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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Chronica Geral do Brazil
Uma crônica de 1886 - 1500-1600 (1)

Clique aqui para ir ao índice do primeiro volumeEm dois tomos (1500-1700, com 581 páginas, e 1700-1800, com 542 páginas), a Chronica Geral do Brazil foi escrita por Alexandre José de Mello Moraes, sendo sistematizada e recebendo introdução por Mello Moraes Filho. Foi publicada em 1886 pelo livreiro-editor B. L. Garnier (Rua do Ouvidor, 71), no Rio de Janeiro. É apresentada como um almanaque, dividido em séculos e verbetes numerados, com fatos diversos ordenados cronologicamente, tendo ao início de cada ano o Cômputo Eclesiástico ou Calendário Católico.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, foi cedido  a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 1 a 34 do Tomo I:

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Chronica Geral do Brazil

Alexandre José de Mello Moraes

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Imagem: reprodução parcial da página 1/tomo I da obra

 

1500-1600

I – Pedro Álvares Cabral, depois da descoberta do Brasil, no dia 3 de maio de 1500, deixou entre os índios, em Porto Seguro, dois degradados, e dois que fugiram antes da partida.

Primeira colônia na margem do Rio Buranhem, em Porto Seguro, em 1503 ou 1504. Pedro Jacques deixou vários indivíduos, e dois frades franciscanos, para a catequese, e entre eles vieram João Ramalho e Antonio Rodrigues, que se passaram para S. Vicente. Também foi encontrado um português de nome Pedro, no Maranhão, e se não sabe o como ali aportou, vivendo entre os índios.

Damião de Góes conta que em 1513 Jorge Lopes Bixorda, contratador do pau-brasil, lhe apresentou três indígenas tupinambás, com seus usos, e um indivíduo que sabia a língua deles, aos quais el-rei d. Manoel fez vários presentes.

II – El-rei d. Manoel morre em Lisboa, no dia 13 de dezembro de 1521. Este monarca não deu importância à descoberta do Brasil, porque estava todo voltado para as riquezas que a pirataria dos conquistadores da Ásia lhe mandava. Para o Brasil enviava degradados por crimes feitos na Europa.

III – No dia 27 de abril de 1521, morre Fernando de Magalhães.

IV – Como é evidente, Diogo Alvares Corrêa (Caramuru), depois da sua volta da França, estabeleceu-se no sítio da Graça, onde fundou a ermida de Nossa Senhora da Graça, e depois a de Nossa Senhora da Vitória, concluída com auxílio de Francisco Pereira Coutinho.

O inteligente Antonio Joaquim Damasio, no tombamento dos bens da Santa Casa da Bahia, crê que a povoação que ali fundou o donatário Francisco Pereira Coutinho, ocupada provisoriamente em 1549 por Thomé de Souza, antes da construção da cidade do Salvador, era na baixa, que hoje compreende entre os sítios da Graça e da Vitória, mais parecida às tabas dos indígenas do que uma vila de europeus, com cerca de cinquenta habitantes, pouco mais ou menos, que eram: o famoso Diogo Alvares Corrêa (Caramuru), sua mulher, filhos, filhas e cinco genros, o capitão Gramatão Telles, que no ano precedente tinha vindo à Bahia, de ordem d'el-rei, com duas caravelas, com aviso aos da Vila Velha, Caramuru e seus genros, e o prevenir à chegada de Thomé de Souza; os poucos companheiros que restavam da malograda empresa do desgraçado Francisco Pereira Coutinho; acaso alguns dos náufragos da nau castelhana S. Pedro, que em 1535 saíra de S. Lucas, ao mundo do infeliz Simão de Alcaçova, para o mar Pacífico, e retrocedendo de certa paragem do estreito de Magalhães para o porto.

A Lobo foi encalhada pela tripulação amotinada na ilha de Boipeba, quinze léguas ao Sul da Baía de Todos os Santos; talvez os dois homens e os escravos que Martim Afonso de Souza deixou com Diogo Alvares ao passar pela Bahia em 1831; os três que ficaram da nau de Pero Lopes, quando regressava ao reino; e ainda os oito, que viviam com o mesmo Diogo Alvares Corrêa, Caramuru, quando o espanhol João de Mori com ele se avistou, por ocasião do referido naufrágio. Eram estes e a indiada, que compunham a primitiva povoação da Vila Velha, tendo por chefe político Diogo Alvares Corrêa.

V – O padre Manoel da Nóbrega, em sua correspondência e notas que deixou, e que serviram à confecção da crônica da companhia, dera matéria para o padre Simão de Vasconcellos, no livro 1º página 61, falando dos costumes dos moradores da Vila Velha, dizer: os costumes dos portugueses, que então se achavam, vinham a ser quase como os dos índios, que sendo cristãos viviam a modo de gentios. Na sensualidade era grande a sua devassidão, amancebando-se ordinariamente de portas a dentro com suas mesmas índias, ou fossem casados ou solteiros… vivia-se do rapto dos índios, e era tido o ofício de assaltá-los por valentia; e por eles eram os homens estimados.

VI – No dia 4 de outubro de 1526 foi descoberto o Rio de S. Francisco.

VII – No dia 23 de maio de 1526, foi descoberto o território da capitania do Espírito Santo.

VIII – Lista nominal dos governadores de Pernambuco desde o ano de 1530 até o de 1621 (Brazil Historico):

1530 a 1554 – 1º - Duarte Coelho Pereira, 1º donatário e governador de Pernambuco, desde setembro de 1530 até 7 de agosto de 1554, em que faleceu.

1554 a 1572 – 2º - Duarte Coelho de Albuquerque, filho do precedente, se achava na corte de Lisboa ao tempo que em Olinda faleceu seu pai, deixando sua mulher d. Brites de Albuquerque por tutora de seu filho, e governando a capitania, a qual governou até o ano de 1560, em que chegou a Pernambuco Duarte Coelho de Albuquerque, e governou até 1572, no qual, retirando-se para Lisboa, deixou no governo a mencionada sua mãe d. Brites de Albuquerque, enquanto de Lisboa mandava seu irmão Jorge Coelho de Albuquerque.

1573 a 1576 – 3º - Jorge Coelho de Albuquerque chegou a Pernambuco em 1573, e governou a capitania até o dia 5 de março de 1576, em cujo ano voltou para Portugal; e em sua ausência ficou governando a capitania seu tio Jeronymo de Albuquerque, irmão de sua mãe d. Brites de Albuquerque, e cunhado do 1º donatário Duarte Coelho Pereira, seu pai.

1576 a 1594 – 4º - Jeronymo de Albuquerque, cunhado do 1º donatário, governou Pernambuco, sendo nomeado por seu sobrinho para substituí-lo no governo da capitania, e nela permaneceu até o ano de 1594, em que faleceu.

1594 a 1600 – 5º - Sucedeu a Jeronymo de Albuquerque em 1594 Alexandre de Moura, fidalgo florentino, pai ou irmão de Felippe de Moura, que pouco tempo depois o sucedeu.

6º - D. Felippe de Moura sucedeu a Alexandre de Moura, marido de d. Genebra Cavalcante, filha de Jeronymo de Albuquerque e de d. Maria do Espirito Santo Arco-Verde, princesa dos Tabaiaras de Olinda. Era 4º avô do marquês de Pombal, e governou Pernambuco até 5 de julho de 1600.

1600 a 1621 – Desde ano de 1600 a 1621 governaram cinco governadores, que foram:

7º - João Paes, e outros dizem que Manoel Mascarenhas Homem.

8º - Felippe Guedes.

9º - D. Luiz de Souza Henrique.

10º - Gaspar de Souza.

11º - D. Francisco de Souza.

IX O padre Manoel Ayres do Cazal, servindo-se da autoridade do historiador Antonio Herrera, que descreveu as Índias Ocidentais, cuja história foi publicada em 1601, crê ter havido em S. Vicente uma feitoria para resgate dos indígenas em 1527; e que a licença que Martim Afonso de Souza concedeu a Pedro de Góes, em 3 de março de 1533, para mandar dezessete escravos, forros de todos os direitos e frete que costumavam pagar, prova exuberantemente que ela existia ao menos para esse trato. Uma vez que havia feitoria, continua o padre Ayres do Cazal, devia haver navegação para ela, e os índios não podiam espantar-se dos navios da armada de Martim Afonso de Souza, como coisa nova e nunca vista, como pretende o autor das Memorias para a história desta província, mas não sabemos em que ano nem por quem fora estabelecida esta feitoria.

O mesmo escritor atesta-nos que Martim Afonso achara aqui dois europeus, Antonio Rodrigues e João Ramalho, os quais ele imagina terem escapado de algum naufrágio na costa; quando parece tão provável que eles fossem agentes da feitoria, ou viessem à sombra dela, como incrível que fossem os únicos europeus aqui estabelecidos; porque os estabelecimentos entre bárbaros sempre tiveram muita gente.

X – A vila de Iguaraçu foi uma aldeia muito antiga de caetés, e pouco tempo depois de descoberto o Brasil, vários armadores de Marselha vieram a Pernambuco fazer comércio de pau-brasil e outros gêneros com os índios, e formaram em Iguaraçu uma feitoria em 1528 ou 1529. Sabendo disto, el-rei d. João III mandou Duarte Coelho Pereira cruzar nas costas de Pernambuco e aprisionar os navios estrangeiros que nela encontrasse, o que efetivamente aconteceu; aprisionando alguns barcos de várias nações, destruindo a feitoria francesa, no Rio Iguaraçu, em 1531.

Aí combateu com os caetés, e na volta a Lisboa el-rei d. João III, por esses serviços, lhe fez doação de cinquenta léguas de costa, nas paragens onde ele se havia assinalado, e voltando a Pernambuco com a sua família, parentes, soldados e colonos, se foi estabelecer na Aldeia de Juarassú, onde construiu a capela de S. Cosme e S. Damião. Não obstante ter-se passado para Olinda, ficaram colonos em Iguaraçu, que foi aumentando.

No 1º de novembro de 1631, foi a povoação de Iguarassú saqueada, e com o correr do tempo o príncipe regente d. João VI, por alvará de 1811, deu à aldeia ou povoação o título de Leal Vila de Juarassú.

XI – O nosso amigo mr. Ferdinand Diniz, referindo-se ao padre Manoel Ayres do Cazal e a outros, fala de um antigo monumento existente em Cananéia, colocado em 1503; mas, consultando os apontamentos históricos de Azevedo Marques, diz ele que foi a ilha de Cananéia o primeiro ponto da capitania de S. Vicente em que a esquadra de Martim Afonso de Souza fundeou, a 12 de agosto de 1531, em sua derrota para o Rio de Santa Maria (Rio da Prata), demorando-se nela quarenta e quatro dias, onde colocou dois marcos de pedra com as quinas de Portugal, marcos que pelo coronel Affonso Botelho de Sampaio e Souza foram reconhecidos em fins do século XVIII, e pelo sr. Francisco Adolpho de Warnhagem em 1841.

Foi aqui ainda que Martim Afonso de Souza encontrou o castelhano Francisco de Chaves, o bacharel, e mais cinco ou seis companheiros, sob cujas informações mandou a Pero Lobo, oficial da sua esquadra, com oitenta homens (quarenta besteiros e quarenta espingardeiros, como se lê no diário de Pero Lopes de Souza) a descobrir ouro e prata pela terra a dentro, sendo que desta desgraçada expedição não voltou um só homem, perecendo todos às mãos dos ferozes Carijós, nas cabeceiras do Rio Iguassú, campos de Coritiba.

XII (N.E. no original a referência XII só aparece indicada no índice) - No dia 7 de janeiro de 1531, sentiu-se em todo o reino de Portugal horríveis movimentos e abalos de terra, que foram crescendo, obrigando aos moradores deixarem as casas ameaçadas, e os que não saíram a tempo perderam a vida. Em Lisboa e seus contornos foram maiores os estragos.

XIII – No dia 26 de janeiro (quinta-feira) de 1531, houve em Lisboa tão horrível terremoto, que se fez sentir a mais de setenta léguas, produzindo grandes estragos, derrubando na cidade mil e quinhentas casas e matando a todos que nelas residiam, arruinando muitos templos, e submergindo-se no rio e no mar muitos navios. Este terremoto durou muito, e se temia que a cidade de Lisboa se subvertesse. (Anno Hist.)

XIV – Caiubi, índio valente e chefe dos índios Guaianases, habitava as terras de Geribatiba, entre a serra do Paranapiacaba e o litoral de S. Vicente. Foi com a filha de Caiubi que Antonio Rodrigues, companheiro de João Ramalho, se casou em S. Vicente, e teve descendência. Os jesuítas converteram à fé católica o chefe Caiubi e o batizaram, dando-lhe o nome de João. Supõe-se que Antonio Rodrigues e João Ramalho foram salvos de um naufrágio, nas costas do mar de S. Vicente, em 1503, e bem acolhidos pelos chefes índios Caiubi e Tibiriçá.

XV – El-rei d. João III em 1532 escreveu a Martim Afonso de Souza, comunicando haver-lhe doado cem léguas de costa em terras do Sul do Brasil.

XVI – O primeiro trilho ou caminho que houve entre Santos e S. Paulo foi feito pelos índios, e por ele atravessou Martim Afonso de Souza, com João Ramalho, em outubro de 1532, quando foi, pela primeira vez, tomar conhecimento dos campos de Piratininga. O padre José de Anchieta, desejando caminho mais acessível para S. Paulo, em 1553, sob sua direção, empregou os índios na mencionada abertura, e conseguiu abrir outro, mais cômodo, cujo caminho em 1560 o governador Mem de Sá mandou que fosse preferido ao primeiro, e ficou por muitos anos conhecido pelo nome de caminho do padre José.

XVII – Fr. Diogo de Borba fez os primeiros batizados na Bahia.

XVIII – Em 5 de abril de 1534, el-rei d. João III fez doação da capitania da Bahia a Francisco Pereira Coutinho.

XIX – O primeiro casamento que se fez na Bahia foi o de Affonso Rodrigues, natural de Óbidos, com Magdalena Alvares, filha de Diogo Alvares Corrêa Caramurú e Catharina Alvares Paraguassú, celebrado na igreja da Vitória, da Bahia de Todos os Santos; e de cujo enlace tiveram vários filhos. Affonso Rodrigues aí faleceu, em 1564.

XX – Donatários da capitania de S. Vicente e Santo Amaro; Martim Afonso de Souza – 1534 a 1571. Pedro Lopes de Souza, filho de Martim Afonso de Souza, 1587 a 1610. Lopo de Souza, filho de Pedro Lopes de Souza, 1587 até 1610.

D. Marianna de Souza Guerra, condessa de Vimieiro, por cessão feita por Lopo de Souza, filho natural de Lopo de Souza, e confirmação por carta régia de 22 de outubro de 1621.

Conde de Monsanto, bisneto de Pedro Lopes de Souza, intruso por erro de demarcação da capitania em 1621, e pondo para fora a condessa de Vimieiro em 1623.

Martim Afonso de Souza, filho de Pedro Lopes de Souza, da capitania de Santo Amaro; a este sucedeu sua irmã d. Jeronyma de Albuquerque Souza, mulher de d. Antonio de Lima. A esta sucedeu sua filha d. Isabel de Lima de Souza de Miranda, mulher de André de Albuquerque.

Lopo de Souza, primo do precedente, donatário também da capitania de S. Vicente, por descendência direta de Martim Afonso de Souza.

D. Sancho de Faro de Souza, 1646.

D. Diogo de Faro de Souza, filho de d. Sancho de Faro de Souza, 1648.

Conde da Ilha do Príncipe, Luiz Carneiro.

Conde da Ilha do Príncipe, Francisco Luiz Carneiro, filho do precedente, em 1691.

Marquês de Cascais, d. Luiz Alvaro de Castro e Souza, até 1712, em cuja época foram as capitanias de S. Vicente e Santo Amaro incorporadas à coroa, mediante a indenização ao donatário (Azevedo Marques, Apont. Hist.).

XXI – Donatários da capitania do Espírito Santo: 1º - Vasco Fernandes Coutinho; 2º donatário Belchior de Azevedo, 1º capitão-mor; 3º - Vasco Fernandes Coutinho; 4º - Francisco de Aguiar Coutinho; 5º - Ambrosio de Aguiar Coutinho, 1643; 6º - Antonio Gonçalves da Camara; 7º Antonio de Aguiar Coutinho; 8º - Antonio Luiz Coutinho da Camara; 9º - Francisco Gil de Araujo, 1675; 10º - Manoel Garcia Pimentel, 1687.

XXII – A criação do nosso planeta é tão antiga, e o aparecimento do homem sobre a terra tão misterioso, que por mais que a inteligência esclarecida tenha querido levantar a ponta do véu que a encobre, não tem podido conseguir, por ser tudo impenetrável: segredo de Deus.

O par elementar que gerou a humanidade sobre a terra em diferentes latitudes do globo, não deixou outros vestígios que a propagação acidental da espécie; e por isso creio que tudo o que se tem dito sobre a origem da humanidade são hipóteses floreadas, para entreter a imaginação dos curiosos.

A este respeito publiquei no Cruzeiro do Rio de Janeiro, de 13 de abril de 1879, algumas reflexões a respeito da existência de Adão e Eva:

O mundo antigo o ignorou.

Adão e Eva, origem do pecado original, não eram conhecidos senão na Palestina; e só os rabinos disseram deles muitos absurdos.

Os judeus apenas eram conhecidos dos persas e dos egípcios, porque, sendo uma nação embrutecida, residente em um canto obscuro da Ásia Menor, sem comércio, sem indústria, eram os seus poucos livros ignorados, e só começaram a ser perlustrados quando foram traduzidos do grego, sob o governo de um dos Ptolomeus.

Os judeus de Jerusalém, por este fato, arderam em cólera contra os de Alexandria, por se ter traduzido a Bíblia em linguagem profana.

Os judeus eram profundamente ignorantes em astronomia, em física, em geometria, em geografia, e nada sabiam da história dos outros povos.

A sua linguagem era uma mistura bárbara do antigo fenício e do caldeu corrompido; e era tão pobre, que lhe faltavam muitos modos na conjugação dos seus verbos.

Não comunicando a algum estrangeiro os seus livros, e nem os seus títulos, só eles é que tinham a noção dos seus Adão, Eva, Caim, Abel, e de seu Noé. Ignorados inteiramente por todos os antigos povos do país do gênero humano, nenhum autor grego, romano, persa, siríaco, fala de Adão e Eva; e como é possível que os pais da humanidade fossem desconhecidos de seus filhos?

Nem no Egito, nem em Babilônia, se encontrou algum vestígio, e nem tradição de nossos primeiros pais!

Orfeu, Lino e Thamires não falam neles: porque, se tivessem dito uma só palavra, teria sido reproduzida por Hesíodo; e principalmente por Homero, que de tudo falaram, à exceção de Adão e Eva.

Clemente da Alexandria, que refere tantos testemunhos de antiguidades, não cita uma só, que tivesse feito menção de Adão e Eva.

Euzébio, na sua história universal, nada diz a respeito dos pais da humanidade.

Eles foram inteiramente ignorados das nações antigas.

Os brâmanes, no seu livro intitulado Ezaurveidam, falam de Adimo e de Procrita, sua mulher; mas dizem eles que não há semelhança com o nosso Adão e Eva, porque sendo eles um grande povo, estabelecido no Indo e Ganges, ali viviam há muitos séculos, antes que a horda hebraica se fosse estabelecer no Jordão.

Os egípcios, persas e árabes iam buscar no Industão a sabedoria e a experiência, e não tiveram conhecimento ali de Adão e Eva.

O fenício Sanchoniaton, que é muito anterior a Moisés, não fala do povo judaico.

Nas antigas dinastias do Egito, não se fala em Adão e Eva, e nem em Noé.

Todos os povos, se hão atribuído a origens imaginárias, ninguém tem se referido à origem da Bíblia judaica.

As antigas crenças referem que os atlantes, antiquíssimos povos do oriente da África, se passaram para a América, e fundaram o império Mexicano, e mais tarde o Peruano. Os índios do Brasil, sendo os mais ignorantes, não conheciam as suas tradições; e apenas diziam que escaparam do dilúvio universal. No entanto, os taboiaras se supunham os primitivos habitadores do Brasil, e senhores de toda a região da América do Sul; e para os justificar, refere o nosso amigo mr. Ferdinand Diniz, que o conde de Nassau, enviando um holandês ao interior da capitania de Pernambuco, esse enviado encontrou duas pedras perfeitamente redondas, e sobrepostas; a maior tinha dezesseis pés de diâmetro, e havia sido colocada sobre a menor.

O mesmo viajante encontrou também grande número de pedras, amontoadas evidentemente pelas mãos dos homens, e as comparou com alguns monumentos toscos, que vira em Drenthe, na Bélgica. Porém é para sentir que a sua relação não seja circunstanciada. O que mais dá crédito à sua narração é que Koster, viajando pela Paraíba, viu um padre ocupado em desenhar uma pedra, em que haviam sido delineadas figuras desconhecidas. Muitas inscrições deste gênero se encontra em Minas, e principalmente no Piauí.

Não obstante esta crença entre eles, a tradição era confusa sobre a raça elementar ou primitiva do Brasil. (Vide o Tomo II da minha Corographia Hist.)

XXIII – Adianta fr. Gaspar da Madre de Deus que d. Anna Pimentel havia concedido a Braz Cubas, em 25 de setembro de 1536, as terras de Geribatyba, fronteiras a Enguaguaçu, porém muito distantes de S. Vicente; e querendo o dito Cubas poupar distâncias em ir à vila, se lembrou fazer outra povoação em sítio mais próximo à sua fazenda, e juntamente mais cômodo para o embarque e desembarque dos navios; e para este seu empenho comprou a um dos sócios, Pascoal Fernandes, a parte do terreno que lhe pertencia, então em mato virgem, e compreendia o Outeirinho de Santa Catarina, cujo mato, mandando roçar, deu princípio à povoação, junto ao Outeirinho de Santa Catarina, sendo Pascoal Fernandes o primeiro que fez casa e morou aí; e Braz Cubas fez a povoação, que depois foi elevada a vila e a fortaleza, por mandado d'el-rei d. João III.

A povoação progrediu muito, por se passarem para ela os moradores do Rio da Bertioga, muitos da Ilha de Santo Amaro, e muitos de S. Vicente, e os navios que na confluência do Rio de Santo Amaro e canal da Barra Grande vieram fundear perto da nova povoação a que deram o nome de Porto, e mais tarde chamaram Porto de Santos.

Os marinheiros que vinham a S. Vicente, quando adoeciam, não tinham onde se curassem de suas enfermidades, e Braz Cubas, desejoso de os socorrer, fundou um hospital para os receber, e como a ideia é humanitária, os moradores o ajudaram, criando-se logo a irmandade da Misericórdia, que foi confirmada por el-rei d. João III em Almeirim, no dia 2 de abril de 1551, com todos os privilégios concedidos por d. Manuel às casas de Misericórdia de Portugal. Em seguida edificou, com donativos dos irmãos e fiéis, a igreja de Nossa Senhora da Misericórdia, junto ao hospital a que denominou de Santos, à imitação do de Lisboa que tinha o mesmo nome. Daí em diante, a povoação de Braz Cubas ficou sendo chamada Vila do Porto de Santos.

XXIV – A nau castelhana S. Pedro, que naufragou na ponta da Ilha de Boipeba, quinze léguas ao Sul da Bahia de Todos os Santos, em 1535, era a capitânia das duas naus, com que o infeliz Simão de Alcaçofa saíra do porto de S. Lucas em setembro de 1534, para a costa do mar Pacífico; e retrocedendo do Estreito de Magalhães para perto da Ilha dos Lobos, fora aí assassinado pelos soldados amotinados, e no regresso, puxada pelas correntes das águas e pelos ventos, encalhou na ponta da Ilha de Boipeba, que deste naufrágio em diante ficou conhecida por Ponta dos Castelhanos.

Antonio Galvão, na obra sobre os descobrimentos antigos e modernos, memora a desgraça da esquadra espanhola; e Antonio Herrera, referindo os assassinatos de dois capitães e dos desejos de amotinarem os da nau S. Pedro pela falta de mantimentos, encaminharam para o Brasil, e, depois de cinquenta dias de navegação, chegaram à Baia de Todos os Santos, onde falaram com um português que disse achar-se ali há vinte e cinco anos entre os índios, e outros que com ele vieram, provenientes de um naufrágio da armada portuguesa; e estes lhe deram alguma ajuda, e o que comer, batatas e raízes; e alguns soldados que se desmandaram, os índios os quiseram comer.

Estando neste aperto, apareceu a chalupa da capitânia com dezessete homens, os mais deles flechados, dizendo que a capitânia S. Pedro se perdera, no dia de S. Thiago, vinte léguas dali, dando à costa de noite, salvando-se a gente em botes, e na chalupa; que nos primeiros oito dias foram bem tratados dos índios; porém depois, os pressentindo descuidados, os agrediram, escapando os dezessete. João de Mori enviou a chalupa com o português que sabia a língua a recolher alguns que se haviam escondido, achando mortos noventa, e vivos quatro, os quais disseram que a nau levava bastimento (N.E.: abastecimento de uma cidade ou tropa, provisões), e não preveniu (N.E.: não se acautelou) convenientemente da costa do Brasil.

XXV – A vila da Conceição de Itamaracá, situada na margem ocidental da Ilha de Itamaracá, em Pernambuco, em cuja ilha Christovão Jacques desembarcou e assentou feitoria para impedir os estrangeiros de irem comerciar com os índios, e facilitar a exportação do pau-brasil para Portugal, foi fundada por Pedro Lopes de Souza, em 1535, e em 1633 o príncipe de Nassau, indo a Itamaracá, achou a ilha tão aprazível, que lhe deu para timbre um grande cacho de uvas.

Na restauração de Pernambuco em 1654, tiraram-lhe a nobreza de vila; mas, logo que foi a ilha restituída em 1693 aos herdeiros de Pedro Lopes de Souza, reentregaram-lhe o título de vila, e como fosse vendida à coroa em 1763, foi incorporada a Pernambuco, passando as autoridades judiciais e municipais para Goyana, pela provisão régia de 1688.

Mais tarde (1713), o ouvidor João Guedes passou-se para Itamaracá, e em 1714 o seu sucessor se instalou em Goyana, estendendo a sua jurisdição a Itamaracá; mas por alvará de 30 de maio de 1615, foi incorporada a ilha de Itamaracá à comarca de Olinda.

XXVI – Helliodoro Euban, natural de Portugal, era primo-irmão de Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, foi um dos povoadores de S. Vicente, onde residiu por muitos anos, administrando a primeira fábrica de açúcar que houve ali.

Quando Estácio de Sá foi a S. Vicente em 1565, refrescar-se de gente para expulsar os franceses do Rio de Janeiro, e fundar uma cidade, Helliodoro Euban marchou com ele à frente de trezentos indígenas e mamelucos e, depois da expulsão dos franceses e fundação da cidade, exerceu o ofício de tabelião, e faleceu em Cabo Frio no dia 8 de junho de 1569, para onde tinha marchado por ordem de Salvador Corrêa de Sá, em uma sortida contra os franceses e tamoios.

XXVII – O primeiro engenho de açúcar que houve na Ilha de S. Vicente, mandado levantar por Martim Afonso de Souza, chamou-se engenho do Senhor Governador; depois engenho dos Armadores, ou fazenda do Trato – e mais tarde engenho S. Jorge do Erasmo, nome de um dos proprietários que se chamava Jorge Erasmo Scheter.

XXVIII – Fr. Gaspar da Madre de Deus diz que os moradores de Santos, alcançando que a freguesia de S. Vicente se dividisse em duas, os irmãos da Misericórdia franquearam a sua igreja para as funções paroquiais, enquanto se não edificasse o novo templo para a matriz, e pelo que mais tarde se arrependeram, porque nunca se fez outra igreja; e como os irmãos da Misericórdia não pudessem pôr para fora da sua o vigário da freguesia, resolveram-se a construir outro templo, no lugar onde está a Misericórdia, e ficar para matriz a que eles haviam feito, a qual não durou muito tempo, e a matriz existente é a terceira, sendo ela edificada no próprio lugar da Misericórdia antiga.

XXIX – Nos tempos primitivos do Brasil, o preço do açúcar de primeira qualidade não alcançava mais de quatrocentos réis a arroba; o arroz em casca se vendia a cinquenta réis o alqueire.

XXX – A capitania do Espírito Santo, até o ano de 1600, possuía cento e cinquenta vizinhos, seis engenhos de açúcar, um colégio de jesuítas, três igrejas, várias aldeias domesticadas, e muito gado.

Em 1587, vindo novos missionários da Europa, fundaram as aldeias de Reritiba, Guarapari, S. João, Reis Magos e outras que, com diversos nomes, são hoje vilas e cidades.

XXXI – A povoação do Brasil, durante o décimo sexto século, foi toda de lutas entre os indígenas e os colonos; aqueles para repelirem os invasores de seu país e livrarem-se do jugo que os oprimiam que, apesar de todos os esforços, não puderam conseguir; e estes, para se apoderarem do país que lhes prometia um futuro risonho, não poupavam meios crudelíssimos e bárbaros para os exterminar.

Os índios do Brasil, se fossem convenientemente domesticados, e com sabedoria doutrinados, e seus filhos conduzidos para o meio da nossa sociedade, verdadeiros serviços nos prestariam, como demonstrou o sábio bispo de Pernambuco, d. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, na sua obra Ensaio Economico, que os nossos ministros de Estado e homens políticos nunca leram, porque a não conhecem.

XXXII – Reinado de d. Manoel; secretários de estado: Affonso Tavares. Antonio Carneiro. Pedro de Alcaçova, conde de Idanhosa.

XXXIII – Reinado de d. João III; secretários de estado: Pedro de Alcaçova, conde de Idanhosa. Francisco Carneiro.

XXXIV – Reinado de d. Sebastião; secretários de estado: d. Jorge de Almeida, arcebispo de Lisboa. Pedro de Alcaçova, vedor da Fazenda. Francisco de Sá. D. João Mascarenhas. Miguel de Moura, secretário do rei. Estes cinco ministros foram nomeados pelo rei para governadores do reino na sua ausência.

XXXV – Reinado do cardeal d. Henrique; ministro de estado: d. Miguel de Moura, governador do reino.

XXXVI – Morte do cardeal. D. Jorge de Almeida, arcebispo de Lisboa. Francisco de Sá de Menezes. D. João Telles. D. João Mascarenhas. D. Diogo Lopes de Souza.

XXXVII – Reinado de Felipe II; secretário de estado: Fernão de Mattos.

XXXVIII – Jorge de Figueiredo, não podendo em pessoa ir tomar conta e povoar a sua capitania, de Ilhéus, mandou por seu lugar-tenente a Francisco Romeiro, espanhol, em uma frota provida de gente, e de tudo, e chegando ao Brasil, foi desembarcar em Tinhoré, e começou a povoação em cima do morro de S. Paulo; mas lhe não agradando, se passou para o Rio de Ilhéus, onde se fortificou, e fundou a vila de S. Jorge, e onde viveu em lutas com os índios tupiniquins; e depois de fazer pazes com eles foi a capitania em muito aumento.

Muitas pessoas ricas de Lisboa mandaram nela fazer vizinhos. Por morte de Jorge Figueiredo, Jeronymo de Alorção, filho de Gonçalo Jorge de Figueiredo, com licença de Sua Alteza, vendeu a capitania a Lucas Giraldes, que nela meteu grande cabedal, em modo que veio a ter oito ou nove engenhos; mas os aimorés, em contínuos ataques, dando sobre os moradores, foi tão grande a destruição, que os engenhos deixaram de trabalhar, porque os homens do campo eram mortos pelos selvagens, e assim fugindo os demais para a Bahia, ficou a vila despovoada. A vila de S. Jorge tinha, por esse tempo, cerca de quinhentos moradores, um mosteiro dos jesuítas, e um em começo, dos monges de S. Bento. (Vide o 1º tomo da minha Corogr. Hist.)

XXXIX – Depois que alguns índios informaram a Sebastião Tourinho e a outros da existência das minas de ouro e de pedras preciosas em grande cópia, e que aquele descobriu uma formosa pedreira de esmeralda e outra de safira, juntas a uma lagoa, cujas informações levou ao 4º governador geral Luiz de Brito de Almeida, mandou este seguir uma grande expedição sob comando do capitão Antonio Dias Adorno. As nações indígenas que habitavam essa grande zona territorial eram os tapuios, patochós, aturaris, puris, aimorés, botocudos e outras.

XL – Conta fr. Gaspar da Madre de Deus ser notório que, por duas escrituras lavradas em Lisboa, registradas no cartório da fazenda real de S. Paulo, que Martim Afonso de Souza e Pedro Lopes de Souza celebraram contrato de sociedade com João Veniste, Francisco Lobo e o piloto-mor: da mesma forma seriam três partes dos mencionados três sócios, e uma de Pedro Lopes, no outro engenho, que se erigisse em suas terras. Consta mais expressamente que Martim Afonso satisfez a condição, assinando as terras do engenho de S. Jorge, situado na Ilha de S. Vicente, e consignando mais para refeição do dito engenho, as terras que haviam sido de Rui Pinto, as quais ficam nos fundos da Ilha de Santo Amaro, ao Norte do Rio da Vila de Santos, aquele rio, que forma a barra grande do meio.

Diz fr. Gaspar que Pedro Lopes deu cumprimento à obrigação, consignando terras para o segundo engenho na Ilha de Itamaracá, junto a Pernambuco. O engenho de S. Jorge teve diversos nomes; e como nos anos mais próximos à fundação da capitania, todos os moradores principais de Santos e S. Vicente se aplicavam à lavoura, desdobrou-se a plantação das canas com tanta felicidade, que antes de muito tempo se multiplicaram os engenhos no distrito de ambas as vilas. Nos livros antigos acham-se notícias da existência do engenho de S. Jorge; o de Estevão Pedrosa; o de Jeronymo Leitão; o de Salvador do Valle; o dos Guerras, que ficavam no termo da vila de S. Vicente; e no distrito de Santos existia o engenho da Madre de Deus, defronte da vila; o de S. João, de José Adorno, na Ilha de S. Vicente; na de Santo Amaro, o de Estevão Raposo; o de Bartholomeu Antunes, o de N. S. da Apresentação, e o de Santo Antonio, de Manoel Fernandes.

Para fomentar o comércio, instituiu Martim Afonso uma sociedade mercantil, e aos acionistas desta companhia chamavam armadores do trato, entrando nela os senhores do engenho S. Jorge.

Estes armadores importavam drogas da Europa, que se vendiam aos portugueses, e estes aos índios. O produto exportavam para o reino, em gêneros da terra, principalmente em açúcar, o que era a moeda corrente do tempo. O dinheiro vinha de Portugal, e era pouco; e quase todo ia para a mão dos ministros, párocos e oficiais da justiça; e por esta razão, os ofícios eram tão estimados, que os fidalgos e pessoas nobres da terra serviam de escrivães e tabeliães. Aos índios pagavam com ferramentas, contas de vidro e outras bagatelas semelhantes, a que chamavam resgate; e o preço por que o índio comprava esses gêneros era estipulado pelo senado da câmara.

Diz fr. Gaspar da Madre de Deus que na vereança de 21 de julho de 1543, depois de taxarem os resgates, fizeram os vereadores duas posturas, que dão cópia da má fé dos portugueses nos seus contratos com os naturais da terra. Proibiram aos brancos a compra de escravos por preço que excedesse ao taxado, e permitiram unicamente que, dali para baixo, se ajustassem como pudessem: conforme esta taxa, fica o índio inabilitado para vender por mais de quatro mil réis, por falta de compradores, e ao branco era lícito mercar por menos.

XLI – Fr. Gaspar da Madre de Deus, referindo-se ao p. Simão de Vasconcellos, conta que os colonos, que acompanharam Martim Afonso, e chegaram ao campo com ele, este designou o terreno necessário para edificarem suas casas na vila de S. Vicente, e permitiu que todos plantassem naquela ilha, onde quisessem. Por conhecer que sem negócio e agricultura nenhuma colônia se aumenta, promoveu quanto lhe foi possível estes dois ramos, introduzindo todas as espécies de animais domésticos. Depois que foi a Piratininga, e viu a bondade de seus campos para criarem gado vacum, cavalar ou ovelhum (N.E.: SIC), mandou vir da Ilha da Madeira a planta de canas doces. Para que os lavradores as pudessem moer, fabricou, quase no meio da sobredita ilha, um engenho d'água, com capela dedicada a S. Jorge, que foi o primeiro que houve no Brasil; dele saíram canas para as outras capitanias brasílicas, assim como também saíram de S. Vicente as éguas, vacas e ovelhas, que propagaram em todas as mais.

Diz Brito Freire que o primeiro açúcar que entrou em Lisboa foi fabricado em S. Vicente, capitania de Martim Afonso de Souza (N. L. 1. 1º, n. 15).

XLII – A povoação de Olinda, sobre um monte composto de vários outeiros, foi começada em 1536, por Duarte Coelho Pereira, com as famílias e soldados que com ele vieram de Portugal para Pernambuco, próximo à aldeia Marim do índio Tabirá, chefe dos Tabaiaras, e aumentada por seu filho Duarte Coelho de Albuquerque, que lhe sucedeu em 1560.

Os armadores de Marselha, tendo feito em Iguaraçu uma feitoria para comerciarem com os índios, foram dela expulsos no dia 27 de setembro de 1531, por Duarte Coelho Pereira, que cruzava nas costas e Pernambuco, e voltando a Lisboa em 1534, obteve a doação da capitania de Pernambuco, para povoá-la.

No ano seguinte de 1535, passou-se para o Brasil com sua família, parentes e várias outras famílias de colonos, com todo o necessário, e chegando a Iguaraçu deu princípio à povoação para sua residência e de sua mulher d. Brites de Albuquerque, filha de d. Lopo de Albuquerque e de d. Joanna Bulhões da Cunha, e família, sendo Juarassú o primeiro povoado português que em Pernambuco se estabeleceu.

Pouco tempo depois entrou em lutas com os Tabayaras, e em um dos combates ficando Jeronymo de Albuquerque prisioneiro de guerra, foi levado à Aldeia Marim, de que era chefe o índio Tabirá, chefe dos Tabayaras, e a filha deste índio, que depois foi batizada pelo nome de Maria, intercedendo por Jeronymo de Albuquerque, salvou-lhe a vida, e em recompensa a tomou por esposa.

Este enlace concorreu para se tornarem os Tabayaras aliados fiéis dos portugueses; e então Duarte Coelho Pereira, passando-se com a sua colônia para o Monte Marim, deu começo à fundação de Olinda, próxima à aldeia do chefe Tabirá, e mudou os colonos para a nova povoação, com o nome de Vila de Marim, que mais tarde, em consequência da linda posição, mudaram-lhe o primitivo indígena pelo de Vila de Olinda.

Duarte Coelho Pereira cuidou no aumento da povoação e da colônia, e sempre em lutas com os caetés até o dia 7 de agosto de 1554 em que faleceu, ficando d. Brites de Albuquerque, sua viúva, na administração da capitania, até a chegada de seu filho Duarte Coelho de Albuquerque. Jeronymo de Albuquerque, irmão de d. Brites de Albuquerque, mulher de Duarte Coelho, que se havia casado com d. Maria do Espirito Santo Arco-Verde, filha do chefe Tabirá, teve do seu casamento d. Genebra Cavalcante, que se casou com d. Felippe de Moura, fidalgo florentino, pais de d. Paulo de Moura, que casou com d. Brites de Mello, pais de d. Maria de Mello, que casou em Lisboa com Francisco de Mendonça Furtado, de quem descende Sebastião José de Carvalho e Mello, marquês de Pombal. (Vide o n. 35 do meu Brazil Historico, de 1864).

Sendo acometida em 1593, por Jayme de Lancaster, e em 1630 tomada e saqueada pelo coronel holandês Theodoro Vanderburg, mais tarde, Maurício de Nassau, lhe deu por armas uma donzela, com uma cana na mão, mirando-se em um espelho.

O regente de Portugal d. Pedro II conferiu-lhe o título de Cidade, e em 1676 lhe ofereceu um bispado. Tem notáveis edifícios, sendo o melhor a igreja da Sé, com a invocação do Salvador. Suas ruas, mal alinhadas, são calçadas e ornadas de casas. O antigo palácio dos governadores, que servia de câmara municipal em 1846, foi reedificado, para nele ser transferido o curso jurídico, que estava no Mosteiro de S. Bento. No colégio dos jesuítas está o seminário Episcopal.

Possui quatro conventos, o de S. Francisco, o de Nossa Senhora do Carmo, o de Santa Thereza, onde está nele o colégio de Órfãos, e o mosteiro de S. Bento. Neste mosteiro de S. Bento esteve o Curso Jurídico, desde a sua instalação até 1854, em que foi transferido para a cidade do Recife.

O alvará de 30 de maio de 1815 fez da cidade de Olinda uma comarca desmembrada do Recife, compreendendo em seu termo Goyana, as povoações de Iguaraçu, Pau d'Alho e Limoeiro. Conta uma crônica manuscrita inédita que, quando os holandeses incendiaram Olinda, se compunha a cidade de dois mil e quinhentos fogos ou casas.

RECIFE - O lugar do Recife era desde o tempo da fundação de Olinda o porto de desembarque; e aí se foram edificando casas e armazéns, em modo que, em 1548, já havia povoação comercial. Com o correr do tempo, a povoação se foi estendendo para Santo Antonio, e depois para Boa Vista, construindo-se templos magníficos e edifícios notáveis; e foi Maurício de Nassau quem aumentou o Recife, fazendo da povoação uma bela cidade.

Desejando para a minha Geographia Historica a descrição minuciosa da capital de Pernambuco, pedi ao proprietário do Diario de Pernambuco, o melhor e mais interessante jornal do Brasil, o ilustre e venerando cidadão Manoel Figueirôa de Farias, e este ilustre pernambucano, para me obsequiar, mandou pelo ilustrado escritor A. P. de Figueiredo descrever a cidade do Recife, e na Carteira de 1857 publicou, em vários números, os artigos, que resumidamente aqui transcrevo.

Em 1857 a cidade do Recife, de Pernambuco, tinha trinta e uma igrejas, sendo oito no bairro do Recife, que são a do Pilar, fundada em 1668, depois da guerra dos holandeses, pelo capitão João do Rego Barros, em cuja capela-mor foi sepultado; a do Corpo Santo; a da Madre de Deus; a capela da Conceição do Arco; e a do Porto das Canoas.

Em Santo Antonio, as igrejas de S. Francisco e a da Ordem Terceira; a do Paraíso, com um hospital de S. João de Deus, fundado em 1686, quando mestre-de-campo d. João de Souza, e sua mulher e prima, d. Ignez Barreto, vinculando-lhe os seus bens. Nas dependências da dita igreja, o governador d. Thomaz José de Mello fundou em 1789 uma casa para expostos; e neste edifício, hoje muito melhorado, definitivamente ficou o estabelecimento, desde o dia 2 de dezembro de 1855.

A igreja matriz, a da Conceição dos militares, a de Nossa Senhora do Rosário, a da Congregação, a do Colégio dos Jesuítas, que há muitos anos estava interdita, tendo servido para a escola do ensino mútuo, e até para teatro particular, e por fim, para o instituto vacínico; foi reabilitada para o culto divino, em 8 de setembro de 1855; a do Carmo, a de Santa Thereza; a do Livramento; a de S. Pedro; a dos Martírios; a de Nossa Senhora do Terço; a de Nossa Senhora da Penha, do hospício dos Capuchinhos, que era pequena, foi pelos ditos religiosos demolida, e em seu lugar levantaram à custa de donativos dos fiéis, e auxílios dos cofres públicos, um templo grandioso, dividido em três espaçosas naves, com grossas colunas de mármore, de elevada altura, com um soberbo zimbório.

No bairro da Boa Vista, a igreja de Santa Cruz; a de S. Gonçalo; a da Conceição dos Coqueiros, fundada depois da guerra holandesa, por Christovão do Rego Barros, que nela foi sepultado; a do Rosário; a da Glória e a da Soledade. A igreja dos ingleses na Rua da Aurora. O hospital da Misericórdia, esteve em edifício particular, no lugar denominado dos Coelhos, desde 14 de março de 1846, até 9 de março de 1861, quando foi transferido para o edifício próprio, cujos fundamentos foram lançados em 25 de março de 1847, nos Coelhos, em virtude da lei provincial n. 165, de 17 de novembro de 1864, ficando com a denominação de Hospital Pedro II.

O Hospital dos Lázaros. Do relatório do respectivo provedor, o desembargador Oliveira Maciel, que me mostrou o ilustrado dr. Portella, chefe do Arquivo Público da capital do Império, consta que o fundador do Hospital dos Lázaros foi o padre Antonio Manoel, criado na Soledade; depois (1789) foi transferido para o edifício, onde atualmente se acha, mandado concluir pelo governador d. Thomaz de Mello.

Tem a cidade do Recife a Faculdade de Direito, o Colégio das Artes, o vasto edifício do Ginásio Provincial, à margem do Rio Capibaribe, na Rua da Aurora, mandado construir pelo presidente José Bento da Cunha Figueiredo. A Fortaleza das Cinco Pontas está colocada na freguesia de S. José.

Possui mais o teatro de Santa Izabel, situado no Largo do Palácio da Presidência, denominado Campo das Princesas; a Casa de Detenção, no bairro de Santo Antonio; o Novo Mercado,no lugar em que havia a antiga Ribeira, na freguesia de S. José; a Escola Modelo, onde atualmente funciona o Instituto Arqueológico; a Casa da Associação Comercial, com jardim na frente, situada na Lingueta, ponto de desembarque, no bairro do Recife.

No bairro de Santo Antonio há o edifício do Liceu de Artes e Ofícios, pertencente à Associação dos Artistas. No da Boa Vista, e à margem do Capibaribe, na Rua da Aurora, está o palácio da Assembleia Provincial. No lugar denominado Santo Amaro, há o edifício do Asilo da Mendicidade; o Hospital Militar; o Hospital dos Alienados.

Na freguesia de S. José, no lugar do Cabanga, está o novo matadouro dos gados, para o provimento da população.

O aterro dos Afogados foi mandado fazer pelo governador Henrique Luiz Pereira Freire, de 1737 a 1740, bem como a primeira ponte de madeira, para facilitar o trânsito, porquanto, esperando-se pela vazante da maré para se entrar ou sair da cidade, acontecia morrerem muitas pessoas afogadas, na passagem, e por isso o povo, em memória do acontecido, designou o aterro pela denominação de Aterro dos Afogados.

A antiga ponte do Recife, que ligava o bairro deste nome ao de Santo Antonio, e era de madeira sobre alguns poucos arcos de pedra que ainda restavam, foi substituída por uma importante ponte de ferro, apoiada sobre grossas colunas do mesmo, com três galerias, sendo a do centro para a passagem de carros e animais, e as duas laterais para o trânsito a pé. Há mais duas pontes de ferro, a da Boa Vista, que liga o bairro deste nome, ao de Santo Antonio. E a de Santa Izabel, que parte de junto do mesmo teatro, até a Rua da Aurora.

A cidade do Recife, em 1857, tinha 6.511 casas, sendo 795 de sobrado de um andar; 620 de dois andares; 301 de três andares; 23 de quatro andares; 59 travessas; 24 becos; e 15 largos.

A casa n. 64 da Rua da Cruz, na freguesia de Santo Antonio, foi residência de João Fernandes Vieira, depois da restauração de Pernambuco, do poder dos holandeses, onde teve o seu quartel-general.

A figura que tem na frente, dentro de um nicho, com uma inscrição, talvez simbolizasse Pernambuco. Diz o cronista Figueiredo, a quem me refiro, que corriam em Pernambuco duas versões a respeito desta figura; uma, que ela simbolizava Pernambuco; e outra, que era a figura de S. Pedro Gonçalves. O cronista, copiando a inscrição, que é em holandês antigo, reconheceu que a figura representa Jacob, nome de algum judeu holandês, que habitou aquela casa.

Procurando investigar a verdade, achou em Barlêo, edição de 1647, impressa em Amsterdam, pág. 100, linha 11: "A cúria de Pernambuco, como insígnia; uma virgem com os olhos fixos em um espelho, e como arrebatada de admiração pela sua forma, trazendo na mão uma cana-de-açúcar. Com este modelo, se exprime a formosura e a abundância do solo conhecido pelo nome de cidade de Olinda (Diario de Pernambuco de 1857 – Carteira).

Tomando por base a edificação de 1857, se conhecerá no futuro o grande aumento que Pernambuco vai tendo com o volver dos anos. (Vide o Diario de Pernambuco de 1857, nos artigos intitulados a Carteira).

XLIII – Pedro de Góes, que havia feito um engenho d'água, e uma igreja de invocação da Madre de Deus, em S. Vicente, cujo título foi mudado para o de N. S. das Neves, mais tarde, el-rei d. João III o fez donatário da capitania de S. Tomé ou dos Goitacazes, com trinta léguas de costa, entre o Espírito Santo e S. Vicente, e vindo com uma armada em 1553, na patente de capitão-mor, chegou a S. Vicente, no dia 8 de fevereiro, para levar consigo seu irmão Luiz de Góes e cunhada, e foi povoar a sua capitania; e entrando pelo Rio Paraíba, procurou lugar e deu começo à povoação; ainda esteve dois anos em paz com os índios goitacazes, mas depois entrando em luta com eles e havendo falta de gente, para a resistência e de provimentos necessários, para sustentar-se, com a sua colônia, passou-se para o Espírito Santo, em navios, que lhe mandou o donatário Vasco Fernandes, ficando a capitania de S. Tomé, de novo entregue às três nações ferocíssimas, a que chamavam goitacá-guassú, goitacá-jacoritó e goitacá-mopi, até o ano de 1630 em que os índios de duas aldeias católicas, Frio e Iriritiba, extinguiram os índios goitacazes que comeram os náufragos portugueses, que foram à costa do mar de Campos.

É certo, diz frei Gaspar da Madre de Deus, que antes disso, aos 19 de agosto de 1627, Martim de Sá, pai do general Salvador Corrêa de Sá e Benevides, como procurador de João Gomes Leitão, e Gil de Góes da Silveira, donatários da capitania de S. Tomé, tinha dado por sesmaria a terra existente além do Cabo de S. Tomé, entre os rios Macaé e Iguaçu, a Gonçalo Corrêa, Miguel Ayres Maldonado, Antonio Pinto, João de Castilho e Miguel Riscado, moradores na cidade do Rio de Janeiro, os quais, todos juntos, pediram esta data, para nela criarem gados.

Estes e o sobredito Martim de Sá foram os primeiros povoadores daquelas deliciosas e férteis campinas, onde mandaram fazer currais, e introduziram gados, assim vacum, como cavalar: se a povoação começou logo depois de passada a sesmaria, ou nos anos seguintes da matança dos goitacazes, não o posso dizer, por falta de documentos que os não pude encontrar. O domínio e propriedade dela conservou-se muitos anos nos sucessores de Pedro de Góes, e os sr. D. Pedro II de Portugal, aos 15 de setembro de 1674, deu-a ao visconde de Asseca, com a extensão de 20 léguas, por costa, declarando na carta de doação, que Gil de Góes, morto fora do reino, fizera deixação dela à coroa, por lhe faltarem cabedais para a povoar; a capitania de S. Tomé passou depois à coroa, por compra feita ao mesmo visconde de Asseca, seu proprietário.

XLIV – Na ausência de Martim Afonso de Souza, d. Anna Pimentel, mulher e procuradora do donatário da capitania de S. Vicente, nomeou lugar-tenente de seu marido a Gonçalo Monteiro, que administrou a capitania, por alguns anos, o qual foi substituído, em 16 de outubro de 1538, por Antonio de Oliveira, conforme refere fr. Gaspar da Madre de Deus.

Foi Antonio de Oliveira, 2º capitão-mor, quem repartiu as terras da Ilha de S. Vicente pelos moradores, concedendo-lhes cartas de sesmarias, dando a Pascoal Fernandes e a Domingos Pires as terras de Enguaguaçu, que ficam a Leste do Ribeiro de S. Jerônimo, por carta passada em S. Vicente, no 1º de setembro de 1539; e as vizinhas, situadas a Oeste do dito ribeiro, deu-as a André Botelho, em 2 de junho de 1541, declarando que partiriam, pela regueira que ali faz o outeiro, que diziam ser de Braz Cubas (outeiro de Monserrate), fronteiro à N. S. da Graça, e as pertencentes ao mestre Bartholomeu Gonçalves. Mestre Bartholomeu Gonçalves foi um ferreiro que veio com Martim Afonso de Souza, que obteve sesmaria em Santos, concedida por Braz Cubas, em 26 de janeiro de 1555.

XLV – Pascoal Fernandes, genovês, e Domingos Pires, fizeram sociedade, e ambos se foram situar em Enguaguaçu, na margem do canal a que Martim Afonso de Souza chamou Rio de S. Vicente, na sesmaria de Pedro de Góes.

Nessa margem, defronte do largo, onde o rio se divide em dois braços, que forma a barra grande de Santos, edificaram os sócios uma casinha, na margem oriental do ribeiro, que pelo tempo adiante se chamou de S. Jeronymo, por se ter colocado uma imagem deste santo doutor, junto ao dito ribeiro, nas faldas do outeiro, que agora se chama de Monserrate, e dantes se chamava de S. Jeronymo. Para sua particular serventia abriram os mencionados sócios o caminho antigo de Santos, para S. Vicente, o qual principiava na sua casa, continuava por uma ladeirinha, e passava por detrás do outeiro, onde hoje está o mosteiro de S. Bento. (fr. Gaspar da M. de Deus, Memorias das C. de S. Vicente).

XLVI – Diz fr. Gaspar da Madre de Deus que no ano de 1542 já não existia a casa do conselho, e a povoação se tinha mudado para o lugar onde hoje existe, segundo consta de alguns termos de vereações, desse tempo, nos quais acho que os camaristas se congregaram na Igreja de N. S. da Praia, em 1 de janeiro e 11 de março, e na de Santo Antonio, em 1 de abril e 20 maio, do dito ano de 1542, por ter o mar levado as casas do conselho.

Pela mesma razão, se assentou na vereação de 1 de julho desse ano fazer casa nova, para o conselho. Aos 3 de janeiro de 1543, levaram em conta a Pedro Coleço, procurador do conselho, no ano antecedente, a quantia de 50 rs., que se havia gastado em tirar do mar os sinos, e Pelourinho; 300 rs., pagos a Jorge Mendes, que os merecera no Pelourinho da praia; 20 rs., a quem o conduziu para a vila; e 250 rs., que satisfizera a Jeronymo Fernandes, por dar a pedra, barro e água necessária para novamente se levantar o dito Pelourinho.

Também a Igreja Matriz veio a padecer o mesmo infortúnio, como provam a circunstância de se extraírem do mar os sinos, e a outra, de dar o povo faculdade aos camaristas, em janeiro de 1545, para mandarem fazer nova igreja, com alicerces de pedra, e o mais de taipa, coberta de telhas, ou patiz, à custa do mesmo povo. Hoje é mar o sítio onde esteve a vila.

A nobreza com que Martim Afonso povoou S. Vicente foi mais numerosa, mais distinta, do que se supõe, até os mesmos, que dela descendem. Ver-se-ia bem provada esta verdade, se chegasse a imprimir-se a Nobiliarchia historica e Genealogia da capitania de S. Paulo, que deixou incompleta o sargento-mor Pedro Taques de Almeida Paes Leme, por seu falecimento em janeiro de 1777, depois de haver empregado na sua composição, e em outros muitos preciosos manuscritos, concernentes à capitania de S. Vicente e S. Paulo, alguns cinquenta anos, examinando por isso os cartórios de todas as vilas desta capitania, assim seculares, como eclesiásticos.

Santa Maria diz, quando fala da vila de Santos: "A vila de Santos é uma das quatro principais da capitania de S. Vicente, e dista de S. Paulo doze léguas. Povoou-a Martim Afonso de Souza, de muito nobre gente, que consigo levou de Portugal. As memórias antigas, relativas ao Brasil, que se acham no Santuario Mariano, e não se encontram em outros livros, merecem grande atenção, porque seu autor, quando escreveu os tomos 9 e 10 do tal Santuario, tinha diante dos olhos, e cita muitas vezes, a Historia manuscrita do padre fr. Vicente do Salvador. Este religioso veio à capitania de S. Vicente, pelos anos de 1598, na companhia de d. Francisco de Souza, sendo custódio da sua província de Santo Antonio do Brasil, cuja crônica escreveu por esse tempo, e levou consigo para Portugal em 1616. Precedeu a Vasconcellos, e a todos os que compuseram Histórias do Brasil" [1] (Memoria de fr. Gaspar da Madre de Deus).

XLVII – Os padres Jaboatão e Ayres do Cazal escreveram suas obras em vista de manuscritos, e principalmente de uma monografia intitulada Descripção Geographica da America Portugueza, que não conheço. O que diz o autor sobre a primitiva povoação fundada por Pedro de Góes, eu ignoro, mas Ayres do Cazal crê que a primitiva povoação de Pedro de Góes, donatário da capitania da Paraíba do Sul, fosse junto à extremidade de uma baía, e lado meridional do Cabapuana, muito perto da praia do mar, por existirem duas mós de pedra europeia, com alguns resquícios de povoação; e entre os moradores da vizinhança há tradição que fora, ali, a morada de Pedro de Góes.

O autor do manuscrito Descripção Geographica diz que Pedro de Góes se estabeleceu na margem do Paraíba, onde vivera dois anos em paz com os indígenas e cinco anos em guerra; vendo-se forçado a retirar-se para a capitania do Espírito Santo; e dali para Lisboa, voltando depois com Thomé de Souza para a Bahia em 1549.

Por esses anos ocuparam as terras de Campo dos Goitacazes três nações de bárbaros, conhecidas por puri, quarú, goitacá.

A nova sesmaria de Campos se acha no tomo 2º pág. 44 de Ayres do Cazal.

XLVIII – Refere fr. Gaspar da Madre de Deus, nas suas Memorias da capitania de S. Vicente, que a má fé dos contratos, entre os portugueses e os naturais do país, era tão escandalosa que a câmara municipal de S. Vicente, na vereação de 21 de julho de 1543, depois de taxar os resgates, fizeram os vereadores duas posturas, que dão clara ideia da má fé dos portugueses, nos seus contratos com os naturais da terra.

XLIX – A irmandade da Santa Misericórdia foi instituída por frei Miguel Contreiras, religioso Trino, e por sua confessada a rainha viúva, d. Leonor, mulher de el-rei d. João II, no dia 15 de agosto de 1498, em uma das capelas do claustro da Sé de Lisboa, a qual, confeccionando os estatutos, no dia 15 do mês de setembro do mesmo ano, lhe ajuntou a forma, em que se acha em sua Igreja, e casa de Misericórdia, construídas no sítio da Ribeira Velha, sob a proteção de el-rei d. Manoel, cujos edifícios foram concluídos em 1534, e para onde foi mudada a irmandade, e hospital, no dia 25 de março do mesmo ano, bem como o hospital do Rocio, principiado por d. João II, em 1492, e outros dispersos.

O compromisso feito por fr. Miguel Contreiras compõe-se de 41 capítulos, e cada um com vários parágrafos, sendo o original escrito e assinado por fr. Miguel Contreiras, el-rei d. Manoel, a rainha d. Leonor, infanta d. Brites, e pelo arcebispo de Lisboa, d. Martinho da Costa. O compromisso original foi guardado no arquivo da irmandade de Lisboa, e só impresso em 1739, na oficina de Manoel Fernandes da Costa, impressor do Santo Ofício.

A 1ª Santa Casa, que houve no Brasil, foi a de Santos, criada por Braz Cubas em 1543, e aprovada em 1551.

A 2ª foi a Misericórdia da Bahia, estabelecida em 1552, em tempo de Thomé de Souza, e creio que fosse por iniciativa desse benemérito governador.

A 3ª Santa Casa de Misericórdia foi a do Rio de Janeiro, criada em 1582, pelo padre José de Anchieta. Tendo os irmãos da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro pedido a el-rei que lhe concedesse os mesmos privilégios e isenções que concedeu à Misericórdia de Lisboa, por alvará de 5 de outubro de 1605, lhe foram concedidos; e Martim de Sá, que governava então a capitania do Rio de Janeiro, por seu despacho, ordenou que o alvará de el-rei Felipe II fosse observado em todas as suas partes, sendo provedor da Misericórdia Duarte Corrêa Vasquianes.

L – No dia 14 de janeiro de 1544 houve um eclipse de sol, em Portugal, que durou o dia inteiro, e nos meses seguintes se eclipsou três vezes a lua. (Anno Hist.)

[...]


[1] Anterior a todos foi Gabriel Soares, que concluiu a sua na matriz em 1589 – Mello Moraes.