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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/07/01 15:39:04
TERROR NOS EUA
Os pica-paus na guerra do Afeganistão

IV - A guerra nas estrelas como caminho para a dominação mundial

Emilio Gennari (*)
Colaborador

Assim como uma conversa puxa outra, o relato do pica-pau anterior foi seguido pela narração de outro que se atreveu a espreitar pelo buraco que chamou de guerra nas estrelas. Confesso que, de início, fiquei meio desconfiado, como quem acha que o pássaro, desta vez, está exagerando na cores, mas ele me mostrou como cada peça da política armamentista estadunidense encaixa nesta idéia geral.

Não é uma novidade pra ninguém o fato de que, nos últimos anos, as fábricas de armas dos Estados Unidos andavam mal das pernas. O governo havia reduzido a compra de suprimentos das forças armadas e as restrições comerciais impostas a vários países impediam o aumento das exportações das mais caras e eficientes máquinas mortíferas. 

A situação era tão gritante que, em maio do ano 2000, um grupo de especialistas reunidos pelo Pentágono chegava à conclusão de que era necessário e urgente fazer com que este setor da indústria ganhasse mais dinheiro. Respondendo a este apelo, o então presidente, Bill Clinton, reduzia as restrições às exportações de artefatos bélicos dos EUA com o claro propósito de aumentar os lucros das empresas e, de conseqüência, suas atividades produtivas e de pesquisa.

Por importante que fosse, esta ajuda não substituía os gastos que o estado teria caso fosse viabilizado em grande escala o escudo de Defesa contra Mísseis Balísticos (DMB), conhecido também pelo nome de guerra nas estrelas. O problema aqui não era tanto a disponibilidade de recursos ou a falta de vontade política do Congresso, mas sim a oposição internacional a este projeto, apontado como um instrumento de dominação mundial.

Por submissas que sejam as nações de planeta, nenhuma delas engole a idéia que o Presidente dos EUA em videoconferência com líderes europeus reunidos em Varsóvia. Captura de tela da TV Espanha em 4/11/2001 - 13h00DMB é apenas uma arma de caráter defensivo para proteger os Estados Unidos dos ataques com foguetes nucleares que, possivelmente, seriam lançados por países que se opõem à sua política internacional. Sabendo do poder de destruição destas armas, do arsenal e dos sistemas de defesa já existentes, disparar um míssil nuclear contra os Estados Unidos seria uma ação suicida para qualquer governo. 

Estas simples constatações, acompanhadas das ameaças de uma nova corrida armamentista envolvendo os países do Oriente Médio, a China, a Índia, o Paquistão e a própria Rússia, estavam esvaziando o esforço da diplomacia norte-americana. Esta fazia realmente o impossível para mostrar que a segurança dos EUA estava em perigo e que o DMB era uma necessidade para a paz mundial.

É neste contexto que, em maio do ano 2000, a conferência da ONU sobre o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares se pronunciou por uma ampla condenação do DMB, com o argumento de que deitaria por terra décadas de acordos internacionais para a redução e o controle das armas nucleares e promoveria uma nova corrida armamentista.

A bem da verdade, estas reações oficiais escondiam a realidade que havia sido expressa pelo representante da China ao discutir na ONU o projeto guerra nas estrelas do então presidente Ronald Reagan: "Quando os Estados Unidos se convencerem de que possuem tanto uma longa lança, como um forte escudo, poderão ser levados a concluir que podem destroçar qualquer país, em qualquer lugar do mundo, sem perigo de retaliações". Em português claro, se é possível dar porrada sem ser atingido, ninguém vai ter coragem e ousadia suficientes para se opor aos desmandos norte-americanos e, de conseqüência, os interesses econômicos que carregam a bandeira estadunidense estarão protegidos em qualquer lugar do planeta.

Você entende que, diante do poder de fogo deste sistema de defesa, não é preciso efetuar nenhum disparo para que todos se disponham a obedecer. Por si só, a sua existência já constituiria uma ameaça assustadora. Seria só o Tio Sam bater o pé para pôr todos pra correr. E isso, longe de representar um futuro de liberdade, igualdade e paz, seria sinônimo de dominação, de aprofundamento da desigualdade e da exploração, de um estado de terror e de guerra permanentes.

O pica-pau me confessou que ele adoraria reconhecer que suas conclusões estão erradas, mas as matérias publicadas pelo New York Times, Financial Times e Foreign Affairs em maio e junho de 2001 dizem que, infelizmente, suas impressões podem Secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, em New Delhi/Índia - Captura de tela da TV Deutschewelle/Alemanha em  5/11/2001 - 22h57estar corretas. O verdadeiro objetivo do escudo de Defesa contra Mísseis Balísticos é o controle do espaço, o que, nas palavras do atual secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, implica em "colocar armas ofensivas no espaço". 

Em outras palavras, não bastasse o perigo constituído pelos arsenais terrestres, a opção norte-americana aponta para a militarização efetiva do espaço exterior. Isso seria realizado com armas capazes de atingir não só os mísseis (que poderiam ser disparados da terra) e outros alvos civis ou militares, como os satélites que orientam os sistemas de defesa e garantem as comunicações entre as demais nações.

Levando em consideração que o desenvolvimento e a produção das armas anti-satélite é bem mais simples do que a operacionalização do DMB, haveria um aumento da corrida aos armamentos espaciais por parte de um bom número de países. A vantagem competitiva das empresas estadunidenses garantiria seus lucros e o poderio dos Estados Unidos sobre o mundo.

Aliás, foi por estas razões que, recentemente, os EUA se recusaram a reafirmar o Tratado do Espaço Exterior de 1967 (que proíbe a colocação de armas no espaço) e, desde janeiro de 2001, vêm bloqueando todas as seções da conferência da ONU sobre desarmamento. Isso apesar das pressões da Rússia e da China que, cientes do seu atraso tecnológico e dos custos proibitivos deste projeto para suas economias, apelavam para a completa desmilitarização do espaço, a redução do número de ogivas e a criação de zonas livres de armas nucleares.

Os atentados terroristas do dia 11 de setembro mostraram que a América é, de fato, vulnerável e que há vários países querendo prejudicá-la. Somando esta constatação às pressões internacionais articuladas pela dupla Bush-Blair ao redor da necessidade de apoio das demais nações à luta contra o terrorismo, o resultado pode ser explosivo. A médio prazo, a perspectiva é a de que o peso dos argumentos americanos a favor do DMB venha aumentando tanto no interior da ONU como na relação com as principais potências do planeta.

Isso não significa que a indústria armamentista vai ter que esperar para engordar seus lucros. O ritmo de suas máquinas já foi aumentado após a decisão de declarar guerra ao Afeganistão e as ações de indústrias como a Honeywell International, Captura de tela da TV CNN em espanhol/EUA em 18/10/2001 às 19h16Lockeed Martin, Rayteon, Northrop Grumman e a Boeing (que, além de aviões, fabrica também mísseis e satélites) são as únicas que se valorizaram mesmo nos dias em que a Bolsa de Valores de Nova Iorque registrava seguidas quedas em seus indicadores. 

Para elas, esta guerra (à qual já foi destinada a quantia de 344 bilhões de dólares) é apenas uma espécie de tira-gosto quando comparada às possíveis encomendas do projeto de militarização do espaço. Pelo visto, os urubus já estão se posicionando com o olhar atento e o bico afiado. O desfecho do conflito no Afeganistão é que vai dizer quanta carniça continuará sendo oferecida à apreciação de seus paladares.

Antes de ir embora, o pica-pau me fez reparar que nenhum escudo antimíssil pode deter o que ele chamou de terrorismo atômico. De acordo com seus conhecimentos, a carga de "uma bomba nuclear que pudesse facilmente varrer Manhattan e matar 100 mil pessoas é uma bola de plutônio que pesa 15 libras (em torno de 7 quilos). Ela é pouco maior do que uma bola de futebol e pode ser transportada para o interior dos Estados Unidos numa mala de viagem". 

Não, infelizmente isso não é ficção científica. O míssil que carrega a ogiva é grande por causa dos motores, dos tanques de combustível, do sistema de navegação e dos demais etceteras que o fazem funcionar, mas a parte que vai fazer o estrago é Soldado da Aliança do Norte, no Afeganistão. Captura de tela da TV NHK/Japão em 4/11/2001 - 14h00pequena. Sabendo que com a confusão causada pelo fim da União Soviética houve contrabando de peças e material nuclear, nada impede que tais cargas tenham caído nas mãos de grupos terroristas que contam com as polpudas quantias de dinheiro necessárias para realizar este tipo de compra. É claro que as coisas não são tão fáceis assim, mas esta possibilidade é bem menos remota do que parece.

Não bastasse este perigo, os recentes casos de contaminação pela bactéria antraz revelam que as armas químicas e biológicas são, provavelmente, uma ameaça ainda maior para os países ricos. Ainda que a sua disseminação seja razoavelmente simples, a transformação deste micro-organismo numa arma mortal é bastante complexa e não pode ser realizada em laboratórios de fundo de quintal. O pica-pau me disse que, provavelmente, os EUA correm o risco de provar o seu próprio veneno. 

De fato, além da atual oposição da administração Bush ao controle das armas químicas e biológicas, o próprio governo Clinton se encarregou de sabotar os acordos internacionais sobre esta matéria. Por anos a fio, ele não financiou e deixou de realizar as inspeções internacionais e as demais ações que poderiam garantir a eliminação deste perigo para a vida da humanidade porque estava preocupado em "proteger as companhias farmacêuticas e de biotecnologia americanas". 

O resultado já está debaixo dos nossos olhos: qualquer pó branco suspeito é motivo de pânico e de correrias que só favorecem as indústrias de antibióticos e de Logo de noticiário da TV oficial WorldNet, dos EUA, sobre o antraz. Captura de tela em 16/10/2001 - 00h03máscaras antigás. Quando o lucro vem antes da vida, o resultado final não pode ser diferente do que já cansamos de constatar.

Dito isso, o terceiro pássaro bateu asas e saiu apressado de volta à muralha. Já estava achando que o meu trabalho de relator havia terminado, quando vi chegar um pica-pau com as penas meio chamuscadas pelo fogo. Cansado e ferido, me conta que um míssil das forças aliadas o pegou de raspão na hora em que estava tirando o olho do último buraquinho. 

Ainda não sabe se esta foi uma retaliação contra a espécie ou uma ameaça, mas, apesar dos pica-paus não terem um FBI e nem uma CIA, são suficientemente inteligentes para entender que não se trata de um erro ou daquilo que numa guerra engorda a lista dos danos colaterais. Preocupado em divulgar suas informações, me pede para não ficar enrolando e chamar o seu relato com o título...
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(*) Emilio Gennari. Brasil, 18 de outubro de 2001. Texto distribuído pela Internet.

Partes deste artigo:
I - Introdução/Bibliografia
II - A história e suas revelações surpreendentes
III - O problema das fontes de energia
IV - A guerra nas estrelas como caminho para a dominação mundial
V - Matando quatro coelhos com uma paulada só

Veja mais:
Especial NM - Terror nos EUA