CÂMARA
E AGENDA 21 REGIONAL - PARTE II - Capítulo 4 (cont.)
Sílvia
de Castro Bacellar do Carmo
4.3 - Avaliação
das experiências na construção de Agendas 21 Locais
4.3.1 -
Agenda 21 do Município de Itanhaém
A
descrição do processo de construção da Agenda
21 de Itanhaém evidencia que na realidade o município
não possui uma Agenda 21 Local. Apesar do processo ter sido
iniciado, teve uma curta duração, pouco se avançou,
e nada produziu.
Fica claro
que o objetivo não era o de buscar junto à comunidade, suas
dificuldades e anseios, construindo assim em conjunto, o cenário
de cidade sustentável desejada, dentro das diretrizes formuladas
pela Agenda 21 Global, mas o de desenvolver programas instituídos
pelas diversas Secretarias Municipais, programas estes elaborados dentro
de uma visão considerada adequada ao desenvolvimento sustentável,
buscando-se o respaldo da população em seminários
programados.
A documentação
de todo o processo é bastante deficitária. Não existem
registros oficiais das reuniões do Grupo de Trabalho, assim como
de conclusões sobre o único seminário realizado.
O processo
foi interrompido na mesma gestão administrativa que o iniciou, em
um espaço de tempo inferior a um ano. Este dado remete à
constatação anterior da falta de documentação.
Fica a dúvida sobre o por quê da paralisação
que não pode ser respondida nem por eventuais informações
verbais, devido à mudança de administração
na gestão seguinte, com a alteração do efetivo municipal.
Observa-se
que apesar de não seguir as recomendações do MMA para
a construção do processo, e não ter havido uma continuidade,
pelo menos houve o interesse da municipalidade em adequar as políticas
públicas aos parâmetros da sustentabilidade.
4.3.2 -
Agenda 21 do Município de Santos
Ao se engajar
no Programa de Comunidades Modelo (PCM), a Prefeitura do Município
de Santos, atendendo às diretrizes do capítulo 28 da Agenda
21 Global – Iniciativas das Autoridades Locais em Apoio à Agenda
21, onde constam as recomendações a serem estabelecidas
sobre as práticas consensuais para a implementação
da Agenda 21 em suas respectivas localidades, desenvolveu uma ampla
consulta à sociedade, dando oportunidades de discussões tanto
aos grupos majoritários e tradicionais, como também aos grupos
normalmente marginalizados em processos de decisões.
Foram emitidos
convites para as diversas organizações existentes na cidade,
com o intuito de inserir no processo o maior número possível
de atores sociais, de forma heterogênea. Houve a preocupação
de agendar os eventos em datas, horários e locais que propiciassem
a presença de todos. Procurou-se o apoio da imprensa para a divulgação
inicial dos encontros e debates. Estes fatos podem ser considerados positivos
dentro do contexto geral do processo.
A análise
dos componentes do Grupo de Sustentação e da Equipe de Projeto
aponta para características importantes do processo:
Para
compor a Equipe de Projeto, que tinha um caráter deliberativo e,
portanto, representava o poder de decisão das ações,
só foram chamados funcionários das Secretarias Municipais,
mais especificadamente, em um primeiro momento, os coordenadores de projetos
que tivessem sido apresentados nos seminários da primeira fase do
processo. Posteriormente, por recomendação da coordenação
geral do ICLEI, foram convocados representantes das demais Secretarias
e autarquias. Representantes da sociedade civil só receberam convites
para participação em reuniões esporádicas.
Esta exclusão
dos representantes da sociedade civil na finalização do processo
decisório foi constatado pela coordenação do ICLEI
através dos relatórios de análise enviados pela pesquisadora
local a cada três meses, e resultou na recomendação
de inclusão de participantes do Grupo de Sustentação.
Porém, quando convidados para compor a equipe, de maneira voluntária,
somente três pessoas se apresentaram, demonstrando a falta de interesse
ou o deslocamento na atividade devido a desvantagem em termos quantitativos.
Em
relação ao Grupo de Sustentação, deu-se a oportunidade
de inserção, através de inscrições,
a todos os participantes dos seminários. Obteve-se o interesse de
onze organizações, que totalizaram a adesão de 76
munícipes. Considerando uma população de aproximadamente
415.000 habitantes, este número é considerado extremamente
baixo, demonstrando ausência de interesse real, por parte da comunidade,
em atuar nos programas municipais participativos.
Apesar do grupo
ser heterogêneo, faltaram representantes de comunidades específicas
e importantes dentro das características da cidade, como atores
do setor portuário, turístico e pesqueiro. O pouco comparecimento
às reuniões evidenciou que o comprometimento era ainda em
menor grau, pois em nenhuma das reuniões houve a presença
de mais de 50% dos componentes.
A descontinuidade
do processo pode ser atribuída, em parte, à falta de organização
da equipe coordenadora que iniciou o PCM, no que se refere em elaborar
um cadastro (devidamente atualizado periodicamente), das organizações
existentes no município, assim como em atentar ao retorno de interesse
da comunidade durante a elaboração dos trabalhos, o que pode
ser feito através de aferições de presenças
espontâneas e das solicitadas, com posterior análise e ações.
A falta de
divulgação na mídia, escrita e falada, sobre a evolução
dos trabalhos, com esclarecimentos quanto às metas propostas e o
efetivamente alcançado, pode ser considerada como um dos fatores
que faltou na composição; poderia ter conseguido a adesão
de munícipes ou outros grupos no decorrer do processo.
Em relação
à participação da sociedade civil organizada, destacam-se
3 pontos:
Anteriormente
ao inicio do processo de conscientização da população
para a Agenda 21 Local já existiam várias organizações
da sociedade civil engajadas na busca de soluções para os
problemas da cidade, incluindo aqui os grupos do 3º setor.
As
atas de reuniões do período em que o ICLEI estava promovendo
o PCM mostram uma variedade de grupos distintos e heterogêneos. Porém,
esta participação foi sazonal por parte da maioria dos grupos.
Poucos se mantiveram presentes do começo ao final do processo.
Do
ano de 1997, quando houve a paralisação do processo junto
à sociedade, até a data atual, alguns grupos se desfizeram
ou foram privados de alguns dos membros. Outros foram criados, passando
a atuar em fases posteriores da Agenda 21 Local.
A dificuldade
financeira, por que passam várias dessas organizações,
não permitiu que muitos mantivessem endereços fixos por muito
tempo, ou tenham páginas próprias no serviço de Internet,
desfavorecendo possíveis contatos ou engajamento de mais pessoas.
Muitos dos nomes inseridos nas documentações oficiais não
foram localizados, e em algumas outras equipes não foi encontrado
alguém que tivesse feito parte efetiva processo.
Considerando-se
o exposto, conclui-se na dificuldade de se reunir grupos ou pessoas diversas,
com interesses específicos, em torno de um objetivo comum, de uma
forma assídua e com verdadeiro comprometimento.
O fator político
é muito importante em vários aspectos. Houve uma troca de
partido da administração devido às eleições,
que afetou o andamento geral das atividades.As respostas oficiais do ICLEI
quando indagados a respeito do assunto, na fase anterior às eleições,
esclareceu que o compromisso do órgão era com a cidade, transcendendo
a administração da época.
Porém,
quando a nova equipe gestora assumiu o governo, o ICLEI não atuava
mais na Agenda 21 Local de Santos. A dissociação ocorreu
ainda na época das campanhas, quando os participantes que também
faziam parte do quadro político se desinteressaram pelo andamento
do projeto e não aceitaram o relatório apresentado sobre
a realidade dos acontecimentos.
Porém,
o comportamento da cidade, em relação a todos os segmentos
da sociedade, consistia num dado importante para a documentação
almejada. A desarticulação era apontada como característica
do país, podendo ser estendida para outras localidades brasileiras.
A nova representação
política não demonstrou interesse real pela continuidade
da produção da Agenda 21, como um documento de elaboração
contínua, dentro de um modelo participativo, que traduz planos de
ações para o alcance de metas esperadas pela comunidade.
Ficou demonstrado,
tanto na atuação da primeira administração
quanto na atual, que o papel do governo local é imprescindível
como indutor e facilitador do processo. A ausência de comprometimento
por parte do Poder Municipal inibe a formulação da Agenda
21 Local, mesmo quando há interesse por parte da comunidade.
Verificou-se
que em nenhuma das fases houve a presença ou a demonstração
de interesse por parte do órgão legislativo. Poderia ter
sido um fator auxiliar importante, no momento que viabilizasse a divulgação
dos interesses da sociedade a partir de discussões junto aos demais
vereadores, aventando-se até a possibilidade da apresentação
de projetos de lei sobre algumas das propostas a serem implantadas.
A participação
das ONGs também mostrou uma fragilidade de composição
interna das mesmas, e de integração com as demais organizações,
governamentais e não governamentais. Quando ficou determinada a
opção pela questão dos Resíduos Sólidos,
assunto que tratava de um interesse de toda a cidade, houve um esvaziamento
na participação da sociedade civil, com o afastamento de
grupos que não se integraram por considerar que o assunto estava
desvinculado de seus objetivos primordiais.
Constata-se
aqui que também não há por parte de muitas ONGs um
comprometimento com outras questões que não estejam diretamente
relacionadas aos seus próprios interesses, prejudicando uma integração
em benefício da sociedade como um todo.
A documentação
de todo o processo, isto é, reuniões, presenças, sugestões,
aprovações e indeferimentos, anteprojetos, projetos, diagnósticos,
desenvolvimento de programas é fundamental para o processo em si,
para a continuidade deste e para a troca de experiências na busca
do aperfeiçoamento.
É justificada
a posição do ICLEI em focalizar os esforços da documentação
para um só projeto, porque visava a um objetivo específico
do Programa Comunidades Modelo, que envolvia um universo muito maior. Porém,
deveria ter havido por parte da municipalidade e da comunidade um interesse
próprio no registro das ações e decisões, o
que teria evitado que muitos fatos e idéias se perdessem no tempo,
com enormes dificuldades para o resgate das mesmas.
A documentação
do processo, em todas as suas fases, tem como finalidade a verificação
dos caminhos trilhados e a reavaliação das metas traçadas,
servindo como base para novas tomadas de decisões, em fases mais
avançadas. Além disso, deve ser considerado o valor como
modelo, positivo ou negativo, que pode ser incorporado aos diversos documentos
elaborados, colaborando para o sucesso em outras municipalidades.
O sucesso da
experiência da cidade de Piracicaba descrita
no Capítulo 2 leva a fazer algumas comparações entre
os dois processos. Um dos primeiros aspectos que se destaca na comparação
entre os dois exemplos descritos é a organização:
enquanto Piracicaba praticamente cumpre todos os requisitos sugeridos pelo
ICLEI e pelo MMA, o município de Santos, mesmo com a ajuda técnica
disponibilizada pela instituição canadense, mostrou um processo
descontínuo, descompassado e desintegrado.
O aporte financeiro
por parte de um forte grupo empresarial em Piracicaba pode ser considerado
como um dos fatores preponderantes para o sucesso que a construção
da Agenda Local vem obtendo. Usa-se este termo com sentido de continuidade
porque fica claro no estudo do caso que Piracicaba realmente apreendeu
que a Agenda 21 Local é um processo contínuo e dinâmico.
O recurso financeiro
é um dos itens essenciais para a montagem de uma estrutura organizacional,
que poderá desenvolver os diversos trabalhados requeridos sem os
atropelos e desvantagens que a falta de um suporte financeiro propicia,
e o processo de Santos contou com aportes técnicos, mas não
monetários.
A real mobilização
da comunidade em todas as etapas seja como entidade jurídica ou
pessoa física, também é bastante relevante. Esta mobilização
é alcançada através da ampla divulgação
e da formação de agentes multiplicadores que trabalhem para
a adesão de novos membros ao processo. Somente uma ampla participação
retrata os verdadeiros cenários desejados para o município,
como uma expressão da maioria.
Em Piracicaba
também se pode verificar o envolvimento do poder público,
executivo e legislativo, que foi e continua sendo fundamental para o efetivo
sucesso da implementação dos diversos projetos almejados.
Generalizando para outros processos, considera-se que mesmo que não
componham o grupo inicial, suas presenças ativas em fases posteriores
permitem a viabilização da integração da comunidade
com seus representantes, resultando em melhorias para a administração
da cidade.
4.3.3 Agenda
21 Regional
A tentativa
de construção da Agenda 21 Regional não obteve
sucesso no período de tempo pesquisado. Porém, todo o processo
de reveste de relevância quando se considera o valor do aprendizado
conquistado frente às inúmeras dificuldades que se apresentaram
e às discussões desenvolvidas.
Durante todo
o transcorrer do processo foram realizadas várias tentativas de
sensibilização da comunidade e dos poderes públicos
através da realização de seminários. Estes
eventos iniciaram-se com um fator considerado primordial, que foi a divulgação
do conhecimento do que seria uma Agenda 21, e de experiências
de outras cidades brasileiras.
Mas, não
foram suficientes para agregar os executivos municipais, e estabelecer
parcerias ou patrocínios. Foram eventos que contaram com pouquíssima
divulgação, fato que aponta para a importância da inserção
dos meios de comunicação.
Esta experiência,
que se estendeu por dois anos e meio, construiu as bases para o início
de um efetivo processo através da formatação de documentos,
onde as etapas propostas contemplam um planejamento estratégico
e participativo.
Encontra-se
em sintonia com as recomendações do MMA quando dispõe
que para a definição de ações regionais em
busca de um desenvolvimento sustentável, seria necessário
primeiro um inventário sócio-ambiental da região e
um levantamento das necessidades expressas pela comunidade.
A Agenda
21 de Leicester também adotou, com sucesso, como uma de suas
metodologias, o levantamento das satisfações, insatisfações
e expectativas da comunidade. Porém, cabem duas ressalvas nesta
comparação:
a) não
foi a única metodologia empregada, tendo desenvolvido três
frentes de aquisição de dados;
b) enquanto
a população de Leicester era de 280.000 habitantes, a RMBS
possui um contingente cinco vezes maior, podendo-se dizer que o universo
trabalhado corresponderia à cidade de São Vicente ou a de
Guarujá, isoladamente.
Por outro ângulo,
verifica-se que não foram seguidas muitas das proposituras formuladas
pelo ICLEI a partir do resultado do PCM, como a inclusão de parcerias
multi-setoriais, e a identificação de recursos financeiros
logo ao início do processo, assim como o envolvimento dos líderes
políticos.
O grupo que
deu início ao processo era de fato diversificado, mas não
contemplava grande parte dos setores da sociedade regional como as associações
de bairro e de classe, representantes do porto, do setor pesqueiro, indústria
e comércio, universidades e escolas. A indecisão em se proceder
à inserção de novos interessados, junto à rígida
posição do grupo inicial, dificultou eventuais participações
que poderiam contribuir com o processo.
Outra característica
do trabalho desenvolvido por este grupo foi a falta de definição
de responsabilidades entre os membros, com o intuito de alavancar as ações.
O único comprometimento era o de comparecimento às reuniões,
sem nenhum tipo de ação externa programada, dependendo de
iniciativas individuais.
Nesta experiência
também se detectou o mesmo problema de Santos, no que se refere
à falta de registros das discussões, e organização
dos documentos. Com a paralisação dos trabalhos, os documentos
ficaram dispersos, visto nunca ter havido um local físico associado
ao processo, e pessoas responsáveis por esta função.
O quadro
4.3 apresentado a seguir, sistematiza os aspectos positivos e os negativos,
que foram observados no processo.
Aspectos
Positivos
|
Aspectos
Negativos
|
Participação
de setores de instituições estaduais e federais; Demonstração
de interesse por parte de diversas ONGs regionais em se agregar ao processo; Perseverança
por parte de muitos dos componentes do grupo original, em dar continuidade
ao processo; Formatação
de documentos de base; Proposta
em consonância com as diretrizes sustentáveis. |
Falta
de recursos financeiros; Desinteresse
dos executivos municipais em participar do processo; Falta
de apoio oficial dos governos estadual e federal; Divulgação
precária na mídia escrita e falada; Ausência
de infra-estrutura física referencial; Falta
de documentos e relatórios gerados com resoluções
tomadas; Ausência
das instituições metropolitanas: AGEM e CBH-BS; Falta
de embasamento teórico por parte de alguns membros; Fraco
comprometimento por parte de vários membros do grupo; Grupo
fechado. |
Quadro
4.3 - Facilidades e Dificuldades na Construção da Agenda
21 Metropolitana Elaboração:
a autora.
Conforme observado
no relato de construção deste processo, a pauta de diversas
reuniões versou sobre a falta de recursos financeiros para a viabilização
de ações efetivas. Este fator foi mais preponderante para
a estagnação dos trabalhos do que o desinteresse por parte
dos poderes públicos municipais. A experiências de Piracicaba
serve de suporte para esta afirmação, visto os representantes
do executivo e do legislativo só terem aderido ao processo posteriormente.
A ausência
de representantes da AGEM e do Comitê da Bacia Hidrográfica
da Baixada Santista pode ser considerada como uma perda de oportunidades
de agregar conhecimentos e forças de ação. Além
de serem instituições metropolitanas legalmente constituídas,
acumulam uma série de relatórios, estudos e levantamentos
sobre a região, fundamentais para a elaboração do
almejado diagnóstico situacional proposto pelo Grupo Gestor.
Interessante
observar que na experiência da Bacia Hidrográfica do Pirapama,
relatado anteriormente nesta pesquisa, a Agenda 21 foi decorrência
dos trabalhos desenvolvidos pelo Comitê da Bacia para a elaboração
do Plano de Desenvolvimento Sustentável. Este caso demonstra empiricamente
o alto vínculo entre a instituição Comitê
de Bacia e o instrumento Agenda 21 Local. |