A professora Evânia defende a preservação do
cemitério,
onde foram sepultados judeus que viviam na região até 1966
Foto de José Moraes, publicada com a matéria
Professora desvenda mistério do cemitério judaico
O cemitério está localizado em Cubatão e é tema de monografia
Manuel Alves Fernandes
Da Sucursal de Cubatão
O mistério das velhas lápides do esquecido cemitério
judaico existente em Cubatão, desde a época em que a Cidade pertencia a Santos, começa a ser desvendado, a partir da tese de uma professora de
História nascida no Município. A exemplo de muitos moradores da cidade, Evânia Martins Alves tinha, desde criança, uma grande curiosidade sobre esse
campo santo, localizado ao lado do Cemitério Municipal de Cubatão, sobre o qual ninguém sabia dar nenhuma informação.
A partir de uma tese de conclusão do curso de História, na UniSantos, Evânia chamou a
atenção das autoridades municipais que, depois de muitos contatos, tomando por base dados obtidos por ela, conseguiram uma resposta positiva da
Sociedade de Cemitério Israelita de São Paulo, a Cevra Kadisha.
Marcos Zlotnik, presidente da sociedade, enviou em julho ofício ao prefeito José
Osvaldo Passarelli, comprometendo-se a restaurar os túmulos (esquecidos durante três décadas), desde que o município promova obras de arruamento,
asfaltamento e colocação de pontos de água e luz na área. O local está murado e fechado (o acesso se faz por um portão aberto só com autorização
especial do administrador do cemitério municipal) há cinco anos.
Mas, até o final da década de 80, o cemitério era aberto à curiosidade pública. O
prefeito José Osvaldo Passarelli tinha, até a manifestação da sociedade israelita, a intenção de ampliar o cemitério municipal, ocupando essa área
que, para os mais antigos moradores (revelando uma certa ignorância e superstição que perseguem os judeus durante séculos) "é assombrada".
A última - Na verdade, é um lugar que destoa do cemitério cristão apenas pelo
formato das lápides que ostentam a estrela de David dentro de uma percepção de necrópoles no estilo do Século XX.
O levantamento de Evânia indica que esse foi o único cemitério judaico da região, até
1966. Kaklia Brasnopolshky teria sido a última judia sepultada na região, em 18 de junho de 1966. Há 68 sepulturas no cemitério israelita de
Cubatão. A maioria deles apresenta lápides em bom estado de conservação.
Sobre os túmulos há muitas pedras cobertas de limo, indicando que, no passado, o
cemitério recebia muitas visitas. É costume judaico colocar uma pedra sobre o túmulo, a cada visita. Os israelitas que falecem na Baixada Santista
são sepultados, atualmente, nos cemitérios judaicos da Vila Mariana, Butantã ou Embu, no Planalto.
Evânia, que hoje leciona na Escola Estadual Afonso Schmidt, lutou com muitas
dificuldades para concluir a pesquisa que originou a tese, abordando usos e costumes dos israelitas na Baixada Santista. Tomou depoimentos de
antigos moradores em Cubatão. Alguns registram que os cemitérios judaico e cristão já existiram no sopé da Serra do Mar, nas áreas hoje ocupadas
pela Refinaria Presidente Bernardes.
Com a construção da refinaria, os corpos foram transportados juntamente com as
lápides, para o local atual: o Sítio Cafezal.
Preço - A transferência do velho cemitério (datado de 1902) para esse sítio (na
Rua José Vicente) completou-se em 1952. A área dos antigos cemitérios israelita e cristão foi concedida por ato da Prefeitura de Santos e a venda
concretizou-se quando o município se emancipou. A Prefeitura de Cubatão recebeu pelo negócio Cr$ 537.856,00 (em moeda da época), utilizados na
compra do terreno para o novo cemitério. Respeitando o antigo acordo, uma pequena área à esquerda da entrada principal foi reservada para as
sepulturas judaicas.
De 1952 até 1966, houve mais 23 sepultamentos de israelitas nesse cemitério. Há 62
nomes inscritos nas lápides e seis sepulturas não identificadas, embora contenham o registro de data do falecimento.
No cemitério há 68 sepulturas e a maioria apresenta
lápides em bom estado de conservação
Foto de José Moraes, publicada com a matéria
Pesquisa revela sepultamentos discretos
Desde criança Evânia tinha curiosidade em saber por que havia um cemitério israelita
em Cubatão, se, na Cidade, não viviam judeus. "Descobri, quando adulta, que muita gente também queria desfazer esse mistério. Os poucos
sepultamentos ali ocorridos sempre foram feitos de forma muito discreta, poucas pessoas os presenciaram".
Em 1991, ela decidiu pesquisar a origem do cemitério israelita, como parte do trabalho
de tese de conclusão no curso de História na UniSantos, sob a orientação da professora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade. A tese tem o seguinte
título: O cemitério israelita de Cubatão - um capítulo da história dos judeus na Baixada Santista (1930-1967).
A maior parte dos dados dessa reportagem toma por base a monografia de conclusão do
curso de História elaborada por Evânia, que aborda a história do povo judaico, a dispersão dos judeus após a destruição de Jerusalém, no ano 70 da
era cristã; a vida desse povo, espalhado pela Europa e Norte da África, durante a Idade Média; as perseguições no período da Inquisição e,
posteriormente, nas guerras mundiais e a fundação do Estado de Israel, em 1958.
Judeus sefaradins (da Europa Ocidental e Norte da África) e ashkenazins
(alemães da Europa Oriental, na maioria) vieram para o Brasil, logo após a descoberta, isoladamente, na maioria como cristãos novos e convertidos ao
cristianismo. A primeira leva de colonos judaicos chegou em março de 1882, estabelecendo-se no Rio Grande do Sul.
Em Santos - Estão sepultados em Cubatão judeus que moravam principalmente em
Santos. Conforme a pesquisa de Evânia, há hoje no Brasil 130 mil judeus, sendo que 80 mil vivem em São Paulo. Os que vivem em Santos são na maioria
filhos de imigrantes ou imigrantes procedentes da Europa Oriental (ashkenazins), principalmente da Polônia, Ucrânia e Rússia.
Porto de entrada, Santos atraiu principalmente
pequenos comerciantes que se estabeleceram com as famílias na Rua Júlio de Mesquita, Vila Mathias e imediações.
Montaram lojas na Rua Senador Feijó. Acumulando alguma riqueza, mandaram os filhos estudar na Capital. Há hoje cerca de 150 famílias de origem
israelita em Santos, já espalhadas pela Cidade, muitas com membros proeminentes na comunidade. A Sinagoga Beit Jacob na Rua Campos Sales, 143 (onde
se realizam os cultos religiosos), e o Centro Cultural Israelita-Brasileiro de Santos, na Avenida Conselheiro Nébias, 254, concentram os membros
desse povo tão perseguido pela intolerância política (disfarçada de religiosa) e tão brilhante na manutenção fiel de usos, costumes e idéias de
respeito social.
Mistério - "Não tendo Cubatão registros marcantes de passagens de judeus, por
alguma razão política ou social que desconhecemos, o território cedido pela comunidade para o sepultamento das pessoas de origem judaica estava
situado em Cubatão", assinala Evânia. Em 1929, Cubatão ainda pertencia a Santos. Inicialmente, o cemitério judaico ficava próximo ao cristão, na
área hoje ocupada pela Refinaria Presidente Bernardes. A pesquisa indica que desde essa época houve sepultamentos nessa necrópole.
Em 1951, corpos e lápides dos dois cemitérios foram transferidos para o Sítio Cafezal,
onde hoje está localizado o Cemitério Municipal de Cubatão. O Cemitério Israelita ocupou um pequeno pedaço de terra situado à esquerda do cemitério
cristão. Até 1967 registraram-se ali sepultamentos que obedeciam ao ritual religioso judaico.
A perda da autonomia política, em 1969, fez com que a identidade histórica da cidade
se desfigurasse. Perdeu-se também parte dos usos e costumes, com a implantação acelerada do pólo industrial e a mudança de famílias tradicionais
para Santos e região. Evânia acredita que, a partir de 1967, os israelitas mortos na região passaram a ser sepultados na Capital.
Já nas décadas de 40 e 50, muitas famílias judaicas levavam os corpos dos mortos para
São Paulo. O número de sepulturas no cemitério israelita de Cubatão é pequeno demais para a quantidade de judeus existentes na região. E para
aumentar o mistério, o número de mulheres sepultadas em Cubatão é três vezes superior ao dos homens (que eram enterrados em alas apartadas das
mulheres. Há, presumidamente, apenas uma criança do sexo feminino.
Na década de 70, a Prefeitura de Cubatão mandou fechar o cemitério. Hoje o acesso só é
possível por um portão de ferro e a partir do cemitério cristão. O local ficou isolado durante anos. Nesse período, desde a época do ex-prefeito
Carlos Frederico Soares Campos, a Prefeitura tentou manter, sem muito sucesso, contatos com autoridades israelitas, com o propósito de ocupar a área
para a expansão do cemitério cristão. (MAF).
Tese de uma professora ajuda a desvendar o mistério
sobre velho cemitério judaico
Foto de José Moraes, publicada com a matéria
Paquetá também pode ter recebido judeus
Embora o Cemitério Israelita da Baixada ficasse situado em Cubatão, há suspeita de
que, desde 1919 - conforme apurou Evânia - houve sepultamentos judeus em Santos. Provavelmente no Cemitério do
Paquetá, segundo o depoimento de Oscar Costa Macedo, um antigo zelador do Cemitério de Cubatão. De acordo com ele, os corpos foram transferidos
do Paquetá para Cubatão.
Evânia não encontrou nenhum documento que comprovasse os sepultamentos no Paquetá. Mas
algumas lápides registram o nome de Santos. A partir de 6 de setembro de 1929, a Associação Beneficente Religiosa Israelita consegue aprovar na
Câmara de Santos disposição reservando uma área para a construção de um cemitério judaico no então Distrito de Cubatão.
A área, com 1.940 metros quadrados, passou a ser utilizada a partir de 1930 e, 65 anos
depois, contém apenas 68 sepulturas ocupadas conforme previa a concessão, exclusivamente por membros da Associação Beneficente Religiosa Israelita,
presidida na época por Suzana Rosenreth.
Quem eram - "Não foi possível obter com exatidão quem são realmente as pessoas
sepultadas no Cemitério Israelita de Cubatão", informa Evânia. Ela obteve uma cópia feita, em 1981, por Luiz Paulo Mallen Barbosa, da relação de 65
nomes de mortos (embora haja 68 sepulturas).
Pelo menos 15 mortos relacionados não têm seus nomes gravados nos túmulos (a pesquisa
foi feita com o auxílio de um especialista no idioma judaico que leu as lápides).
Conforme depoimento dado a Evânia pelo então presidente da Associação Israelita de
Santos, Maurício Asnis, as pessoas sepultadas no Cemitério Israelita de Cubatão não têm parentes em Santos e os seus sobrenomes não são conhecidos.
Da mesma forma, conforme Giuseppe Nahaissi (do corpo de redatores da revista O Hebreu), não é costume judaico visitar túmulos de pessoas que
morreram há muito tempo.
A maior parte dos sepultados nesse cemitério são mulheres procedentes
da Polônia, Rússia e Leste Europeu. Muitas lápides exibem lamentos "de amigas e companheiras"; outras, de membros da Associação Israelita Religiosa
de Santos ou de "irmãos e irmãs" da mesma associação.
História - Oscar Costa Macedo presenciou sepultamentos judaicos nesse
cemitério. "Tanto pobres quanto ricos eram enterrados da mesma forma, num caixão simples e barato. O morto era enterrado como veio ao mundo, envolto
apenas num lençol. O rabino vinha acompanhado dos familiares e amigos do morto, todos com a cabeça coberta. Formavam um círculo em torno do túmulo e
nada se via.
Quem lava o defunto e o envolve num lençol costurado (um pedaço de lençol é dado à
família), quem trata do enterro é a sociedade funerária judaica de cada região, que também conduz a leitura dos salmos. Os judeus sepultam apenas
uma pessoa em cada túmulo, não aproveitando a sepultura depois do período (conforme o costume cristão) de decomposição, para utilizá-la com outro
morto.
Evânia gostaria de ver o cemitério israelita preservado, embora admita que o prefeito
José Osvaldo Passarelli necessita de áreas para ampliar o atual cemitério municipal. Na luta pela preservação histórica do local, conta com o apoio
do vereador Mychajlo Halajko Júnior (PMDB), que divulgou a tese que ela apresentou em 1991.
O vice-prefeito Marcos Antônio Pinto Dias, quando ocupava o cargo de Secretário
Municipal de Obras, manteve contatos com o presidente da Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo, Marcos Zlotnik. Tanto Marcos quanto Passarelli
acreditam ser possível um acordo que preserve tanto o cemitério judaico quanto os interesses do município. (MAF). |