A Capela de Nossa Senhora Aparecida é um dos principais
pontos turísticos do bairro
Foto: José Mário, publicada com a matéria
Bairros - A história em ruínas
A história dos bairros de Cubatão se confunde com a história da própria Cidade.
Um dos bairros mais saudosos da população cubatense é a Vila Fabril, que teve um papel importante para o desenvolvimento de Cubatão e que,
atualmente, luta para manter as suas poucas lembranças do início do século passado.
Há pouco mais de um ano, Cubatão começava a perder mais
um pouco da sua história, quando foi demolida grande parte da área residencial da extinta Companhia Santista de Papel, na
Vila Fabril.
O bairro, entre as décadas de 30 e 50, era considerado como a área nobre da Cidade,
chegando a ser chamado de "Capital de Cubatão", em virtude da beleza e da grandeza das suas casas que eram consideradas as melhores de toda a
região.
A área residencial possuía 146 casas quando o Município foi criado, em 1949, para
abrigar os funcionários da Cia. de Papel.
Grande parte de seus moradores era de imigrantes italianos e portugueses. Enquanto a
Light funcionava como um condomínio fechado, onde a única atividade comercial permitida era dos vendedores que traziam
mercadorias para serem oferecidas de porta em porta, a Fabril possuía um perfil mais próximo ao de uma vila, já que neste local se permitia a
instalação de pontos comerciais.
A construção seguia o estilo inglês, nos primeiros anos do século passado. Era um dos
primeiros exemplos de vilas operárias da Baixada Santista, anterior à também vila residencial da Usina Henry Borden, erguida
na década de 20.
A Cia. Santista de Papel foi fundada no início do século XX, sendo uma das fábricas
papeleiras mais antigas do País. Com equipamento modernizado e produção destinada à exportação, pertence hoje ao conglomerado da Ripasa. No início
da década de 90, a empresa começou a demolir parte das casas, à medida em que eram desocupadas pelos operários que se aposentavam.
Atualmente, várias casas da Vila já foram demolidas e a população mais antiga de
Cubatão garante que essa ação pode ser considerada como "um crime contra o patrimônio histórico". Várias casas da Rua do Cinema (onde durante muitos
anos funcionou o cinema do Zéca Machado) já tombaram. Entre curiosos e revoltados, os moradores remanescentes da Vila, com medo de perseguição, se
calam em meio à destruição e lamentam a ruína de um passado de glórias. |
Festa Junina em 1970
Foto: arquivo pessoal/Arlindo Ferreira, publicada com a matéria
A Fabril que ninguém desmancha
Por Edenir Esteves (*)
Os antigos moradores da Fabril se reúnem anualmente para matar
as saudades de um dos bairros mais queridos de Cubatão. Como filhos pródigos, "errantes" e espalhados por todo o País, eles acodem de pronto ao
chamado da sua comunidade. Assim, debruçam no passado à procura de um tempo perdido. Reverenciando, sem lágrimas, aqueles que entre nós viveram
felizes e se foram para sempre. Filhos de uma terra de sol, sem ódio e cercada de amor. Um povoado humilde que irradiava uma intensa magia aos
visitantes.
Seis pequenas ruas sem calçamento e orladas por fileiras de casas geminadas, assim era a
Fabril. Nos fundos, longos quintais separados por cercas de bambus. E a Via Anchieta, a lembrar uma enorme
serpente enroscada na encosta da Serra do Mar. Abaixo, na parte leste da vila, o rio preguiçoso seguindo seu curso de águas límpidas e cristalinas,
onde nos banhávamos nas tardes quentes de verão e onde a pesca do robalo se fazia religiosa todas as manhãs de domingo. O langoroso apito a vapor da
fábrica, ecoando pelas entranhas do vale, anunciava o início e o término de mais uma jornada de trabalho, onde brasileiros e imigrantes portugueses,
italianos, húngaros, alemães e espanhóis labutavam, lado a lado, na produção do papel. Nunca se soube ao certo quantos eram.
Na faxina diária e nas festas, eles estavam sempre juntos a sorrir, homens, mulheres, jovens
e crianças. Eram todos irmãos, tinham os mesmos rostos, as mesmas crenças, os mesmos sonhos que nos ensinaram a caminhar com nossos próprios pés por
estradas de esperanças numa eterna primavera.
Infância pobre e de pés descalços, os meninos brincando de pique ou jogando bola nas ruas,
enquanto as meninas entoavam cantigas de roda. E, assim, continuávamos vivendo sem saber que, à nossa volta, o mundo vivia sob a ameaça dos
cogumelos atômicos e que algumas dezenas de milhões de mortos numa guerra estúpida e sem sentido virariam história. Nunca havíamos ouvido falar em
disputas ideológicas, segregações religiosas ou raciais, centrais sindicais, greves ou economistas.
Atualmente, a vila não passa de um amontoado de escombros e casas em ruínas, sem manutenção
e com poucos moradores. Somente nossas lembranças como fantasmas vagueiam pelas ruas desertas sem vida onde, vez por outra, ainda transita um velho
ônibus. Já não se ouve mais o badalar dos sinos da igrejinha de Nossa Senhora da Aparecida, onde nossos pais se casaram e nós recebemos nosso
primeiro sacramento.
Nossas recordações se amontoam como uma pilha de velhos livros em algum lugar no sótão de
nossas memórias. Mas chegará por certo o dia em que saudades pousarão sobre os nossos túmulos como as folhas caídas do outono. E por entre os
amontoados de guardados já oxidados, os que ficarem hão de procurar sem pressa em uma ou outra página amarelecida pelo tempo a nossa história
vivida. E a nossa Fabril viverá para sempre em nossas memórias e nos nossos corações.
(*) Edenir Esteves é aposentado, nasceu e foi criado
na Fabril. |