranjas e ovos, ou antes com bolas de cera feitas com a forma de
laranjas e ovos, cheias d'água. Esses artigos são preparados antes em grande quantidade, e expostos à venda nas lojas e nas ruas. A casca era forte
bastante para permitir que fosse lançada a grande distância mas, no momento do choque, fazia-se em pedaços, espalhando água por onde caísse.
Diferentemente de qualquer brincadeira análoga de bolas de neve, nos países frios, esse jogo não se
limitava às crianças ou às ruas, mas era feito na alta roda, tanto quanto na classe inferior, fora e dentro de casa. O consenso geral parecia
permitir que cada um se divertisse à vontade, molhando o próximo, quer quando uma visita entrava em casa, quer quando o transeunte passava pela rua.
De fato, todo aquele que saísse nesses dias experimentava uma ducha, e achava melhor levar consigo
um guarda-chuva; pois no entusiasmo da brincadeira, as bolas de cera logo se consumiam e, seguiam-se-lhes as seringas de brinquedo, bacias, tigelas
e, às vezes mesmo, baldes d'água, que eram usados sem piedade, até que ambos os partidos ficassem totalmente ensopados. Os homens e as mulheres
lutavam entre si, nas varandas e janelas, das quais não só combatiam uns aos outros, como também os transeuntes.
Tão grandes eram realmente os excessos que provinham desse brinquedo, que foi proibido por lei. Os
magistrados dos diferentes distritos formalmente se declaravam de ano para ano contra o entrudo, porém com pouco efeito até 1854, quando um novo
chefe de polícia, com grande energia, pôs fim ao violento entrudo, seus combates e duchas. O entrudo agora se realiza de um modo seco, porém ainda
divertido, no estilo de Paris e Roma.
A origem do entrudo foi por muito tempo considerada como tendo remotas ligações com o batismo;
porém o sr. Ewbanck foi o primeiro a traçar claramente os seus primórdios, num artigo arqueológico muito interessante, no qual veio tratando do
assunto desde a Índia, essa fornecedora de muitas das práticas da igreja latina.
Procissões.
A procissão de Quarta-Feira de Cinzas é dirigida pela Ordem Terceira dos Franciscanos, que partem da Igreja da Misericórdia, através das principais
ruas da cidade, até o Convento de Santo Antonio. Nada menos de vinte ou trinta andores com imagens são carregados nos ombros. Algumas dessas imagens
vão sozinhas, outras em grupo, pretendendo ilustrar vários acontecimentos da história bíblica ou da mitologia católica romana.
As vestimentas e ornamentos dessas imagens são do mais pomposo aspecto. Os estrados, sobre os quais
são colocadas, são muitíssimo pesados, exigindo quatro, seis ou oito homens para carregá-los e, nem mesmo assim, estes suportam o peso por muito
tempo: exigem substituição por outros, que vão andando ao lado como pegadores extras de alças de caixão nos enterros.
As ruas estão apinhadas de milhares de pessoas, entre as quais se veem numerosos escravos, que
parecem muito se divertirem por verem os seus senhores empenhados, pelo menos uma vez, em trabalho pesado. Os senhores realmente ficam exaustos sob
o peso do andor. As imagens passam no meio da rua, os acompanhamentos formando filas simples dos dois lados, cada qual conduzindo uma vela acesa, de
cera, com vários pés de comprimento; antes de cada grupo de imagens vem marchando um anjinho, conduzido por um padre, e espalhando folhas e pétalas
de rosa pelo caminho.
O anjinho
Imagem: reprodução da página 166 do 1º
volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional
Como o leitor pode estar ansioso em conhecer que espécie de anjo é esse que toma parte no
espetáculo, devo explicar que há uma classe de anjos criada para a ocasião, e que agem sob a tutela dos santos exibidos. Pequerruchas de oito a dez
anos são geralmente escolhidas para servirem de anjinhos, sendo para isso preparadas com as mais fantásticas vestimentas.
O principal objetivo dessas vestimentas é exibirem um corpete e duas asas; a saia e as mangas são
de grandes dimensões, utilizando-se para isso rodas e armações de vime, nas quais flutuam sedas, gazes, fitas, rendas, lantejoulas e plumas de
diversas cores. Na sua cabeça colocam uma espécie de tiara. Seus cabelos caem em anéis pelo rosto e pelo pescoço, e o ar triunfal com que marcham
mostra como plenamente compreendem a honra de ser o principal objeto de admiração.
Companhias e bandas de música militares abrem e fecham a procissão, e sua marcha é compassada e
lenta, com pausas frequentes, como para dar, aos irmãos que carregam o andor, tempo para respirar, assim como para proporcionar ao povo nas ruas e
janelas oportunidade para contemplar e admirar.
Poucas pessoas parecem olhar a procissão com sentimentos elevados. Todas podem ver as mesmas
imagens ou outras parecidas nas igrejas quando quiserem: se o propósito é de edificar o povo, uma maneira ao mesmo tempo mais eficiente e menos
barulhenta poderia ser adotada. Parece haver pouca solenidade ligada a essas cenas, e é compartilhada quase só pelos pobres irmãos, que se cansam e
transpiram debaixo dos andores: mesmo estes, às vezes, se distraem com conversas divertidas, quando, substituídos em suas funções, descansam ao lado
dos andores.
Quando o Santíssimo é carregado em público nessa e noutras ocasiões, apenas uma pequena parte do público se ajoelha à sua
passagem e, não há obrigação para quem não deseje manifestar esse grau de reverência [A30].
Não há classe que tome parte nessas paradas santas com mais zelo do que a gente do povo. Ficam, além disso, especialmente satisfeitas, de vez em
quando, em avistar um santo de cor, uma Nossa Senhora representada em imagem que tem pele cor de azeviche. "Lá vem o meu parente", foi a exclamação
ouvida de um preto pelo dr. Kidder, quando uma imagem de cor, com cabelo lanoso e lábios e beiços grossos, surgiu à vista; nessa manifestação de
alegria, o velho preto exprimiu precisamente os sentimentos causados por esses apelos aos sentimentos e à mentalidade dos africanos.
O Dia de Ramos no Brasil é celebrado com um gosto e um efeito que não podem ser ultrapassados por qualquer ornamentação artificial. Os brasileiros
nunca se mostram indiferentes às belezas vegetais que os rodeiam, fazendo uso de folhas, flores e galhos de árvores em quase todas as solenidades
públicas; mas, no Domingo de Ramos, a exibição de galhos de palmeiras reais constitui um espetáculo não só belo como grandioso.
Semana Santa.
A Semana Santa, pela qual termina a Quaresma, é principalmente consagrada aos serviços religiosos que comemoram a história de Nosso Senhor, mas tão
modificados, pela tradição e pelo excesso de cerimônias, que poucas pessoas, através deles, podem fazer uma ideia apropriada do que realmente
aconteceu antes da crucificação de Cristo. Os dias são designados no Calendário como Quarta-feira de Trevas, Quinta-feira da Agonia, Sexta-feira da
Paixão e Sábado da Aleluia.
A Quinta-feira da Agonia, da mesma forma que os ingleses a celebram, é guardada da meia-noite desse dia, até à meia-noite do dia seguinte.
Suspendem-se todos os toques de sinos, explosões de foguetes. A luz do dia é eliminada de todas as igrejas; os templos são interiormente iluminados
com círios de cera, no meio dos quais, no altar-mor, é exposto o Santíssimo. Dois homens ficam de pé em roupagens de seda vermelha ou púrpura, para
guardá-lo.
Em algumas igrejas a efígie do Corpo de Cristo é colocada deitada por baixo de uma pequena redoma,
com uma das mãos à mostra para que a multidão a beije, depositando esmolas numa salva de prata, que se acha ao lado. À noite, o povo passeia pelas
ruas, visitando as igrejas. É também ocasião para troca geral de presentes, que revertem principalmente em benefício das mulheres escravas, que têm
então ocasião de preparar e vender doces, para seu lucro.
A sexta-feira continua silenciosa, e uma procissão fúnebre, carregando uma representação do Corpo de Deus, percorre as ruas. À noite, realiza-se um
sermão e uma outra procissão, em que anjinhos, todos ataviados da forma dos anjos já descrita, trazem emblemas alusivos à crucificação. Um traz os
pregos, outro o martelo, um terceiro a esponja, um quarto a lança, um quinto a escada, e um sexto o galo que deu o aviso a Pedro.
Nunca as varandas se apinham mais de gente do que nessa ocasião. Há um interesse geral em cada um
ver a sua própria filha executando o seu papel, interesse este que leva a assistirem o ato centenas de famílias que, de outra forma, teriam ficado
em casa.
Não há procissão mais bela e imponente do que esta. Quando estava contemplando a longa fileira dos
homens de opa, conduzindo nas mãos uma imensa tocha, e pela outra um anjinho brilhantemente vestido — quando, de tempos em tempos, eu via as imagens
daqueles que foram espectadores ativos ou silenciosos dessa triste cena, que se realizou no Calvário havia dezoito séculos passados, — quando
contemplava os soldados com seus capacetes na mão, e suas armas voltadas para baixo, marcharem com passo lento e compassado, — quando ouvia o canto
solene saído das vozes das crianças ou, os acordes menores majestosos da marcha fúnebre, gemendo no ar da noite, — meus sentimentos estéticos foram
poderosamente excitados.
Mas quando se fazia um alto na procissão, e eu verificava a frivolidade e a
indiferença dos atores, o efeito se me esvaecia, e eu podia ver que os esforços feitos sobre a multidão das ruas e dos balcões do Rio haviam sido
inteiramente perdidos [A31].
O Sábado de Aleluia é mais conhecido como dia de Judas, por causa das inúmeras formas por que o "Inglório Patriarca" e posto a sofrer a
vingança do público. Os preparativos são feitos previamente, e atiram-se foguetes em frente das igrejas, numa das fases do ofício matutino. Esses
tiros de foguete indicam que a Aleluia está sendo cantada.
Começa então a brincadeira na rua, em todas as partes da cidade. Efígies do desgraçado do Judas
tornam-se objeto de toda espécie de tormentos. São penduradas, estranguladas e afogadas; em suma, o traidor é levado à fogueira e as mais
fantásticas figuras, juntamente com dragões, serpentes e o demônio e seus diabinhos, se precipitam sobre ele.
Além dos preparativos mais formais e dispendiosos, que são feitos para essas celebrações por meio de subscrições públicas, têm também as crianças e
os negros os seus judas, que por eles são maldosamente arrastados pelas ruas, surradas a cacete, pendurados, batidos, espetados, apedrejados,
queimados e afogados com toda a alegria.
Terminada a Quaresma, o Domingo de Páscoa anunciado por alegres trechos de música, por bandas e grandes orquestras, pela iluminação das igrejas, com
brilho fora do comum, e pelas descargas triunfais de foguetes no ar, e da artilharia dos fortes e baterias.
Coleta para festas de igreja
Imagem: reprodução da página 171 do 1º
volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional
No domingo de Pentecostes, a grande festa do Espírito Santo é celebrada. Em preparação para ela,
bandos precatórios vão pelas ruas, muito tempo antes, para angariar fundos. Nessas expedições, os angariadores vestem uma capa vermelha nos ombros;
fazem grande exibição de emblemas, em cujas dobras se vê uma pomba rodeada por um halo ou diadema.
São esses emblemas carregados à mão e suspensos até às janelas para que as pessoas os possam
beijar; levam os irmãos uma salva de prata ou um saquinho de seda, para recolher os donativos esperados de todos, ou pelo menos daqueles que
beijam o emblema; o público é devidamente notificado da aproximação desses augustos personagens por uma banda de música de negros maltrapilhos, ou
pelo acompanhamento de tambor das alegres crianças, que às vezes carregam o estandarte.
Coleções dessas imagens são muito frequentes nas cidades do Brasil. Sempre que alguma festa se
prepara, uma imagem em miniatura do santo, em cuja honra se realiza a festa, é geralmente carregada a mão, com muita formalidade, para servir de
argumento em favor dos donativos. Os devotos se apressam em beijar a imagem e às vezes chamam as crianças e fazem-nas beijar.
Esses coletores de esmolas, e uma classe de mulheres chamadas beatas, tornam-se, às vezes,
provocadores de barulhos. Às vezes, um ou dois desses indivíduos saem à rua gritando em voz nasal, em cada esquina "Esmolas para Nossa Senhora"
dessa ou daquela Igreja (1866: esse pedido de esmolas foi grandemente diminuído). Em página anterior, vem representado um par
desses cavalheiros pedintes, meio eclesiásticos, que aí se vêm caminhando ao longo da praia de Santa Luzia depois de uma de suas excursões
esmolantes.
As procissões do Espírito Santo assumem um caráter muito peculiar e grotesco nas
regiões remotas do Império. O falecido senador Cunha Matos [T33]
descreve-as no interior, com o nome de "Foliões Cavalgadas". Menciona em seu itinerário uma delas, a que assistiu, entre os rios de São Francisco e
Paraíba, composta de 50 pessoas, tocando violões, bombos e outros instrumentos de música para despertar a liberalidade, senão a devoção do povo;
também levando sacos de couro e mulas para receber e carregar porcos, galinhas e tudo aquilo que se lhes possa dar.
Entre os índios do longínquo interior, os animais vivos são frequentemente prometidos de antemão a algum santo particular; e muitas vezes quando o
viajante deseja comprar alguma provisão deles, declaram-lhe": "Este porco é de São João" ou, "Estas galinhas pertencem ao Espírito Santo".
A procissão de Corpus Cristi é diferente da maioria das outras: a única imagem exposta é a de São
Jorge, designado no calendário como "o defensor do Império". Como este "Santo Cavalheiro da Capadócia" tornou-se o defensor do Brasil não sou capaz
de atinar; porém o seu festival, caindo como cai no dia de Corpus Cristi, é celebrado com grande pompa, numa festa realizada de dia, e que dá a
volta de toda a cidade.
Tem um aspecto rubro e formoso, com sua cabeleira de cachos cor de linho, flutuando sobre os
ombros. Ostenta armas e um manto vermelho de veludo. Para esse dia, alguns devotos, de seu nome, emprestam ao santo as suas joias mas, quando
termina a festa, ele é despojado das suas glórias e entregue às traças, até o ano seguinte. Não se faz notar pela sua boa maneira de andar a cavalo,
com as pernas duras, esticadas de cada lado, e com dois homens segurando-o no selim. Se o seu protótipo não tivesse sido melhor cavaleiro, até hoje
o dragão não teria sido destruído.
O imperador passa de cabeça descoberta, carregando uma tocha, nessa procissão, imitando a piedade de seus antepassados, seguido pela corte, os
cavalheiros e a Câmara Municipal em grande aparato, com suas insígnias e bordados. Onde quer que o imperador passe nessa ocasião, os moradores das
ruas rivalizam uns com os outros na ostentação de tapeçarias, de ricas sedas e damasco, penduradas das janelas e balcões de suas residências.
Matando o judas
Imagem: reprodução da página 173 do 1º
volume da edição de 1941, da Cia. Editora Nacional
Santa Prisciliana.
Em 1846, um distinto brasileiro teve a honra de transportar, de Roma para o Rio, os restos sagrados da virgem mártir Santa Prisciliana. Pareceu a
todos a mais auspiciosa aquisição que a cidade poderia fazer, mas por alguns foi altamente condenado como uma solene mistificação. Apesar de tudo,
inauguraram o seu relicário.
Para que os ossos não parecessem tão repulsivos, como os das célebres Onze Mil Virgens da Igreja de
Santa Ursula em Colonia, as frágeis relíquias de Santa Prisciliana, foram modeladas em cera, por algum
hábil artista de Roma, na ocasião em que, segundo dizem, a santa foi removida das catacumbas, onde estava enterrada havia mais de mil anos! Os
traços de Santa Prisciliana foram gravados, e a sua imagem pode ser trocada.
A Santa vem representada com uma espada desagradavelmente atravessada na sua
delicada garganta, o que significa, como o bispo do Rio de Janeiro o afirma, [A32]
que o imperador Juliano, o Apóstata, mandou matá-la desse modo! O erudito bispo não nos dá as razões da sua afirmação; mas os fiéis não põem a menor
dúvida no que um alto prelado afirma.
Não sei que milagres ela tem feito no Rio, pois muito pouco ouvi falar a respeito, mas o certo é
que não evitou a febre amarela e o cólera, que visitam às vezes a capital do Império. Pode-se contudo afirmar por outro lado que esta não era a
missão de Santa Prisciliana, pois São Sebastião é considerado como tendo a cidade sob sua especial proteção.
O cólera e as procissões.
Quando o cólera visitou as costas do Brasil, se bem que não tão fatalmente como na Europa e nos Estados Unidos, as suas calamidades foram maiores
entre os escravos, que escaparam da febre amarela, nos últimos anos em que esta atacou os brancos.
Quando o cólera fez o seu aparecimento no Rio, a cidade se converteu num vale de terror; rezas e
amuletos foram ansiosamente procurados, e a toda hora se inventavam preventivos supersticiosos. As orações dos santos eram pregadas sobre a pele,
como entre os maometanos da Arábia e os pagãos da Índia. Pinturas, mal executadas, foram trocadas por alguns vinténs, e uma estrela contendo
uma prece à Virgem Maria, chamada, A miraculosa estrela do céu foi considerada como um resguardo certo para todas as pessoas que a
possuíssem. Avisos como os seguintes, apareceram na Imprensa diária:
"ORAÇÃO PARA BENZER AS
CASAS
Contra a epidemia reinante, ornada de emblemas religiosos, troca-se por oitenta réis, na rua dos Latoeiros n° 59".
O anúncio seguinte, entretanto, deve ter sido feito por algum ganhador, sem levar em conta o
regulamento da Igreja pois, do contrário teria no seu aviso colocado um troca-se em vez de vende-se.
"PALAVRAS SANTÍSSIMAS
E ARMAS DA IGREJA
Contra o terrível flagelo da peste, com a qual se tem aplacado a Divina Justiça, como se viu no caso que sucedeu no Real Mosteiro de Santa Clara de
Coimbra em 1480. Vende-se na rua da Quitanda n° 174, Preço 320 réis".
O que os drs. Paulo Candido, Meireles, Sigaud, Pacheco da Silva, e outros eminentes médicos, pensam
de tais remédios, eu não sei; mas acredito que eles, juntamente com muitos dos habitantes do Rio de Janeiro, sabem julgar na forma devida esse
charlatanismo religioso. Diga-se em bem da verdade que, durante o pânico geral, a igreja militante fez uma intimação contra isso, e os jornais de
setembro de 1855 estão cheios de notícias circunstanciadas sobre vários processos penitenciários.
Esses apelos aos fiéis não foram feitos em vão. As imagens eram transportadas através das ruas; imensas procissões de velas acesas, em que se
notavam delicadas senhoras descalças, eram frequentemente realizadas. Com todas essas precauções, a peste não cessou, apesar da cidade não haver
perdido o seu aspecto normal de negócios.
O senso comum porém, não abandonou o Rio, apesar do pânico que então prevaleceu. As autoridades
seculares, instadas pelos hábeis diretores dos principais jornais da cidade, acabaram por proibir as procissões, pois expunham os seus
frequentadores à disseminação da doença; assim os santos não tiveram mais procissões, e as jovens damas só ficaram descalças em casa.
É uma satisfação ver-se, nessa crise, a atitude do monarca. O imperador e sua família não abandonaram o palácio próximo da cidade, a fim de animar
com a sua presença o povo, embora, fosse a época habitual de sua ida para a residência de verão em Petrópolis. S. Majestade visitava os hospitais,
superintendia as medidas sanitárias, além de contribuir largamente para o fundo em benefício dos doentes pobres.
Não podemos dedicar maior espaço à religião no Brasil — interessante mas penoso assunto — penoso, para todo verdadeiro cristão, amigo do povo
brasileiro. Se nós considerarmos o Brasil do ponto de vista religioso, ficaremos admirados da soma de ignorância e superstição que aí domina.
Que se leiam os Sketches do Sr. Ewbank e
ver-se-á, arqueologicamente considerado, como são estreitas as relações entre a Roma pagã e a Roma cristã. Se temos certeza que essa Igreja um dia
receberá as luzes da sabedoria, não haverá necessidade dela permanecer na escuridão, ou nos lampejos de uma pequena lâmpada, quando poderia ter o
clarão de um sol meridiano. Possa essa luz cair sobre o Brasil [A33]!
Notas do autor:
[A29]
Isso se deu durante a Regência, quando o Padre Antonio Maria de Moura foi nomeado para o bispado vago no Rio de Janeiro.
[A30]
Em 1852, John Candler e Wilson Burgess, dois filantropistas ingleses, pertencentes à Sociedade dos Amigos, vieram ao Brasil com o propósito de
apresentar ao Imperador "um manifesto sobre a escravidão e o tráfico de escravos". O seu modo singular de vestir chamava muita atenção nas ruas "e,
em certa ocasião", contam eles em sua narração da viagem, "quando passávamos pela rua Direita, um cavalheiro brasileiro chegou-se a nós e, num
incorreto inglês, informou-nos de que tinha estado na Inglaterra e conhecia os Quakers. Eles (os brasileiros), me perguntaram: — "quem são
esses?" — e eu respondo: — "Amigos, gente muito boa".
Reconhecendo-lhe as boas intenções, perguntamos-lhe onde ficava a Biblioteca Nacional, que
estávamos procurando. "Vou até lá com os senhores". E tomando-nos nos braços, levou-nos por uma estreita viela, que nós acabávamos de evitar. Uma
igreja católica dava as portas para esse logradouro e numerosas pessoas estavam paradas, de cabeça descoberta, em frente a elas.
Pedimos-lhe que não nos levasse por ali, pois não poderíamos tirar o chapéu como prova de respeito
pela missa, e não queríamos ofender os sentimentos de ninguém. "Não se importem com isso", foi a sua resposta, "deixem isso comigo" e, dirigindo-se
para onde estavam as pessoas, passou de cabeça descoberta entre elas, dizendo: — "São meus amigos; devem ser dispensados", e fomos tolerados,
podendo passar sem obstáculo. Semelhante dispensa não é permitida em Portugal". Narrative of a recent visit to Brasil, por John Candler e
Wilson Burgess. Londres, 1853. Edw. Marsh.
[A31]
No Brasil, a familiaridade com as coisas da nossa sagrada religião aboliu toda espécie de veneração. Na Bahia, contou-me um cavalheiro católico o
seguinte fato, ocorrido na província de Sergipe del Rei, no ano de 1855. Foi durante uma festa de igreja, num sermão sobre a crucificação. Um índio
civilizado, pela promessa de ganhar muita cachaça, consentiu em representar Jesus Cristo sobre a Cruz. A sua posição era bastante incômoda, e junto
à base da cruz estava um balde cheio de cachaça, e mergulhada nesta uma esponja amarrada na ponta de uma vara comprida. A pessoa que se incumbira de
refrescar o caboclo, esqueceu-se da incumbência, toda embebida na eloquência floreada do padre. O índio, porém, não se esqueceu do contrato e, com
grande surpresa e hilaridade da assistência, gritou: "Ó senhor judeu, SENHOR JUDEU, mais fel!"
[A32]
Carta pastoral publicada em março do ano de 1846, no Rio de Janeiro. Ver também "Notícia Histórica de Santa Prisciliana", no Anuário do
Brasil de 1846.
[A33]
Nota de 1866 — Há atualmente vários templos protestantes brasileiros no país. Os pastores regularmente ordenados por essas igrejas podem legalmente
executar a cerimônia do casamento. A cláusula constitucional relativa à tolerância religiosa foi posta à prova por três vezes e demonstrou não ser
letra morta. A Imprensa Evangélica é o periódico quinzenal dos protestantes do Rio, e tem tido razoável sucesso. Vários fiéis pregadores do
Evangelho, europeus e norte-americanos, estão atualmente trabalhando com êxito animador.
Nota do tradutor:
[T33]
Raimundo José da Cunha Matos, brigadeiro, escreveu: Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão pelas províncias de Minas Gerais e Goiás
— Rio de Janeiro, 1836; um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. |