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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Docas de Santos
Capítulo 29

Clique aqui para ir ao índicePublicada em 1936 pela Typographia do Jornal do Commercio - Rodrigues & C., do Rio de Janeiro - mesma cidade onde tinha sede a então poderosa Companhia Docas de Santos (CDS), que construiu o porto de Santos e empresta seu nome ao título, esta obra de Helio Lobo, em 700 páginas, tem como título Docas de Santos - Suas Origens, Lutas e Realizações.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, pertenceu ao jornalista Francisco Azevedo (criador da coluna Porto & Mar do jornal santista A Tribuna), e foi cedido a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 214 a 227:

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Docas de Santos

Suas origens, lutas e realizações

Helio Lobo

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TERCEIRA PARTE (1906-1910)

Capítulo XXIX

Rendas ocultas ou excessivas?

Iniciando sua tréplica, orou, no Senado, Victorino Monteiro (1º de agosto de 1907):

O honrado senador por São Paulo, respondendo aos discursos que tive a honra de pronunciar nesta Casa, levado naturalmente pelo seu ardor impetuoso, atacou a Companhia Docas de Santos, tão violentamente, de uma maneira tão fora das regras parlamentares que eu, sr. presidente, que conheço os sentimentos elevados de s. excia., fiquei imensamente surpreendido.

Felizmente, a calma voltou ao espírito de s. excia., e o seu peito, que sangrava, cicatrizou com extraordinária facilidade; e, então, s. excia., com aquela urbanidade costumada, enfrentou novamente a questão, sem contudo, na longa série de discursos que pronunciou,ter conseguido responder a um só dos argumentos que aduzi, nem se referir a um só dos documentos que aqui apresentei, de eloquência esmagadora.

Dispensar-me-ia, portanto, sr. presidente, de voltar à questão se não me visse na necessidade de reduzir às suas verdadeiras proporções as monstruosidades que s. excia. aqui aventou; de reduzir aos seus verdadeiros termos as proposições infundadas que s. excia., permita-se-me a expressão, foi buscar em mundos desconhecidos, em paragens para as quais o seu espírito é constantemente levado pela sua imaginação, imaginação de um quase sexagenário (riso), mas tão fértil, tão juvenil ainda, que o transporta seguidamente a essa região de quimeras e fantasias.

Era diverso o temperamento dos dois oradores. Um provocava os apartes; outro, com eles se retraía. Victorino Monteiro, além disso, não deixava de se referir à falta de serenidade de seu competidor, enquanto Alfredo Ellis se dizia sempre acima da paixão. Provocando a este para manifestar-se em apartes, raro aquele o conseguia. O seguinte diálogo, já na ausência de Ramiro Barcellos, foi da sessão de 10 de julho de 1907:

O SR. ALFREDO ELLIS – A parte mais melindrosa da incumbência que a representação de São Paulo me entregou na defesa de seus interesses, foi afastar a infelicidade que tive, de lutar desde o início da exposição que venho fazendo, tratando dos interesses do povo de São Paulo, com o nobre ex-senador que, infelizmente, não faz mais parte desta alta e digna corporação. Vejo, sr. presidente, que continua a representação do Rio Grande do Sul…

O SR. VICTORINO MONTEIRO – É natural, é a minha solidariedade com o meu ex-companheiro de bancada. Continuo nesse intuito. Exerço aqui o meu direito de representante da Nação.

O SR. ALFREDO ELLIS – O Senado, já por muitos anos, tem visto a minha maneira de proceder e correção nesta Casa; sabe que não é possível se tratarem colegas e amigos com mais gentileza, com mais distinção, com mais respeito.

Ou este outro:

O SR. ALFREDO ELLIS – Deixe-me continuar. Quando o meu nobre colega trouxer à tribuna desta Casa as suas observações, então dar-lhe-ei todas as informações necessárias. Não posso, entretanto, manter-me na posição que v. excia. Deseja, de menino de colégio por ocasião de exame.

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Oh, incomodar-se por uma simples pergunta!

O SR. ALFREDO ELLIAS – V. excia. quer me passar uma verdadeira sabatina, trazendo-me a convicção de que estou incomodando os meus colegas.

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Absolutamente. O que estou pedindo a v. excia. são informações de que careço.

Nesse tom correriam outras arguições e defesas ainda até então não ouvidas. Assim, quanto ao terreno da Avenida, era abusiva e sem motivo a cessão:

O SR. ALFREDO ELLIS – A Companhia das Docas nãopreciava absolutamente de um edifício na Avenida Central do Rio de Janeiro, mas, como lhe sobram recursos e precisava ostentar o seu poderio na principal artéria da cidade, obteve o terreno a título gratuito.

Foi resposta:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Devo dizer ao Senado que a Companhia, até esta época, tem tido o seu escritório centra em um modesto prédio de aluguel na Rua da Quitanda, não tendo cogitado nunca de edificar um palácio desta natureza. Se o fez, é preciso que o Senado saiba, foi por insistência e reiterados pedidos do ministro da Viação; mais do que isto, foi por insistência e reiterados pedidos do então presidente da República, o sr. Rodrigues Alves, que entendia que a Companhia devia contribuir para o embelezamento da Avenida Central, isto é, da Capital Federal, em que o seu governo estava seriamente empenhado.

Acusava-se também quanto ao preço do terreno. Apoiando-se nas palavras de comentário do Jornal do Commercio às declarações de um grande arquiteto francês, Bouvard, de passagem para Buenos Aires, falou Alfredo Ellis de um presente de mil contos:

O terreno não pode ter menos de 40 metros de frente por 20 ou 30 de fundos. Basta observar aquela enorme mole de granito levantada pela poderosa empresa para se verificar que a área em questão não pode ser inferior a 1.000 ou 1.200 metros quadrados.

Quer isto dizer que o Governo da República fez um presente de mão beijada às Docas, no valor, mais ou menos, de 1.000 contos.

Pois bem, sr. presidente, se essa quantia for capitalizada pelo espaço de 70 anos, verificar-se-á que, duplicando ela de dez em dez anos, chegará no fim daquele prazo à enorme soma de mais de 100.000 contos de réis. Cem mil contos, sr. presidente, que o Governo da União deu, repito, de mão beijada à empresa das Docas de Santos, apresentando como única escusa, como única desculpa, como único pretexto, para, de alguma sorte, acobertar esse escândalo, a cláusula de que esse edifício, no fim do prazo, reverterá à União.

A verdade estava, porém, muito abaixo disto. Certidões dos cartórios, exibidas então, com um quadro de vendedores e compradores, mostraram ter sido no máximo de 200$000o metro quadrado, o que dava um total de 164 contos para o terreno. E só a construção custava cerca de 1.600 contos, de que o Governo Federal não desembolsava um real. "Ao ouvir o honrado senador, disse Victorino Monteiro, imaginei que s. excia. estava nos contando trechos da história de Mil e Uma Noites, tão fabulosos eram seus cálculos". Prosseguindo:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Afirmou o honrado senador, usando sempre dessa figura de retórica de que tanto tem abusado, que o terreno que o governo doou à Companhia Docas de Santos valia, pelo menos, mil contos. Afirmou ainda mais s. excia. que, no fim do prazo da concessão, quando tivesse a Companhia de reverter ao Governo o edifício, verificar-se-ia, pelo cálculo feito por s. excia., que depõe muito contra os seus conhecimentos matemáticos, que esse presente do Governo à Companhia era um presente real, escandaloso, estupendo, pois que nessa época terá produzido para esta a colossal soma de cem mil contos!

Ora, sr. presidente, vou agora demonstrar a v. excia. e ao Senado que não só esse terreno está longe de valer essa importância, como está errado o cálculo do honrado senador. S. excia. foi ainda infeliz no confronto que estabeleceu entre o terreno em questão e aquele que foi adquirido pelo Jornal do Commercio, porque a confrontação não é possível em tal caso.

Mais:

O Jornal do Commercio teve de indenizar o Governo pela desapropriação de um edifício importante ocupado por uma camisaria que existia no fundo do terreno que adquiriu. O Jornal do Commercio teve ainda que adquirir outro prédio novo com quatro andares, recentemente construído, e o qual foi obrigado a comprar para que o seu palácio tivesse a frente necessária. Acresce ainda que o terreno na Rua do Ouvidor tem outro valor, pois todo o mundo sabe que essa artéria é a predileta e a mais valorizada desta capital.

Mas, para que o Senado reconheça a improcedência da acusação do nobre senador, e ao mesmo tempo a puerilidade dos seus argumentos, a ponto de afirmar que importava em uma doação de cem mil contos a cessão do terreno feita pelo Governo às Docas, basta notar a circunstância de que o edifício que essa empresa está construindo tem de reverter ao Governo, pois entra no regime do contrato da Companhia e ele apenas terá o direito de perceber os juros do capital empregado, que monta a mais de 1.600 contos, e também a amortização legal.

Onde, portanto, esse presente, esse regalo a que se referiu o nobre senador, se a Companhia não é proprietária perpétua desse palácio, se la apenas pode retirar os juros relativos ao seu capital e amortização que lhe é devida?

Não estava mais fundada a arguição sobre o aproveitamento dos rios. Disse a acusação:

O SR. ALFREDO ELLIS – À Companhia das Docas, porém, sr. presidente, não satisfez a força do Rio Jurubatuba e seus afluentes, porquanto este rio não podia dar, nem pode, mais de 3.000 cavalos de força, embora a Companhia não carecesse de mais do que isso, mas o seu intuito era, exclusivamente, criar uma usina para utilizar a força necessária, não somente aos serviços das docas, mas de modo a produzir energia elétrica com grande excesso para, depois de monopolizá-la, vender esse excesso à população de Santos. Então veio, como costuma fazer sempre, ao ministro pedir que retificasse o decreto, modificando o artigo 2º do primitivo.

É este o decreto que vou ler:

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, atendendo ao que requereu a Companhia Docas de Santos, decreta:

Artigo único. Fica ampliada a autorização concedida pelo artigo 2º do decreto n. 4.088, de 22 de julho do corrente ano, a fim de que possa a Companhia Docas de Santos utilizar a força hidráulica dos rios que os respectivos estudos demonstrarem convenientes à transformação em luz e força elétrica motora nas oficinas e serviços do cais de Santos, a cargo da referida Companhia.

Capital Federal, 11 de novembro de 1901, 13º da República. Manoel Ferraz de Campos Salles. – Alfredo Maia.

Sr. presidente, a Companhia das Docas, por este decreto, conseguiu a concessão dos rios. O primitivo decreto lhe havia dado o Rio Jurubatuba e seus afluentes, ela não se contentou, voltou ao ministro e esse ministro retificou o decreto, lavrando um outro em que concedia à empresa os rios!

Não sei, sr. presidente, como interpretar este decreto: se o Governo entendia naquela época de conceder às Docas os rios da serra de Santos, se os rios do Estado de São Paulo, se os rios do Brasil inteiro, tal a generalidade do decreto.

Os rios! Parece que este decreto abrange os rios todos sobre os quais o Governo Federal pode agir.

É ou não estupendo o poderio das Docas, pergunto à consciência dos srs. senadores?

Para tal abuso, só uma nova lei de caráter geral, sobre que apresentou projeto [61]. Como no caso do prédio da Avenida, fácil foi a defesa:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – O nobre senador, na sua indignação estupenda, extraordinária, incrível, disse que esse ilustre engenheiro, que estava à testa do Departamento da Viação, havia concedido à poderosa Companhia Docas de Santos, esta gananciosa empresa, a utilização de todos os rios de São Paulo, e mais ainda, pelos termos do decreto, de todos os rios das República.

Pois bem; sabem os ilustres colegas a que se limita a concessão do sr. Alfredo Maia à Companhia das Docas? Ao aproveitamento de um rio do qual ela já desistiu, e de um outro, como o Itatinga que nasce – atenda bem o Senado – e morre em terras de Gaffrée e Guinle.

Haverá nada mais admirável do que as hipérboles de que o ilustre senador se serve na tribuna do Senado, com segurança invejável e que eu admiro?

E, sr. presidente, s. excia., discutindo esse assunto, mostrou-se receoso de que as sobras de força conseguida pela Companhia nas importantes obras que ali está construindo e que realmente são notáveis, a Companhia as empregue em proveito próprio, sem aproveitar à renda da empresa, e, por esse motivo, apresentou um projeto ao Senado tendente a evitar esse resultado.

Esse projeto mereceu o meu apoio; acho que s. excia. fez muito bem. Mas antes que s. excia., que foi inspirado pelo desejo de cravar um punhal na Companhia Docas de Santos, pensando que podia prejudicá-la, antes que s. excia. se tivesse lembrado desse fato, já a Companhia Docas de Santos se lembrara, dirigindo-se ao Governo nesse sentido, de pedir autorização para que as sobras de força hidráulica aplicadas ao desenvolvimento da indústria e da agricultura pudessem contribuir para a renda da Companhia, entrando no cômputo para revisão das taxas. E para que o honrado senador não queira duvidar do fato, a que aludo, e que aliás é um ato oficial, eu vou ler o ofício que a Companhia dirigiu há muito tempo ao Governo e que pende ainda de solução do Ministério da Viação.

Esse ofício, com data de 7 de janeiro de 1904, dizia assim:

A Companhia Docas de Santos, concessionária e construtora das obras do porto de Santos, teve pelo decreto n. 4.088, de 22 de julho de 1901, artigo 2º, autorização para utilizar a força hidráulica do Rio Jurubatuba e seus afluentes, transformando-a em luz e força elétrica motora nas oficinas e cais da Companhia.

Essa autorização foi ampliada pelo decreto n. 4.232, de 11 de novembro de 1901, no sentido de autorizar a Companhia a utilizar a força hidráulica dos rios que os respectivos estudos demonstrarem convenientes à transformação em luz e força elétrica.

A Companhia, tendo encontrado no Rio Itatinga e seus afluentes a força hidráulica conveniente, vem pedir que, de acordo com o artigo 23 da lei n. 1.145, de 31 de dezembro de 1903, seja expedido decreto autorizando-a a utilizar, no serviço federal que executa e explora no porto de Santos, a força hidráulica que nesse rio ou em outros consiga obter, podendo dispor do excesso de força no desenvolvimento da lavoura, das indústrias e outros quaisquer fins, nos termos e condições da citada lei n. 1.145, de 31 de dezembro de 1903 e dos seus contratos em vigor, dos quais fica sendo parte integrante. Para o fornecimento de energia elétrica ou luz à lavoura, indústrias ou outros quaisquer fins, a Companhia apresentará à aprovação do Governo a tabela dos preços respectivos.

Já a esse tempo, conforme se viu, queixava-se a Companhia do fiscal do Governo. Foi isso também motivo de acusação e defesa. Por ele falou Alfredo Ellis da tribuna, para isso não poupando ao superintendente da empresa. Destoando da sua serenidade habitual, o senador rio-grandense não teve boas palavras para o dr. Ewbank da Camara, cujo fim, disse, era só agradar ao seu ministro:

Esse funcionário público, senhores, há anos que entretinha com a Companhia Docas de Santos as mais cordiais relações, ele se mostrava, em todas as ocasiões que se lhe oferecia, um dos seus maiores apologistas e admiradores e passava até ano que não dirigia sequer um ofício à empresa, e entretanto, de janeiro para cá, já dirigiu 178 ofícios, cada qual mais impertinente.

Mas por que isso, senhores?

Depois de 15 de novembro, com a mudança de governo, ele farejou que no alto da administração do departamento da Viação havia uma atmosfera de prevenções contar a Companhia Docas de Santos, e então, como todo o instrumento, tornou-se de um zelo farisaico, de uma intolerância irritante e incompreensível contra a empresa. E desde essa época, ate nas relações oficiais com a empresa, tem se manifestado de uma pasmosa incorreção. Eis um caso:

Depois de ter atestado no requerimento da Companhia, em que ela pedia isenção de direitos para material elétrico importado para a usina de Itatinga, que aqueles materiais eram necessários; tempos depois de ter visitado essas obras e ter achado tudo admirável, dirigiu uma denúncia falsa ao inspetor da Alfândega, alegando que no pedido da Companhia estava incluído material que não gozava de isenção de direitos.

Muitos anos depois, já na chamada República Nova, ia ensaiar-se, com os inconvenientes apontados, o expediente de aterro de café, que a empresa afinal, por ordem do Governo Federal, queimaria ou deitaria ao mar. O fiscal não estava pois sozinho; mas a censura não diminuía em veemência:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Deve o Senado estar lembrado de que, na discussão travada em toda a parte a respeito da crise devida à superabundância de café em São Paulo, despontou na imprensa a ideia da Queima de grande parte da produção para evitar que o excesso não viesse tornar ainda mais prejudicial a crise.

Não entro na investigação do mérito de semelhante ideia; quero, apenas, sr. presidente, fazer ressaltar a incompetência de um funcionário, que é fiscal de uma obra importantíssima, e que ofereceu com uma petulância somente própria da mais crassa ignorância, uma solução até antipatriótica.

Entendia que esse café, avaliado em milhares de toneladas, devia ser empregado como aterro do porto de Santos para a construção das docas. O café, dentro em pouco tempo, se decomporia e sua fermentação viria com mais rapidez causar prejuízos incalculáveis à saúde pública.

E, entretanto, ninguém menos que Vicente de Carvalho, havia aconselhado a queima:

O SR. ALFREDO ELLIS – Lembram-se todos de que os mais extravagantes alvitres foram sugeridos para dominar a crise: a queima do café, dos cafezais, a eliminação de cafezais por meio de machado etc.. Nessa ocasião, todos os que lembravam um alvitre foram classificados como calinos. Entretanto, absolutamente ninguém pode duvidar da cintilante mentalidade de Vicente de Carvalho, autor do projeto da queima do café. Ele é uma das inteligências mais claras, mais robustas e mais cintilantes do Estado de São Paulo.

Pois bem, sr. presidente, nessa época o sr. Ewbank da Camara escreveu aquele artigo, lembrando o lugar onde o milhão e seiscentas mil sacas podiam ser espalhadas, servindo de entulho, visto como seria muito mais barato do que levar todo esse café para o alto mar ou incinerá-lo. Foi esse alvitre que ele apresentou e que nada, absolutamente nada tem que mereça os qualificativos empregados pelo ilustre senador pelo Rio Grande do Sul.

Acaso ignora s. excia. a fossilização das matérias orgânicas? S. excia. não sabe que a piaçava serve de base, de fundamento para consolidar aterros de estradas de ferro? S. excia. ignora a formação das turfas? Ignora que as cidades da Holanda estão levantadas, por assim dizer, sobre estacaria?

Lembrados os tempos da Alfândega de São Paulo e o funcionário encarregado de pô-la em execução, não ficou em silêncio Alfredo Ellis:

O SR. ALFREDO ELLIS – Luiz Rodolpho Cavalcanti de Albuquerque, que, há poucos dias, pediu aposentadoria, é acusado de inimigo sistemático da empresa. A Turibio Guerra a empresa também considera seu inimigo sistemático. O fiscal, dr. Ewbank da Camara, engenheiro distintíssimo…

O SR. FRANCISCO GLYCERIO – Apoiado.

O SR. ALFREDO ELLIS - … justamente por cumprir o seu dever, é atrozmente injuriado nos relatórios da Companhia das Docas.

Entretanto, sr. presidente, esta Companhia, que enxovalha, que insulta homens de verdadeiro merecimento, como estes que acabo de citar, endeusa Alvaro ramos Fontes, subdiretor do Tesouro, que hoje é o gerente das Docas.

A Companhia, sr. presidente, foi àquela seção do Tesouro e lá encontrou, naturalmente, um que já lhe havia dado arras da sua simpatia, do seu reconhecimento, do seu profundo afeto, e então conseguiu que esse funcionário, em plena validez, se aposentasse, com o ordenado de 500$000, para ir assumir o lugar de gerente das Docas, isto é, o lugar de alto executor da justiça de sua majestade o Tzar de todas as Docas.

Quanto ao dr. Ewbank da Camara, engenheiro distintíssimo, que está cumprindo o seu dever, não é ele que é injuriado, que é enxovalhado no relatório das Docas, mas sim o Governo, porque ele é o seu representante perante aquela empresa.

Entretanto, a Companhia, que agride o engenheiro-fiscal das obras, que está cumprindo o seu dever, que está cumprindo as ordens do ministro da Viação, nunca disse uma palavra contra o engenheiro Ulrico Mursa, antecessor do atual, porque este era amigo da empresa e nunca fez uma observação ao Governo sobre a missão que estava desempenhando ali. E tão bem desempenhou esta comissão do Governo, que teve acesso, e o engenheiro de confiança das Docas, é empregado nas obras.

É ou não triste, sr. presidente, que o funcionário público, o engenheiro-fiscal do Governo, abandonasse o seu cargo para vestir o fardamento da empresa?

O dr. Mursa era, porém, uma autoridade. A ele muito devia a Companhia:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Sr. presidente, o ilustre senador, no seu desejo de não deixar nada de pé, uma única coisa que não merecesse a sua censura, atirou desta tribuna frases amargas e injustas contra o sr. dr. Mursa, um rio-grandense distinto, profissional bastante reputado.

Qual o crime do dr. Mursa? O fato de ter deixado de ser fiscal do Governo junto à Companhia das Docas de Santos, depois de alguns anos de exercício, para tornar-se engenheiro da mesma empresa. Qual o crime? Crime não digo bem, qual a incorreção em que porventura incorreu esse profissional distinto, um dos autores das obras de açudagem do Ceará e autor do projeto de obras hidráulicas do porto de Manaus?

Não trocou cargo de funcionário federal pela farda de empregado das Docas, mas trocou o regime do papelório em que nada ou quase nada tinha a fazer, pelo de trabalhador daquela empresa tendo como chefe um engenheiro de reputação universal: trocou a vida cômoda do funcionário pela blusa do trabalhador, exercendo as funções do seu cargo desde a madrugada até horas mortas da noite.

E quem não procura melhorar sua existência? É até natural na vida humana. Quem não procura oferecer mais conforto à família? Quem não procura olhar para o futuro? Este fato não é novo; é até comum, sobretudo na nossa engenharia, na qual se tem visto engenheiros, homens do maior valor, profissionais cuja capacidade e renome já transpuseram as fronteiras do nosso país e que são considerados no estrangeiro como sumidades eminentes, engenheiros notabilíssimos, deixarem a vida do funcionalismo público para se dedicarem à indústria e ao comércio. Aí estão homens como Teixeira Soares, Vieira Souto, Alfredo Maia, Weinschenck, Osorio de Almeida, Paulo de Frontin, Aarão Reis, Daniel Henninger e outros que me seria fastidioso enumerar.

Com relação a Alvaro Ramos Fontes, cuja autoridade em assuntos aduaneiros era das maiores, e por isso o contratou a empresa, também injusta foi a arguição:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – S. excia., não podendo atirar-me as suas setas envenenadas, atirou-as sobre um empregado superior das Docas.

Que culpa tem esse funcionário? Quer o Senado saber quem ele é? É o sr. Alvaro Ramos Fontes, um dos funcionários mais distintos que tem tido o corpo de Fazenda deste país.

Como inspetor da Alfândega de Paranaguá, em um ano, duplicou as rendas em mais da metade; como inspetor da Alfândega de Porto Alegre, só no primeiro semestre, tornou o aumento da renda superior a todos os portos da República, exclusive o do Rio de Janeiro; como inspetor da Alfândega da Bahia, prestou serviços relevantíssimos, recolhendo aos cofres públicos somas que eram desviadas pelos que não cumpriam seus deveres; quando inspetor da Alfândega de Santos, no exercício de 1892-93, as rendas que não atingiam a mais de 11.860:000$000, elevaram-se a 22.163:000$000.

E por este fato, este ilustre funcionário, que tinha, na realidade, prestado serviços desta importância, nos quais demonstrava a maior competência, a maior correção e a mais alta probidade, foi louvado pelo ministro da Fazenda de então, sr. Serzedello Corrêa, que o país inteiro conhece
[62].

E outras queixas velhas se reeditaram. Assim, a questão da ponte inglesa e seu contrabando, com aquele apelo de Cunha Moreira na Câmara Estadual para que cessasse tal vergonha, construindo-se o cais [63]; o histórico das concessões, em que os paulistas tinham fracassado; o aumento do capital inicial; a posição do senador do Rio Grande do Sul em face da empresa, a que certo jornal se referira e não teve escrúpulo em esclarecer de novo.

Com relação ao capital inicial:

O honrado senador, na sua faina demolidora, procurou ainda demonstrar ao Senado que excedia as raias de um escândalo, que era um favor obtido pela ganância dos diretores da Companhia Docas de Santos a elevação do seu capital, que havia sido calculada com inúmeras deficiências no primitivo contrato de concessão.

Sr. presidente, quando a Companhia fez o seu contrato, o câmbio estava a 27 d. Posteriormente, por circunstâncias extraordinárias e especiais, que não vem ao caso enumerar, enquanto a Companhia executava o seu contrato com a máxima boa fé e correção, o câmbio veio a 10, chegando mais tarde, como nenhum dos meus colegas ignora, a pouco menos de 6. Os materiais, que eram todos importados do estrangeiro para a construção do cais, subiram por essa causa, a um valor extraordinário; os fretes naquela época tornaram-se excessivos e ninguém mais do que o ilustre senador por São Paulo sabe o quanto sofreu o comércio que tinha de sujeitar-se a onerosíssimos fretes, e, mais ainda, que não se encontravam navios que quisessem transportar material para o porto de Santos.

Ainda mais, sr. presidente, os salários, que na época em que a Companhia contratou a construção do porto eram, para os operários sem ofício, de 1$600 a 2$000, subiram à quantia de 6$000 e mais. Pode-se calcular, sendo este cálculo bastante módico, que a percentagem, quanto ao aumento, que houve em relação a essa obra, contra a Companhia, foi de mais de 300%.

Acresce ainda, senhores, que a baixa do câmbio e as consequências que tal fenômeno acarreta, foram de tal natureza que obrigaram o Estado, o Brasil, senhores, que é uma nação poderosa e rica, o que não nos cansamos de alardear constantemente, a suspender os seus pagamentos, aceitar o funding.

Ora, senhores, se isto se deu em relação ao Estado, em relação a uma potência, o que não devia acontecer em relação a uma empresa, em relação a uma companhia que, por melhor aparelhada financeiramente, não pode absolutamente ser comparada a um Estado?

Com relação à sua posição em face da empresa:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Um jornaleco que se publica nesta capital, e que tem feito carreira pela difamação e pela calúnia, pensou, talvez, que pudesse entorpecer o meu espírito, como se eu fosse daqueles a quem se pode atribuir uma covardia moral, capaz de recuar do propósito em que me achava de abandonar a defesa dos meus ilustres patrícios e velhos amigos demais de trinta e cinco anos.

Esse jornaleco, que desde a administração, na pasta da Fazenda, do sr. Joaquim Murtinho, tem-me agredido de todas as formas e meios, sem escrúpulos, não sei porque, pois tenho o prazer de não conhecer nenhum dos seus redatores; esse jornaleco, que me apresentava como se eu fosse um grande milionário e não me poupava calúnias, as mais desprezíveis e deprimentes, entretanto, pensando talvez diminuir o valor moral da defesa dos meus velhos amigos, defesa que, como ontem declarei, faço estribado na lei e no direito, apresentando ao lado de cada afirmação um documento que não pode ser contestado; esse jornaleco, pensando diminuir o valor moral da minha atitude, veio apresentar-me ao pais como um devedor dos meus velhos e antigos amigos.

Explicando:

Diz esse jornaleco que, no inventário que eu havia apresentado, por morte de minha mulher, figuravam duas dívidas, uma de Gaffrée & Guinle, de 70:000$000, e outra da baronesa de Miranda, da compra que eu fiz de uma fazenda em Campos, fazenda em que tenho empregado o melhor do meu esforço e onde tenho demonstrado ao meu país que procuro prestar-lhe os meus serviços, ensinando agricultura e o que dela se pode conseguir pelos aperfeiçoamentos modernos.

Pois bem, senhores, este é o meu propósito, de que me orgulho, porque é legítimo e porque com ele acredito estar prestando serviços inestimáveis e que devem merecer incitamento.

Comprei esta fazenda por 70:000$000 à vista e 50:000$000 a prazo de um e dois anos. Venceu-se o primeiro prazo e eu satisfiz os 25:000$000 e brevemente será satisfeito o pagamento do segundo e último compromisso.

Quanto ao fato de figurar eu como devedor dos meus velhos amigos Gaffrée & Guinle, é a coisa mais natural, porque mantenho relações comerciais com essa firma, há mais de 20 anos, depositando nela tudo quanto tenho, e na qual tenho tido crédito duplo daquele que é representado pelo meu débito.

Nessas condições devo declarar que, se esta fazenda figura no inventário, foi por excesso de escrúpulo da minha parte, porque eu a comprei muito depois da morte de minha mulher e assim fiz porque considero que tudo que tenho pertence a meus filhos.

A própria isenção para a matriz no Rio de Janeiro achou-se de novo abusiva e ilegal. "Em relação às isenções de direitos, os abusos têm sido de tal forma que nada mais o Governo pode fazer para conter as incursões das Docas nesse terreno", afirmou Alfredo Ellis, censurando ao dr. Paulo de Frontin, presidente da Comissão da Avenida Central, por ter informado favoravelmente sobre isso ao ministro da Viação, quando era acionista da empresa e membro do seu Conselho Fiscal.

Mas não podia negar-se à Companhia o que era de lei:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – A Companhia não deve favor nenhum ao Governo por lhe ter concedido semelhante isenção, que jamais foi devida à intervenção do ilustre brasileiro dr. Paulo de Frontin, a quem o ilustre senador por São Paulo referiu-se de uma maneira acre, pois foram mais ou menos estas as palavras de s. excia.: "Quem concedeu a isenção foi o dr. Paulo de Frontin. E quem é esse sr. Frontin:? Um acionista das Docas".

Felizmente, sr. presidente, o nobre senador, na calma do seu gabinete, reconheceu ser um tanto dura a referência feita a esse ilustre brasileiro, cujo nome, pode-se dizer, pertence hoje ao patrimônio nacional, e abandonou um pouco a dureza das expressões.

Devo declarar agora ao nobre senador que o dr. Paulo de Frontin cumpriu o seu dever de funcionário, cumpriu o seu dever de chefe da Comissão da Avenida, e se não tivesse exercido a função de informar o requerimento da Companhia, te-lo-ia feito o seu substituto, como agora o faz o chefe da Comissão das Obras do Porto.

Quanto ao fato de ser o dr. Frontin acionista da Companhia, sabe o Senado e sabe perfeitamente que a lei permite aos funcionários públicos, bem como aos militares e magistrados, serem acionistas de quaisquer sociedades anônimas, sem que isso os incompatibilize absolutamente para o exercício de seu cargo.

Tinha a Companhia Docas de Santos preferência para novas obras, em igualdade de circunstâncias. Era ainda razão para ataque, com antecedentes históricos:

O SR. ALFREDO ELLIS – A lei determina que a Companhia não pode exercer o monopólio. Mesmo em relação às obras novas que o Governo entender conveniente mandar fazer, ela apenas terá preferência em igualdade de condições.

Tanto isto é verdade que, se porventura o Governo agora julgar conveniente e útil aos interesses da Nação mandar fazer novo cais em Santos do lado fronteiro ao canal, ou mesmo prolongar o cais existente de Valongo para o lado da estrada de ferro inglesa, a Companhia não terá direito de protestar.

Ouviu ainda o Senado:

O SR. ALFREDO ELLIS – São Paulo, como o Laocoonte da fábula, apresenta-se perante seus irmãos neste recinto, e com voz lancinante pede remédio ao seu extraordinário suplício, lenitivo para seus males. As novas concessões que o governo passado fez às Docas, sr. presidente, correspondem a novos arrochos dos tentáculos deste polvo insaciável.

Não há remédio, sr presidente, senão pedir ao Governo que estude a desapropriação daquela empresa.

O SR. A. AZEREDO – Então há remédio.

O SR. ALFREDO ELLIS – É o único recurso, a única esperança que resta àquele Estado, e é isto que ele pede por meu intermédio.

O Governo que estude, que reflita, porque não é possível que os 20 Estados da Federação assistam impassíveis ao espetáculo pungente de um irmão seu eternamente acorrentado ás concessões daquela maldita empresa! Neste país não há exemplo de uma única reversão, mesmo quando elas são decretadas para um lapso curto de tempo. As Docas conseguiram 92 anos de exploração. É ou não a repetição da ficção mitológica de Prometeu eternamente torturado pelo abutre voraz? A pena de galés foi substituída pela máxima de 30 anos – São Paulo, 92!

Mas também aí não tardou a resposta:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – O ilustre senador não trouxe, para esta Casa, reclamação do verdadeiro corpo comercial do seu Estado.

Entretanto, sr. presidente, aquilo que despertou a indignação patriótica de s. excia., que foi por s. excia. considerado como verdadeiro escândalo administrativo, isto é, este aumento de prazo, é favor de que gozam as companhias Mogiana, Paulista, as estradas de ferro Ingleza e Sorocabana. E, mais do que isto, gozam dos 90 anos de prazo sem reversão ao Estado; portanto, com propriedade perpétua e, além de tudo, para cúmulo, com garantia de juros.

Pois bem: estes favores excepcionais que gozam as estradas de ferro, com capitais muito menos importantes do que o da Companhia das Docas, não despertaram a indignação de s. excia., não lhe inspiraram sequer uma palavra de impugnação e de censura, o que é muito para admirar, tratando-se dos verdadeiros polvos que sugam a lavoura paulista. E, mais, senhores, a propósito, a que ficam reduzidos todos esses favores escandalosos, extraordinários, colossais, a que se refere continuamente o ilustre senador em todos os seus discursos, repetindo-os sistematicamente todas as vezes que vem à tribuna?

Mas, o pior é que o ódio, é que o rancor do ilustre senador, o levam ao ponto de querer impugnar esses favores insignificantes, de que gozam as Docas de Santos, procurando fazer acreditar ao Senado que esses favores são privilégios das Docas. Entretanto, senhores, favores semelhantes são extensivos a todas as companhias que estão construindo portos no Brasil, e já tinham sido concedidos aos portos do Rio de Janeiro e da Bahia. Gozam deles as estradas de ferro e muitas outras empresas, até aquelas que não têm contrato com o Governo, como as empresas de mineração.

Quanto à isenção de direitos em geral:

O SR. VICTORINO MONTEIRO - Além disto, as isenções, a que me refiro, já tinham sido concedidas à Companhia Docas de Santos no contrato de 1890, contrato firmado pelo meu ilustre amigo e velho chefe, o sr. general Glycerio. A Companhia, portanto, desde aquela época gozava dessa isenção. E não é tudo, sr. presidente, o honrado senador parece ignorar que a Companhia Docas de Santos não foi a única a gozar desses favores, pois que idêntica isenção havia sido concedida à Empresa de Melhoramentos do Porto do Rio de Janeiro e aos contratantes dos Portos da Bahia e do Pará, favor que, embora houvesse caducado, foi restabelecido no contrato firmado para as obras do porto do Pará, do porto do Rio Grande do Sul e outros.

Gozam de isenção de direitos todas as estradas de ferro que têm favores da União. Gozam de iguais favores todas as empresas de navegação, aquelas que fazem serviços regulares entre os portos da República, tais como o Lloyd Brasileiro, empresa Esperança Marítima, as companhias São João da Barra e Campos, Cruzeiro do Sul e outras.

Gozam desta isenção de direitos as concessões federais de força elétrica; enfim, sr. presidente, gozam destes favores todos os arrendatários de estradas de ferro da União, por se tratar de serviços federais, comoa Recife, a São Francisco, a Sul de Pernambuco, a Minas e Rio e outras.

Gozam, finalmente, de isenções de impostos estaduais e municipais e até do imposto do selo os bancos de Crédito Rural e a companhia telegráfica Great Western.

Classificado como "o maior dos favores que Governo algum tenha dado no mundo inteiro", falou o senador paulista numa "falsificação que dava em resultado entregar à Companhia Docas de Santos a maior concessão, a mais excepcional de todas que ela tem obtido". Referia-se s. excia. à subemenda que, aprovada na Câmara, não se enviou ao Senado, conforme vimos atrás (capítulo XXVII) e não se fizera para a Companhia de Santos, senão para a do Porto do Rio de Janeiro, três anos antes:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Aqui têm, srs. Senadores, detalhadamente, todos os materiais importados pela Companhia nos anos de 1905 e 1906, em que foi obrigada a depositar a importância dos direitos desses mesmos materiais, não digo por má vontade do então ministro da Fazenda, mas por ter havido desacordo entre s. excia. e o ex-titular da pasta da Viação, que entendia que a Companhia gozava isenção de todos os impostos, embora de materiais similares, entendendo de modo contrário o seu colega da pasta da Fazenda. Foi deste fato que se originou essa delonga, deixando o ministro da Fazenda de despachar os requerimentos da Companhia em que pedia isenção de direitos.

Esses impostos são os únicos de importância, e a sua concessão, repito, data do decreto n. 966, de 7 de novembro de 1890. Aqui está tudo discriminado. Em 1905 eles importaram em 79:596$000 e em 1906 em 141 contos, setecentos e tantos mil réis, isto é, em dois anos importaram em 221 contos e tanto.

Entretanto, o ilustre senador, com uma ingenuidade pasmosa…

O SR. ALFREDO ELLIS – Costumeira.

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Como quiser. Nã costumo desmentir os meus colegas… afirmava ao Senado que era uma concessão de tal natureza, que jamais se tinha visto igual no mundo inteiro.

Tenho aqui provas de que a Companhia gozava da isenção desse imposto de acordo com a própria lei paulista, que s. excia. parece desconhecer.

O SR. ALFREDO ELLIS – V. Excia. conhece mais do que os paulistas.

O SR. VICTORINO MONTEIRO – E posso afirmar que conheço mais que alguns paulistas.

O SR. ALFREDO ELLIS – Principalmente as que se referem às Docas.

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Certamente, porque demonstrei ao Senado que estudei o assunto.

Adiante:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – O honrado senador, estribado no parecer de um funcionário competente do Tesouro, o sr. Luiz Rodolpho Cavalcanti de Albuquerque, disse que, se a companhia pleiteava perante o Governo o seu direito, não era só para não pagar o imposto, mas porque pretendia eximir-se do pagamento do imposto sobre dividendos e sobre seus debêntures.

Para o Senado reconhecer a injusta agressão atirada sobre a empresa das Docas neste particular, vou ler um documento em que se demonstra a muita correção de seus beneméritos diretores, os quais, apesar de aconselhados instantemente por jurisconsultos notáveis desta capital, que entendiam que a Companhia não estava sujeita a esses impostos,não aceitaram tais conselhos por entenderem que os impostos de dividendos e de debêntures são impostos devidos pelos acionistas e pelos credores da empresa e nada têm que ver com o serviço público a cargo desta. Por assim entenderem, pagaram sempre pontualmente tais impostos. Só do semestre que acaba de findar a Companhia pagou por eles 102:000$000, o que perfaz por ano 204:000$000, como se vê dos documentos da Recebedoria desta Capital, os quais ficam à disposição do honrado senador por São Paulo.

Pois bem, saiba agora o Senado em quanto monta esse imposto excepcional, esse favor que "no mundo inteiro", na frase do honrado senador, não foi concedido a empresa nenhuma, em consequência de uma lei que s. excia. taxou de falsa. Esse imposto de selo monta de 8 a 10 contos anuais!

Por último, rendas ocultas ou excessivas. Se a empresa publicava o mapa mensal do despacho de navios e a Alfândega tinha o seu rol de mercadorias saídas ou entradas, fácil era às autoridades calcular ano a ano tudo. Bastava, além disso, a qualquer particular, ser acionista da empresa para ter direito de informar-se. A Companhia é que não o comunicava senão aos que dela faziam parte, usando de um direito seu:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Quanto às suas rendas, a Companhia não está obrigada a dar satisfação a quem quer que seja, a não ser aos seus acionistas.

O honrado senador, se quisesse acusar conscienciosamente à Companhia, podia fazê-lo muito simplesmente. Se quisesse ter todos os dados, era facílimo. Se quisesse conhecer todos os fatos mais íntimos passados na Companhia das Docas, podia fazê-lo, empregando meia dúzia de centenares de mil réis, alistando-se entre os seus acionistas.

Não é privilégio de quem quer que seja ser acionista da Companhia. Assim, o honrado senador compareceria às suas assembleias e pediria informações, e então, depois de colher todos os dados, viria para o Senado falar estribado em informações que não podiam ser desmentidas.

Senhores, não se trata disso. A Companhia, ou antes o Governo, publica mensal, trimestral e anualmente todo o movimento do porto de Santos: a tonelagem, o número de volumes, o nome do navio e a qualidade das mercadorias, quer de exportação, quer de importação.

Por esses documentos pode-se perfeitamente avaliar, sem discrepância de um ceitil, qual a renda efetiva que realmente percebe a Companhia das Docas de Santos.

E vinha, de novo, a pergunta: retirava a Companhia, de fato, tão grandes lucros? Comparando Victorino Monteiro as palavras de Alfredo Ellis a 25 de setembro de 1906, quando acusava a empresa de arrecadar mais de 30.000 contos, e na semana precedente, quando a calculou em 12.000, ouviu de seu colega que "não se daria o engano se a empresa publicasse o seu balanço". É de ler-se este fim de discurso:

O SR. VICTORINO MONTEIRO – O engano corre sob a facilidade com que s. excia. tem pretendido levantar acusação desta natureza.

O SR. ALFREDO ELLIS dá um aparte.

O SR. VICTORINO MONTEIRO – Que culpa tenho eu que s. excia. seja pilhado em uma flagrante contradição, que tanto depõe contra os conhecimentos de s. excia. sobre o assunto?

Não se irrite o honrado senador. Ouça e seja castigado com as suas próprias palavras. Quando s. excia. trouxer para aqui exposições, estude-as com consciência, porque será ouvido com todo o respeito e acatamento, e não se encontrará em tão crítica emergência.

Pergunto agora ao honrado senador quando informou com exatidão ao Senado: no seu discurso de 25 de setembro do ano passado, assegurando ser uma verdade inconcussa que a renda das Docas de Santos excedia a 30 mil contos, esbulhando o seu Estado em 20 mil contos, e neste caso, o próprio honrado senador reconhecia a renda de mais de 10 mil contos regular, legítima e legal, ou em seu discurso dos últimos dias da semana passada, em que calculou a renda bruta da mesma empresa em 12 mil contos, isso em um ano excepcional e que naturalmente em condições normais baixará, segundo seus próprios cálculos, de oito a nove mil contos?

Não farei comentários, mesmo porque seria um pálido reflexo diante dessa flagrante contradição, dessa inacreditável incoerência que acabei de constatar.
[64].

Assentamento da última pedra do capeamento do cais no trecho de Paquetá aos Outeirinhos (1909)

Foto: reprodução da página 218-a


[61] O Congresso Nacional decreta: Art. 1º. Ficarão sujeitas para todos os efeitos, ao decreto n. 5.407, de 27 de dezembro de 1904, as concessões feitas às empresas nacionais de portos, estradas de ferro e outras, para o aproveitamento de força hidráulica e transformação consequente em luz e energia elétrica – desde que se verifique ser a instalação a que se procedeu ou procederam, maior que as exigidas pelas necessidades próprias destas empresas, visando o fortalecimento à indústria particular – o que o citado decreto regula.

Art. 2º. As concessões feitas às mesmas empresas deixarão de ser consideradas como complementares das primitivas ou iniciais, para constituírem e ser consideradas – concessões novas, especiais – reguladas para todos os efeitos pelo decreto citado; revogadas as disposições em contrário.

Sala das sessões, em 12 de junho de 1907 – Alfredo Ellis.

Este foi o parecer da comissão: "Abstraindo das apreciações do honrado senador em relação à Companhia Docas de Santos e tomando simplesmente o projeto nos termos gerais em que se acha concebido, a Comissão das Obras Públicas e Empresas Privilegiadas não teria dúvida em aconselhar desde já a sua adoção. Entretanto, desde que na justificação desse projeto claramente se atribui àquela Companhia a capacidade de praticar atos abusivos à sombra de favores da Administração Pública, a Comissão julga conveniente ouvir-se o Governo. Sala das sessões, 18 de outubro de 1907. – Francisco Sá. – Oliveira Valladão, relator. – Hercilio Luz".

[62] Tendo-lhe caído 40 contos por haver apreendido um contrabando, Alvaro Ramos Fontes deles declinou em favor do Tesouro, conforme comentaram os jornais do tempo e uma certidão provava (1906). Victorino Monteiro evocou esse fato citando também casos de aposentados, ainda trabalhando, pois Fontes era pobre e a pensão lhe não bastava: "Pois, sr. presidente, será crível que o nobre senador desconheça fatos que, constantemente, se dão na vida pública? Será crível que s. excia. não conheça os nomes de Adolpho Hasselmann, barão de Sampaio Vianna, Alexandre Sattamini, cavalheiros que foram aposentados e estão exercendo a sua atividade no comércio e na indústria? O sr. Sattamini, ainda há pouco tempo, foi incumbido pelo Governo Federal de uma fiscalização nas alfândegas do Norte. Será possível que s. excia. não conheça ministros do Supremo Tribunal que se têm aposentado e exercem a advocacia?" – Victorino Monteiro, Senado, 6 de agosto de 1906.

[63] Havia repetido o representante paulista, quase nas palavras ouvidas em 1894, que tão oneroso era o cais que dava saudade dos tempos da ponte inglesa e dos trapiches: "Realmente, sr. presidente, o benefício foi caro de mais e hoje nos lembramos com saudades da velha ponte da Estrada de Ferro Inglesa e dos velhos trapiches de Paquetá e outros, que faziam o serviço módico, segura e honestamente". – Alfredo Ellis, Senado, 19 de julho de 1907.

Ouviu, então, o Senado, o mesmo quadro comparativo, as mesmas queixas das estradas de ferro sobre o porto antes da construção e seu contentamento depois. Assim a Paulista: "Temos tido navios ali que, só depois de sete meses de espera, conseguem atracar à ponte da São Paulo Railway" (Relatório de 1892). "Mais caras são ainda as despesas de estadia. Com cinco navios, contendo 4.643 toneladas de carvão, fizemos uma despesa de 180:260$000 em pagamento de estadia, quando o custo desse carvão em Santos, ao câmbio de 13 13/16, foi de 135:356$016". (Idem, 1893). Ainda consta desse relatório de 1893: "Se não forem as despesas de estadia e as descargas em lanchas ao preço de 15$000 e 10$000 por tonelada, o custo do carvão, mesmo ao câmbio de 11, seria em Jundiaí de 38$000 por tonelada, e só nessa verba de despesa teria a Companhia despendido, em 1892, menos 455:833$575 do que efetivamente despendeu".

[64] Houve, também, polêmica se Prudente de Moraes, visitando o cais, voltara atrás de suas reservas quanto à empresa, pois segundo a Platéa, lida por Victorino Monteiro (1º de agosto de 1907) s. excia. se surpreendera com a importância daqueles trabalhos. Falou a respeito Alfredo Ellis: "Já houve alguém que contestasse esse fato? O senhor Prudente de Moraes, no almoço a que assistiu, examinou porventura a escrita, verificou a execução do contrato? Verificou as taxas, mais ou menos lesivas que a empresa cobra, e exige do contribuinte? Por certo que não. Entretanto, se confessou que s. excia. confessara contrito". – Alfredo Ellis, Senado, 7 de agosto de 1907.