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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
O urubu perneta e o lixo bom da Refinaria

Cubatão tem muitas histórias acumuladas em seu passado recente, de grandes transformações. Como as relatadas por Florivaldo Cajé, em matéria publicada na edição especial Cubatão 42 Anos do jornal santista A Tribuna, em 9 de abril de 1991:


Trabalhadores preparam as fundações da Cosipa, no final da década de 1950
Foto: livro A História da Cosipa, de Martinho Prado Uchôa

Estórias de gente e de bichos que fizeram o pólo industrial

por Florivaldo Cajé (*)

I - Gosto de ouvir as lendas de Cubatão, como a das famosas tainhas caçadas a bala, pelo Gigino Trombino, nas águas do rio. Me encanta o lirismo da poesia de Afonso Schmidt, aquela que fala do bambual que rumoreja ao vento. Eu mesmo tomei os famosos banhos no Pereirinha; e presenciei muitas brigas entre bairros pelo futebol e pelo namoro das mocinhas. E lembro com saudades dos bailes do Ponte Nova, da Casa Verde do Casqueiro; da Fabril; da Light e do Guimarães.

Também tenho as minhas estórias, como as da construção da Cosipa. Nos tempos da construção da Cosipa, havia o Maracangalha. Aos sábados, todas as mulheres de vida de Santos vinham para o Maraca.

II - Cobravam alto, mas, a peãozada pagava. Bebia-se champagne e whisky naquele pedaço. A grana corria. Tudo se vendia e se comprava. O pagamento era semanal nos gatos (N.E.: apelido dado aos contratadores de serviços temporários) e na Cosipa mensal, mas, saía um vale no meio do mês.

Os peões moravam em alojamento. Só a Cosipa tinha mais de 3.000 peões alojados. Pareciam campos de concentração.

Os gatos espalharam seus alojamentos em volta da Cosipa.

Cubatão era longe. A coisa mais parecida com uma cidade era a Vila Parisi. Havia o bar da Estação, que devia vender umas 10 caixas por dia, de Tatuzinho e 3 Fazendas (N.E.: marcas populares de cachaça).

Muita gente morava em Cubatão e Santos, mas boa parte vivia nos alojamentos mesmo. Havia gente de todos os cantos do Brasil. Do Amazonas aos gaúchos, baianos, cearenses, pernambucanos paraíbas, mineiros etc. Ainda os há. Fizeram a Cosipa.

Muitos morreram.

III - Muitos mais, foram fazer outras grandes fábricas. Muitos casaram por aqui mesmo. Outros voltaram pra suas terras. Foi um tempo duro e muito louco. No começo, a Cosipa parecia um imenso paliteiro. Eram as pontas das estacas, onde seria assentada a Laminação. No verão, o calor era feroz. No inverno, o frio era terrível e úmido.

Havia códigos de honra. Jamais se chamava um nordestino de safado, um gaúcho de chimango ou um cearense de baitola. Correria sangue. Todos trabalhavam. Não havia tanto bombril, tanto gibis esquentados ou quita por dia.

Em fins de 1962 o Congresso Nacional aprovou a lei do 13º salário; a Cosipa resolveu pagar aos mensalistas no dia 21 de dezembro, deixando as horas para o começo do ano. Houve protestos. A reação se espalhou como estopim. No dia seguinte, os acessos e a frente do prédio da Administração da Cosipa estavam tomados e ocupados pela peãozada.

Cercaram o prédio. Ninguém podia sair. Instalou-se o terror. Veio o delegado, a direção do sindicato e o da Cosipa. Estabeleceu-se alguma ordem. Arranjaram-se interlocutores com o sindicato.

IV - Negociou-se, mas a massa não arredava pé. "Queremos o nosso hoje". Era a palavra de ordem. Trouxeram dezenas de sacos enormes cheios de dinheiro (só existia então o Cabral) (N.E.: referência à cédula de Cr$ 1,00, com a efígie de Pedro Álvares Cabral). Às 18 horas, começou o pagamento, em meio à maior bagunça. João recebeu pelo Zé, que recebeu pelo Tonho, que recebeu pelo Mané, que chiou que o seu era mais. Chico recebeu muito mais do que lhe era devido, Paulo e Pedro também. Caíram no mundo. Não voltaram para o trabalho.

Dia seguinte era antevéspera, depois Natal. E a paz logo foi restabelecida. Ficaram os casos, as valentias, a história e a Cosipa sendo feita.

V - Há também a história de um urubu que só tinha uma perna.

Contavam que este urubu e um velho catador do lixão que existia em Pilões, por ocasião da desativação deste e da inauguração do aterro sanitário lá nos Areais, encontraram-se, como todo o dia, para um papo. Após andarem pelo lixão, um pelo alimento e o outro pela catação, tiveram o seguinte diálogo. Disse o velho ao urubu perneta:

"Vê só, agora que tou pra me aposentar, eles vão acabar com o lixão. Não têm o menor respeito com os mais velhos, nem comigo, que sou do tempo da Alemoa (o lixo de Cubatão antigamente era levado para a Alemoa).

O urubu perneta completou:
 

"Nem comigo, que também vim de lá..."

Contam também que um engenheiro novo assumiu a chefia do Serviço de Limpeza Urbana. Aí, foi ao lixão e reuniu todos os catadores e iniciou um papo longo, incompreensível para eles, sobre higiene, educação, iniciativa, progresso. Lá pelo meio da conversa, alguém do fundo gritou:

"Pessoal, tá chegando o lixo bom da Refinaria".

Todo mundo saiu correndo, deixando o doutor falando sozinho.

E a estória do Toninho Marreta, da cachaça com cobra dentro? Contam que ele fez um delegado de Polícia, famoso, tomar uma talagada, que era bom para a gota...

E a estória do vereador que revogou a lei das marés e da gravidade, para parar a água que invadia as casas na Vila Socó?

(*) Florivaldo Cajé é ex-presidente da Câmara de Cubatão e do Condema.

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