PRIMEIRA PARTE (1886-1895)Capítulo III
Primeiros trabalhos e obstáculos
Assinado o contrato, puseram-se à obra os concessionários. Ela tinha que iniciar-se dentro de seis meses, a contar de 20 de julho
de 1888, data da assinatura, e assim sucedeu. Era bom augúrio, pois os pretendentes anteriores – conde de Estrela – dr. Andrade Pertence, a própria Província de São Paulo -, apesar de prorrogações sucessivas, nem a isso tinham chegado.
Como base técnica, o relatório Saboia e Silva. Como engenheiro, também um brasileiro, Guilherme Benjamin Weinschenk, até então especializado
em outro campo de atividade – as estradas de ferro -, para quem a construção de uma empresa inteiramente nova não teria segredos.
Andavam os estrangeiros, os holandeses sobretudo, prodigalizando por toda a parte sua experiência no levantamento de cais e melhoramento de portos; e o Brasil,
"feia lagarta que deixava o casulo colonial", trabalharia em Santos com a engenharia nacional, sem mais concurso de fora que os materiais e aparelhos não fabricados aqui, dando ao país o maior monumento portuário, que chegaria depois a ter
[15].
E o capital? Era questão também relevante, pois se retribuiria com o tempo, sem ônus para o Tesouro, numa época de apertos para este e de retraimento privado notório. Apesar disso, seria igualmente todo nosso.
Para tanto, organizou-se, pelo prazo de 4 anos, uma sociedade em nome coletivo, com sede no Rio de Janeiro, sob a firma Gaffrée, Guinle & Companhia, de que eram
gerentes os sócios desse nome.
O capital foi de 4.000 contos, devendo realizar-se à proporção que se tornasse necessário e concorrendo os sócios da seguinte maneira: Candido Gaffrée, 1.000
contos de réis; Eduardo Palassin Guinle, Benedicto Antonio da Silva, Francisco de Castro Rebello, 500 contos de reis, cada um; José Pinto de Oliveira, João Gomes Ribeiro de Avellar, dr. Alfredo Camillo Valdetaro, 450 contos de réis, cada um; e
Hypolito Velloso Pederneiras, 150 contos de réis. Tinham desistido Ribeiro, Barros & Braga, sendo substituídos por Francisco Justiniano de Castro Rebello e Hypolito Pederneiras (decreto n. 10.040, de 15 de setembro de 1888).
Diziam as cláusulas 1ª e 2ª do contrato social de 23 de julho de 1888:
1ª –O objeto da sociedade é a execução do contrato de 20 de julho corrente, celebrado com o Ministério da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas, em virtude do decreto n. 9.979, de 12 do mesmo mês, para as obras de melhoramento do porto de Santos, na Província de São Paulo, a compra e venda de materiais de construção e quanto direta ou indiretamente se referir a
esse contrato.
2ª – A firma é Gaffrée, Guinle & Companhia, e dela somente poderão usar os sócios Candido Gaffrée e Eduardo Palassin Guinle, únicos
gerentes ou conjuntamente ou substituindo-se reciprocamente por tempo determinado ou não, provisória ou definitivamente, na constância da sociedade e no período da liquidação, competindo a qualquer deles a totalidade dos poderes
[16].
Elevado o capital a 15.000 contos de réis (27 de dezembro de 1890) e funcionando a firma sob a denominação de Empresa de Obras dos
Melhoramentos do Porto de Santos, passou ela, logo depois, diante da ampliação que ia ter o cais, a constituir uma sociedade anônima (estatutos, 24 de outubro de 1892; assembleia de constituição, 29 de outubro de 1892), a atual Companhia Docas de
Santos, sub-rogada em todos os direitos, obrigações e privilégios de seus antecessores Gaffrée, Guinle & Companhia [17].
Dos sócios anteriores, os herdeiros de um iriam propor, pela retirada, muitos anos mais tarde, ação de indenização, que não prevaleceria. Os estatutos diziam, na sua parte essencial:
Art. 1º - Sob a denominação Docas de Santos é formada uma sociedade anônima, tendo por objeto:
I – Continuar a construção do porto da cidade de Santos, no Estado de São Paulo, e explorá-lo nos termos da lei n. 1.746, de 13 de
outubro de 1869 e dos decretos n. 9.979, de 12 de julho de 1888; n. 10.166, de 12 de janeiro de 1889; n. 10.277, de 30 de julho de 1889; n. 10.438, de 9 de novembro de 1889; n. 966, de 7 de novembro de 1890; n. 1.155, de 7 de dezembro de 1890; n.
74, de 12 de março de 1891; ns. 789 e 790, de 8 de abril de 1892; n. 813, de 7 de maio de 1892; ns. 942 e 943, de 15 de julho de 1892; ns. 1.069 e 1.072, de 5 de outubro de 1892, com todos os seus direitos e obrigações;
II – O comércio, em geral, de comissões, inclusive agência de navegação e transportes terrestres.
Art. 2º - O prazo de sua duração será de 88 anos, de acordo com os referidos decretos, devendo terminar em 7 de novembro de 1980.
Art. 3º - A sede será para todos os efeitos jurídicos a cidade do Rio de Janeiro.
Art. 4º - O capital de 20.000:000$000 (vinte mil contos de réis) é dividido em 100.000 ações de 200$000 cada uma ao portador, logo que estiverem realizadas as entradas todas, se os acionistas não preferirem nominativas. Toda a ação é indivisível
em referência à sociedade.
Art. 5º - Para a formação do capital concorrerão: a) Gaffrée, Guinle & Companhia com as concessões constantes dos citados decretos, obras executadas, material existente e todo o seu ativo, isto é, com bens, coisas e direitos, o
que, segundo a legislação em vigor, somente será admitido como prestação ou entradas das ações que subscreverem, depois de avaliado; b) os demais acionistas com dinheiro [18].
Teria a empresa dificuldades técnicas, administrativas e mesmo políticas que vencer, desde os primeiros anos. É que ficariam ressentimentos da concorrência, e a
restrição ao contrabando, em que importava a construção do cais, a questão das taxas e outras, deixavam também contas a ajustar.
Além disso, obra nova, em fundo difícil, o cais ia ampliar-se extraordinariamente, para corresponder melhor ao desenvolvimento do porto, donde uma série de
alterações técnicas, prolongamentos imprevistos, favores impugnados e ônus discutidos, dando à concessão, sobre estrutura fundamental invariável, aspecto novo, que se procurou regular em vários avisos, decretos, leis e decisões, emanados todos do
governo já então republicano.
Nas dificuldades técnicas, o fundo de lodo fora mesmo motivo de inquietações para um dos deputados interpelantes [19].
Caracterizara Saboia e Silva o porto como de favoráveis condições de navegação pelos ventos e as marés [20], mas não ignorava as resistências que oporia à remodelação. A
realidade, ainda assim, ficava além da sua expectativa [21].
Autor do projeto e, depois, engenheiro fiscal do Governo junto às obras, dele adviriam sugestões e reformas na construção. Vasa em excesso,
cascos de embarcações submersos, grandes aterros a fazer, péssimas condições de carga e descarga, tudo dificultava os trabalhos [22]. Consignou um depoimento, mesmo depois de
adiantadas as obras:
O litoral apresentava aspecto repugnante. Nas marés altas as águas cresciam até perto das ruas, e nas baixas ficava
descoberta uma grande faixa de lodo, a que se juntavam os detritos da cidade, produzindo emanações fétidas. Ainda hoje, perto do Valongo, onde começa o cais, pode-se ver nas horas de maré baixa uma parte do porto com esse fundo de lodo e avaliar
o que havia antigamente até junto à Alfândega, na extensão aproximada de um quilômetro [23].
A empresa justificaria, na divergência entre o que devia fazer e o que realmente construiu, os atrasos de construção e as primeiras prorrogações obtidas. Foi um
dos melhores auxiliares de Weinschenk, Alfredo Silveira de Souza, quem o testemunhou, ao preparar-se, mais tarde, para receber os materiais encomendados da na Europa e a montagem do flutuante para dragagem:
O engenheiro do Governo havia pensado que a massa imensa de lodo que existia, desde o litoral até o ponto em que se devia construir a
muralha, podia ser conservada, que não havia necessidade de ser retirada e, então, no seu orçamento, calculou somente a quantidade de lodo a extrair, em uma faixa de 60 metros, contados da orla externa do cais para o canal, dando um cubo de
80.000 metros.
A massa de lodo, porém, que havia ao longo do litoral. E que se apresentava descoberta nas marés baixas em uma largura d 10 a 170 metros, não podia resistir ao peso do aterro e refluía toda para os pontos em que se devia construir a muralha, o
que era um perigo para ela e nos obrigava a um serviço enorme de dragagem. É assim que, devendo dragar 105.933 metros cúbicos, incluindo o lodo da caixa, tivemos de dragar até 31 de dezembro de 1895 a grande massa de 498.689 metros cúbicos.
Outros tropeços imediatos foram as pontes e trapiches então existentes no porto, para carga e descarga, e os terrenos alagadiços e de marinha.
Nos arquivos da empresa, nos jornais do tempo, nos decretos e decisões expedidas, até na crônica dos tribunais, aonde foram ter alguns desses casos, é patente o embaraço, intermitentemente removido e de novo levantado, à construção
[24].
As pontes eram vinte e três ao todo, duas das quais pertencentes à Alfândega e duas à Estrada de Ferro de Santos a Jundiaí, depois São Paulo Railway, "quase todas mal construídas e acanhadas, dizia o engenheiro Saboia e Silva, não tendo, nem
podendo comportar, os aparelhos aperfeiçoados de descarga, e ademais sem a profundidade de água suficiente para atracação de navios de grande calado, tornando indispensável o emprego de pontões através dos quais as cargas eram transportadas para
bordo dos navios".
O decreto autorizando a concessão foi de 12 de julho de 1888. Já a 23 de agosto seguinte, a empresa pedia ao Governo Imperial a suspensão das obras que a Estrada de Ferro Santos a Jundiaí executava no litoral, e que não poucos embaraços iam
trazer-lhe.
A 13 de outubro do mesmo ano requereu também a demolição do prolongamento da ponte dessa companhia, dentro do prazo de um ano (a chamada ponte inglesa, cujo
litígio com as Docas ia prolongar-se), solicitando, do mesmo passo, não se construíssem mais pontes e cercados de peixe no raio da concessão.
Mas a luta continuou, ora ganhando, ora perdendo a empresa, reconhecido afinal o direito desta à destruição, à medida que caminhava o cais. Assim foi que,
autorizada pela Câmara Municipal de Santos a construção de sete pontes (10 de janeiro de 1890), sob a alegação de exigidas ao comércio, protestou a empresa, oferecendo-se para fazê-las, enquanto não fosse entregue o cais ao tráfego.
Mais adiante, um memorial expôs ao ministro da Viação e Obras Públicas os obstáculos que a referida via férrea, numa luta que apenas começava, lhe trazia:
Convencida da falta absoluta do direito para impedir a desapropriação de suas pontes, tem constantemente a Companhia Ingleza, com
protestos sem base alguma, procurado embargar a execução dos decretos que autorizaram a construção das obras, repetindo a já cediça e mais que refutada argumentação de que as pontes fazem parte integrante da concessão de 1860, sem se recordar
que, além da decisão somente sob consulta do Conselho de Estado que resolveu essa questão, deve existir na Secretaria desse Ministério um requerimento do então superintendente da companhia, o sr. Barão de Mauá, datado de 1861, em que pedia ao
Governo permissão para construir a sua primeira ponte.
Esse requerimento, por si só, resolveria a questão, se ela não se achasse resolvida. Não contente com esses protestos, ainda tenta a Companhia Ingleza conseguir da Câmara Municipal a ilegalidade de dar-lhe por aforamento os terrenos de marinhas e
alagados indispensáveis às obras de melhoramento do porto de Santos, e como tais já concedidos para esse fim.
No caso dos terrenos alagados e de marinha, maiores foram os obstáculos, pela oposição que fizeram ao cais alguns ocupantes de lotes
necessários às obras, de boa fé ou com o intuito de especularem com a desapropriação em perspectiva. Aí também começou logo a divergência, e não foi menos com a referida Estrada de Ferro de Santos a Jundiaí, contra cujo pedido de aforamento
apresentou protesto a empresa aos 24 de janeiro de 1889 [25].
Determinou o Governo Imperial lhe fossem respeitados os direitos, mas em vão. Por mais de um decênio, também com
alternativas [26], seguiria a disputa vagarosa mas decisivamente favorável à empresa [27].
Acima, porém, de decisões, por melhores que fossem, estava a boa razão, exposta nestas palavras do subprocurador federal da cidade (24 de setembro de 1895):
Os terrenos de marinha fazem parte do domínio nacional e foram dos poucos reservados à União na partilha constitucional, atendendo-se à
necessidade da defesa militar, alinhamento e regularidade do cais, servidão pública, navegação, bom estado e alfandegamento dos portos e criação de entrepostos, serviços estes exclusivamente a cargo da União (art. 34, § 5º da Const. Federal e
preâmbulo do decreto n. 4.105, de 22 de fevereiro de 1868).
No litoral de Santos executam-se obras de caráter federal qual o melhoramento completo do porto, e a Administração poderá ter necessidades públicas imperiosas a satisfazer para defesa militar e para regular a boa arrecadação das rendas federais.
É, pois, um erro e erro grave a concessão desordenada e sem a precisa cautela destes terrenos a particulares, com menosprezo dos planos
e projetos de obras gerais que o Governo Federal possa achar de conveniência fazer no litoral da cidade de Santos, critério que o citado decreto n. 4.015 mandou adotar com muita atenção (art. 3º, parágrafo único).
Foi o caso que, por iniciativa do inspetor da Alfândega de Santos, então em luta com a empresa (5 de abril de 1895), deviam os possuidores de terrenos de
marinha apresentar-se à repartição "a fim de legalizarem os seus títulos de aforamento e verificar-se se é ou não legítima a posse em que estão dos referidos terrenos".
O expediente aberrava das normas processuais, além de ferir a companhia, cujas construções, ao longo do litoral, podiam estar em conflito com tais concessões. E assim se demonstrou. As alegações da companhia eram tanto mais compreensíveis quanto,
usufrutuária apenas dos terrenos e das obras, tudo passaria, sem indenização nenhuma, no fim da concessão, ao Estado. Além disto, ela não se opunha à medida senão na zona dos trabalhos.
Mas debalde. Leis sobre terrenos de marinha no Império, sua situação na República, competência nacional e municipal para deles dispor, de tudo foi preciso
lançar mão. Já a polêmica andava ardente, por outros motivos, e não arrefeceu.
Eram de ler os longos editoriais da Tribuna do Povo, contrariando as razões com que José Xavier Carvalho de Mendonça, já consultor
jurídico das Docas e depois zelador dos seus direitos no tempo, se opusera, em memorial e nas páginas do Diario de Santos, à legitimação. À linguagem do jurisconsulto, considerado então como um dos maiores, e, depois, em direito comercial,
certamente o maior, responderam apreciações, que só a paixão do momento podia explicar [28].
Santos primitivo - Porto do Bispo no Valongo (1893)
Imagem: reprodução parcial da página 26-a
[15] Aos 22 de abril de 1896, assim se exprimira a diretoria da empresa
ao engenheiro Weinschenk: "Com a maior satisfação levamos ao seu conhecimento que, na assembleia geral realizada hoje, fizeram-se honrosas referências à sua pessoa e foram reconhecidos os relevantes serviços que, com toda a constância e
dedicação, tem v. s. prestado a esta companhia, no espinhoso cargo de engenheiro chefe de suas obras, bem como o seu digno ajudante o sr. dr. Alfredo Silveira de Souza, não sendo esquecido o pessoal técnico e operário que v. s. cita como seus
bons auxiliares e cujos nomes constam do relatório apresentado à referida assembleia.
"Fazendo a v. s. esta comunicação e pedindo-lhe de a transmitir àqueles seus dignos auxiliares, não podemos deixar de ainda uma vez manifestar-lhe o
reconhecimento dos valiosíssimos serviços prestados a esta companhia, cujas obras, devido à sua ilustração e alta proficiência, são consideradas as mais importantes deste país, constituem padrão de glória para si, e são motivo de justo orgulho
para esta diretoria".
[16] A qualquer dos sócios era lícito ceder a outro ou outros a parte que
tinha na sociedade (cláusula 7ª). A cláusula 8ª dizia assim: "Anualmente proceder-se-á a balanço, mas não se procederá à distribuição de lucros ou prejuízos, atenta à natureza do objeto principal da sociedade. Findo o prazo de duração se fará
balanço e proceder-se-á à distribuição de lucros ou à repartição de prejuízos, observando o seguinte: os prejuízos serão divididos na proporção da cota de capitais de cada sócio; dos lucros líquidos pertencerão 20%, em partes iguais, aos sócios
gerentes atuais, como remuneração de seu trabalho, ficando entendido que, se por ocasião da partilha, existir apenas um deles, o outro lucrará a respectiva parte; os 80% restantes serão divididos entre todos os sócios na proporção da cota de
capital de cada um".
[17] Comunicada essa transformação ao Ministro da Agricultura e Obras Públicas (5 de novembro de 1892) foram os estatutos publicados no Diario Official
de 14 e a ata da primeira assembleia no mesmo Diario Official de 27 do referido mês de novembro de 1892.
[18] A sociedade seria administrada por dois diretores, cada qual caucionando sua responsabilidade com mil ações; eram remunerados com um conto de réis cada um
por mês e exerciam o mandato por seis anos, salvo reeleição. Havia três fiscais e, anualmente, uma assembleia geral ordinária e tantas extraordinárias quantas necessárias, tendo sido escolhidos diretores nos seis primeiros anos, Candido Gaffrée,
negociante, morador à Rua de São Clemente n. 145, e Eduardo Palassin Guinle, negociante, morador à mesma rua n. 143; servindo no Conselho Fiscal até a primeira reunião da assembleia geral ordinária, como membros efetivos, dr. André Gustavo Paulo
de Frontin, João Evangelista Vianna e Olympio Frederico Loup; como suplentes, Saturnino Candido Gomes, dr. Alfredo de Miranda Pacheco e Manoel Vicente Lisbôa.
[19] "Pela leitura dos jornais que submeterei à apreciação desta Câmara, o porto de Santos em quase toda sua extensão tem lodo até 14 metros de profundidade.
Se assim é, e se pelo contrato só se deve escavar apenas até oito metros e aí assentar as obras, parece-me que a construção deste cais não poderá oferecer absolutamente segurança alguma". Rodrigues Peixoto, Câmara, 13 de agosto de 1888.
[20] "É ele uma bacia natural que se comunica com a baía denominada de Santos por um canal profundo e relativamente estreito. As ondulações do mar, mesmo nos
maiores temporais, não se podem propagar até o porto e os altos morros que o cercam de todos os lados não permitem que os ventos possam levantar maretas que impeçam a carga e descarga dos navios. As marés fazem-se sentir com toda a regularidade
do porto, mas a sua oscilação de 2,34 m no máximo não embaraça o serviço de descarga, e a sua correnteza que não excede de 2.160 metros ou pouco mais de uma milha por hora não pode pôr em risco os navios que se acharem amarrados ao cais ou
pontes, ou estacionados no ancoradouro. À ação diurna do fluxo e refluxo da maré junta à da massa d'água doce, que logo em seguida às grandes chuvas despejam os rios que desembocam nos lagamares acima do porto de Santos, deve-se a manutenção da
profundidade deste porto e do canal que o comunica com o oceano". Relatorio Saboia e Silva, cit. pág. 16.
[21] "Vernon Harcourt em um excelente livro sobre portos e docas, recentemente publicado, assinala como condições essenciais de um bom porto comercial ampla
profundidade, perfeito abrigo e cais ou construções análogas que facilitem o embarque e desembarque das mercadorias.
"As duas primeiras condições acham-se satisfeitas no porto de Santos, que é certamente um dos mais bem dotados pela natureza; mas quanto à terceira, deixa ele
muito a desejar. Não existem cais propriamente ditos, cabendo dificilmente essa denominação aos pequenos muros pela maior parte de pedras secas, que guarnecem o litoral da cidade e onde durante a maré baixa não encostam senão escaleres… Acresce
que durante a maré baixa uma grande faixa de lodo saturada de resíduos da cidade emerge em toda a frente do porto, produzindo sob a ação dos raios solares emanações fétidas que não podem deixar de prejudicar a salubridade. Este estado de coisas
tende a agravar-se de dia para dia com o rápido depósito de lodo em toda a frente da cidade; é pois, urgente, remediá-lo". Idem, pág. 11.
[22] Dizia a Associação Comercial de Santos em 1887: "O estado do porto é cada vez pior. Já não há ponto onde possa atracar um navio sem encalhar, o serviço
faz-se com insano trabalho e dispêndio de dinheiro".
[23] As Docas de Santos e a Alfandega de São Paulo, editoriais do Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 1896;
[24] Ver, entre outros, Companhia Docas de Santos, a manutenção de posse do alheio. As pontes Paquetá e Brasil. São Paulo, Typ. Derenne & Companhia,
1898.
[25] "Transferindo às Câmaras Municipais o direito de aforar os terrenos de marinha, a lei n. 3.348 de 20 de outubro de 1887, no art. 8º n. 3, apenas
adjudicou-lhes a percepção da renda proveniente dos aforamentos e manteve para o Estado o domínio de tais terrenos, cabendo a este a percepção do laudêmio (Av. do M. da Fazenda de 12 e 14 de dezembro de 1887) e subordinando as concessões ao
regime do decreto n. 4.105 de 22 de fevereiro de 1868.
"É assim que as Câmaras Municipais devem nos termos do art. 3º, parágrafo único do referido decreto n. 4.105, ter muito em atenção os planos de obras gerais, e portanto essa Câmara não pode deixar de submeter a pretensão da Companhia Estrada de
Ferro de Santos a Jundiaí a esse critério, tanto mais que por força do decreto n. 9.979, de 12 de julho de 1888, findo o prazo da concessão feita aos suplicantes, reverterão para o Estado sem indenização alguma, as obras, terrenos e benfeitorias.
"O que os suplicantes requereram ao Governo Imperial, como verá essa Câmara da cópia junta, vem completar as obras de melhoramento do porto de Santos, e isso é consideração que nos termos do preâmbulo do decreto n. 4.105, de 22 de fevereiro de
1888, não pode ser desatendida, acrescendo que o aforamento impetrado pela Companhia Estrada de Ferro de Santos a Jundiaí abrange zona já incluída na concessão do decreto n. 9.979 de 12 de julho último e ofende a propriedade do Estado".
[26] Assim, em aviso n. 29, de 29 de outubro de 1889, o ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, dirigindo-se ao presidente da Província de São
Paulo sobre o aforamento de um lote de terreno de marinha, afirmou ter a Municipalidade de Santos "o direito de fruir os respectivos foros, desde que não fossem semelhantes terrenos precisos à execução de plano e projetos de obras gerais…"
Antes, havia sido provida a reclamação das Docas de Santos contra a concessão de terrenos de marinha no Valongo, feita à mesma São Paulo Railway, e tendo esta
recorrido ao ministro da Agricultura confirmou-se a decisão.
Por ato de 28 de janeiro de 1893, o ministro da Fazenda negou à Câmara Municipal de Santos o aforamento de 600 metros de terrenos de marinha, para a construção
de uma ponte de desembarque de gado, "visto o direito que assistia aos concessionários do cais".
E finalmente, tendo a Companhia Mogyana de Estradas de Ferro obtido a concessão para construir, usar e gozar o prolongamento de sua linha de Ressaca a Santos,
foram ressalvados, pelo decreto n. 1.098, de 25 ce outubro de 1892, quanto aos terrenos de marinhas "os direitos da Companhia Docas de Santos".
[27] O Relatório da Companhia, de 1893, assim se referirá finalmente a essa solução: "A São Paulo Railway Company que, até então, havia embaraçado o progresso
das nossas obras, embargando, em novembro de 1892, as do aterro junto aos cais, a pretexto do direito de posse, que dizia ter, de terrenos de marinha, e protestando sempre pela conservação das suas pontes no porto de Santos, o que tudo lhe foi
contestado por nós, julgou mais acertado encarregar o sr. dr. M. Fox, que de Londres veio, como representante da referida companhia, estudar e propor acordo que resolvesse definitivamente as questões entre as duas companhias. Com este cavalheiro
tivemos aqui e em Santos diversas conferências, sendo a última na secretaria do Ministério da Agricultura com a assistência do sr. dr. diretor da Diretoria das Obras Públicas do mesmo ministério, e o sr. W. Speers, superintendente da São Paulo
Railway Company, ficando aí ajustado o acordo de 5 de junho de 1893, assinado pelas partes interessadas, que resolveu todas as questões pendentes".
[28] "Para quem é feito o memorial? É feito para leigos, beócios, ou para a própria autoridade administrativa que tem auxiliares espertos e conhecedores do
assunto? Mas o dr. Carvalho de Mendonça não é hábil. Não sabe argumentar. Não entende o que lê. Em vez de buscar sofismas que a dialética permite e mesmo aconselha a quem quer sustentar uma certa e determinada tese, faz citações em falto ou
socorre-se de disposições que o põem em flagrante contradita com o que pretende sustentar. Os seus argumentos são contraproducentes". Tribuna do Povo, 7 de outubro de 1896.
– "Mas o seu advogado não quer ver isto, teimoso como Tirteo ainda a aconselhar a companhia, sua cliente, que se torne impertinente para com o Governo,
pedindo-lhe que feche os olhos à lei e lhe dê o que é alheio. E lá anda a Companhia de porta em porta, de ministro a ministro, ora com o da Viação e Obras Públicas, ora com o do Interior (e ainda há de ir amolar o da Marinha, o da Guerra e mesmo
o do Exterior, verão…) a fazê-los expedir avisos ao colega da Fazenda, solicitando medidas e providências que não podem de modo algum ser atendidas". Idem, 11 de outubro de 1896.
Tudo porque o ministro da Viação e Obras Públicas, em 19 de setembro anterior, e "com o fim de acautelar os interesses da União e de evitar embaraços às obras
que mediante contrato estão sendo construídas no porto de Santos", rogou ao colega da Fazenda providências para que se não consentisse ali celebração ou inovação de contratos de terrenos de marinhas.