TERROR NOS EUA
Os pica-paus na guerra do Afeganistão
V - Matando quatro coelhos com
uma paulada só
Emilio Gennari (*)
Colaborador
Além
dos problemas da indústria armamentista e de abastecimento de petróleo
e gás natural, a economia norte-americana estava patinando naquela
que os especialistas chamam de crise de superprodução.
Sim, você entendeu bem, não se
trata de uma situação de falta, mas de sobra de capitais
e de mercadorias. É uma realidade que, de tempos em tempos, se instala
em qualquer país capitalista após uma fase de crescimento
econômico.
A causa do seu aparecimento não
está no desemprego, mas no mecanismo que faz girar as engrenagens
da exploração: a produção da riqueza é
coletiva, mas, na hora de dividir o bolo, são os patrões
que se apropriam da fatia maior. Eles a usam não só para
ter condições de vida muito melhores do que as nossas, como
para realizar novos investimentos, aumentando assim o número de
bolos e o tamanho de suas fatias. Como os trabalhadores e as trabalhadoras
ficam só com as migalhas, não é difícil você
entender que, mais dias menos dias, a sociedade vai viver o absurdo
de uma situação de pobreza em meio à abundância.
Aparentemente, a saída poderia
ser a de promover o encontro entre os famintos e a comida, os descamisados
e a roupa, elevando os salários e distribuindo melhor a renda. Mas
isso é impossível de acontecer no sistema capitalista, pois
o aumento dos vencimentos faz a exploração diminuir e reduz
o retorno sobre as quantias que foram investidas.
Como o objetivo central é
o lucro, e não a vida do ser humano, os ganhos não seriam
compensatórios e os patrões não teriam razões
para aplicar seu dinheiro na produção. É por isso
que, diante da crise, eles optam por fechar as
empresas, reduzir drasticamente
o ritmo das máquinas ou até mesmo destruir a abundância.
O aumento do desemprego assim provocado vai elevar o arrocho dos salários
e a exploração da força de trabalho, proporcionando
o retorno de margens de lucro satisfatórias que apontam para uma
nova fase de crescimento da economia.
Entre os problemas que esta situação
propõe, está o de justificar perante os olhos da sociedade
os sacrifícios que os capitalistas preparam para a população
trabalhadora. No passado, já tivemos a desculpa do aumento dos preços
do petróleo, mas, desta vez, nem isso podia ser usado para explicar
a crise do sistema, controlar o descontentamento e garantir a confiança
popular nas leis de mercado.
Os atentados terroristas do dia 11/9/2001
fizeram as coisas se precipitarem. A economia dos Estados Unidos, que já
estava mal das pernas, dá sinais claros de que vai entrar em recessão,
de que o desemprego vai aumentar e de que várias empresas caminham
para a redução de suas atividades. Surpreendentemente, não
se registram protestos e manifestações de revolta por parte
das pessoas que acabam de perder seus empregos. No momento, há um
aumento tranqüilo dos que se alistam nas fileiras do salário-desemprego
e do exército, ao mesmo tempo em que os árabes se tornam
saco de pancada no qual muita gente já desabafou sua raiva e seu
próprio sentimento de impotência.
O patriotismo, alimentado pela guerra,
faz com que o orgulho de ser americano oculte as contradições
gritantes que fizeram crescer o fogo da crise e que, agora, serão
esquecidas. O senso comum não tem a menor dúvida: Osama Bin
Laden é o verdadeiro responsável pelo agravamento da situação
econômica do país. Mais uma vez, os capitalistas agradecem
e, como já fizeram ao longo da história, se preparam para
transformar o esforço de guerra na razão que justifica todo
e qualquer aumento da exploração. Em nome do combate ao terrorismo,
os lucros das empresas vão voltar a ter um futuro promissor.
Além de dar um sentido palpável
à crise econômica, os atentados devem destravar as negociações
para a formação da Área de Livre Comércio das
Américas (ALCA), ao mesmo tempo em que colocam obstáculos
à rodada de negociações no interior da Organização
Mundial do Comércio (OMC). Bom, vamos pegar um bicho de cada vez
e mostrar a relação entre estes elementos e a crise da qual
falávamos antes.
No que diz respeito à ALCA,
a recusa de países como o Brasil em apressar a formação
de um mercado comum das Américas se baseia numa constatação
muito simples: o baixo preço das mercadorias produzidas nos Estados
Unidos (às vezes, a custos subsidiados) acabaria levando à
falência um número significativo de empresas que não
têm a menor condição de entrar nesta competição
em pé de igualdade. Para que isso não aconteça, os
países da América do Sul vêm taxando uma longa lista
de produtos importados das nações do Norte, com a finalidade
de elevar seus preços e proteger suas economias, até que
sejam eliminados os efeitos devastadores da competição internacional.
Inicialmente, se previa que as coisas
ficariam como estão até janeiro de 2005, data a partir da
qual seria iniciado o processo de redução dos impostos e
seriam removidas as barreiras para a livre comercialização
dos produtos entre as duas Américas. Sentindo a chegada da crise,
em 1999, os EUA começaram a ampliar as pressões para reduzir
significativamente os tempos que antecediam a integração
das economias do continente.
A razão era muito simples:
o aumento de suas exportações ajudaria a apressar a saída
da crise de superprodução. Na medida em que a sobra fosse
exportada para a América do Sul, os lucros nos Estados Unidos parariam
de cair, várias empresas seriam abertas para dar conta das novas
encomendas ao mesmo tempo em que muitas outras estariam sendo fechadas
em países como Brasil e Argentina.
Sim, você entendeu bem. Uma
das saídas para a crise dos EUA era justamente a de exportá-la
para outros países, apressando a implantação da ALCA.
Acontece que o Brasil não comprou esta idéia e isso colocou
em ponto-morto a discussão do mercado comum das Américas.
As negociações pararam e tudo parecia indicar que Bush teria
mesmo que esperar janeiro de 2005.
Com o clima de chantagem criado pelas
declarações de que "quem não está do lado dos
Estados Unidos está do lado dos terroristas" é de se esperar
que as pressões para acelerar o ritmo da ALCA se ampliem nos próximos
meses. Isso ocorreria porque - para reativar a economia e para arcar com
os custos da guerra - os EUA precisam de recursos, entre os quais figuram
os do aumento de suas exportações.
No que diz respeito à Organização
Mundial do Comércio (OMC), os norte-americanos vêm sendo acusados
de lançar mão de práticas protecionistas (como a imposição
de taxas aos produtos de outros países ou a definição
de quotas rígidas de importação de certas mercadorias)
e de aumentar os subsídios concedidos aos agricultores.
Estas medidas, que visam proteger
a economia estadunidense da concorrência internacional, ferem várias
normas da OMC e, antes dos atentados, os países europeus estavam
se organizando para que as negociações dos próximos
meses fossem favoráveis aos interesses de suas economias. Pelas
últimas informações, o calendário de reuniões
preparatórias acaba sendo esvaziado pelo desenrolar dos acontecimentos.
Enquanto isso, as incertas e sombrias
perspectivas de futuro para a economia mundial e para as relações
internacionais estão se encarregando de questionar a conveniência
da rodada de negociações da OMC começar em 2002 e
abrem caminhos para a implantação de exigências que
não são favoráveis aos países pobres.
Como você já deve ter
entendido, os atentados do dia 11 de setembro ajudaram a matar mais três
coelhos: culpam os terroristas pela crise econômica, pressionam para
acelerar os tempos da ALCA, ao mesmo tempo em que tendem a reduzir as exigências
de mudança na política econômica norte-americana no
interior da OMC.
O quarto coelho é tão
importante quanto os anteriores. A reação dos Estados Unidos
aos ataques terroristas apaga as diferenças entre os movimentos
de resistência (que assumem a forma de uma guerrilha armada) e aqueles
que podem realmente ser definidos como terroristas. Esta confusão
abre o caminho da repressão violenta contra aqueles grupos cuja
luta vem ganhando o apoio da opinião pública internacional.
Aproveitando o sentimento de indignação
que se espalhou pelo mundo, a Agência Estadunidense de Combate às
Drogas, por exemplo, se apressou em incluir o Exército Zapatista
de Libertação Nacional do México (EZLN) na sua lista
de movimentos terroristas a serem combatidos. Apesar dos zapatistas não
terem realizado nenhum atentado e não estarem envolvidos com o tráfico,
as acusações norte-americanas vão no sentido de pressionar
o governo mexicano a adotar uma saída militar para o conflito que
vem se desenrolando desde 1º de janeiro de 1994. Entre as principais
razões que explicam esta postura, está o fato de que o EZLN
e as comunidades
indígenas que o apóiam
ocupam uma região muito rica em petróleo e urânio.
A coisa foi tão descarada
que, temendo o pior, tanto o governador do Estado de Chiapas como o encarregado
do governo pelas negociações com os zapatistas, Luis H. Alvarez,
se apressaram em declarar aos jornais que o EZLN não pode ser confundido
com um grupo terrorista por ter objetivos sociais bem definidos e também
não há envolvimento de seus integrantes no tráfico
de entorpecentes.
Como
você pode ver, os Estados Unidos não perdem tempo. A lista
destes grupos parece ser longa e, se as intenções norte-americanas
não forem desmascaradas, pouco a pouco, qualquer manifestação
contra os interesses dos poderosos pode vir a ser considerada uma forma
de terrorismo por representar um atentado contra a ordem. Os mais diversos
grupos de resistência que organizaram os protestos de Genova, Praga,
Washington e Seattle seriam colocados sob suspeita pelo simples fato de
existirem.
Apesar do cansaço e das feridas,
o quarto pica-pau decide voltar para ajudar os demais que se esfolam na
árdua tarefa de furar a muralha. Um profundo silêncio de reflexão
se apodera do quarto onde estou escrevendo estas últimas linhas.
Revolta e esperança formam um turbilhão que empurra à
ação, a levantar a cabeça e começar a caminhar.
Sozinho com todos estes pensamentos, olho pela janela de onde vejo entrar
um pombo-correio. Os seus movimentos inquietos me fazem entender que se
trata de algo urgente e me apresso a abrir a mensagem que ele traz.
Nela está escrito: "A humanidade
está em perigo. Os que dizem estar do lado do bem são lobos
disfarçados de cordeiros. Não há tempo a perder. Convide
os pica-paus e os demais pássaros de todas as cores, tamanhos, raças
e religiões a correrem para a muralha. Precisamos abrir novos buracos
para que nas escolas, nas fábricas, nos campos, nos bairros e em
todos os cantos da Terra mais pessoas possam enxergar o mundo que atrás
dela se esconde. Urge organizar as forças para enfrentar a onda
de exploração e morte que ameaça se abater sobre o
planeta".
Bom, o recado está dado. Vou
entregar ao pombo-correio uma mensagem avisando que o relato está
pronto e vai ser divulgado. Tomara que isso ajude a fazer com que uma revoada
de pássaros levante vôo e use seu canto de múltiplas
línguas para deter a guerra e construir um mundo onde a paz seja
o fruto de uma árvore chamada justiça.
(*) Emilio
Gennari. Brasil, 18 de outubro de 2001. Texto distribuído pela Internet.
Partes deste artigo:
I
- Introdução/Bibliografia
II
- A história e suas revelações surpreendentes
III
- O problema das fontes de energia
IV
- A guerra nas estrelas como caminho para a dominação
mundial
V
- Matando quatro coelhos com uma paulada só
Veja mais:
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