TERCEIRA PARTE (1906-1910)Capítulo XXVII
Impostos federais e estaduais
Não ficavam, porém, aí as dificuldades desse primeiro semestre de 1907. Voltaria à tona a questão da isenção de direitos para os
materiais, acrescida da de outros impostos federais.
Naquela isenção se incluíam, além das obras do cais de Santos, as da matriz na Avenida Central e da instalação elétrica de Itatinga. Vinha a empresa, como sempre, no princípio de cada ano, apresentando as listas de materiais para a necessária
isenção, quando, por exigências administrativas no Ministério da Viação e, depois, no da Fazenda, ficaram sem despacho.
Havia, primeiro, embaraço com a fiscalização federal. Este ofício ao ministro da Viação o elucidava:
A Companhia Docas de Santos recebeu do engenheiro fiscal das obras de melhoramentos do porto de Santos o seguinte ofício:
N. 207 – 17 de julho de 1907 – Ilmo. Sr. – Comunico para os devidos efeitos que, não determinando a legislação em vigor ser dado previamente o atestado nas relações de materiais, a importar livres de direitos aduaneiros, a fiscalização a meu
cargo, tendo em vista o interesse público, somente passará o atestado preciso à vista do material importado. Cumpre providenciar a Companhia, consultando antes de fazer a encomenda, se a fiscalização a meu cargo impugnará qualquer material pela
quantidade ou qualidade com que for pedido. Saudações. Sr. engenheiro-chefe da Companhia Docas de Santos – Ewbank da Camara.
Como vê v. ex., é mais um embaraço que procura aquele fiscal criar à execução das obras do porto de Santos, infringindo a lei e os precedentes.
São as empresas com favores de isenção de direitos que determinam a quantidade de materiais ou objetos necessários para um tempo designado. O fiscal, no certificado, deve declarar se o material é próprio e para aplicação exclusiva às obras, se as
quantidades são estritamente precisas para o mesmo fim e para o tempo designado na petição da empresa. É isso o que está expresso no art. 435, n. 2, da Consolidação das Leis das Alfândegas.
Concluindo:
A Companhia Docas de Santos, como todas as outras empresas, apresenta anualmente a relação dos materiais a importar durante o ano e
nunca sobre isso houve a menor dúvida, quer por parte do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, quer especialmente por parte do Ministério da Fazenda, a cujo cargo diretamente corre o serviço.
Agora o fiscal tenta inovar, sob pretexto de ser omissa a legislação em vigor!
Se não existissem a disposição do art. 432. N. 2, da Consolidação das Leis das Alfândegas e os precedentes de dezenove anos, é certo que o fiscal não teria o arbitrário poder de suprir casos omissos da legislação.
A Companhia Docas de Santos, trazendo ao conhecimento de v. ex. o fato exposto, espera que sejam dadas providências no sentido de ser mantida a norma até hoje seguida, que é a mesma adotada para todas as empresas que gozam o favor de isenção de
direitos, porque é de lei.
Depois, junto das autoridades federais mais altas, complicava-se o caso com a isenção do selo, a que se julgava a empresa com direito.
Protestando não eximir-se à satisfação do que lhes cabia fazer, pois que pagara à Recebedoria Geral mais de 200 contos anuais de imposto sobre o dividendo de suas ações e os juros de seus debêntures, bem como o selo em todos os papéis que não
tinham relação direta com o serviço público a seu cargo, a empresa vinha remediando, como podia, a demora [44], depositando até os direitos em ouro e papel, a fim de se não
retardarem ou suspenderem os trabalhos.
Mas, dois anos tinham decorrido nisto, sem satisfação (3 de novembro de 1906):
No Diario Official, de 21 do corrente mês, vem publicado o despacho que o sr. ministro da Fazenda deu ao ofício em que, a 3 de
novembro de 1904, pediu esta Companhia a expedição de ordem à Alfândega de Santos para despachar livres de direitos os materiais necessários às obras federais que ali executa, no ano de 1905, já findo.
Esse pedido foi encaminhado com a informação do engenheiro fiscal junto a esta Companhia, por intermédio da Alfândega de Santos, ao Ministério da Fazenda.
Para atender às exigências do Ministério da Fazenda, pediu o engenheiro-fiscal instruções que lhe foram dadas por esse Ministério em 5 de junho de 1905. Ainda sobre o mesmo assunto, dirigiu o senhor ministro da Fazenda a esse Ministério o aviso
n. 231 de 12 de outubro, que foi respondido pelo aviso n. 354, de 19 de dezembro último, com o qual parece não se conformar o ministro da Fazenda.
Esta Companhia, para não parar com todos os serviços públicos federais a seu cargo, nos quais estão incluídos os da movimentação de todas as mercadorias do porto de Santos, tem pago, com protesto de reaver, todos os direitos de máquinas e
materiais, inclusive os de carvão, recebidos durante o ano de 1905 e os que está recebendo para o corrente ano, situação esta que não pode continuar, sob pena de ver mais agravada a sua posição, por isto vem pedir a v. ex. providências que
removam esta dificuldade.
Ligava, de certo modo, a empresa, essa atitude do Tesouro, então a cargo de Leopoldo de Bulhões, ainda à questão da Alfândega de São Paulo.
"Sobre este indeferimento, manifestamente injusto, disse ela ao ministro da Fazenda (26 de dezembro de 1906), apelando de decisão sua, e baseado no parecer do ilustre diretor das Rendas do Tesouro Federal, que é, desde 1895, sistematicamente
contra tudo quanto se refere à Companhia…" [45].
Com efeito, em divergência não só quanto aos materiais, mas também relativamente ao imposto do selo, a empresa encontrava resistência no Tesouro, assim quanto aos seus pedidos de isenção, como à devolução das somas depositadas. A isto ia se
referir Alfredo Ellis no segundo semestre do ano (25 de julho de 1907), quando retomasse sua campanha ao descrever o Ministério da Fazenda resistindo "aos centenares de contos depositados na Alfândega de Santos e aos recolhidos para pagamento de
materiais importados".
Reconhecido, afinal, o direito da Companhia [46], não deixou o senador paulista de exclamar, comentando as palavras, aliás corteses, do Relatório da Diretoria
sobre o ministro da Fazenda (19 de julho de 1907):
A propósito desta isenção de direitos, vou contar um caso, sem, entretanto, me responsabilizar pela sua veracidade, conto-o como chegou
ao meu conhecimento.
A Companhia das Docas, no seu relatório, queixa-se amargamente do ex-ministro da Fazenda, o sr. dr. Bulhões. Faz duras recriminações ao mesmo ministro e expõe a necessidade que teve de depositar centenas de contos de reis para poder retirar
materiais necessários às obras do porto de Santos. Depositou o dinheiro sob protesto e despachava esses materiais, que iam ser empregados não só nas obras do porto de Santos, como nas da célebre usina de Itatinga.
Pois bem, sr. presidente, o ex-ministro da Fazenda, que resistiu durante muito tempo, que não consentiu que certos materiais fossem despachados isentos de direitos, afinal – segundo blasonou o muito alto e poderoso tzar de todas as ocas, ou um
dos grão-duques pertencentes àquela diretoria, em uma roda de íntimos – ele, que havia sido de uma crueldade e uma implacabilidade ferozes para com essa Companhia, cedeu à última "esporada" que ela lhe havia dado, desempacando assim, mandando
restituir a importância depositada e dando ordem imediata para serem despachados os materiais pertencentes à empresa.
Não sei, sr. presidente, se isso é verdade e se isto se passou, poucas horas antes de s. ex. passar o Governo, no dia 15 de novembro de 1906. Quem poderá saber se isso é real é o atual Governo. É tal, entretanto, o poderio das Docas que nada
estranho, acho tudo isso muito natural.
Ao que acudiu, defendendo o ministro, já fora da pasta, o senador Erico Coelho (22 de julho de 1907):
Da longa exposição de fatos ocorrentes na administração da Fazenda, e documentos lidos pelo honrado representante de São Paulo, o Senado
colige que o ex-ministro, o meu nobre amigo dr. Leopoldo de Bulhões, teve mão ao leme, com os olhos na bússola, evitando os escolhos das solicitações desarrazoadas, à direita e à esquerda, isto é, recusando quando a lei devia recusar, concedendo
quando pela lei poderia conceder, restituindo quando a lei mandava restituir.
Vede, sr. presidente, o que aconteceu com o sr. Leopoldo Bulhões. Nem por ter contrariado, como Governo, as pretensões das Docas de Santos, nem assim merece do honrado representante de São Paulo o acatamento devido ao ex-senador por Goiás, apeado
embora das posições políticas no seu estado natal, mas que deixou no Congresso Nacional e no Governo da República uma tradição de trabalho inteligente e de probidade exemplar.
Atacadas, por sua vez, as obras de Itatinga, de indiscutível complemento às do cais, havia a empresa requerido a isenção assegurada por lei, fazendo-a
acompanhar da necessária lista de artigos – uma instalação completa hidrelétrica, composta de isoladores, torres de treliça de aço, cabos de fio de cobre etc. – que o fiscal confirmara como "necessário às obras de melhoramento deste porto a cargo
da Companhia Docas de Santos" (12 de janeiro de 1907).
O mesmo fiscal havia, contudo, denunciado a empresa à Alfândega, por incluir no rol dos materiais artigos sujeitos a direitos, pois, no seu entender, a estação hidrelétrica estava subordinada a estes.
Já tinha a Companhia manifestado o seu descontentamento. Desde 1900, quando começou o exercício, disse ela ao ministro, o dr. Ewbank da Camara, "limitado ao círculo das funções que lhe eram próprias, não deu ocasião a atritos com a diretoria da
Companhia e com o pessoal superior da construção daquela obra".
De janeiro daquele ano (1907) em diante, porém, "esse fiscal entendeu que devia abrir uma devassa sobre os atos da Companhia, promovendo verdadeira campanha de descrédito contra ela e esquecendo-se, mesmo, que é obrigatória, nas relações
oficiais, a linguagem cortês".
"Obras e serviços executados pela Companhia, sobre as quais até então esse fiscal nada reclamara, porque as achava muito boas e conformes aos contratos, passaram a ser infrações contratuais e legais". Agora, porém, sua atitude ia além de qualquer
comentário (30 de março de 1907):
Nos primeiros dias do corrente mês de março, a superintendência da Companhia recebeu do inspetor da Alfândega de Santos ofício pedindo
informação, em cumprimento de uma ordem do exmo. sr. ministro da Fazenda, sobre se os materiais importados por esta Companhia, isentos de direitos, "eram empregados exclusivamente nas obras do cais ou em outras diferentes".
Solicitando do inspetor da Alfândega de Santos esclarecimentos quanto às informações pedidas, esta Companhia veio a saber, com grande surpresa, que o engenheiro-fiscal, o mesmo que firmara o atestado supra transcrito, havia denunciado ao inspetor
da Alfândega que a Companhia Docas de Santos incluíra sub-repticiamente, em diversas relações de materiais a despachar, com isenção de direitos, os destinados à instalação hidrelétrica do Itatinga, para a qual não gozava ela desse favor,
fraudando assim a Fazenda Nacional, e que iludido atestara ele fiscal o que não era verdadeiro!
Concluindo:
Como se vê, exmo. sr. ministro, a denúncia do fiscal é absolutamente falsa e caluniosa, e parece não satisfazer a outro intuito que o
descrédito da Companhia Docas de Santos e de seus diretores, pois não é de presumir que o fiscal ignore os contratos e leis que regulam a concessão da Companhia.
A Companhia Docas de Santos goza de isenção de direitos para a importação de materiais para todas as suas obras e serviços; o próprio edifício construído na Avenida Central desta Capital tem tido os seus materiais isentos de
impostos aduaneiros; a instalação hidrelétrica do Itatinga é parte complementar as obras do porto de Santos, como o decreto n. 4.088, de 22 de julho de 1901, declara desde a sua epígrafe; os materiais destinados a essa instalação foram
despachados de acordo com todas as formalidades fiscais exigidas em a Nova Consolidação das Leis das Alfândegas e Mesas de Rendas [47].
Cansaria, certamente, ao Governo, estar ouvindo estes e outros casos, amiúde repetidos. Mas lutava a empresa pelo seu direito:
Deve ser fatigante para v. ex. ouvir quase diariamente a Companhia Docas de Santos alegar o seu bom direito, firmado em lei e contratos,
hostilizados injuriosamente por quem justamente tem o iniludível dever de respeitá-los.
Ela, entretanto, pede permissão para continuar nessa tarefa, porque está certa que no espírito de v. ex. não predominam outros intuitos que a fiel execução da lei e dos contratos e a justiça.
A Companhia se torna importuna, bem o sabe, mas essa dura contingência é criada pela necessidade da justificação de seus atos perante o co-contratante, o Governo Federal, mediante a qual ele patenteará, sempre, a sua lisura na execução dos
contratos, a sua lealdade e exação no desempenho do serviço público a seu cargo.
Essa matéria dos impostos não dava menos motivo a impugnação, como favoritismo inexplicável. E era, contudo, favor que não abrangia somente as Docas de Santos,
mas todas as empresas de portos do Brasil. Com efeito, estabeleceu o decreto n. 4.228, de 6 de novembro de 1901, quanto à Companhia Docas do Rio de Janeiro:
Sendo federais os serviços que por esta concessão ficam incumbidos à Companhia, goza ela de isenção de quaisquer impostos que não os
federais, dos quais igualmente fica isenta.
Sem efeito, depois, essa concessão, constituiu-se sobre ela a Companhia Internacional de Docas e Melhoramentos do Brasil, à qual foi ampliada a prerrogativa.
Pela lei n. 816, de 23 de dezembro de 1901, determinou-se:
Ficam extensivos à Companhia Internacional de Docas e Melhoramentos do Brasil os artigos 24 e 25 do decreto n. 4.228, de te de novembro
de 1901, que autoriza a organização da Companhia Docas do Rio de Janeiro.
Por último, preceituou a lei n. 1.145, de 31 de dezembro de 1903:
Fica extensivo às companhias concessionárias de obras nos portos da República o disposto na cláusula 25ª do decreto n. 4.228, de 6 de
novembro de 1901, à semelhança do que fez o artigo 14 da lei n. 813, de 23 de dezembro de 1901, com relação á Companhia Internacional de Docas e Melhoramentos do Brasil.
Aprovando esta lei, não fazia o Congresso Nacional mais que executar o voto do Congresso de Engenharia e Indústria de 1901, com o fim de favorecer a construção
de nossos portos, dando a todos tratamento igual.
Natural era, pois, que, prerrogativa primeiro da Companhia Docas do Rio de Janeiro e depois da Companhia Internacional de Docas e Melhoramentos do Brasil e, por
último, das demais companhias concessionárias de obras nos portos do país, dela não se excluíssem as Docas de Santos, mesmo porque a Constituição Federal proibia se favorecessem uns portos em detrimento de outros.
Tendo requerido essa regalia, não como favor, mas como um direito, foi-lhe concedida em 1904, nos mesmos termos do decreto n. 4.228 de 6 de novembro de 1901, o que tudo constou do seguinte termo de contrato:
Aos 29 dias do mês de janeiro de 1904, presentes na Secretaria de Estado dos Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas, no Rio de
Janeiro, o sr. dr. Lauro Severiano Müller, ministro de Estado dos Negócios da mesma repartição, por parte do Governo Federal dos Estados Unidos do Brasil e a Companhia Docas de Santos, neste ato representada por seu diretor, o cidadão Candido
Gaffrée, declarou o mesmo ministro que, atendendo ao que requereu a referida Companhia, em 7 do corrente mês e ano e de conformidade com o artigo 19 da lei n. 1.145, de 31 de dezembro de 1903, resolveu tornar extensivo à mesma Companhia o
disposto na cláusula 25ª do decreto n. 4.228, de 6 de novembro de 1901, assim concebida:
"Sendo federais os serviços que, por esta concessão, ficam incumbidos à Companhia, goza ela de isenção de quaisquer impostos que não os
federais, dos quais igualmente fica isenta".
Por assim haverem acordado, mandou o sr. ministro lavrar o presente termo de acordo aditivo, que assina com o cidadão Candido Gaffrée,
diretor da Companhia Docas de Santos, com as testemunhas Carlos José Farias da Costa e Elpidio de Oliva Maya e comigo Francisco Manoel da Silva que o escrevi. Rio de Janeiro, 29 de janeiro de 1904. – Lauro Severiano Müller. – C. Gaffrée.
– Carlos José Farias da Costa. – Elpidio de Oliva Maya. – Francisco Manoel da Silva.
A redação da cláusula final "goza ela da isenção de quaisquer impostos que não os federais, dos quais igualmente fica isenta" poderia quiçá
considerar-se forçada. Lembrando-a, fez dela o senador Ellis motivo de indagação [48], pois poderia ter existido enxerto. Este, contudo, nãohouve, e sim o desaparecimento de uma
subemenda, na remessa dessa lei de orçamento da Câmara para o Senado, desaparecimento que o senador paulista censurou.
A subemenda, proposta ao texto legislativo que beneficiava a Companhia Docas do Rio de Janeiro, tinha com efeito este parecer: "É um favor novo a que deve corresponder uma compensação. A Comissão entende, pois, que a emenda deve ser aprovada,
acrescentando-se, porém, as seguintes palavras: "introduzindo o Governo, na inovação do contrato, a celebrar, cláusula que diminua os ônus dela resultantes para o comércio".
Só depois, em 1907, descobriu-se que essa parte, não tendo chegado ao Senado, ficou sem deliberação daquela Casa, deixando de se incorporar ao texto. Mas era coisa pela qual não respondia a empresa de Santos, pois se limitara a pedir, em 1904, o
que às congêneres fora expressamente concedido por força dessa lei, em 1901.
Relator então do orçamento, sustentou Francisco Sá que a subemenda fora feita de acordo com Lauro Müller, o que provava a nenhuma responsabilidade dele no seu desaparecimento. Do inquérito realizado ficou, aliás, patente, não
ter havido senão o natural atropelo com que se faziam, à última hora, os orçamentos [49]. Ora, era essa subemenda, a uma lei que não se aplicava originariamente à empresa de
Santos, que o ministro da Viação devia, segundo a acusação, ter imposto à mesma empresa. S. ex. falou mesmo em "lei falsificada" (27 de julho de 1907):
O SR. ALFREDO ELLIS – Sr. presidente, confesso, com a maior franqueza, com a maior sinceridade, que não me passou pelo espírito nem tive
intenção de censurar ou culpar o ex-titular da pasta da Viação, a propósito da subtração da parte da lei que favoreceria o comércio e o contribuinte. Não podia supor que s. ex., depositário da confiança do sr. ex-presidente da República, soubesse
que tinha havido uma falsificação, falsificação que dava como resultado entregar à Companhia das Docas a maior concessão, a mais excepcional de todas que ela tem obtido.
De fato, sr. presidente, nenhuma empresa no mundo inteiro teria poderes e faculdades iguais aos das Docas de Santos, depois de ter conseguido do ex-ministro da Viação aquele ato aditivo de 29 de janeiro de 1904.
E o que é para estranhar é que s. ex., ao subscrever esse ato aditivo, concedendo à empresa das Docas o maior dos favores que o Governo pode conceder a qualquer empresa, se esquecesse dos três milhões de trabalhadores, vassalos dessa empresa, não
exigindo sequer dela, em troca ou como compensação desse excepcional favor, uma redução, por pequenina que fosse, a favor daquela classe produtora, daqueles que mourejam para sustentar o crédito da Nação.
O que se pretendia era beneficiar da mesma maneira uma empresa pobre, como as Docas do Rio de Janeiro, e as Docas de Santos, que eram riquíssimas:
O SR. ALFREDO ELLIS – Sr. presidente, a emenda tornando extensivos à Empresa de Melhoramentos do Brasil os favores da cláusula 25ª do
decreto n. 4.228, de 1901, esta emenda não devia ter sido apresentada ao Orçamento da Viação, tratando, como trata ela, de rendas federais. Devia ter sido enviada ao relator do Orçamento da Receita.
Entretanto, a emenda foi enviada ao relator do Orçamento da Viação, quando nada há absolutamente nesse orçamento, referente às rendas federais.
O SR. FRANCISCO SÁ – Eu sempre sustentei a doutrina que v. ex. propugna, mas a vencedora na Câmara era outra.
O SR. ALFREDO ELLIS – Mas, sr. presidente, é o caso de se inquirir também se a Câmara podia votar a referida emenda, porque o decreto que acabei de citar foi lavrado para sobre ele se guiar uma empresa de melhoramentos do porto do Rio de Janeiro.
Não tendo, porém, feito um único metro de cais e tendo o Governo encampado a empresa mediante dois mil e tantos contos, supunha que esse decreto havia desaparecido… Creio, sr. presidente, que não podem haver duas opiniões em sentido contrário.
Mas, como é que se apresenta uma emenda tornando extensivo o principal favor desse decreto a todas as empresas do Brasil?
O natural seria, sr. presidente, que o ministro de então, o dr. Alfredo Maia, que baixou o decreto n. 4.228, criando a Empresa de Melhoramentos do Brasil, desse a essa empresa o excepcional favor de isenção de todos os direitos, porque, empresa
nova, necessitando de levantamento de capitais, preciso era que tivesse concessões que garantissem os capitais que fossem empregados em obras.
Mas, sr. presidente, estender o mesmo favor às Docas de Santos, companhia riquíssima, com os seus concessionários arquimilionários,
possuidores da maior fortuna deste país, não se concebe, não é racional.
Imagem: reprodução parcial da página 198
[44] "Esse decreto do Governo Provisório faz parte da legislação do país
e, apesar da sua disposição clara e terminante, a Companhia tem sido obrigada por vezes a ceder às exigências do ministro da Fazenda, aceitando cortes de materiais pedidos e certificados pelo engenheiro fiscal do Governo junto à Companhia serem
necessários às obras que executa, sob pretexto de haver similares no país.
"Entre muitos casos, citaremos o de nos ser negada a isenção para a importação de telhas francesas, pelo que tivemos de pagar mais de 20 contos de reis, direitos de um carregamento que importamos para substituir telha nacional empregada, que, por
sua má qualidade, teve de ser substituída pela telha francesa". Memorial da Companhia, 22 de janeiro de 1906.
[45] Tinha tido a empresa parecer favorável do delegado do Tesouro em São Paulo, sr. A. Paes de Barros (22 de fevereiro de 1904) e do subdiretor das Rendas,
Benedicto de Oliveira Junior, subindo os papéis ao Conselho de Fazenda. A decisão foi: "O Conselho em sua maioria é de parecer que a Companhia está isenta do selo, nos termos do parecer do Contencioso. O sr. L. R. Cavalcanti de Albuquerque
sustenta os fundamentos da sua opinião já expendida. O sr. ministro resolveu de acordo com o voto do sr. Luiz Rodolpho" (5 de setembro de 1906).
[46] Tendo apelado a empresa do despacho de 5 de setembro de 1906, oferecendo texto de lei e contrato, replicou o diretor das Rendas, por ela diretamente
visado:
"Desde que é desde 1895 "sistematicamente contra tudo quanto se refere à Companhia Docas de Santos", o ilustre diretor das Rendas
Públicas, que jamais conheceu Candido Gaffrée, senão para dispensar os favores que, em bem do comércio e da navegação do porto de Santos, autorizou em nome do Governo Federal tudo quanto era lícito dispensar naquele tempo, o diretor das Rendas
Públicas se abstém de dar parecer a respeito desta questão. 6 de fevereiro de 1907. Cavalcanti de Albuquerque".
No Conselho de Fazenda, aonde foi ter de novo o processo, decidiu o titular da pasta ainda pelo indeferimento, de acordo com os votos do
sr. Costa Junior e contra os dos srs. Valdetaro e Pedro Soares. Mas, afinal, foi reconhecido o direito da Companhia, já ministro David Campista (18 de maio de 1907).
[47] Acentuou o mesmo memorial essa atitude com o procedimento anterior do fiscal: "Em 1º de maio de 1906 oficiava o fiscal dizendo que no dia 26 do mês
anterior visitara todos os trabalhos que a Companhia executava no Itatinga, encontrando-os muito adiantadas, e agradecendo as informações e atenções que recebera dos engenheiros encarregados do serviço.
"Em 24 de janeiro de 1907, portanto, no mesmo dia em que denunciava a Companhia ao inspetor da Alfândega, dirigia ele o ofício sob n. 30, concebido nestes termos:
"Achando esta Fiscalização exageradas as quantidades de 9.000 e 15.000 metros de fio de cobre nu e isolado, constantes da lista de isenção de direitos para 1907, peço informar se este material elétrico, assim como outros constantes da mesma
lista, destinam-se, em todo ou em parte, à instalação hidrelétrica do Itatinga, para que esta Fiscalização possa atestar serem necessários pelas quantidades pedidas". Memorial de 30 de março de 1907.
[48] "A redação é um pouco forçada; teria sido mais simples afirmar que, sendo federais os serviços, gozava ela da isenção de todos os impostos, inclusive os
federais. Entretanto, a redação é esquisita; até parece que as últimas palavras foram enxertadas depois de lavrado o decreto. Não tive a fortuna de ter em mão o autógrafo: portanto, nãoposso asseverar, mas torno a lembrar ao Senado a necessidade
de se verificar se houve ou não acréscimo dessas últimas palavras". Alfredo Ellis, Senado, 27 de julho de 1907.
[49] Na Câmara dos Deputados, o 1º secretário Sá Freire deu conta do inquérito a que procedeu, estudando o caso sob o ponto de vista doutrinário, isto é, se
prevalecia a emenda desaparecida, e no da responsabilidade dos funcionários; concluindo pela omissão, sem a menor sombra de dolo por parte do empregado, tanto mais quanto o trabalho, feito na noite de 11 para 12 de dezembro, fora dos mais
tumultuários.
"E muito particularmente referindo-me ao chefe da 1ª seção, Carlos Francisco Xavier, devo assegurar que os serviços prestados, o seu
passado, a meticulosa solicitude com que cuida seus deveres, sua assiduidade e o conceito que goza, levam-me a concluir que as razões que ofereceu em sua defesa devem ser acolhidas pela Câmara. A omissão não se verificou por dolo do funcionário,
e do estudo minucioso que fiz resulta, como aliás já explicou o sr. presidente no apelo dirigido à Comissão de Finanças, que a circunstância de estar a subemenda da Comissão incorporada ao parecer sem destaque, deu lugar a que o funcionário já
citado, preparando a redação para exame estudo do relator da Comissão de Redação, deixasse de aproveitar a subemenda, não se tornando patente essa grave lacuna, apesar de ter sido notada e corrigida outra, na disposição que antecedia
imediatamente à do artigo 19… Se a subemenda não constasse dos documentos arquivados, devidamente anotada, se o original da última redação não conferisse com o original remetido ao Senado, a culpa seria patente; mas os documentos arquivados
certificam o contrário, deduzindo-se com perfeita lógica que nãohouve falta de exação no cumprimento de deveres". Diario Official, 3 de setembro de 1907.