"Aterramento no Brasil é
simplesmente aterrador"
Em certos casos, a segurança
seria maior sem os pára-raios incorretamente instalados
Embora
o Brasil seja detentor de tecnologia de ponta em termos de proteção
contra descargas atmosféricas, no cotidiano os sistemas de aterramento
utilizados nos prédios e nas casas – quando existem – deixam muito
a desejar. Em certos casos, as pessoas estariam mais seguras se eles não
estivessem instalados.
Uma norma básica do aterramento
elétrico é a IEC 200 dos Estados Unidos, segundo a qual todos
os aterramentos têm de estar interligados fisicamente, em toda a
estrutura física de uma cidade. Os cabos elétricos naquele
país possuem três pólos: fase, neutro e terra. Cada
prédio novo que é construído deve interligar seu fio
terra com os dos demais. Isso cria uma “gaiola de Faraday”, uma espécie
de malha ou rede subterrânea que evita a diferença de potencial
no solo.
É que se dois prédios
vizinhos possuem aterramentos diferentes e não interligados, e um
registra 5 ohms enquanto o outro tem 20 ohms, por exemplo, quando a descarga
elétrica bate no solo, retorna pelo fio-terra do prédio onde
há menor resistência elétrica, com todas as conseqüências
como se o raio tivesse caído nesse outro prédio.
No Brasil, o especialista Ariosvaldo
Tomaz de Lima já encontrou numa instalação estatal
(situada no Paraná) 68 pontos de aterramento numa área de
apenas 1.200 metros quadrados, cada qual com nível de resistência
elétrica diferente. Num caso como esse, os funcionários estariam
mais seguros se não houvesse qualquer tipo de aterramento. E não
se trata de um caso isolado, essa costuma ser a regra entre as instalações
feitas no Brasil.
Aberrações
– Se um raio atinge um circuito microprocessado, fatalmente o circuito
“queimará”, deixando de funcionar. Aliás, nem é preciso
tanto: se uma pessoa andar um pouco sobre um carpete e em seguida pegar
num desses circuitos, é quanto basta para destruí-lo, só
com o efeito da eletricidade estática, que chega a vários
volts (o mesmo de quando você passa uma caneta esferográfica
sobre um tecido de lã: em seguida, a caneta começa a atrair
partículas de papel ou os pelos do braço, devido à
eletricidade gerada pelo atrito com a lã – ou do sapato no carpete).
Em Santos mesmo, Ariosvaldo enfrentou
o caso de um elevador de prédio residencial que costumava parar
após tempestades com raios: desligou provisoriamente o fio-terra
do elevador, mesmo perdendo a garantia de fábrica, pois as centelhas
elétricas estavam subindo pelo fio-terra e queimando o circuito
microprocessado que controla o elevador.
Devido ao seu trabalho anterior com
proteção a instalações telefônicas –
que também passaram a ser microprocessadas -, o especialista procurou
soluções para o problema dos raios, e hoje detém uma
coleção de aparelhos apresentados como protetores anti-raio
que chegavam a representar um crime contra o consumidor, pelos riscos a
que este era exposto. Por exemplo, um desses aparelhos, parecido em tamanho
e formato com um pequeno transformador para eletrodoméstico, tinha
um fio-terra que deveria ser ligado a um parafuso ou prego espetado na
parede. Durante uma tempestade, se um raio caísse chegasse a esse
aparelho pela fiação elétrica, quem encostasse nas
paredes próximas ou andasse descalço pelo aposento correria
sério risco de vida.
Estabilizadores de tensão
e principalmente filtros de linha elétrica comuns também
não apresentam qualquer proteção contra descargas
elétricas, lembra ainda o especialista, citando que os organismos
de proteção ao consumidor estão preparando campanha
para alerta ao público sobre divulgações enganosas
nesse sentido. Aliás, a tendência é que esses equipamentos
saiam do mercado em breve, pois os no-breaks estão ampliando sua
participação no mercado e apresentando preços cada
vez menores, e além de estabilizarem a corrente elétrica
permitem proteção contra sub e sobretensão.
Início errado – Ariosvaldo
explica que apesar de possuir tecnologia avançada no setor, o Brasil
teve um início errado, pois a rede elétrica não tem
o terceiro pólo e cada edificação tem – quando tem
– um sistema de aterramento diferente. E, no caso de Santos, o solo geralmente
não é preparado devidamente para o aterramento, o que complica
ainda mais o problema.
Ainda se salvam os postos de gasolina,
que seguem uma norma técnica específica para as instalações
dos depósitos de gasolina: eles devem ficar enterrados no solo e
vedados contra a entrada de oxigênio, o que evita a explosão
do combustível: a descarga elétrica passa pelo tambor e se
dissipa no solo. Além disso, a estrutura de cobertura deve ser metálica,
para que a descarga elétrica seja conduzida para o solo. Existe
apenas um raro momento de perigo: quando o frentista está abastecendo
um veículo, em meio à tempestade, e alguma bolha de oxigênio
possa passar pela mangueira para o tanque subterrâneo de combustível.
Neste caso, um raio poderia provocar uma explosão do posto, como
aconteceu nos Estados Unidos, em que uma centelha de um raio caído
nas vizinhanças do posto atingiu a bomba de gasolina, causando a
explosão.
Por isso, embora pareça uma
providência radical, o certo seria os postos de combustível
interromperem a venda de combustível aos motoristas durante o clímax
da tempestades com maior incidência de raios, e uma distribuidora
de combustível inclusive passava essa recomendação,
em cursos para os frentistas dos postos.
Já em certas garagens de
ônibus, o perigo pode ser grande. Por exemplo, num caso encontrado
na capital paulista, a empresa tinha um pára-raios comum no alto
de uma caixa d’água, e bombas de combustível nas proximidades,
de tal forma que havia grande probabilidade de o raio, ao atingir o pára-raios,
emitir centelhas em direção às bombas de combustível.
Aeronaves – Nos aviões,
existia uma situação parecida: depois de um acidente aéreo
ocorrido cerca de 20 anos atrás, os tanques de combustível
da aeronave são instalados de forma a “flutuar” sobre “coxinhos”
de borracha, de forma a não ter contato algum com a carcaça
da aeronave.
Os aviões são
costumeiramente atingidos pelos raios, porém como estão imersos
no ambiente ionizado, o raio passa pela carcaça metálica
(que forma também uma “gaiola de Faraday”) e continua a descida
em direção ao solo, sem afetar os instrumentos de bordo.
No caso do acidente citado, o tanque de combustível tinha um minúsculo
orifício, e devido ao contato com a carcaça do avião,
antes de ser adotado o sistema de isolamento, isso permitiu que a descarga
elétrica provocasse a explosão do combustível... e
do avião.
Veja
também, nesta série:
Oh!
Raios!
Futebol
não combina com tempestade elétrica
Pesquisas
reformulam antigos conceitos
Fatos
curiosos sobre raios e trovões
Um
glossário eletrizante |