QUARTA PARTE (1911-1915)Capítulo LIV
Decisão afirmativa da Justiça
Mister não era todo esse alarido, para que ficasse manifesta a legitimidade da taxa. Bastava recordar a interpretação legal e
administrativa no caso.
Foi o que fez J. X. Carvalho de Mendonça, com a abundância de documentação já revelada em questões anteriores, principalmente a da exibição de livros. Em primeiro lugar, estatuindo a lei n. 1.746, de 13 de outubro de 1869, que os empresários
poderiam perceber, pelos serviços prestados em seus estabelecimentos, "taxas reguladas por uma tarifa proposta pelos empresários e aprovada pelo Governo", era claro que não existia uma tarifa legal geral, mas aquela que, em cada caso, fosse
aprovada. Era, pois, sem base a arguição, tão velha quão repetida, das taxas de Santos contrárias à referida lei de 1869. Essas taxas tinham sido ali fixadas, pelo contrato de concessão e suas modificações posteriores obedeceram sempre ao que
aquela lei determinava.
Não procedendo, pois, a arguição da ilegalidade das taxas portuárias da empresa, prevalecia a da sua dualidade? A velha questão das capatazias, conforme vimos, provinha da presunção de que, cobrando as taxas de carga e descarga, não era lícito à
empresa cobrar as das capatazias, sem embolsar duas vezes uma taxa pelo mesmo serviço.
O engano provinha da confusão entre as primeiras, que melhor se chamariam de utilização do cais pela mercadoria, e as segundas, que nada mais eram que a movimentação desta para o embarque ou desembarque. Umas retribuíam capitais empregados na
construção; outras, pagavam serviços feitos; de modo que as primeiras só existiam nos portos melhorados, ao passo que as segundas se cobravam tradicionalmente em todas as alfândegas de nossa costa.
A legislação do Império, em vigor em 1888, quando se deu a concessão em Santos, era clara. Em 1885 havia sido publicada a primeira Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas. O seu artigo 628 passou a constituir o artigo 603, da
Consolidação de 13 de abril de 1894, deste jeito:
Pelo serviço de embarque e desembarque de mercadorias nacionais ou estrangeiras nas pontes, cais e armazéns externos das Alfândegas e
Mesas de Rendas e por qualquer serviço ou trabalho feito a requerimento da parte, cobrar-se-ão, sob o título expediente das capatazias, as seguintes taxas…
Construído o cais de Santos, desaparecia essa taxa de capatazias, em vista de receber a empresa, a título de retribuição dos capitais nele empregados, outra
taxa que parecia, na denominação, invalidá-la? A praxe seguida ali e noutros portos, então e depois, respondeu sempre pela negativa.
Eram inequívocos, com efeito, os antecedentes do contrato de concessão. Tendo ido os papeis desse contrato ao Ministério da Fazenda, alguns funcionários deste, sem o conhecimento das condições em que seria construído o porto, fizeram algumas
confusões.
A construção iria se retribuir com as taxas de atracação, carga e descarga e armazenagem, denominação aquela menos feliz, porque ia dar lugar ao mal entendido,
quando devia chamar-se de utilização do cais pela mercadoria. Responsável por esta terminologia, preveniu contudo Saboia e Silva qualquer engano, ao referir-se, no seu relatório, a essas três taxas de atracação, carga e descarga e
armazenagem:
As taxas indicadas são destinadas tão somente ao pagamento do juro e quota de amortização do capital empregado no cais propriamente
dito.
Para o serviço de carga e descarga serviriam as taxas respectivas cobradas pela Alfândega, à qual deve naturalmente incumbir todo o serviço do cais.
Quanto aos guindastes e outros acessórios para a descarga, a Alfândega terá de adquiri-los para seu uso próprio e poderá fornecer aos particulares, mediante taxas módicas, com vantagem não só dos particulares, mas ainda do Estado.
Logo depois, ainda em estudo o contrato, escreveu Saboia e Silva ao ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas (4 de fevereiro de 1888):
Cumpre-me informar a v. excia. que não existe decreto ou lei regulando as taxas a cobrar pelas empresas de docas. A lei de 13 de outubro
de 1869 deixa a este respeito a mais completa liberdade às partes contratantes, dizendo que "os empresários poderão perceber pelos serviços prestados em seus estabelecimentos taxas reguladas por uma tarifa proposta pelos empresários e aprovada
pelo Governo Imperial".
O decreto n. 9.559, de 20 de fevereiro de 1886, marca as taxas a cobrar pela guarda de mercadorias nos armazéns internos da Alfândega que são propriedade do Estado, e nada têm que ver com serviços prestados por particulares.
É prova irrefutável disto a tabela junto das taxas cobradas pela Companhia Docas de D. Pedro II, onde a armazenagem é paga pelo peso da mercadoria e não pelo valor, como nos armazéns da Alfândega.
Os exmos. srs. diretores interinos das Rendas e do Contencioso do Tesouro Nacional, não conhecendo o plano das obras, consideraram indevidamente o cais e armazéns projetados como dependências da Alfândega de Santos, e foi naturalmente levado por
esta suposição que o exmo. sr. ministro da Fazenda, respondendo ao aviso deste ministério, datado de 22 de janeiro de 1887, informou em data de 27 de julho do mesmo ano que as taxas a cobrar pelas empresas deveriam ser as mesmas da Alfândega.
Adiante:
Sobre esta questão devo ainda informar a v. excia. que não foi convenientemente interpretado pelo Ministério da Fazenda o aviso deste
ministério, datado de 22 de janeiro de 1887.
Não se julgando a Secretaria da Agricultura com dados suficientes para calcular os produtos das taxas indicadas nas diferentes propostas, resolveu o antecessor de v. excia. recorrer ao Ministério da Fazenda, a quem incumbe a estatística do
comércio marítimo do Império, e solicitou-lhe que informasse sobre a importância das taxas propostas.
O Ministério da Fazenda julgou, porém, que se tratava de saber quais deveriam ser as taxas a cobrar pelos serviços do cais, quando, entretanto, estas taxas já se achavam indicadas pelos proponentes na conformidade do art. 1º,§ 5167, da lei de 13
de outubro de 1869 e condição 8ª, do edital.
Tendo mostrado que é infundada a impugnação feita às bases estabelecidas pelo edital de 19 de outubro de 1886, julgo que não haverá mais dúvida sobre a possibilidade de se contratar a execução das obras do porto de Santos sem recorrer-se a nova
concorrência.
Mais:
A resposta do Ministério da Fazenda ao aviso da Agricultura, de 22 de janeiro de 1887, que consultava também sobre o modo por que devia
ser feito o regime de capatazias da Alfândega, segundo o regime da concessão projetada, não foi bastante clara, dizendo apenas que o respectivo serviço poderia ser confiado à empresa nos armazéns que ela construísse.
O edital de 19 de outubro de 1888 e lei de 13 de outubro de 1869 não dão à empresa o serviço de capatazias, sendo esta concessão facultativa ao Governo; não me parece, porém, equitativo que seja o contratante privado do usufruto de uma parte do
cais.
Como se vê, o autor do projeto do cais distinguia bem as taxas, que a este caberiam, e, além disso, não achava justo que não se entregasse a execução do serviço
e a cobrança das capatazias à Companhia. Seria possível, histórica, autenticamente, falar em dualidade de taxa? Consequente com seu modo de pensar, Saboia e Silva propôs se entregassem à empresa de Santos, de acordo com a própria lei de 1869,
artigo 1º, § 7º, as capatazias, "serviço oneroso para o Estado e que nos exercícios de 1861-1886 produziu um déficit anual de 33:480$000, conforme a informação do inspetor da Tesouraria de São Paulo". Donde a cláusula VIII do contrato de
concessão de 18 de julho de 1888:
Os concessionários se obrigam a efetuar o serviço de capatazias, de conformidade com o regulamento e instruções que o ministro da
Fazenda expedir para estabelecer as relações da empresa com os empregados da Alfândega.
Por deliberação do Poder Legislativo, ou também administrativamente, a prática do Império e da República reconheceu invariavelmente a legitimidade da cobrança
de tal taxa, por essa ou outras empresas de portos. Posta em dúvida, logo no início do tráfego – já começava, mal inspirada e menos justa, a grita contra a cobrança abusiva das capatazias – assentou o ministro da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas, Antão de Faria (14 de junho de 1892):
Em solução ao vosso ofício n. 84, de 22 de abril último, declaro-vos que as taxas estabelecidas na cláusula V sob os ns. 1 e 2 do dec.
número 9.979, de 12 de julho de 1888, estão sendo cobradas regularmente pela empresa de melhoramento do porto de Santos, como remuneração do capital empregado ou a empregar na construção do cais, conforme consta do vosso relatório de 10 de julho
de 1886.
O trabalho dos guindastes e dos demais aparelhos para carga e descarga, embarque, desembarque, e remoção das mercadorias para os armazéns da empresa ou da Alfândega é compreendido no serviço das capatazias, segundo define o
artigo 628 da Consolidação das Leis das Alfândegas, e as taxas respectivas a esse serviço incluem o pagamento daquele trabalho, que a empresa é obrigada a fazer, de conformidade com as cláusulas VII e X do seu contrato [30].
Constante, depois, do artigo 20 do regulamento da empresa, aprovada pelo decreto n. 1.286, de 17 fevereiro de 1893, a taxa das capatazias continuou a se cobrar,
sendo dispensado o respectivo pessoal na Alfândega de Santos, "visto estar sendo o serviço dessa natureza vantajosamente desempenhado pela Companhia Docas de Santos" (ministro da Fazenda Rodrigues Alves, 9 de março de 1895):
O ministro de Estado dos Negócios da Fazenda, em nome do presidente da república, resolve nos termos do artigo 3 n. 1 da lei n. 265, de
24 de dezembro de 1894, e de acordo com o parecer da diretoria de rendas do Tesouro Federal, exarado no ofício do inspetor da Alfândega de Santos, estado de São Paulo, n. 16, de 28 de janeiro do corrente ano:
1º - Dispensar o pessoal de trabalhadores das capatazias da mencionada Alfândega, visto estar sendo o serviço dessa natureza vantajosamente desempenhado pela Companhia Docas de Santos.
2º - Declarar extintos os lugares de administrador das capatazias, ajudante do mesmo e fieis de armazém da referida Alfândega, ficando à mesma adidos, até serem aproveitados os empregados que atualmente exercem.
Em 1896, por ocasião da questão da Alfândega de São Paulo, vimos que as estradas de ferro do Estado, numa petição encabeçada pela Companhia de cujos escritórios
técnicos saíra o libelo de 1894, haviam representado contra a taxa das capatazias, sobretudo nas mercadorias despachadas sobre água. Este foi o parecer do 2º escriturário da Subdiretoria das Rendas, A. Oscar Tavares da Costa, com que concordou o
subdiretor F. Athayde (19 de agosto de 1896):
As companhias signatárias da representação pretendem confundir a taxa de $001,5 por quilograma pela carga e descarga de mercadoria e
quaisquer gêneros no cais, com a de capatazias, ou antes que a cobrança desta exclui a daquela.
São de natureza diversa as duas taxas. A primeira ($001,5) foi instituída como remuneração do capital empregado ou a empregar na construção do cais, segundo o dizer do aviso do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, n. 159, de 14
de junho de 1892; a segunda (a de capatazias), que tira a sua origem dos regulamentos das Alfândegas (art. 628 da Consolidação de 1885 e 603 da de 1894), é arrecadada como retribuição do trabalho dos guindastes e demais aparelhos para carga e
descarga, embarque, desembarque e remoção das mercadorias para os armazéns da empresa, segundo as expressões do citado aviso n. 159.
Por onde se vê que são bem diversas, bastante distintas as duas preditas taxas e sua cobrança se firma, não no arbítrio da Companhia das Docas, mas nas cláusulas do seu contrato e outras disposições legais como acima ficou dito.
Adiante, acentuando seu pensamento:
Para provar que as signatárias da representação embaralham as mencionadas contribuições, trasladarei para aqui alguns dos seus
argumentos que interessam de perto à questão e podem contribuir para a sua elucidação.
Seja o primeiro o seguinte:
"Antes de funcionar o cais, quando o serviço de capatazias da Alfândega de Santos era feito por pessoal desta estação aduaneira, os materiais de estradas de ferro, tais como carvão, trilhos e todos quantos se despachavam sobre água e eram
diretamente descarregados de bordo dos navios para os vagões da estrada de ferro, não pagavam a taxa de capatazia à Alfândega etc.".
Sim, tais materiais não deveriam efetivamente pagar expediente de capatazias à Alfândega, visto como esta nenhum serviço lhes prestava; desembarcados de bordo, no regime dos despachos sobre água, eram entregues no litoral aos respectivos donos,
consignatários ou representantes legítimos, e daí conduzidos em vagões da estrada de ferro para o seu destino.
Eis porque, segundo argumentam as reclamantes, "conferidos e despachados sobre água, e, portanto, livres e desembaraçados de quaisquer
imposições aduaneiras, sem darem entrada em dependência alguma da Alfândega, os materiais de que se trata não podiam ficar sujeitos à taxa de capatazias".
Mais:
Insistindo ainda nas mesmas considerações, no formal intuito de escusarem-se ao pagamento legal das contribuições devidas à empresa das
Docas, dizem as signatárias da representação:
"Cobrar, pois, dos donos ou consignatários das mercadorias em questão, além das taxas remuneradoras dos serviços próprios do cais, também a taxa de capatazias, é positivamente transformar esta taxa, de contribuição aduaneira que é, destinada a
pagar os serviços de recebimento, condução, guarda, remoção, abertura, acondicionamento e entrega dos volumes a cargo da Alfândega, em imposto a favor da Companhia de Docas, lançado sem exceção sobre todas as mercadorias importadas pelo porto de
Santos".
Esse período é ainda uma flagrante confissão da errônea noção que as reclamantes conceberam a respesito da taxa de capatazias e da de cais; esta, remuneradora do capital empregado, e aquela, proveniente do trabalho dos guindastes e mais aparelhos
para carga e descarga etc., etc., taxas estas que já ficaram acima claramente discriminadas e que não é lícito imiscuí-las.
Ao que se infere dos termos do citado período, as signatárias da representação presumem que a taxa de capatazias só é devida por serviços de recebimento, condução de volumes a cargo da Alfândega, quando é certo que, pelos artigos 238 e 495, § 5º,
da Consolidação das Leis das Alfândegas, tal contribuição é percebida também pelos entrepostos, armazéns e trapiches alfandegados, por serviços de idêntica natureza prestados às mercadorias, ainda mesmo que estas simplesmente transitem por tais
estações, uma vez que nisso se tenham empregado pessoal, guindastes, aparelhos etc. etc.
Concluindo:
Incontestavelmente a Companhia das Docas presta esses serviços, não só às mercadorias que se destinam a depósito nos seus armazéns, como
às que são despachadas sobre água; porque as companhias de estradas de ferro não dão pessoal, nem fornecem guindastes, aparelhos etc., para o transporte delas de bordo para os carros e vagões das estradas de ferro, serviço que lhe incumbe prestar
em virtude das cláusulas 8ª e 10ª do seu contrato (decreto n. 9.979, de 12 de julho de 1888) e a cuja remuneração tem direito, em face do que dispõe o aviso n. 159, de 14 de junho de 1892, do Ministério da Agricultura, e n. 30, de 28 de julho do
mesmo ano, do Ministério da Fazenda.
Portanto, sempre que a empresa das Docas prestar serviços da natureza dos indicados nos arts. ns. 175, 238, 495 e 603 da Consolidação das Leis das Alfândegas, tem direito à percepção da taxa de expediente das capatazias, quer esses serviços sejam
prestados às mercadorias que se destinam a depósito nos seus armazéns, quer as despachadas sobre água, que tenham de ser transportadas de bordo das embarcações com o auxílio dos guindastes, aparelhos e pessoal da Companhia.
Depois de ouvido o inspetor da Alfândega adido, Alonso F. Franco [31], o
oficial, Vossio Brigido, o diretor da Contabilidade C. A. Naylor, o do Contencioso, Democrito Cavalcanti, dormiu a representação no Ministério da Fazenda, até que o sucessor de Rodrigues Alves na pasta, Bernardino de Campos, despachou (15 de
novembro de 1898): "Em face das informações e pareceres, não procede a reclamação das suplicantes".
Ainda a esse temo, a Associação Comercial de São Paulo pediu a colaboração da de Santos no sentido da obtenção, na lei orçamentária federal, da isenção da taxa nas mercadorias despachadas sobre água e da não prorrogação do prazo para a terminação
dos trabalhos do cais, então, como vimos, em grande polêmica. Respondeu a congênere de Santos, esquivando-se nos seguintes termos (28 de novembro de 1896):
A diretoria desta Associação reuniu-se expressamente para deliberar sobre o pedido constante do vosso ofício datado de 7 do corrente.
Depois de lida e discutida a representação por vós dirigida ao Senado Federal, ficou desde logo resolvido não poder esta diretoria apoiar o vosso pedido sobre a prorrogação do prazo solicitado pela Companhia Docas de Santos para a conclusão das
suas obras, porquanto esta diretoria, bem como a população desta cidade, são testemunhas dos esforços empregados pela Companhia para adiantar os trabalhos, não os interrompendo nem durante a noite.
Quanto à parte relativa à cobrança de capatazias dos gêneros despachados sobre água, foi nomeada uma comissão, composta de sócios de três casas importadoras, para estudar o assunto e dar sobre ele parecer, cuja cópia inclusa passamos às vossas
mãos.
Estando esta diretoria de acordo com a opinião dessa ilustre comissão, por se fundar no conhecimento prático que ela tem do caso, como parte interessada que é, não pode, por isso, o que deveras lamenta, dar também a este respeito o seu apoio à
sua digníssima colega de São Paulo.
Um ano antes, em 1895, houvera no Congresso Federal o intuito de fazer cessar a cobrança das capatazias. A Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, no
projeto de receita para 1896, deixou expresso seu parecer contrário, depois de citar a respectiva legislação (Câmara, 29 de agosto de 1895):
Como se vê dessa legislação, essa taxa é a justa contribuição do serviço do material e do pessoal da capatazia, desempenhado nas pontes
e cais de propriedade das Alfândegas e Mesas de Rendas, de seus armazéns e depósitos externos mantidos à custa e por conta da Fazenda Pública.
Escapa à ação administrativa o regime dos trapiches alfandegados e empresas de docas, como a de Santos, e os entrepostos particulares em outros Estados.
Portanto, em caso algum o Governo deve dispensar essa taxa.
No entanto, porque em virtude da melindrosa situação que o país atravessou se houvesse interpretado de modo diferente esta legislação, e de que a liquidação do convênio americano dá exemplo, parece à Comissão de Orçamento imprescindível que a lei
de orçamento consigne em suas disposições o seguinte preceito:
Em caso algum a taxa-expediente de capatazias será dispensada, por isso que semelhante taxa escapa à natureza do
imposto ou tributo aduaneiro propriamente dito, conforme a legislação vigente e na maioria dos casos pertence às empresas que entre nós desempenham os respectivos serviços [32].
Em 1906-07, por ocasião da terceira campanha que a Companhia teve que enfrentar, vimos que o São Paulo, jornal da Capital desse nome, representou ao
Ministro da Fazenda contra a cobrança das capatazias, então só sobre água. O parecer do 1º escriturário João Duarte Lisbôa Serra foi o seguinte (29 de janeiro de 1907):
O artigo publicado no jornal junto, que é o terceiro de uma série de considerações feitas pela imprensa de São Paulo sobre o desempenho
que a Companhia Docas de Santos dá ao serviço de carga e descarga das mercadorias despachadas sobre água, se ocupa da taxa de capatazias cobradas de tais mercadorias, que são descarregadas diretamente de bordo das embarcações condutoras para os
vagões da São Paulo Railway, com destino ao interior do Estado.
Além disso, o articulista alude à taxa de 700 réis por metro e por dia, que recai sobre a embarcação atracada ao cais, à de descarga à razão de 2$500 por tonelada, à de estiva à razão de 1$000, à de transporte ou de vagão, à razão de 2$000, para
o carvão e outros gêneros, e de 2$500 para o sal.
A taxa de capatazias é devida uma vez que as mercadorias, passando pelo cais, se utilizam do serviço do pessoal e do material fornecido pela Companhia. Ela é uma das prerrogativas do respectivo contrato.
Quanto às demais, devo dizer que, se vê do disposto no art. 20 do Regulamento n. 1.286, de 17 de fevereiro de 1893, a Companhia acusada tem o direito de cobrar a taxa de cais, a de carga e descarga e as de transporte (8$000 por
tonelada), no caso ali especificado, isto é, quando não se dá a retirada de mercadorias depois de sua descarga. Aquele artigo não fala na taxa de estiva a que se refere a crítica do jornal [33].
É possível que a redação, mal informada a respeito do serviço daquela Companhia, haja feito confusão ao traçar o seu artigo, enumerando, por isso, mais contribuições do que as realmente arrecadadas.
Depois de ouvida a empresa e a Alfândega de Santos, como se mandava naquele parecer, e estando de acordo com ele o subdiretor da Subdiretoria de Rendas, Antonio
Oscar Tavares da Costa, e o diretor interino A. C. de Menezes, despachou o ministro da Fazenda, David Campista (4 de maio de 1907): "À vista do parecer, nada há a providenciar".
A taxa era tanto mais legítima quanto se cobrava nos outros portos, cumulativamente às de utilização do cais pela mercadoria, à proporção que eles se foram inaugurando. Diretor da empresa autora da ação, Alfredo Maia não fizera
senão reconhecê-la expressamente como ministro da Viação, não só no seu Relatório [34] como ao assinar a concessão do porto de Manaus (decreto número 4.110, de 31 de
julho de 1901, cláusula XI). Assim cobravam também essa taxa de capatazias, além da de carga e descarga, o porto do Pará (decreto n. 5.978, de 18 de abril de 1906, cláusula XXIV); Bahia (decreto n. 5.550, de 6 de junho de 1905, cláusula XIII),
com interpretação expressa fiscal; Rio Grande do Sul (decreto n. 5.979, de 18 de abril de 1906, cláusula XXIX).
Das taxas percebidas em Santos, a da capatazia era a que mais rendia. Também não se contava em pouco a despesa que exigia, mil depois dois mil homens, com salários elevados, máquinas, aparelhos, guindastes e possante instalação elétrica. De 80
réis foram as capatazias se elevando até 300 réis, por saca de 60 quilos, mas isto em todas as alfândegas do Brasil, por força de uma lei geral.
Não podia, pois, ser duvidoso o pronunciamento da justiça. Deu-o Raul de Souza Martins, juiz federal da 1ª Vara (29 de janeiro de 1914). Depois de citar as origens da taxa, sua interpretação administrativa, a inserção no contrato de 1888 (e de
tal modo independente das taxas de carga e descarga que o edital de concorrência "não tratou absolutamente do serviço de capatazias, nem mesmo empregou essa palavra vez alguma"), escreveu:
Muito justamente todos os atos examinados distinguiram a taxa de capatazias da de carga e descarga. A taxa de carga e descarga é cobrada
do navio, na razão do peso bruto de toda e qualquer mercadoria que recebe ou entrega, pela mera utilização para esse fim do cais, incluídos os encargos da dragagem e desobstrução do porto para o franco acesso a ele. Com a taxa de atracação,
cobrada também do navio e na razão do espaço do cais que ocupa, retribui ela o juro e amortização do capital empregado. Não há absolutamente outra compensação no contrato para tais despesas.
O decreto n. 2.411, de 3 de dezembro de 1896, na cláusula VIII, ainda assim se exprime: "Como remuneração do serviço de que se trata
(dragagem e completa desobstrução do porto de Santos), fica a Companhia autorizada a elevar a taxa de um e meio reais por quilograma das mercadorias que forem carregadas e descarregadas no cais de sua propriedade".
A taxa de capatazias é cobrada do dono ou consignatário das mercadorias pelo embarque ou desembarque destas com o auxílio do pessoal, das máquinas e aparelhos da ré e do respectivo transporte aos armazéns ou lugar do cais em que ficarem até serem
por um ou outro retiradas.
É a taxa que se paga em todos os portos do Brasil pelos serviços prestados pelo pessoal e pelo material, guindastes e vagões, das
alfândegas ou das companhias concessionárias do cais, com a braçagem e movimentação das mercadorias desde o seu recebimento até a sua entrega nas portas externas dos armazéns ou depósitos, e vice-versa, depois de feito o despacho aduaneiro, a
arrumação dos volumes nos armazéns ou depósitos e a abertura e fechamento em seguida para a conferência das mercadorias.
É, pois, no caso vertente, a taxa que a Alfândega de Santos cobraria se desempenhasse o serviço no respectivo porto, como antes aí fazia
e continuam as outras alfândegas a fazer nos portos em que não foi ele também transferido para as companhias de docas.
Muito menos procedia a dispensa nos despachos sobre água:
Para a cobrança da taxa de capatazias não é preciso que as mercadorias sejam levadas para os entrepostos ou armazéns da Alfândega para o
seu despacho e conferência. As mercadorias que, por demandarem simples inspeção ocular, podem ser conferidas e despachadas sobre água ou a bordo da própria embarcação, pagam as respectivas taxas sempre que para o seu desembarque e transporte são
utilizados os serviços do pessoal e material das capatazias.
Os arts. 375 § 2º, 495 § 5, 605 e outros da referida Consolidação não deixam dúvida a respeito. Ao dono ou consignatário das mercadorias
cumpre fazer à sua custa o desembarque, e lhe seria facultado mesmo em certos casos fazer por si diretamente esse serviço no porto de Santos, contratando pessoal, pontões, lanchas ou saveiros, se o privilégio de direito que a ré tem sobre o cais
e a faixa anexa não impedissem qualquer pessoa de ali penetrar e exercer o serviço de capatazias em concorrência com ela.
O art. 19 da lei n. 1.313, de 30 de dezembro de 1904, é então terminante – "Nos portos em que há ou venha a haver obras de cais,
dragagens ou outras, concedidas ou executadas por contrato ou administração, nos termos dos decretos ns. 1.746, de 13 de outubro de 1869 e 4.859, de 8 de junho de 1903, nenhuma mercadoria, seja qual for a sua natureza ou destino, que entre pela
barra, poderá ser desembarcada sem transitar por aqueles cais ou obras, sujeita sempre ao pagamento das taxas respectivas. Esta disposição aplica-se nos mesmos termos e em todos os casos às mercadorias a embarcar".
E a certidão de fls. 1.204 da Alfândega de Santos declara que "todas as mercadorias que gozam do despacho sobre água são descarregadas
no cais da Companhia Docas de Santos, e esta Companhia é que faz o serviço de desembarque das mercadorias referidas com o seu pessoal, seus aparelhos e máquinas".
Nem a autora contesta que foi a ré quem desembarcou as mercadorias de que tratam os numerosos documentos juntos, quem as tirou de bordo
das embarcações, as recolheu e levou até fora dos postos fiscais, responsabilizando-se pela sua fiel entrega até serem por ela recebidas.
Imagem: reprodução parcial da página 399
[30] Donde, e em concordância, este ofício do
ministro da Fazenda Rodrigues Alves (28 de julho de 1892): "Restituindo-vos o incluso requerimento, que me remetestes com o aviso n. 180, de 19 do corrente, e a informação a ele anexa, prestada pelo inspetor do 5º Distrito dos Portos Marítimos,
no qual a empresa do cais de Santos propõe taxas e multas para a remoção de mercadorias aglomeradas no mesmo cais, e que deverão provisoriamente ser cobradas, enquanto não for, de conformidade com as cláusulas 8ª e 10ª das publicadas com o
decreto n. 9.979, de 12 de julho de 1888, regulamentado por este Ministério o serviço de que se trata, cabe-me declarar-vos… que, conquanto não se ache ainda a empresa no caso de executar o serviço de capatazias, tal qual define o art. 628 da
Consolidação das Leis das Alfândegas, por não estarem montados os seus guindastes, pode ser concedida a autorização por ela pedida, para cobrar as taxas de capatazia, que a Alfândega de Santos arrecada, mas somente das mercadorias que não forem
recolhidas à mesma Alfândega, sendo essa retribuição do serviço de embarque e desembarque de mercadorias e do respectivo transporte ao lugar do cais ou armazéns em que forem depositadas, até serem retiradas por seus donos ou consignatários".
[31] O parecer Baptista Franco (1 de setembro de 1896) consta do capítulo XXVIII.
[32] Em idêntico sentido, reproduzindo essas palavras, manifestou-se a mesma Comissão de Orçamento, no parecer sobre a receita para o exercício de 1900.
Annaes da Camara, sessão de 14 de agosto de 1899.
[33] "Vejamos brevemente e apenas para dar ideia, o que poderá fornecer a lei de 1869 (a de Itaboraí, n. 1.746, de 13 de outubro). Três são as classes de
rendas que ela indica pelo serviço aos navios e às cargas: de atracação; de carga e descarga; e de armazenagem. Faculta, ainda, uma quarta, a de capatazias, que pode se incluir, pois o Governo tem seguido como norma concedê-la às empresas".
Relatorio do ministro da Viação e Obras Públicas, Alfredo Maia, 1901.
[34] Essa taxa de transporte era especial e muito elevada. Teve muito restrita aplicação.
Mais tarde, por despacho de 24 de agosto de 1893, o Ministério da Viação aprovou o acordo entre as Docas de Santos e a S. Paulo Railway, fixando as taxas de transportes razoáveis que passaram a vigorar para a condução de mercadorias do cais à
estação da referida S. Paulo Railway e vice-versa.