No cemitério, mortos ilustres; ao redor, antigos casarões abandonados pela aristocracia
Um fantasma, sim senhor, no...
"Eu vi, com esses olhos que Deus me deu, o fantasma. Era
mulher"
"Era homem, vestido de mulher".
"Homem ou mulher, aquilo é fantasma".
Frases como essas se ouviam por todos os lados, sempre acompanhadas de olhares de espanto, benzimentos, três
batidinhas na madeira ou outros gestos populares próprios para afastar coisas ruins. Segundo o que se dizia, havia um fantasma no portão do
Cemitério do Paquetá, que aparecia à noite, rondava o local por meia hora e ia embora, a passos lentos, pela Rua Bittencourt.
A notícia tomou conta de Santos, alvoroçou gente de todos os bairros, principalmente do Paquetá, Mercado e Vila
Nova. Não se falava em outra coisa e o Fantasma do Paquetá virou até notícia de jornal.
Conforme o jornalista Olao Rodrigues relata no Almanaque de Santos, de 1970, o fantasma surgia pelos
lados da Rua São Francisco, postava-se diante do portão principal, acenava com um lenço para o interior do cemitério e depois levava o lenço aos
olhos, por baixo do véu que cobria a cabeça, como se enxugasse uma lágrima. Era uma mulher, algumas vezes vestida de branco, outras de preto.
Tinha os cabelos soltos nas costas e usava um cordão branco de pontas douradas preso à cintura.
A cena se repetia todas as noites, muitos populares se entusiasmaram e se propuseram a assistir ao espetáculo
misterioso. Para aumentar o espanto generalizado, muitos dos que iam ao Paquetá á meia-noite para ver com seus próprios olhos juravam que
realmente havia um fantasma solto por lá.
Enquanto alguns atribuíam tudo à imaginação, cisma ou superstição, outros começaram a temer pelo pior e
apresentar queixas na Polícia. Não faltavam reclamações contra a passividade dos policiais, e, como cresciam a cada dia, o major Evangelista de
Almeida decidiu dar caça ao fantasma.
Ele queria esclarecer de vez o caso e ordenou que um pelotão de praças da Cavalaria ficasse a noite toda em
frente ao cemitério. Nem é preciso dizer que juntou uma multidão daquelas no local. Afinal, todo mundo queria assistir ao espetáculo do século: os
policiais tentando deter uma alma do outro mundo!
Só que, para desconsolo daquela gente toda, o fantasma não apareceu. Deu meia-noite, uma hora, e nada. Até que a
polícia resolveu dar um show diferente: dispersou brutalmente a multidão, agredindo-a com chicote e espada. Formou-se uma confusão danada e
muitos ficaram feridos.
Desde essa data - 27 de julho de 1900 - o fantasma do Paquetá nunca mais apareceu...
...cemitério de mortos ilustres
O Cemitério do Paquetá sequer estava totalmente pronto
quando foi inaugurado, a 18 de outubro de 1853. Os primeiros sepultamentos aconteceram nesse mesmo dia, pois não havia mais espaço em nenhum dos
outros locais onde se enterravam os mortos de Santos, entre eles o Convento de Santo Antônio do Valongo.
Passados quase 130 anos, o cemitério está totalmente tomado por grandes e ricas sepulturas. Há tempo não
comporta mais nenhum túmulo, e só são enterrados lá membros de famílias tradicionais, donas de jazigos ou integrantes de confrarias responsáveis
pelas quadras em que se divide o lugar.
No Paquetá estão sepultados muitos santistas ilustres, entre eles o famoso médico e poeta parnasiano Martins
Fontes; o advogado, abolicionista e poeta Vicente de Carvalho; o pintor Benedito Calixto, que nasceu em Itanhaém, mas viveu em Santos e muito
contribuiu para divulgar o nome da cidade; e Barnabé Francisco Vaz de Carvalhaes, que foi proprietário do antigo colégio Barnabé e o doou à
Prefeitura.
Se a lista for ampliada, podem ser citados o deputado e senador Galeão Carvalhal; o vereador e deputado Azevedo
Júnior; o fundador de A Tribuna, Olímpio Lima, e o continuador de sua obra, Nascimento Júnior. E Esmeraldo Tarquínio, morto no mês passado.
Às segundas-feiras, dia dedicado às almas, tornou-se tradicional a ida de muita gente ao Paquetá, para acender
velas junto ao cruzeiro. É grande também a afluência de pessoas junto ao túmulo do tenente João Comensono Wandenkolk, a quem se atribui milagres.
Ninguém sabe explicar o por quê da devoção a esse que é tido como um herói da Guerra do Paraguai, mas sua sepultura está sempre cercada de
devotos, cheia de balas, doces e velas.
Quem diria? No lugar de um pantanal, terra firme
Tem gente que não acredita que o Paquetá de outros tempos
não passava de um pantanal, desses bem pegajosos. Mas os velhos santistas estão aí para provar: não que tenham vivido nessa época, mas porque
ouviram os pais e avós contarem.
Além do mais, a própria palavra Paquetá significa lugar de atoleiro forte. Segundo o historiador
Francisco Martins dos Santos, o termo é originário de paã-ique-tã. Paã quer dizer atolar; ique, lado ou costado; e tã,
duro, forte.
Mas como pôde o pântano desaparecer sem deixar vestígios? Para entender melhor isso, basta conhecer um pouco da
história de Santos.
Um sítio acanhado - Até fins do século XVIII, Santos não evoluiu quase nada em relação ao que fora em
meados do quinhentismo. As águas do Estuário chegavam até as proximidades das atuais praças Azevedo Júnior, Barão do Rio Branco e da República. A
área urbana não ia além das ruas São Bento, a Oeste; Braz Cubas, a Leste; e João Pessoa, ao Sul.
O lugar sofria as conseqüências de ser todo em planície encharcada e cortado por vários ribeirões. Mas, com a
construção do Porto e dos primeiros escritórios da antiga Companhia Docas, acabou o freqüente vasa de marés em alguns pontos.
O porto e as mudanças - Primeiro foram inaugurados 260 metros de cais, nas proximidades da estação
ferroviária (Valongo) e, depois, continuou-se a obra até o Paquetá. Paralelamente, o centro urbano passa por reformas: são abertas novas ruas e
alargadas outras, construídas praças, canalizados e cobertos ribeirões.
E tudo se articulou melhor a partir da Comissão de Saneamento da Cidade, que entrosou seus trabalhos com os da
antiga Cia. Docas, que continuava a expansão do cais. Logo a Vila Nova e o Paquetá eram áreas perfeitamente habitáveis, e para esses bairros
mudaram-se tradicionais famílias que até então moravam no Centro.
Não demorou muito e novamente as famílias tiveram que ceder lugar para o comércio, os armazéns e as indústrias.
Entre o final da década de 1920 e a de 30, partiram para o Gonzaga, Boqueirão e José Menino, que passaram a se destacar como as melhores zonas
residenciais.
Diversidade e destruição - O Paquetá de hoje apresenta uma grande diversidade em termos de uso. Há muitos
armazéns, comércio em geral, muitas oficinas de automóveis e serviços ligados a diversões noturnas, como bares e boates.
A deterioração física das edificações se acentuou a partir do alargamento da Avenida Xavier da Silveira e Rua
João Pessoa e a área certamente passará por um grande processo de renovação. Não que alguém se lembrará de restaurar e preservar as edificações
que marcam a arquitetura de outra época: dadas as atividades que se desenvolvem na área, os imóveis remanescentes da antiga ocupação serão
destruídos para a apropriação de grandes espaços. Como, aliás, já vem ocorrendo. |