TERCEIRA PARTE (1906-1910)Capítulo XXVIII
1907: uma velha história
Foi durante o segundo semestre de 1907 que Alfredo Ellis retomou a ofensiva no Senado. Não se recusasse a empresa à prestação de
contas, e declarou que o não faria. Para tanto, contava com o apoio de seus colegas nas duas casas legislativas (8 de junho de 1907):
Supõe-se, em geral, quando se trava uma campanha desta ordem, com insistência, com tenacidade, supõe-se sempre que perdura no espírito
do orador má vontade ou ódio rancoroso, e que ela não é senão o produto dessa má vontade e desse ódio.
Afirmo ao Senado que não nutro sentimentos dessa ordem com relação à Companhia das Docas ou a seus empresários.
Vou explicar ao Senado a razão da minha presença nesta tribuna. Ela foi a consequência imediata do decreto de 3 de julho de 1906, do ex-ministro da Viação, concedendo extraordinários favores àquela empresa e rasgando a lei de 13 de outubro de
1869, que regula a organização das empresas congêneres às Docas de Santos.
Reunida a representação paulista nesta Casa, fui por ela incumbido de estudar o assunto e vir à tribuna protestar contra a excepcional medida. Contava e conto, portanto, com a solidariedade mais completa dos meus ilustres companheiros e colegas
de bancada. Não é só isso, sr. presidente, contava e conto com a solidariedade formal e absoluta dos ilustres representantes de São Paulo na outra Casa do Congresso.
Dias a fio s. excia., então, falou. A intenção era sempre não individualizar, não melindrar, mas as palavras lhe saíam de outra maneira, candentes, apaixonadas.
Um estudo da concessão, de suas leis, de seus decretos, lhe teria, pelo menos, evitado parte desse esforço. Não que visasse popularidade. A impressão de seus discursos é que combatia um grande monstro.
Abundavam, como no ano anterior, as hipérboles, as imagens inflamadas, as exclamações, tais o naufrágio do Westmoreland, na África do Sul, quando os soldados, 'armas
ao ombro, olhos fitos na bandeira da sua pátria, foram ao fundo" [50]; a guerra entre a Prússia e a França, com "o peso de um milhão e duzentos mil soldados esmagando o seu
seio" [51]; o Extremo Oriente, quando dois poderes disputavam o poder no Japão [52]; ou, finalmente, Camões,
ao naufragar, salvando o seu poema [53].
O Senado ouviu-lhe tudo, algum aparte a favor ou contra, mais adiante a interrogativa de algum senador procurando esclarecer se estava pessoalmente visado. Coisa nova, não havia; voltaram à tona as velhas, rebatidas acusações de
1894, 1896 e 1906, sobre o prazo da concessão, suas taxas, o despacho sobre água, as capatazias, o Banco do Brasil [54].
Foi de Victorino Monteiro esta declaração, com a qual disse repisar, a contragosto, coisas velhas (16 de julho 1907):
Sr. presidente, o ilustre senador a que respondo, nas considerações que vem fazendo desde o ano passado e na longa série de discursos
pronunciados este ano, nada mais fez do que reproduzir as acusações formuladas contra as Docas de Santos, publicadas na imprensa de São Paulo, em 1894, pelo ilustre engenheiro sr. Adolpho Pinto, acusações essas que repercutiram depois, em 1896,
em uma representação das estradas de ferro de São Paulo contra a empresa; as mesmas acusações foram ainda novamente repetidas no jornal São Paulo, deste ano, depois de o haverem sido mesmo neste recinto, pelo ilustre ex-senador de saudosa
memória, o sr. Moraes Barros.
As acusações do ilustre senador, reproduzidas e repetidas tantas vezes ainda este ano, não aumentaram uma vírgula daquilo que já fora dito, de maneira que eu me devia julgar dispensado de respondê-las, ponto por ponto, porquanto foram da maneira
mais cabal e completa já discutidas no Senado pelo meu ilustre ex-companheiro de representação, o sr. Ramiro Barcellos. Como, porém, s. excia. insistiu de uma maneira que eu classificarei, com permissão de s. excia., de feroz, peço-lhe licença e
ao Senado, embora isso me pese, para responder-lhe, ponto por ponto, vírgula por vírgula, demonstrando, com documentos incontestáveis, que todas elas absolutamente não têm a menor razão de ser e que em um espírito tão lúcido como de s. excia. só
podiam dar entrada, sendo como são, inspiradas na mais intensa, na mais ferrenha paixão.
Em requerimento também assinado pelo general Glycerio, pediu o senador paulista (sessão de 8 de junho) várias informações
[55]. Seu estado de espírito com relação ao Governo, que se iniciava, era dos melhores; e da tribuna fez ouvir o contentamento. Depois de aludir às pastas militares:
O SR. ALFREDO ELLIS – Para três pastas civis, s. excia. teve também a rara fortuna de encontrar três moços de grande futuro, talento
cintilante e de real merecimento.
Devo confessar ao Senado que, em relação ao ministro da Viação, sr. dr. Miguel Calmon du Pin e Almeida, além da estima e simpatia pessoal que lhe consagro, tenho por ele grande veneração, apesar de ser s. excia. muito moço, porquanto s. excia.,
além de grande capacidade e cultura, dispõe de um espírito reto e elevado e de um caráter adamantino, de finíssimo quilate.
Examinadas de novo, suas considerações se baseavam na resistência à prestação de contas, na cobrança de taxas ilegais, senão abusivas. Alegou
Alfredo Ellis que de 2$500 a Companhia passou a receber 10$000 por tonelada de carvão, em virtude "da célebre taxa de capatazias indébita, ilegal e ilicitamente cobradas" [56].
Era, no entanto, simples a resposta, porque não passava a capatazia, nesse caso, de 4$000, a que se juntavam, também por toneladas, 2$000 pela arrumação nos vagões, total 6$000, tudo legitimamente processado:
O SR. VICTORINO MONTEIRO – A Consolidação das Leis das Alfândegas, no seu artigo 603, diz terminantemente que a Companhia não pode
cobrar mais de 4$000 por tonelada, e é quanto ela cobra pela capatazia, isto é, pelo serviço prestado à mercadoria e sua condução até fora da faixa do cais. Aí os proprietários são livres para dirigirem a mercadoria para onde quiserem.
A taxa legal, portanto, que a Companhia cobra, conforme documentos que vou exibir e que não serão os últimos, é esta de 4$000, não compreendido o transporte. Pois bem, o Senado vai ver quanto custava antigamente, não só a estadia, que era
colossal, a ponto de ser de 400$000 por dia, por navio, como o depósito em pontões, que era de 150$000 a 300$000, diários.
Tendo a Companhia organizado um serviço especial de transporte, isto é, tendo estendido em toda a faixa do cais trilhos até a estação da São Paulo Railway, entrou em acordo com essa Companhia para ir buscar os seus vagões, com locomotivas suas,
isto é, de propriedade das Docas, trazê-los ao cais, distribuí-los, carregá-los, reuni-los novamente e transportá-los à estação da estrada de ferro, sendo responsável pela perda que porventura se pudesse dar, o que importa em uma garantia para o
comércio (e não há muitos meses, a Companhia teve de indenizar 13 contos de réis de dois caixões de charutos, que desapareceram), porque, anteriormente a este regime, a Estrada de Ferro São Paulo Railway despendia somas mais ou menos avultadas,
pelos constantes extravios de mercadorias que tinha que indenizar, e houve ano em que essa quantia montou a cento e muitos contos de réis. Depois do regime convencionado com a Companhia das Docas, essa verba desapareceu completamente.
Senhores, a rapidez dos serviços, a responsabilidade pelo extravio das mercadorias, tudo isso são vantagens inestimáveis para o Estado e para o comércio de São Paulo; nós outros, coitados, apesar de lutarmos há tantos anos, ainda não usufruímos
favores dessa natureza.
Entretanto, o representante do Estado beneficiado ainda não está satisfeito e entende que é uma verdadeira extorsão o que faz a Companhia das Docas. Não se trata de taxas, mas de um acordo feito entre a Companhia e a empresa São Paulo Railway,
aprovado pelo ministro da Viação. Senhores, o carvão paga 4$000 por tonelada. Transportado pela Companhia, arrumado nos vagões, paga mais 2$000. Somando tudo, temos 6$000 por tonelada.
Se não era abusiva, podia-se dizer ilegal a taxa sobre o carvão? Despachado sobre água e constituindo grande elemento de importação, as empresas dele
necessitadas, como as estradas de ferro, reclamariam contra a taxa sempre que pudessem, como aconteceu em 1896. Mas a verdade era que o carvão não estava isento da taxa se, para sua descarga, fosse empregado pessoal e material das Docas, como
acontecia em Santos, ou das alfândegas, como sucedia em outros portos. A acusação, mais uma vez, esquecia isto, bradando por um corretivo.
A reclamação das estradas de ferro fora resolvida negativamente, em tempo, pelo ministro da Fazenda, David Campista, depois dos pareceres dos funcionários do Tesouro. E preparado o despacho para lavrar-se pelo ministro Rodrigues Alves (quando da
questão da Alfândega de São Paulo), só quase um ano depois foi assinado pelo sucessor, Bernardino de Campos. Victorino Monteiro alinhou os pareceres do Tesouro, o último dos quais (Diretoria das Rendas Públicas, inspetor Alonso Baptista Franco)
foi decisivo (1º de setembro de 1896):
Resume-se a questão em saber se os volumes ou mercadorias importadas no Estado de São Paulo, em navios que atracam nas Docas de Santos,
aproveitados assim os serviços da Companhia das mesmas Docas, estão sujeitos aos impostos de doca e, cumulativamente, ao expediente de capatazias.
Não pode sofrer contestação séria a afirmativa de que tais impostos, pela diversidade de sua origem, senão ainda pela retribuição dos serviços para que foram criados, são cumulativos.
O que é o imposto de doca? É o juro ou amortização do capital empregado nas obras e na construção da doca. Do artigo 574 da Consolidação, onde está estabelecido para as alfândegas o modo de percepção de tal imposto, se deduz porventura que, uma
vez pago esse imposto, ficam isentos do expediente de capatazias os volumes ou mercadorias que, por despacho sobre água ou não, forem descarregadas no cais da doca por meio de seus aparelhos hidráulicos e com o seu pessoal operário? Por certo que
não.
O expediente de capatazias é a compensação do capital empregado no embarque e desembarque das mercadorias nacionais ou estrangeiras, que transitam pelas pontes, cais e armazéns externos sujeitos à fiscalização das Alfândegas ou Mesas de Rendas.
As companhias de estradas de ferro, signatárias da presente representação, laboram em manifesto engano confundindo os dois impostos, remuneradores de serviços diferentes, cuja origem é diversa, como ficou demonstrado, e que podem, portanto, ser
aplicados cumulativamente sobre a mesma ou sobre as mesmas mercadorias, desde que estas tenham sido transportadas em navios atracados à doca e descarregados no cais da mesma doca.
Mais:
A confusão das companhias na discriminação de tais impostos provém, sem dúvida, do fato de não terem pago o imposto de capatazias sobre
trilhos, carvão de pedra, maquinismos e todos os gêneros da tabela "H", despachados sobre água, durante o regime anterior ao estabelecimento das docas, e isto pela simples razão de que tais mercadorias, depois de desembaraçadas pela Alfândega,
seguiam seu destino ulterior sem se utilizarem na Alfândega dos serviços de que é tal imposto a remuneração legal.
Na Alfândega do Rio, mesmo no caso do despacho sobre água, e todas as vezes que as conveniências do fisco o aconselham, o imposto de doca é cumulativamente cobrado com o de capatazias, se o saveiro ou catraia que conduz o gênero despachado ocupa
uma extensão do cais e se os volumes transitam pela Alfândega.
À vista do exposto, entendo que é perfeitamente destituída de fundamento a representação junta; tanto mais insustentável é essa reclamação, quanto é certo que as despesas com catraias, saveiros ou outras conduções, outrora empregadas nas
descargas dos gêneros sobre água, eram muito superiores às despesas hoje correspondentes – de doca e capatazias.
As condições de frete para Santos, por efeito dessa diminuição de gastos de estadia, são mais favoráveis do que para o porto do Rio de Janeiro.
No caso do café e das frutas, por sua vez, também se reiterava a acusação anterior: - o lavrador de São Paulo não podia exportar um cacho de bananas sem pagar
50 réis às Docas; uma saca de café sem entregar-lhe 450 réis. A taxa era, porém, de 300 réis, a mesma de outros portos da República (16 de julho de 1907):
O SR. VICTORINO MONTEIRO – Mas, sr. presidente, dizia eu que esta malsinada taxa que o honrado senador por São Paulo afirmou ser de 450
réis, e que entretanto não excede de 300 réis, não é cobrada pela empresa das Docas somente pelo fato de passar a saca de café por uma faixa de 70 metros de cais, mas principalmente por ser a retribuição dos serviços prestados pelo pessoal da
Companhia, além da autorização, é certo, da serventia do cais, a qual precisa ser remunerada, pois custou milhares de contos.
Verá v. excia., sr. presidente, que eu não afirmo aqui coisa nenhuma, sem ter um documento para corroborar a minha afirmação. Neste caso, por exemplo, tenho aqui despachos de duas importantes casas comerciais.
O primeiro é da firma comercial Zerrener, Bulow & Companhia, correspondente a 2.000 sacas de café que pagaram 600$000 como taxa de capatazia, isto é, 300 réis por saca. O segundo é da firma comercial Barberis, Monesi & Companhia, correspondente a
500 sacas de café, que pagaram 150$000. Ainda 300 réis por saca, simplesmente como taxa de capatazia. Esses documentos ficam á disposição do honrado senador por São Paulo.
Se o honrado senador permitisse, eu lhe dirigiria agora a seguinte pergunta: a cobrança destas taxas é exorbitante, é ilegal? Essas taxas são porventura ilegais, são exorbitantes? Nem uma, nem outra coisa.
Demonstrando:
O SR. VICTORINO MONTEIRO – Não são ilegais porque são cobradas de acordo com o artigo 603 da Consolidação das Leis das Alfândegas que já
tive oportunidade de ler, e aqui está. (Mostrando um volume de leis).
Não são exorbitantes também, porque, para o serem, fora preciso que o honrado senador demonstrasse da tribuna do Senado que essas taxas são superiores às cobradas pelos outros portos da República, inclusive pela Alfândega do Rio de Janeiro,
alfândega que, como todos nós sabemos, não oferece absolutamente as mesmas garantias de rapidez para a carga e descarga das mercadorias, pois que dispõe de maquinismos deficientes, ostentando guindastes antidiluvianos e servindo-se de processos
que nos envergonham, sobretudo quando são empregados na primeira capital do país, em um porto como o do Rio de Janeiro, que deveria ser o primeiro e o mais notável da República.
Senhores, se a taxa de 300 réis cobrada por saca de café que transita no cais das Docas de Santos, nos ombros dos trabalhadores da empresa, é excessiva, pergunto: que se dirá dos fretes cobrados pelas estradas de ferro paulistas, principalmente
da Estrada de Ferro Ingleza, estrada esta que no seu último contrato teve um aumento de 50%!
O SR. BARATA RIBEIRO – Apoiado.
O SR. VICTORINO MONTEIRO – O ilustre senador, quando discutiu esta questão, respondendo a um aparte meu, embora provocado pelo meu velho mestre e querido amigo, o ilustre sr. Glycerio, disse que essas estradas de ferro já tinham feito uma redução
nas suas tarifas.
Mas, senhores, foi uma redução insignificante em relação ao aumento que elas tiveram, sobretudo diminuta em relação à alta do câmbio, e mais ainda à depressão enorme que tem tido o café [57].
Mas havia ainda mais, segundo a acusação: a armazenagem devia se cobrar pelo peso e a empresa o fazia ad valorem
[58]. A resposta tampouco foi difícil:
O SR. VICTORINO MONTEIRO – O ilustre senador naturalmente não verificou as suas proposições em uma fonte lega. Deixou-se informar por
pessoa de sua absoluta confiança que, entretanto, não procedeu com correção para com s. excia.
A Companhia das Docas de Santos, pela sua concessão, teve, é certo, a faculdade de cobrar 2 réis por quilograma sobre a armazenagem das mercadorias. É o que se depreende do n. 4 da cláusula V do seu contrato primitivo, expedido com o decreto n.
9.979, de 12 de julho de 1888.
Pela cláusula VIII do contrato, os concessionários das Docas de Santos se obrigam a efetuar o serviço de capatazias, de conformidade com o regulamento das instruções que o Ministério da Fazenda expedir para estabelecer as relações da empresa com
os empregados da Alfândega.
Depois, o final da cláusula X reza assim: "Fica expresso que não haverá dupla cobrança de taxas, devendo cessar pela Alfândega a cobrança das que passarem a pertencer aos concessionários".
Mas, além dessa taxa que por este modo lhe era concedida, tinha também a empresa, como já fiz ver, pelo n. 4 da cláusula V do seu contrato, a faculdade de cobrar dois réis por quilograma de mercadoria e por mês para remunerar os capitais
empregados nos seus armazéns.
Mais tarde, porém, um inspetor da Alfândega representou ao Governo contra esse fato, julgando de interesse público harmonizar as taxas cobradas em Santos com as dos outros portos. Então a Companhia das Docas abriu mão desses dois réis a que tinha
direito.
Adiante:
Pelo decreto n. 1.072, de 5 de outubro de 1892, ficou extinta essa taxa. Vou ler: "A cobrança das taxas (decreto de 5 de outubro de
1892) relativas aos gêneros efetivamente recolhidos aos armazéns dos concessionários, far-se-á de acordo com as que estão ou forem adotadas na Alfândega de Santos para o serviço de armazenagem".
Agora peço licença para chamar a atenção do ilustre senador, que afirmou tão positiva e categoricamente que essas taxas eram por peso e não ad valorem, para o artigo 594 da Consolidação das Leis das Alfândegas, a qual desde então passou a
regular o assunto por força do dispositivo que acabei de ler:
"A armazenagem nas Alfândegas é devida desde o dia da entrada das mercadorias nos armazéns, pontes e depósitos, até o dia da sua saída e, salva a exceção do artigo 598, será calculada sobre o valor oficial…"
Não sei se o ilustre senador está ouvido bem "… calculada sobre o valor oficial que as mercadorias tiverem na tarifa ou for arbitrado na forma dos artigos 509 e seguintes do presente regulamento, a saber: até um mês, na razão de 1% ao mês etc.".
Portanto, v. excia. vê perfeitamente que, combinados – o que não era preciso – os contratos da Companhia com as disposições terminantes do artigo 594 da Consolidação das Leis das Alfândegas, a taxa de armazenagem nãopodia ser senão ad valorem.
Como, pois, estranhou aqui o nobre senador, de uma maneira categórica, à czar da Rússia, impondo a sua opinião, desmentindo mesmo a minha afirmativa, baseada em lei, que houvesse neste recinto quem dissesse o contrário do que afirmava!
Ainda:
Eu afirmei e estou provando perante disposições de lei, perante os contratos da Companhia, perante o artigo 5r94 da Consolidação das
Leis das Alfândegas – e o que é mais – perante o uso de todas as alfândegas da República, porque esta é que é a taxa de toda a parte do Brasil.
S. excia., portanto, ousará ainda afirmar que eu é que estou construindo romances? É que assim procedo porque estou defendendo aqui os interesses dos meus velhos amigos, desses beneméritos brasileiros que arriscaram seus capitais, correndo,
talvez, o risco de perdê-los em uma época difícil, em uma época memorável?
Esses brasileiros não eram naquela ocasião, quando deram início à gigantesca obra que tomaram sobre seus ombros, não eram, como afirmou o nobre senador com ar de desprezo, uns pobretões, que depois se tornaram ricos; eram homens de grande
fortuna, tinham construído mais de 1.500 quilômetros de estradas de ferro, eram os maiores acionistas do antigo Banco do Brasil, e gozavam, no comércio desta capital, de uma tradição invejável de probidade e seriedade. Posso afirmar que é a firma
nacional mais antiga do Rio de Janeiro.
Não eram esses pobretões que s. excia. qualificou com ar de desprezo. E ainda que o fossem, isto não constituía nada que pudesse deprimir o seu caráter.
Seria, por sua vez, exato que vergasse o povo de São Paulo sob as taxas das Docas, exemplo tão pernicioso que devia se evitar nos outros portos da República?
Ter-se-iam que repetir as provas de 1896? O estudo comparativo falava terminantemente pela negativa:
O SR. VICTORINO MONTEIRO – Para que o Senado faça uma ideia segura e ao mesmo tempo reconheça que o ilustre senador está dominado por
intensa paixão, a ponto de se conturbar o seu lúcido espírito e a sua bela inteligência, vou ler ao Senado as taxas das concessões feitas a todos os portos da República, nos contratos realizados depois das Docas de Santos, as quais foram
justamente consideradas como um modelo para esse fim.
Dessa análise o Senado verá que as taxas cobradas pelas Companhias das Docas são inferiores àquelas cobradas em todos os portos da República e nas Alfândegas oficiais do nosso país.
Uma vez demonstrado isso, perguntarei ao Senado: onde está a ganância dos diretores das Docas de Santos?
Senhores, se crime eles praticaram, foi o de levar ao Estado de São Paulo o principal elemento da sua prosperidade e do seu desenvolvimento, e, em lugar de merecerem as mais violentas acusações, deviam ser considerados verdadeiros benfeitores
daquele Estado.
Também demonstrarei com documentos que as taxas cobradas pela Companhia Docas de Santos são inferiores, não só às cobradas nos outros portos da República, como também em muitos portos estrangeiros, e isto para nós, brasileiros, eu creio deve ser
motivo de grande desvanecimento.
De fato, tinha o porto do Rio de Janeiro as mesmas taxas de Santos; mas se gravava a mercadoria com 2% ouro, que ali não havia; e os despachos sobre água, como
em Santos, não se eximiam da capatazia. Ainda mais, o frete para o Rio de Janeiro era mais elevado e para o Rio Grande chegava a ser de 75 a 80 shillings, quando para Santos não passava de 30.
"Entretanto – orou Victorino Monteiro -, a Companhia Docas de Santos, na opinião do ilustre representante daquele Estado, se pudesse ser concretizada como um indivíduo, já teria sido decapitado por s. excia,"
Manaus? O metro linear de cais se cobrava a 850 réis, quando era de 700 em Santos, para os navios a vapor; e de 650 e 500, respectivamente, à vela; as mercadorias pagavam ali 3 réis pela utilização do cais, quando em Santos não iam além de um
real e meio. Bahia? Santa Catarina? As mesmas taxas de Santos acrescidas, porém, dos 2% ouro. Vitória? Na média, a carga e descarga estavam taxadas três vezes mais que em Santos. Rio Grande do Sul? Num ímpeto oferecera o sr. Alfredo Ellis o cais
de Santos como presente ao sr. Victorino Monteiro, tal a asfixia que representava para a economia paulista. Ao que replicou o representante gaúcho (17 de julho):
Agora o ilustre Senador vai ver que, apesar das suas objurgatórias contra a Companhia Docas de Santos, apesar de me haver s. excia.
proposto dessa tribuna trocar aqueles benefícios, aquela monumental obra, que é um brilhante reflexo da engenharia nacional e do patriotismo dos seus promotores, proposta est que reflete, a ser sincera, o que não creio, o estado de exacerbação
que atingiu o seu espírito contra as Docas de Santos, demonstrando assim que o rancor o faz olvidar elevados, vitais interesses do seu Estado, consubstanciados nesse melhoramento inestimável, que tanto tem contribuído para a prosperidade de sua
terra.
Embora as taxas do porto do Rio Grande sejam as mesmas que as de Santos, acrescidas dos 2 por cento ouro, entretanto na realidade elas serão muito mais onerosas, muito mais elevadas, devido à inferioridade do valor de nossa exportação.
A exportação do Rio Grande do Sul, em volume, é muito superior à do Estado de São Paulo; porém, no seu valor, é evidentemente inferior, pois pode ser calculada em uma quarta parte.
Quero dizer, senhores, que as nossas mercadorias, as do Rio Grande do Sul, cujas taxas de utilização de cais, de acordo com o contrato, são pagas por peso, são muitíssimo mais oneradas, algumas até de 300 por cento e até mais.
Exemplificando:
Imaginemos, por exemplo, uma saca de milho, uma de feijão, enfim os cereais em geral. Qualquer desses gêneros vale menos que o café. O
próprio charque não tem o valor do café, reputado, como é, produto de exportação nobre de grande valor.
Ora, se uma saca de café, que vale pelo menos 25$000 ou 30$000, paga 300 réis para ser transportada pelos empregados da Companhia, atravessando seu cais, até o porão do navio, ou por meio dos seus guindastes, quanto deveria pagar uma saca de
milho que vale 3$000, 4$000 ou 5$000?
Naturalmente duas ou três vezes menos; e, entretanto, este último gênero, o milho, de muito menos valor, paga na mesma proporção que aquele, o café, que vale o quádruplo ou quíntuplo que ele.
Mas nós, rio-grandenses, como o país inteiro testemunhou, exultamos de satisfação, de imenso prazer, quando finalmente, depois de grandes dificuldades e esforços, foi assinado o contrato do porto do Rio Grande do Sul, porque isto, senhores,
importará em uma surpreendente prosperidade, em um extraordinário desenvolvimento daquele pedaço do território nacional.
Com relação ao estrangeiro, era igualmente folgada a situação em Santos. Repetiu, ainda aí, Victorino Monteiro, a argumentação de 1896:
Um navio de 2.000 toneladas, com 70 metros de comprimento, com 12 homens de tripulação, despende em 10 dias (devo acrescentar que no
porto de Santos a descarga se faz apenas em dois dias) em serviços de porto 3:803$540, em estiva 3:000$000, ao todo 6:803$540.
No porto do Rio de Janeiro, um navio nestas condições pagaria 24:313$000. Em Porto Madero, em Buenos Aires, pagaria 8:199$840; no porto
de Liverpool, 4:551$500, sem o serviço de estiva, com o qual, a calcular pelo preço que cobram as Docas de Santos, ficaria elevada essa quantia a 7:551$500.
É um porto este de Liverpool, que data de uma infinidade de anos e que fez daquela cidade uma das mais importantes do mundo, uma das primeiras da Inglaterra. Liverpool contava apenas 50.000 habitantes antes da construção do seu porto, e hoje a
sua população está elevada a mais de 600.000 almas.
Veja o Senado a importância que pode ter a construção de um cais e imagine a prosperidade, a grandeza, o desenvolvimento que terá a cidade de Santos, que é o único porto do Estado de São Paulo, dentro de 50 ou 60 anos. Será uma coisa
extraordinária de deslumbrar a quem quer que a visite.
O porto do Havre cobraria 4:674$600, sem o serviço de estiva, com o qual essa quantia seria elevada a 7:675$600, muito mais caro, portanto, que o de Santos; o de Bordeaux, 4:151$044 ou 7:151$044, com o serviço de estiva.
A tais argumentos não podia haver contestação. Apesar disso, a empresa continuaria a ser o órgão de sucção acima de todos os poderes. E a
discussão iria girar, de novo, como em 1894, 1896 e 1906, em torno da isenção de direitos, do capital, do prédio da Avenida Central, do monopólio no porto. Era reduzido o interesse público [59], e em São Paulo a Platéa estranhou mesmo o silêncio da Associação Comercial de Santos (27 de agosto de 1907):
Eis porque, diante da campanha benéfica e meritória, patrioticamente empreendida, no Senado Federal, pelo dr. Alfredo Ellis, em favor de
Santos, principalmente, se torna estranhável o silêncio da Associação Comercial daquela praça, não vindo ao encontro daquele ilustre senador com as expressões de seu apoio em uma causa que diretamente interessa à praça de Santos e a todo o
Estado.
No Rio de Janeiro, um diário chegou a falar até em azedume senatorial. Ao que se ouviu no dia imediato (24 de julho de 1907):
O SR. ALFREDO ELLIS – O mesmo órgão, sr. presidente, o Jornal do Brasil, nas notas sobre a sessão de ontem do Senado, diz que as
minhas palavras na sessão de segunda-feira foram ouvidas com azedume e censuradas pelos honrados senadores. Se porventura eu tivesse a convicção, a certeza de que isso era um fato, não diria mais uma palavra neste recinto, porque, obscuro embora,
não desejo absolutamente contrariar os meus honrados colegas, nem ainda abusar da benevolência com que v. excia. me tem acompanhado nesta via dolorosa, que, desde o ano passado, venho palmilhando com dificuldade e com tristeza.
Achava-se ademais, na Capital Federal, ocupada a atenção pública com a questão, muito mais palpitante para ela, do fornecimento de energia
elétrica e preço de luz e viação, em andamento no Conselho Municipal, questão que tomaria os anos de 1907 e seguintes. Era viva a polêmica entre A Noticia e o Jornal do Commercio, de um lado, e o Correio da Manhã e Tribuna,
de outro, para só falar dos mais empenhados; e a Empresa de Santos, ainda por tabela, entrou em cena [60].
Imagem: reprodução parcial da página 205
[50] "Sr. presidente, recordo-me de que, em uma de suas orações, o nobre
senador pela Bahia, cujo nome peço licença para declinar, o sr. Ruy Barbosa, referiu um fato que se passou a bordo de um transporte de guerra inglês, no Sul da África, perto da colônia do Cabo.
"O transporte levava um regimento de infantaria; prestes a soçobrar, sem meios de salvação, o coronel formou o regimento na tolda, com a bandeira à frente e com a música tocando o hino nacional. O regimento, em fila, foi-se submergindo, pouco a
pouco, sem que nenhum dos soldados abandonasse a fileira… Sr. presidente, com os olhos fitos nos interesses públicos, elevados e nobres do estado de São Paulo, com os olhos nos destinos da República, declaro que irei também ao fundo,
submegir-me-ei, sem me afastar uma polegada da linha de conduta que me tracei, ao entrar neste recinto." Senado,5 de outubro de 1906.
[51] "Nas relações entre a Prússia vitoriosa e a França vencida, quando esta sentia o peso de um milhão e duzentos mil soldados esmagando o seu seio, as
artérias abertas, vencida e humilhada, inane, exangue, nem assim diante de um inimigo contra o qual jamais poderia levantar sua espada, foi ela humilhada, porque a Prússia, vencedora embora, adotou nas notas então trocadas linguagem nobre,
cavalheiresca, elevada, que poupava à nação vencida a humilhação que as Docas não poupam ao público ou ao governo quando a eles se dirige". Senado, 19 de junho de 1907.
[52] "Sr. presidente, por mais que procure não encontro um símile entre o poderio das Docas e a força e o poderio do Governo; é preciso remontar ao Japão
antigo, do tempo dos Saimios, quando lá existiam dois poderes rivais, o Shogoon e o Mikado, para se encontrar paralelo entre a força e a arrogância do poderio de uma empresa e o governo de uma nação. É um verdadeiro Shogoonato". Senado, 10 de
junho de 1907.
[53] "Quando Camões, ao voltar da Índia, naufragou e perdeu tudo quanto possuía, salvou entretanto aquele poema, o primeiro poema épico das línguas modernas e
uma das maiores glórias da nossa literatura latina. Eu, sr. presidente, em iguais circunstâncias, só salvaria, no mar tempestuoso da vida pública, a minha honra, porque esta não é minha só, pertence aos meus filhos, pertence à minha Pátria".
Senado, 24 de julho de 1907.
[54] Seu primeiro discurso, em 1907, foi de 8 de junho. S. exa. falou depois, a 10, 12, 18, 25 e 26 do mesmo mês. E, depois da réplica de Victorino Monteiro,
retornou à tribuna a 20 de julho, falando depois a 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28 do mesmo mês; e, após a tréplica de Victorino Monteiro, ainda a 3 e 4 de agosto; 16 vezes ao todo. O senador rio-grandense ocupou, por sua vez, a tribuna a 16, 17, 18,
19, 20 de julho e 1º de agosto.
[55] "Requeremos ao Governo, por intermédio da Mesa do Senado, as seguintes informações: 1º - quais as taxas que cobra a Companhia Docas de Santos dos navios e
das mercadorias que se utilizam de seus serviços; 2º - qual o serviço que cada uma dessas taxas, especificadamente, tem por fim remunerar; 3º - qual o ato oficial que autorizou a corança de cada uma das referidas taxas; 4º - se a taxa de
capatazias também tem sido cobrada das mercadorias conferidas e despachadas sobre água, e, no caso afirmativo, qual o ato oficial que autorizou essa cobrança; 5º - qual a receita e despesa da Companhia nos últimos três anos". Sala das Sessões, 6
de junho de 1907. – Alfredo Ellis. – Glycerio.
[56] "Basta dizer, sr. presidente, exemplificando o caso, porque não desejo que me taxem de exagerado, basta dizer que, pelo contrato primitivo, a empresa só
podia cobrar um real por quilo; mais tarde, para uniformizar as taxas, foi autorizada a cobrar 1 ½ réis por quilo, perfazendo 2$500 por tonelada. Pois bem, sr. presidente, ela arranjou um sistema, uma rede tal de taxas e impostos, que hoje está
percebendo 10$000 por tonelada, isto é, 300% mais do que lhe dava direito o contrato". Senado, 12 de julho de 1907.
[57] Havia o Jornal do Commercio publicado que a Paulista tivera uma renda líquida de 18.450 contos ou mais de 24% do seu capital, percebendo por
tonelada-quilômetro 195 réis, contra 106 réis da Central do Brasil. O senador Ellis havia argumentado que, na base do tráfego no cais, uma saca de café pagava de frete 1:500$000 ao Rio, comparação que não se podia, em verdade, fazer.
"Parece-me que o Senado não será tão ingênuo que possa admitir uma comparação desta natureza que possa admitir comparação de uma simples
estrada de ferro com uma empresa que demanda um capital avultado, que precisa de instalações custosíssimas, de 70 metros de faixa, de aterros que demandam milhões de metros cúbicos de terra e pedra, e, mais do que isto, de escavações
extraordinárias, tanto assim que a empresa, em uma extensão apenas de cinco quilômetros de cais, terá de ver o seu capital talvez elevado a mais de 120 mil contos". Victorino Monteiro, Senado, 16 de julho de 1906.
[58] "Isto é claro e positivo, é categórico: a Companhia só pode cobrar 2 réis por quilograma de mercadoria que tiver entrado para seus armazéns. Sabe o Senado
quanto cobra a Companhia das Docas de armazenagem? Inverteu os termos: ao invés de cobrar a taxa por peso, cobra ad valorem". Senado, 12 de junho de 1907.
[59] O Malho exibiu no Senado a "bicha" pelos cabelos, "uma tipa que nasceu e se criou à custa do Banco do Brasil, para servir aos interesses do
comércio de São Paulo, mas assim que se apanhou criada e com forças, deixou de cumprir a sua promessa e só tratou de enriquecer os que lhe serviram de ama-seca" (16 de julho de 1907.
Dele ainda foi a caricatura na qual o presidente e seu ministro da Viação assistiam, apoiados pela lavoura e o comércio, à luta com um polvo. "Nada de contemplação com o bicharoco!" dizia o primeiro (29 de julho de 1907).
Da mesma empresa, a Tribuna aplaudiu a campanha contra o "insaciável milhafre": "A campanha do ilustre Senador não se faz em vão. O
governo do honrado sr. Affonso Penna há de escutar esse clamor da opressão e obrigar os audazes exploradores do comércio e da lavoura de São Paulo a se submeterem às disposições da lei". 17 de junho de 1907.
[60] Guinle & Companhia haviam requerido interdito proibitório contra a Light (15 de abril de 1907). A Noticia atacou a fundo e o Jornal do Commercio
escreveu sobre "o monstrengo do contrato da Prefeitura com a célebre Light" (28 de julho). Em São Paulo foram Guinle & Companhia, também concorrentes, confundidos com a empresa de Santos; o que motivou a seguinte publicação: "Declaramos que os
concorrentes ao fornecimento de energia elétrica à repartição de águas e esgotos fomos nós; tendo assinado contrato para tal fim, e não a Companhia Docas de Santos, que nada tem com os nossos negócios, sendo as alegações em contrário mera
exploração". Guinle & Companhia, Estado de São Paulo, 11 de outubro de 1907.