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BAIXADA SANTISTA - LIVROS - Chronica Geral do Brazil
Uma crônica de 1886 - 1500-1600 (2)

Clique aqui para ir ao índice do primeiro volumeEm dois tomos (1500-1700, com 581 páginas, e 1700-1800, com 542 páginas), a Chronica Geral do Brazil foi escrita por Alexandre José de Mello Moraes, sendo sistematizada e recebendo introdução por Mello Moraes Filho. Foi publicada em 1886 pelo livreiro-editor B. L. Garnier (Rua do Ouvidor, 71), no Rio de Janeiro. É apresentada como um almanaque, dividido em séculos e verbetes numerados, com fatos diversos ordenados cronologicamente, tendo ao início de cada ano o Cômputo Eclesiástico ou Calendário Católico.

O exemplar pertencente à Biblioteca Pública Alberto Sousa, de Santos/SP, foi cedido  a Novo Milênio para digitalização, em maio de 2010, através da bibliotecária Bettina Maura Nogueira de Sá, sendo em seguida transferido para o acervo da Fundação Arquivo e Memória de Santos. Assim, Novo Milênio apresenta nestas páginas a primeira edição digital integral da obra (ortografia atualizada nesta transcrição) - páginas 34 a 58 do Tomo I:

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Chronica Geral do Brazil

Alexandre José de Mello Moraes

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Imagem: reprodução parcial da página 34/tomo I da obra

 

1500-1600

[...]

LI – Como era sujeita a vila do Porto de Santos à de S. Vicente, tanto no temporal como no espiritual, os camaristas de S. Vicente requereram para a nova povoação ter juiz ordinário, ou pedâneo; e para esse cargo elegeram Pedro Martins Namorado, o qual prestou juramento do ofício, no dia 1 de março de 1544.

LII – Braz Cubas sucedeu a Antonio de Oliveira, no dia 8 de julho de 1545, e foi quem elevou a povoação do Porto de Santos à categoria de vila, em nome do donatário, Martim Afonso de Souza, entre o dia 14 de agosto de 1546 e 3 de janeiro de 1567. O primeiro pelourinho foi levantado por Braz Cubas, e como com o tempo caísse, foi levantado outro em 1697, junto à cadeia e ao convento do Carmo. (fr. Gaspar da Madre de Deus, Memorias da capitania de S. Vicente, pag. 104 e § 152).

Braz Cubas faleceu em 1592, sendo sepultado na capela-mor da Igreja da Misericórdia, em cuja sepultura se lê: "Sepultura de Braz Cubas, cavaleiro fidalgo da casa de el-rei. Fundou e fez esta vila, sendo capitão, e casa da Misericórdia, ano de 1543, descobriu ouro, e metais, ano de 1560, fez fortaleza, por mandado de el-rei".

LIII – O posto de governador e capitão geral ou general do Brasil, diz fr. Gaspar da Madre de Deus, ainda era desconhecido no Brasil, quando Martim Affonso assistiu em S. Vicente; ele foi governador da América Lusitana, ainda não povoada. Esta dignidade nasceu em 1549, alguns anos depois da ausência de Martim Afonso de Souza para a Ásia. E d. João III, entendendo haver no Brasil um governador, que tivesse jurisdição sobre todos os governadores e donatários, com quem havia repartido as terras do Novo Mundo, na mesma ocasião em que mandou fundar e povoar a cidade da Bahia, ordenou que os capitães da nova cidade exercitassem a sua jurisdição sobre todas as capitanias, e daqui nasceu chamarem-se governadores e capitães gerais aos da cidade de S. Salvador, edificada junto à Bahia de Todos os Santos.

LIV – Em abril de 1549, o padre Manoel da Nóbrega e seus companheiros fundaram a igreja de N. S. da Ajuda, fabricando-a de taipa, coberta de palha, a qual, servindo de paróquia, oficiada por ele; e depois, chegando de Lisboa um sacerdote secular, entregou-lhe a igreja, e foi edificar outra no Monte Calvário, onde alguns anos adiante foi fundada a igreja de N. S. do Monte do Carmo.

Na grande área que compreende a cidade da Bahia e seus subúrbios, eram os assentos das principais aldeias de índios de toda a capitania.

LV – Quando Francisco Pereira Coutinho chegou à Bahia, em fins de 1535 ou começo de 1536, foi residir na povoação da Vila Velha, fundada por Diogo Alvares Corrêa, Caramuru, grande língua do gentio; e depois da morte desgraçada do donatário Francisco Pereira Coutinho, tornou ele dos Ilhéus para o mesmo lugar, onde vivia com seus cinco genros, mulher, filhos, e mais algumas pessoas que escaparam da desgraça de Francisco Pereira Coutinho, e apesar de viver em paz com os selvagens, contudo não deixavam as armas de fogo, e outras, para resistirem no caso de agressão dos índios.

Francisco da Cunha, contemporâneo dos sucessos primitivos do Brasil, diz que quando se fundou a cidade de S. Salvador e Bahia de Todos os Santos, houveram pareceres que se edificasse na ponta (Barra) que está N. S. com a do Padrão, por ficar mais segura, e bem assentada, em razão da sua muita fortaleza; e outros que preferisse o sítio de Monserrate, perto do hoje sítio do Bonfim; mas o governador Thomé de Souza escolheu o alto da montanha, onde os jesuítas fundaram a capela de N. S. da Ajuda.

LVI – Os jesuítas que vieram com Thomé de Souza para a Bahia foram mandados pelo fundador da ordem, o padre Ignacio de Loyola, e pelo superior padre Simão Rodrigues de Azevedo; e os primeiros que marcharam para S. Vicente, mandados pelo superior da Bahia, padre Manoel da Nóbrega, foram o padre Leonardo Nunes, homem de bem e muito virtuoso, e o irmão Diogo Jacome, cujos padres partiram para o seu destino no 1º de novembro de 1549, tocando eles na capitania do Espírito Santo, onde receberam por noviço o irmão Matheus Nogueira, ferreiro de profissão, cujos padres foram mui bem recebidos em S. Vicente.

Em S. Vicente, o padre Leonardo Nunes recebeu alguns noviços, sendo em primeiro lugar a Pedro Corrêa e Manoel de Chaves, homens principais, e moradores de S. Vicente. Logo depois recebeu outros ainda moços, tanto europeus como filhos do país, e entre eles Leonardo do Valle e Gaspar Lourenço.

LVII – Foi primeiro cercada de pau-a-pique, enquanto se trabalhava na edificação e no arruamento, depois murada de taipa grossa por causa do gentio, a muralha já em tempo de Gabriel Dolores tinha caído. As casas no começo foram cobertas de palha e não ficou memória por onde elas corriam.

Thomé de Souza fundou a Sé, o colégio dos padres da companhia, a ermida de N. S. da Conceição da Praia, e grandes casas para os governadores, casa da câmara, cadeia, alfândega, casa dos cantos, casa da fazenda, armazéns, e outras casas próprias para o serviço real e quase todas na praça chamada de Palácio.

Desembarcava-se onde hoje está o arsenal de marinha, que era então a Ribeira do Góes (Pero de Góes).

LVIII – O palácio dos governadores da Bahia, feito de taipa grossa por Thomé de Souza, foi residência de seus sucessores até 1663, em que Francisco Barreto construiu outro de pedra e cal, em cuja frente, e por sobre a porta principal, se lê a seguinte descrição: "Reinando el-rei d. Affonso VI, mandou fazer esta obra Francisco Barreto, governador e capitão-general deste Estado, no ano de mil seiscentos e sessenta e três (1663). Foi a obra contratada com o mestre carpinteiro Pedro Fernandes de Azevedo" (Vide a descrição do palácio no meu Brazil Hist. 1º ano da 2ª série, pág. 353).

LIX – O alemão Hans Staden, nascido no Hesse, artilheiro, embarcou em Lisboa, com destino ao Brasil, e depois de oitenta e oito dias de viagem chegou à povoação de Iguaraçu, em Pernambuco, onde esteve percorrendo com alguma dificuldade alguns lugares do interior, observando o manejo bélico dos índios.

Depois de alguns meses voltou a Lisboa, com o intento de se passar de novo ao Brasil, em busca dos novos estabelecimentos dos espanhóis no Rio da Prata, antes conhecido pela denominação de Rio de Santa Maria, o que efetivamente aconteceu em 1549, desembarcando em S. Vicente.

Como era hábil artilheiro, foi contratado em 1550 para comandar o forte de Santo Amaro, durante dois anos; e em um dia que saiu à caça nas florestas próximas do forte, é cercado pelos índios tupinambás, que o levam a rasto, espancado, no meio de horrível vozeria, e o metendo em uma canoa, o levam torturado para a aldeia Oatibi, de que era chefe o famoso Coninambebe, e onde presenciou os horríveis sacrifícios que praticavam esses bárbaros. Daí o passaram para a cabana do valente chefe Ippuruassú (o grande pássaro branco), onde o vestem com os trajes das vítimas.

Aterrado o infeliz Hans Staden com a vista de tantas barbaridades, e que sem dúvida iria a ser comido por esses bárbaros, certo de que eles eram aliados dos franceses, lhes declara pertencer a esta nação e não à portuguesa. Consultado um normando, que entre eles estava, nega-lhe a nacionalidade; mas a cor loura dos cabelos da cabeça e barba do infeliz Hans Staden lhe demora a execução, por suporem os selvagens não ser ele e o conservam prisioneiro, receosos de quebrarem a fé do seu tratado; e quando esta circunstância se dava, apareceu na aldeia uma mortífera epidemia, e Hans Staden, aproveitando a presença da peste, faz sentir aos selvagens ser castigo do céu, por lhe quererem tirar a vida, e por este acontecimento é posto em liberdade.

Passando Hans Staden para a aldeia de outro chefe índio, este o deixa partir para a França, depois de ter passado por horríveis transes. (Vide a obra de mr. Ferdinand Diniz intitulada O Brazil).

LX – El-rei d. João III ordenou a Thomé de Souza que desse à nova cidade que ele ia fundar na baía de Todos os Santos a denominação de cidade do Salvador e lhe mandou dar por armas uma pomba branca em campo verde, com um rolo a roda branco com letras de ouro, e a pomba com três folhas de oliva no bico.

LXI – A ermida de Santa Luzia que estava no lugar do teatro, no fim da rua direita do Teatro, foi construída nos primeiros tempos da fundação da cidade da Bahia. A Sé era nos primeiros anos a igreja da Ajuda. O mosteiro de S. Bento começou muito pobre.

LXII – Os jesuítas no seu princípio eram pobríssimos, e para viverem além das esmolas que pediam de porta em porta, inventaram ofícios mecânicos, e nas horas do descanso faziam rosários de pão, coroas, que repartiam com os devotos, faziam alpargatas de corda por não haver sapatos, que repartiam com os homens do povo, e de que eles usavam nos caminhos ásperos; uns eram carpinteiros, outros ferreiros, outros torneiros, em cujos ofícios ganhavam para o sustento da vida.

Refere o padre Simão de Vasconcellos que tendo chegado à Bahia, mandados pelo patriarca Ignacio de Loyola, o padre Affonso Braz, o padre Salvador Rodrigues, o padre Manoel de Paiva e o padre Francisco Pires, e o padre Nóbrega querendo mostrar o grau de obediência que tinham os religiosos da companhia, a pretexto de pobreza em que então viviam, mandou vender a pregão pelas praças o padre Manoel de Paiva, entoando o porteiro em voz alta: Quem quer comprar este homem, que é já sacerdote, e pode servir em muitos usos. E foi tão de siso o pregão, que chegou-se a persuadir o povo, que ia deveras (porque continuou alguns dias); e já somente se duvidava, se era acerto desfazer-se a companhia deste religioso, tendo tão poucos.

O governador Thomé de Souza propôs o caso ao ouvidor Pero Borges; e acrescentou: eu nunca vi vender sacerdote de missa; mas como vejo que os padres o fazem, não ouso condená-lo.

Não faltava quem prometesse já, até cem cruzados pelo padre Paiva; e os moradores da Vila Velha subiram o lance, porque o queriam para seu capelão. Espantavam-se todos de ver espetáculo tão novo; porém o vendido padre, aos lançadores desculpava o feito, por causa da pobreza; e quando era perguntado se estava resoluto a servir, respondia que sim; porque ele era dos superiores, e que podiam estes dispor dos seus, como melhor lhes parecesse.

A segunda figura deste ato foi o padre Vicente Rodrigues; porque este era o pregoeiro, que ia bradando pelas praças; e pode pôr-se em questão, qual dos dois ficou mais mortificado, se o que era apregoado calando, ou se o que apregoava bradando? Assentado o dia em que se havia de arrematar o lance, quando todos esperavam o fim, declarou o padre Nóbrega ao governador, e mais amigos da companhia, o espírito com que aquela fingida venda se fazia, por exercício de mortificação e obediência; os quais ficaram edificados, e não menos exercitados os dois padres, que fizeram a figura do ato.

O padre Nóbrega mandou ao mesmo padre Paiva rolar de um morro alto, oq eu fez por obediência; ao padre Vicente Rodrigues, alugou a um tecelão, e com ele morasse e servisse até aprender o ofício; ao padre João de Aspilcueta Navarro, mandou que fosse disciplinando-se pelas ruas até chegar à praça do governador (cujo confessor era), que folgaria ver penitente tão destro.

Deste estado de humildade, obediência e pobreza, passaram a opulência e poderio a avassalarem os soberanos e as sociedades.

LXIII – Os primeiros vigários colados que teve a matriz da vila da Vitória, na capitania do Espírito Santo, foram:

1º - O padre Manoel Lopes de Abreu, 1550.

2º - O padre Francisco dos Reis, em 19 de maio de 1560.

3º - O padre Antonio Martins Guerra.

4º - O padre Manoel Gonçalves Victoria, nomeado em 6 de outubro de 1795, e tomou posse da igreja matriz em 8 de janeiro de 1797.

A respeito dos outros vigários vide Pizarro T. 2º.

LXIV – O colégio dos jesuítas de S. Vicente foi fundado em 1550, pelos padres Leonardo Nunes, e Diogo Jacome, e Pedro Corrêa que, tomando a roupeta de S. Vicente, doou ao colégio todos os seus bens. Os primeiros sacerdotes missionários mandados da Bahia para a capitania de S. Vicente, foram pelo reverendo Manoel da Nóbrega.

LXV – Pelas 8 horas da manhã, do dia 20 de janeiro de 1551, nasceu em Lisboa el-rei d. Sebastião, filho do príncipe d. João e da princesa d. Joanna, e com 14 anos de idade, no dia 20 de janeiro de 1565, seu tio, o cardeal d. Henrique, lhe entregou os selos reais, e o governo da monarquia, em ato público, em presença das cortes gerais da nação portuguesa.

LXVI – Os índios do Brasil têm uma ideia confusa do Ser Supremo a que chamam Tupá (excelência espantosa), e por isso têm grande medo dos trovões e relâmpagos, que são efeitos dessa excelência. Ao trovão chamam Tupáçununga (estrondo), e ao relâmpago chamam Tupáberaba (esplendor).

A respeito da alma e sua imortalidade e vida futura, eles também têm crenças mais ou menos claras, porquê têm para si que os guerreiros que mataram na guerra e comeram muitos inimigos, e as mulheres que os ajudam a cozê-los, assá-los e comê-los, depois que morrem se ajuntam, na outra existência, em certos vales ou campos alegres, onde vivem felizes. Os que foram covardes, vão viver com os maus espíritos, a que chamam Anhangás. Creem que há espíritos malignos, a quem muito temem, a que chamam Curupira, aos espíritos do pensamento; Macachéra, aos espíritos dos caminhos; Iupary ou Anhagá, que chamam maus espíritos, ou diabos. Maraguigana, são os espíritos que denunciam morte, a quem muito crêem; e pelo que, basta pensarem que têm recado deste espírito, para se entregarem à morte.

Aos feiticeiros, que são em grande número, chamam Payés ou Caraybas, que os enganam e os embruxam continuamente. (Vide Vasconcellos, Chronica da companhia; e com mais minudências a história dos índios no 2º tomo da minha Corogr. Hist.)

LXVII – Criado o bispado da Bahia pela bula de Júlio III, de 4 de janeiro de 1551, sendo o 1º bispo do Brasil o desafortunado d. Pedro Fernandes Sardinha, toda a administração episcopal lhe ficou pertencendo, passando o governo eclesiástico a d. Pedro Leitão em 1557, e por falecimento deste bispo passou a Sé episcopal a fr. Antonio Barreiros.

As grandes distâncias motivaram a tardança dos recursos aos negócios espirituais, e por isso o papa Gregório XIII, por bula de 19 de julho de 1576, criou, no Rio de Janeiro, uma simples prelazia, com jurisdição ordinária, mas com subordinação ao bispo da Bahia, sendo o 1º prelado o padre Bartholomeu Simões Pereira, cuja jurisdição se estancia para as igrejas do Sul, e para onde ia apenas em visita, até que, por bula de 16 de novembro de 1676, foi o bispado da Bahia à categoria de arcebispado metropolitano, e a prelazia do Rio de Janeiro elevada a bispado, sendo o seu primeiro bispo d. fr. Manoel Pereira, que resignou, passando a nomeação a d. José de Barros e Alorcão, que tomou posse do bispado em 13 de julho de 1682, e faleceu em 6 de abril de 1700, com testamento, do qual tenho eu uma cópia, com a elevação da prelazia do Rio de Janeiro, e o bispado ficou em território da capitania de S. Vicente, pertencendo à jurisdição do bispo do Rio de Janeiro.

LXVIII – O padre Affonso Braz, jesuíta, que veio ao Brasil na segunda expedição, destinado à catequese da capitania do Espírito Santo, passou por Porto Seguro, e saindo dele no dia 22 de março de 1551, chegou ao seu destino, onde pregou e confessou; e depois da Páscoa, construiu uma pobre casa coberta de palha, e sem paredes, onde vivia, e deu começo à construção de uma ermida, e sendo substituído em 1553 pelo padre Braz Lourenço, que continuou na propagação da fé, e aconselhou ao donatário a convidar o chefe índio, Maracaia-guassú, da nação temiminó, que tão proveitoso foi aos portugueses, na conquista do Rio de Janeiro.

LXIX – Foi o jesuíta Affonso Braz que deu princípio à fundação do colégio dos jesuítas em 1551, principiando a missão que ali começou.

LXX – A vila na embocadura do Rio Insuacome se despovoou em 1564, pelas perseguições dos Aimorés.

LXXI – A desgraça de Francisco Pereira Coutinho foi em 1546 ou 1547.

LXXII – O primeiro vigário que houve na cidade da Bahia foi o padre Manoel da Nóbrega, e seu colega, obrigado a exercer o ministério de cura episcopal dos habitantes, pelo governador Tomé de Souza e pelo povo, por não haver por esse tempo sacerdote do hábito de S. Pedro.

LXXIII – No campo de Piratininga, diz fr. Gaspar da Madre de Deus, só residida João Ramalho, sua mulher d. Isabel, filha de Tebyriçá, e mais família, no lugar onde está a fazenda de S. Bernardo, antes chamada Bartirá, pertencente ao mosteiro de S. Bento; então estava a sua povoação habitada de índios, escravos e agregados, do mesmo João Ramalho, e logo que d. Anna Pimentel permitiu aos portugueses subirem a serra, e entrarem no campo de Piratininga, a povoação cresceu, e em 1553, indo Thomé de Souza, o 1º governador geral, a S. Vicente, ordenou que se criasse vila, a povoação de João Ramalho, logo que se fizessem trincheiras, baluartes, igreja, cadeia e mais obras públicas necessárias, a que João Ramalho deu cumprimento, à sua custa; e quando estava tudo concluído, o capitão-mor Antonio de Oliveira, lugar-tenente de Martim Afonso, acompanhado de Braz Cubas, do provedor da Fazenda, indo à povoação de Ramalho, no dia 8 de abril de 1553, levantou pelourinho, e em nome de Martim Afonso, constituiu a povoação de Ramalho, em vila com a denominação de Vila de Santo André, nomeando alcaide-mor dela o mencionado João Ramalho, que já exercia o cargo de guarda-mor do campo de Piratininga.

LXXIV – A introdução de africanos na Bahia, parece-me que foi pouco depois da fundação da cidade, porque os cronistas do tempo dizem que a cidade foi enobrecendo e com os escravos de Guiné.

LXXV – Os jesuítas que chegaram no dia 28 de março de 1549 à Bahia com Tomé de Souza, não se limitaram a esta cidade somente, porque o padre Manuel da Nóbrega, superior de todos eles, mandou em novembro do mesmo ano o padre Leonardo Nunes fundar colégio, e depois de preparar os ânimos, foi à aldeia de Piratininga pedir aos índios os filhos, para os doutrinar, com os brancos, na fé cristã, e o conseguindo, abriu seminário junto do colégio de S. Vicente; e Nóbrega, indo em visita a S. Vicente, ordenou que o colégio se mudasse da vila de S. Vicente para o campo de Piratininga, ficando a casa antiga da vila para os religiosos, que tinham de socorrer aos cristãos da marinha.

Escolhido o sítio, três léguas distante da vila de Santo André, em uma eminência, entre o Rio Tamanduateí e o Ribeiro Anhangabaú, e aí se fundaram, e para segurança, aconselharam a Martim Afonso Tebyriçá, e ao velho Cay-Ubi, que transferissem suas residências para junto do colégio que iam fundar, no que foram satisfeitos, indo Tebyriçá fazer suas casas onde está hoje o mosteiro de S. Bento, seguindo-se os demais índios da obediência de Tebyriçá, fundaram nova aldeia, no terreno onde hoje está assentada a cidade de S. Paulo, e pelo que ficou deserta a antiga aldeia de Piratininga.

No fim do ano de 1553, chegaram à nova povoação quatorze jesuítas, subordinados ao padre Manuel de Paiva, e deram começo à nova casa, ajudados por Tebyriçá, contígua a uma igreja que fizeram, que tomou por orago o apóstolo S. Paulo, por ter sido no dia 25 de janeiro de 1554 dita nela a primeira missa.

A presença dos jesuítas, de Tebyriçá e do velho Cay-Ubi atraiu para a povoação de S. Paulo muitos índios, contra a vontade de João Ramalho, e por fim os padres jesuítas persuadiram ao governador geral a conveniência de mudar o pelourinho da vila de Santo André, e dar à povoação de S. Paulo o foro de vila, o que teve lugar em 1560, quando Mem de Sá, depois que expulsou os franceses do Rio de Janeiro, foi a S. Vicente, e pelo que ficou a nova vila com o título de vila de S. Paulo de Piratininga.

LXXVI – Na terça-feira, 2 de janeiro de 1554, das 3 para as 4 horas da tarde, faleceu com dezesseis anos o príncipe d. João, filho de el-rei d. João III, e d. Catharina, casado, com pouco mais de um ano, com d. Joanna, filha do imperador Carlos V, que ficando grávida deu à luz a d. Sebastião, que foi depois rei de Portugal.

LXXVII – No dia 7 de agosto de 1554, falece em Olinda o donatário de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira, sendo sepultado na igreja matriz da mesma povoação.

LXXVIII – A fundação do colégio de S. Paulo começou em janeiro de 1554 e foram os seus fundadores o padre Manoel de Paiva, superior, José de Anchieta, Gregorio Serrão, Affonso Braz, Diogo Jacome, Leonardo do Valle, Gaspar Lourenço, Vicente Rodrigues, Braz Lourenço, Pedro Corrêa, Manoel de Chaves, e os leigos, João Gonçalves e Antonio Blasques.

Da fundação deste colégio se originou a cidade de S. Paulo.

LXXIX – Em todo o Brasil, no ano de 1555 achavam-se 26 sujeitos da Companhia de Jesus, a saber: 4 na Bahia, 2 em Porto Seguro, 2 no Espírito Santo, 5 em S. Vicente; e 13 em Piratininga. Residiam ainda na Bahia os padres Luiz da Gram e Manoel da Nóbrega. Desse ano em diante foi crescendo o número dos padres, e de irmãos, e com eles a enorme riqueza que chegaram a possuir.

LXXX – Na casa da capitania do Espírito Santo, fundada pelo padre Affonso Braz, permanecia o padre Braz Lourenço, na conversão dos índios; e sabendo que no Rio de Janeiro as duas nações, tamoios e temiminós, se dilaceravam na guerra, com permissão do padre Luiz da Gram tratou com o donatário da capitania do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho, para acolher em suas terras ao índio Maracayá-guassú (grande gato), chefe dos temiminós, que estava mais enfraquecido.

O padre Affonso Braz mandou-lhe embaixador, propor-lhe a oferta com muita cortesia, e lealdade de intenções; o chefe Maracajú guassú (grande gato) aceitou a oferta, e Vasco Fernandes Coutinho, mandando-lhe embarcações, veio ele com todos os seus vassalos para a capitania do Espírito Santo, onde se estabeleceram, e se tornaram cristãos e amigos dos portugueses.

A notícia deste acontecimento, correndo pelos sertões, fez vir muitas aldeias, e entre elas a de que era chefe o famoso Pirá-Obyg (peixe verde), que, formando na capitania do Espírito Santo populosas aldeias, mais tarde, 1560 a 1567, serviram de poderosos auxiliares a Mem de Sá e a Estácio de Sá para lançarem do Rio de Janeiro os franceses que se haviam estabelecido e fortificado na baía de Niterói.

LXXXI – No ano de 1555, desabou sobre S. Vicente, Piratininga e outros lugares de S. Paulo tão grande e desusada tormenta, ao por do sol, de que não havia memória mesmo entre os índios, com vento rijo e chuvas, seguida de medonhos trovões, grande quantidade de raios, tremor de terra horrível, que parecia desconcerto na máquina do mundo, cuja violência levava pelos ares casas e árvores, e os próprios homens, dos quais muitos pereceram.

LXXXII – Depois que Duarte Coelho Pereira, donatário de Pernambuco, fundou a vila de Olinda, e bateu os caetés, indo correr a costa do Sul, em 1555, com o pensamento de fundar povoações, com pessoal da sua colônia, entrando pelo Rio Manguaba, a seis léguas do mar (Porto Calvo), deixou colonos, para núcleo de povoação, e seguindo para o Sul, entrou na barra das Lagoas, e na margem ocidental da gran Lagoa Paraigera (Lagoa do Sul), deixou casais de colonos, para começo de povoação.

Satisfeito com a natureza das localidades, quis chegar aos limites da sua doação, seguiu para o Sul, e entrando pelo Rio S. Francisco, conhecido dos caetés, pela denominação de Parápitinga, descoberto no dia 4 de outubro de 1501, a oito léguas acima da embocadura da costa do mar, próximo a um penedo, colocado à margem esquerda do rio, fez desembarcar alguns colonos com suas famílias, para começo da povoação. Estes colonos, não sendo bem aceitos pelos índios, estiveram em lutas contínuas até 1560, em cujo ano Duarte Coelho de Albuquerque e seu irmão Jorge de Albuquerque, filhos do primeiro donatário, Duarte Coelho Pereira, aquietou os índios, fazendo pazes com eles.

A povoação, quer do Penedo, Alagoas e Porto Calvo, era esparsa e sem regularidade, e as casas umas cobertas de palha, e poucas de telha, e de taipa e de pau-a-pique. A povoação foi progredindo em modo que, em 12 de abril de 1636, Duarte de Albuquerque Coelho, quarto donatário, elevou a povoação do Penedo à nobreza de vila, com a denominação de vila de S. Francisco. A sua primeira igreja foi uma capela, levantada por Christovão de Barros em 1603, com a invocação de Santo Antonio, que, caindo mais tarde, foi construída a igreja matriz de N. S. do Rosário. A mais antiga rua da cidade do Penedo é a do Sol, onde, por ordem de Duarte Coelho Pereira, se edificaram as primeiras casas.

Em setembro de 1686, era conhecida a vila do Penedo, nos documentos públicos, por vila do Rio de S. Francisco, termo do Penedo, e em outros documentos, por vila do Penedo do Rio S. Francisco; e de 1704 em diante, ficou a povoação de S. Francisco com a denominação genérica de vila do Penedo. Em 12 de fevereiro de 1732, a câmara do Penedo pediu a el-rei lhe concedesse os mesmos privilégios que tinha a câmara de Olinda, alegando para este fim os serviços da população feitos contra os indígenas, nas guerras dos holandeses, na destruição dos Palmares, e na pontualidade das contribuições para os dotes e chapins das princesas reais. A vila do Penedo, por seu comércio e agricultura, beleza da localidade e magnificência de seus templos, tornou-se importantíssima, e foi elevada a cidade, pela lei provincial de 18 de abril de 1842.

Nas épocas apropriadas, falarei da fundação dos seus edifícios, e para os demais detalhes envio o leitor a Chronica do Penedo, escrita pelo dr. Prospero J. da Silva Coroatá, publicada na Revista do Instituto Archiologico e Geographico Alagoano, e para os numerosos documentos inéditos que possuo anexos à exposição feita, pela câmara da vila do Penedo em 30 de dezembro de 1817.

LXXXIII – Vasco Fernandes Coutinho, tendo necessidade de retirar-se para Portugal, deixou na governança da capitania do Espírito Santo a d. Jorge de Menezes, e não procedendo bem com os índios, principalmente os tupiniquins, deram tão extraordinários ataques às povoações que destruíram e queimaram os engenhos e fazendas, matando aos que encontravam, sendo nesse número de mortos d. Jorge e d. Simão Castello Branco que lhe sucedeu no governo da capitania em modo a ficar despovoada a vila do Espírito Santo.

LXXXIV – No 1º de janeiro de 1556, o padre Manuel da Nóbrega, com conselho do padre Luiz da Gram, e mais adjuntos seus, formaram um perfeito colégio de instrução para os filhos dos índios, em Piratininga, já tendo antes acabado as casas, e igreja de taipa de pilão, ajudados com o trabalho dos estudantes, que traziam às costas os cestos de terra, e potes de água para as obras, nos intervalos dos estudos, sendo mestre das obras o padre Affonso Braz, tanto de taipa como de carpintaria.

Neste colégio, que foi o primeiro que teve o Brasil, os jesuítas ensinavam, aos filhos dos índios e aos dos portugueses, a doutrina, a ler e escrever, a contar, e gramática portuguesa, latina, e a tradução dos clássicos latinos. A presença desse colégio, criado pelos jesuítas em S. Paulo, me daria largas para muitas considerações, se o plano do meu escrito me permitisse a largueza, o que poderá fazer o historiador que depois de mim se encarregar da história filosófica do Brasil.

LXXXV – Faleceu o padre Ignacio de Loyola ao nascer do sol de sexta-feira de 31 de julho de 1556, de idade de sessenta e cinco anos, e dezesseis depois de fundar a companhia; e foi eleito geral da ordem o padre Diogo Laines, e por esse tempo quarenta jesuítas vieram ao Brasil com d. Simão de Castello Branco e d. Jorge de Menezes, fora dois fidalgos que vieram com Vasco Fernandes Coutinho, cumprir degredo.

D. Jorge morreu combatendo com os indígenas, sucedendo-lhe Castello-Branco, veio Fernando de Sá e foi morto.

LXXXVI – A 1ª aldeia que os jesuítas estabeleceram na Bahia foi junto ao Rio Vermelho, e nela ficaram os padres Antonio Rodrigues e Leonardo do Valle, ambos bons línguas dos índios selvagens.

A 2ª aldeia, de S. Sebastião, a meia légua da cidade, e a ela uniram outra, intitulada aldeia de S. Thiago.

A 3ª aldeia foi a do Espírito Santo, junto a Pirajá. Nesta aldeia foi tão manifesto o progresso, que foi nomeado um principal chamado Garcia de Sá para pregar a fé entre os seus, visto ser ele mui eloquente e facundo.

A 4ª aldeia foi a de S. João, no sítio que depois veio a chamar-se Tapira de Bayrangoaba. Entre todas estas aldeias esteve o padre Manoel da Nóbrega, e muitos irmãos doutrinando os índios, ensinando-lhes a ler, escrever, contar, e a doutrina cristã, com toda a perfeição.

Os jesuítas aproveitavam a docilidade e brandura dos índios, para tirar todo o partido em proveito da civilização deles, ocupando-os nas horas que não eram consagradas ao descanso do corpo, e do espírito, em outros trabalhos de utilidade manifesta.

LXXXVII – D. Duarte da Costa muito se empregou na guerra dos índios pelo descontentamento destes, que não podiam tolerar o despotismo dos portugueses, que se iam fazendo senhores das terras do sertão. Os tupinambás, confederando-se com os tapuios, procuraram assaltar as povoações portuguesas, e Duarte da Costa, tendo por injuriosa a rebeldia dos índios, mandou fazer a guerra, e com toda a prudência, pondo à frente dela seu filho o capitão Alvaro da Costa. Sendo os selvagens em grande número, o governador usou de um engano depois que os enfraquecendo em maio de 1556, venceu os índios, matando a muitos e cativando a outros, e fugindo espavoridos os demais.

LXXXVIII – A Ilha do Medo, na Baía de Todos os Santos, foi assim chamada porque os índios que nela habitavam se escondiam por detrás das árvores, que a circundavam, para de improviso caírem sobre as canoas inimigas, que se aproximavam dela. Esta ilha teve vários moradores, que viviam da lavoura (vide a posição desta ilha no mapa hidrográfico, que levantei e publiquei na minha obra o Brazil Reino e o Brazil Imperio, 1871).

LXXXIX – Conta o padre Simão de Vasconcellos existir um homem natural de Bengala, que tinha vivido trezentos e trinta e cinco anos, e conservava fresca a memória dos sucessos da antiguidade que vivera: quatro ou cinco vezes mudara os dentes, e outras tantas vezes se vestira de cãs e tomara o vigor de mancebo. Seguia a religião de Maomé, e tinha um filho de noventa anos, outro de doze, vivia de esmolas, e pedia a confirmação do lugar de governador que se lhe concedeu pela sua prodigiosa duração.

XC – Mendo de Sá Barreto, filho de Gonçalo Mendes de Sá, e irmão do célebre poeta dr. Francisco de Sá de Miranda, sendo nomeado governador geral do Brasil em 23 de julho de 1556, veio tomar posse em 1858, e governou o estado até 1572, em que faleceu e se acha sepultado acima do arco cruzeiro da igreja do Colégio de Jesus, na cidade da Bahia.

No seu governo foi criada a irmandade da Misericórdia, tendo começo a igreja do mesmo instituto. São continuadas as ruas, e Mem de Sá se emprega por toda a parte, em proveito do Brasil, como veremos em muitos lugares.

XCI – Fr. Pedro Palacios, leigo castelhano, passou-se para o Brasil em 1558, e fundou a capela de Nossa Senhora da Penna ou da Penha, na capitania do Espírito Santo, e faleceu no dia 2 de maio de 1570.

A capela foi doada ao convento de Santo Antonio do Rio de Janeiro em 1591, sendo acrescentada em 1637.

XCII – O capitão-mor Mem de Sá -3º governador geral do Brasil desde 1558, que tomou conta do governo geral do país até o dia 2 de março de 1572, em que, por desgostos, faleceu na Bahia, e se acha sepultado acima do arco cruzeiro da igreja do Colégio de Jesus na mesma cidade – foi sem contestação o mais benemérito governador que teve o Brasil, porque era excelente administrador e ótimo cidadão, ao mesmo tempo que cuidava em desenvolver os recursos naturais, aproveitar as forças vivas do solo, promovendo a agricultura, introduzindo as artes, chamando para aqui a colonização, batendo e expelindo os estrangeiros à viva força de armas, como fez, expulsando os franceses do Rio de Janeiro, em cuja enseada fundou a cidade de S. Sebastião, hoje capital do Império brasileiro, expeliu os aventureiros piratas que infestavam as costas marítimas do Brasil.

Cuidou com mui interesse na civilização dos índios, na extinção do uso de comerem carne humana, e convidando os índios aos trabalhos agrícolas, cuidou em aldeá-los, a fim de que tomassem os hábitos da vida doméstica e social, servindo-se para o seu empenho das luzes civilizadoras do Evangelho de Cristo, sendo os seus principais agentes os padres jesuítas, que cuidavam da educação dos filhos dos índios, ensinando-lhes a ler, escrever, contar, a doutrina cristã e até a música, e ofícios mecânicos.

Mem de Sá, para melhor desempenho do progresso da Bahia, também se afazendou, mandando levantar os engenhos de Morapi, e o de Sergipe do Conde, que passaram à sua filha d. Felippa de Sá, que se casou com d. Antonio de Noronha, conde de Linhares. Velho, cansado do muito trabalho, e desgostoso, por não ter o verdadeiro reconhecimento da coroa, depois de fazer testamento faleceu, legando a terça parte de seus bens à Santa Casa da Misericórdia da Bahia, consistentes em um engenho e terras ou fazenda em Sergipe do Conde. (Vide o Tombo da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, organizado pelo inteligente Antonio Joaquim Damasio).

Mem de Sá era homem de grande coração, bom cristão, mui prudente, brando e benigno para todos, literato, e muito experimentado tanto na guerra como na paz. Logo que chegou à Bahia foi residir em um cubículo do colégio dos padres da companhia, onde se entregava aos ofícios divinos; em tudo consultava ao padre Nóbrega, e sem a opinião do padre nada fazia. Principiou a cuidar dos índios, e a mandar construir igrejas, e proibir antropofagia.

Havendo um índio principal chamado Cururupeba (sapo falador), que se não queria domar, mandou sobre ele, e apesar de ser homem de grande força, foi agarrado e posto a ferros. Correu a notícia entre os demais chefes do sucedido a Cururupeba, e ao medo de igual castigo submeteram-se.

Nas margens do Rio Paraguaçu havia para mais de trezentas aldeias de índios bravios e ferozes, e havendo irresolução neles de obediência, Mem de Sá, com força suficiente, acompanhado do padre Rodrigues, bom língua, dando sobre eles os venceu.

XCIII – Fr. Pedro Palacios, religioso leigo, da província da Arrabida em Portugal, chegou à capitania do Espírito Santo em 1558, e fundou o Passo de N. S. da Penna ou da Penha, e gastando ali dezessete anos em doutrinar os índios, faleceu no dia 2 de maio de 1575 coma presunção de santo entre o povo. Tomou conta da ermida, que ele tinha edificado, fr. Nicoláo Affonso, que com o adjutório de Amador Gomes e Braz Pires foi melhorada, merecendo grande concorrência de fiéis.

XCIV – D. Pedro Leitão – chegando a Portugal a notícia tristíssima da desgraçada sorte do bispo d. Pedro Fernandes Sardinha e de seus companheiros de viagem, foi nomeado d. Pedro Leitão, presbítero secular, para o substituir, sendo confirmada a sua nomeação pelo papa Paulo IV. Partindo de Lisboa em outubro de 1559, chegou à Bahia, e tomou posse da diocese a 9 de dezembro do mesmo ano.

Solícito no bem espiritual dos povos, andando em visita pelo Rio de S. Francisco, e pela capitania de Ilhéus e Porto Seguro, promoveu a caquetese dos índios. Foi ele quem deu ordens sacras ao venerável jesuíta padre José de Anchieta. Durante o seu governo se povoou a famosa ilha de Itaparica no ano de 1561, e se fundaram onze aldeias com suas igrejas.

Sendo muito amigo do governador Mem de Sá, o acompanhou em novembro de 1536 [2] ao Rio de Janeiro, quando veio ajudar a seu sobrinho Estácio de Sá, a expulsar os franceses, que se haviam apoderado dele. Isto feito, o bispo Leitão aproveitou o ensejo para criar a primeira freguesia que houve no Rio de Janeiro, a qual denominou de S. Sebastião, na igreja que Salvador Corrêa de Sá tinha construído no Castello.

Com o correr do tempo, tendo Antonio Martins da Palma e sua mulher Leonor Gonçalves construído a capela de Nossa Senhora da Candelária, com o crescimento da povoação foi dividida em 1600 a freguesia de S. Sebastião do Castello em duas, ficando a cidade com a freguesia de S. Sebastião e a da Candelária, que foram as primeiras do Rio de Janeiro.

O bispo d. Pedro Leitão morreu na Bahia, e foi sepultado na capela de Nossa Senhora do Amparo da Sé, que então serviu ao Sacramento. Seus ossos foram trasladados para Portugal alguns anos depois.

XCV – Afirma Gabriel Soares que, entre o Rio Jacuípe e Arembepe, se despedaçou, em uma laje, em virtude de um temporal, a nau Santa Clara, que ia para a Índia comandada pelo capitão Luiz Alter de Andrade, em cujo desastre morreram afogadas para mais de trezentas pessoas.

XCVI – Para o interior, tinham os jesuítas duas aldeias de índios forros, tupinambás, que doutrinavam, sendo uma com a invocação de Santo Antonio, e a outra de S. João; com grandes igrejas, e já mui povoadas de moradores, e com currais de gado. Creio que a aldeia de S. João depois se converteu em vila, com a denominação de vila da Mata de S. João.

XCVII – Muito acima da embocadura do Rio Theca, fundaram os espanhóis a importante povoação denominada Vila Rica, que foi destruída pelos paulistas na mesma ocasião em que demoliram a Cidade Real, que comunicava com ela por um caminho. O território onde foram assentadas as povoações espanholas, nos distritos do Paraná e Guaíra, é fertilíssimo.

Os paulistas, que odiavam o domínio dos Felipes, que oprimia as possessões portuguesas, formaram uma concordata secreta, para destruírem as fundações espanholas ao poente do Rio Paraguai, e em 1631, em número de oitocentos homens, marcharam pelos sertões, atravessando os rios Paranapanema e o Tibagi, e de improviso caíram sobre Vila Rica e Cidade Real, e destruíram tudo; bem como a vila de Xerez, perto das cabeceiras do Rio Mondego, e mais trinta e duas aldeias, que formavam três pequenas províncias. Os paulistas nada mais trouxeram que um sino por troféu de suas vitórias (Ayres do Cazal).

XCVIII – Duarte Coelho Pereira achou grande resistência nos índios habitadores do litoral e sertões de Pernambuco, pelo que matou infinidade de índios, sendo a primeira nação dos tabajaras, a que se acomodou em pouco tempo com os portugueses, seguindo-se os patiguaras, tapuias e outros.

Os Tabayaras tinham por chefe o valente e destemido Tabyra, com cuja filha se casou Jeronymo de Albuquerque, e acabou o temor dos que eram inimigos dos portugueses. Sendo desafiado por chefes de outras nações, e vendo o grande número de índios que o vinham bater, animando o seus, e mostrando-lhes os triunfos passados, e a frente dos seus guerreiros, e dando-lhes batalha, os acometeu com tanto ímpeto, que os põem por terra, apesar do número excessivo de inimigos, e sendo ferido em um olho arranca a flecha, e com ela o olho, e pondo uma erva sobre a ferida estanca o sangue, e prosseguindo na guerra e antes do por do sol, conseguiu a vitória.

Igual valor nesse combate tiveram os célebres índios Piragibá (braço de peixe) e Itagibá (braço de ferro) e outros índios Tabayaras.

XCIX – A primeira rua onde se estabeleceram as primeiras lojas de fazendas e miudezas, tabernas e lojas de ferragens, parece-me que foi a Rua da Ajuda, de 1560 em diante, porque até o tempo de d. Duarte da Costa (1559) não havendo mercadores na Bahia, el-rei era quem fazia as remessas de tudo, para se vender aos moradores pelo mesmo preço que em Lisboa.

A primeira remessa foi pelo Galeso, de que era comandante Simão da Gama.

A segunda foi pela esquadra que trouxe os primeiros fornecimentos de todos os gêneros a de que era comandante Antonio de Oliveira, e trazia algumas moças órfãs mui recomendadas pela rainha d. Catharina, para o governador as casar com as principais pessoas da cidade, dando-lhes em dote os ofícios de Justiça e Fazenda.

Durante o governo desses dois primeiros governadores, a coroa de Portugal anualmente enviava para a Bahia uma armada com provisões de tudo, e de mercancias para se venderem aos moradores com gente voluntária, mais órfãs e degredados. Os sobejos da Bahia passavam a ser vendidos nas demais capitanias.

A Duarte da Costa sucedeu Mem de Sá em 1558, que governou quatorze anos, com grande proveito das capitanias.

C – Vasco Fernandes Coutinho, capitão e governador da capitania do Espírito Santo, fundador da vila do mesmo nome, de um forte e um engenho, desejoso de aumentar a sua colônia, voltou a Portugal e encarregou do governo dela a d. Jorge de Menezes, mas durante a sua ausência, confederados os índios tupiniquins, com os goitacazes, atacaram os colonos, com o fim de os expulsar de suas terras.

Por esse tempo (1551), chegou o jesuíta Affonso Braz, à vila do Espírito Santo; não obstante, continuaram os índios a inquietar os colonos e a destruir-lhes as plantações. D. Jorge de Menezes, sendo morto pelos índios, passou a administração da capitania a d. Simão Castello Branco, que igualmente foi morto, em um ataque, pelos selvagens, retirando-se os colonos para o Norte da capitania, e se estabeleceram na margem do Rio Cricoré, depois S. Matheus. O donatário é chamado, e acha a colônia deserta, e neste estado, pede socorro a Mem de Sá, que lho envia, tendo à frente seu filho Fernando de Sá, o qual, batendo os selvagens, foi morto em combate por uma flechada. Com esta vitória, ficou a colônia sossegada.

Vasco Fernandes Coutinho, tendo esgotado toda a sua fortuna, com a sua capitania, achando-se velho, doente e pobríssimo, renuncia em sua alteza, à capitania que lhe dera; e pelo que Mem de Sá, em 3 de agosto de 1560, o acreditando em seu nome, nomeia capitão dela a Belchior de Azevedo, cavaleiro da casa real, por ser advogado do povo, podendo ele usar de todos os poderes e jurisdição que tinha Vasco Fernandes Coutinho, havendo os prós e percalços do dito ofício, enquanto servir o dito cargo, guardando em todo o serviço de Deus, e o de Sua Alteza, e o direito das partes.

Vasco Fernandes Coutinho faleceu na capitania do Espírito Santo em 1561; e Belchior de Azevedo, tomando posse do governo da capitania, no dia 16 de outubro de 1561, serviu até 1563. Durante o seu governo, bateu por duas vezes as agressões dos franceses, sendo logo depois nomeado provedor da Fazenda Real, e dos defuntos.

[...]


[2] Vide Chorogr. Hist., tomo 1º da 2ª parte, 334.