TERROR NOS EUA
Os pica-paus na guerra do Afeganistão
IV - A guerra nas estrelas
como caminho para a dominação mundial
Emilio Gennari (*)
Colaborador
Assim
como uma conversa puxa outra, o relato do pica-pau anterior foi seguido
pela narração de outro que se atreveu a espreitar pelo buraco
que chamou de guerra nas estrelas. Confesso que, de início,
fiquei meio desconfiado, como quem acha que o pássaro, desta vez,
está exagerando na cores, mas ele me mostrou como cada peça
da política armamentista estadunidense encaixa nesta idéia
geral.
Não é uma novidade
pra ninguém o fato de que, nos últimos anos, as fábricas
de armas dos Estados Unidos andavam mal das pernas. O governo havia reduzido
a compra de suprimentos das forças armadas e as restrições
comerciais impostas a vários países impediam o aumento das
exportações das mais caras e eficientes máquinas mortíferas.
A situação era tão
gritante que, em maio do ano 2000, um grupo de especialistas reunidos pelo
Pentágono chegava à conclusão de que era necessário
e urgente fazer com que este setor da indústria ganhasse mais
dinheiro. Respondendo a este apelo, o então presidente, Bill
Clinton, reduzia as restrições às exportações
de artefatos bélicos dos EUA com o claro propósito de aumentar
os lucros das empresas e, de conseqüência, suas atividades produtivas
e de pesquisa.
Por importante que fosse, esta ajuda
não substituía os gastos que o estado teria caso fosse viabilizado
em grande escala o escudo de Defesa contra Mísseis Balísticos
(DMB), conhecido também pelo nome de guerra nas estrelas.
O problema aqui não era tanto a disponibilidade de recursos ou a
falta de vontade política do Congresso, mas sim a oposição
internacional a este projeto, apontado como um instrumento de dominação
mundial.
Por submissas que sejam as nações
de planeta, nenhuma delas engole a idéia que o DMB
é apenas uma arma de caráter defensivo para proteger os Estados
Unidos dos ataques com foguetes nucleares que, possivelmente, seriam lançados
por países que se opõem à sua política internacional.
Sabendo do poder de destruição destas armas, do arsenal e
dos sistemas de defesa já existentes, disparar um míssil
nuclear contra os Estados Unidos seria uma ação suicida para
qualquer governo.
Estas simples constatações,
acompanhadas das ameaças de uma nova corrida armamentista envolvendo
os países do Oriente Médio,
a China, a Índia,
o Paquistão e a própria
Rússia,
estavam esvaziando o esforço da diplomacia norte-americana. Esta
fazia realmente o impossível para mostrar que a segurança
dos EUA estava em perigo e que o DMB era uma necessidade para a paz mundial.
É neste contexto que, em maio
do ano 2000, a conferência da ONU sobre o Tratado de Não Proliferação
de Armas Nucleares se pronunciou por uma ampla condenação
do DMB, com o argumento de que deitaria por terra décadas de acordos
internacionais para a redução e o controle das armas nucleares
e promoveria uma nova corrida armamentista.
A bem da verdade, estas reações
oficiais
escondiam a realidade que havia sido expressa pelo representante da China
ao discutir na ONU o projeto guerra nas estrelas do então
presidente Ronald Reagan: "Quando os Estados Unidos se convencerem de que
possuem tanto uma longa lança, como um forte escudo, poderão
ser levados a concluir que podem destroçar qualquer país,
em qualquer lugar do mundo, sem perigo de retaliações". Em
português claro, se é possível dar porrada sem ser
atingido, ninguém vai ter coragem e ousadia suficientes para se
opor aos desmandos norte-americanos e, de conseqüência, os interesses
econômicos que carregam a bandeira estadunidense estarão protegidos
em qualquer lugar do planeta.
Você entende que, diante do
poder de fogo deste sistema de defesa, não é preciso
efetuar nenhum disparo para que todos se disponham a obedecer. Por si só,
a sua existência já constituiria uma ameaça assustadora.
Seria só o Tio Sam bater o pé para pôr todos pra correr.
E isso, longe de representar um futuro de liberdade, igualdade e paz, seria
sinônimo de dominação, de aprofundamento da desigualdade
e da exploração, de um estado de terror e de guerra permanentes.
O pica-pau me confessou que ele adoraria
reconhecer que suas conclusões estão erradas, mas as matérias
publicadas pelo New York Times, Financial Times e Foreign
Affairs em maio e junho de 2001 dizem que, infelizmente, suas impressões
podem estar
corretas. O verdadeiro objetivo do escudo de Defesa contra Mísseis
Balísticos é o controle do espaço, o que, nas palavras
do atual secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, implica
em "colocar armas ofensivas no espaço".
Em outras palavras, não bastasse
o perigo constituído pelos arsenais terrestres, a opção
norte-americana aponta para a militarização efetiva do espaço
exterior. Isso seria realizado com armas capazes de atingir não
só os mísseis (que poderiam ser disparados da terra) e outros
alvos civis ou militares, como os satélites que orientam os sistemas
de defesa e garantem as comunicações entre as demais nações.
Levando em consideração
que o desenvolvimento e a produção das armas anti-satélite
é bem mais simples do que a operacionalização do DMB,
haveria um aumento da corrida aos armamentos espaciais por parte de um
bom número de países. A vantagem competitiva das empresas
estadunidenses garantiria seus lucros e o poderio dos Estados Unidos sobre
o mundo.
Aliás, foi por estas razões
que, recentemente, os EUA se recusaram a reafirmar o Tratado do Espaço
Exterior de 1967 (que proíbe a colocação de armas
no espaço) e, desde janeiro de 2001, vêm bloqueando todas
as seções da conferência da ONU sobre desarmamento.
Isso apesar das pressões da Rússia e da China que, cientes
do seu atraso tecnológico e dos custos proibitivos deste projeto
para suas economias, apelavam para a completa desmilitarização
do espaço, a redução do número de ogivas e
a criação de zonas livres de armas nucleares.
Os atentados terroristas do dia 11
de setembro mostraram que a América é, de fato, vulnerável
e que há vários países querendo prejudicá-la.
Somando esta constatação às pressões internacionais
articuladas pela dupla Bush-Blair ao redor da necessidade de apoio das
demais nações à luta contra o terrorismo, o resultado
pode ser explosivo. A médio prazo, a perspectiva é a de que
o peso dos argumentos americanos a favor do DMB venha aumentando tanto
no interior da ONU como na relação com as principais potências
do planeta.
Isso não significa que a indústria
armamentista vai ter que esperar para engordar seus lucros. O ritmo de
suas máquinas já foi aumentado após a decisão
de declarar guerra ao Afeganistão e as ações de indústrias
como a Honeywell International, Lockeed
Martin, Rayteon, Northrop Grumman e a Boeing (que, além de aviões,
fabrica também mísseis e satélites) são as
únicas que se valorizaram mesmo nos dias em que a Bolsa de Valores
de Nova Iorque registrava seguidas quedas em seus indicadores.
Para elas, esta guerra (à
qual já foi destinada a quantia de 344 bilhões de dólares)
é apenas uma espécie de tira-gosto quando comparada às
possíveis encomendas do projeto de militarização do
espaço. Pelo visto, os urubus já estão se posicionando
com o olhar atento e o bico afiado. O desfecho do conflito no Afeganistão
é que vai dizer quanta carniça continuará sendo oferecida
à apreciação de seus paladares.
Antes de ir embora, o pica-pau me
fez reparar que nenhum escudo antimíssil pode deter o que ele chamou
de terrorismo atômico. De acordo com seus conhecimentos, a
carga de "uma bomba nuclear que pudesse facilmente varrer Manhattan e matar
100 mil pessoas é uma bola de plutônio que pesa 15 libras
(em torno de 7 quilos). Ela é pouco maior do que uma bola de futebol
e pode ser transportada para o interior dos Estados Unidos numa mala de
viagem".
Não, infelizmente isso não
é ficção científica. O míssil que carrega
a ogiva é grande por causa dos motores, dos tanques de combustível,
do sistema de navegação e dos demais etceteras que o fazem
funcionar, mas a parte que vai fazer o estrago é pequena.
Sabendo que com a confusão causada pelo fim da União Soviética
houve contrabando de peças e material nuclear, nada impede que tais
cargas tenham caído nas mãos de grupos terroristas que contam
com as polpudas quantias de dinheiro necessárias para realizar este
tipo de compra. É claro que as coisas não são tão
fáceis assim, mas esta possibilidade é bem menos remota do
que parece.
Não bastasse este perigo,
os recentes casos de contaminação pela bactéria antraz
revelam que as armas químicas e biológicas são, provavelmente,
uma ameaça ainda maior para os países ricos. Ainda que a
sua disseminação seja razoavelmente simples, a transformação
deste micro-organismo numa arma mortal é bastante complexa e não
pode ser realizada em laboratórios de fundo de quintal. O
pica-pau me disse que, provavelmente, os EUA correm o risco de provar o
seu próprio veneno.
De fato, além da atual oposição
da administração Bush ao controle das armas químicas
e biológicas, o próprio governo Clinton se encarregou de
sabotar os acordos internacionais sobre esta matéria. Por anos a
fio, ele não financiou e deixou de realizar as inspeções
internacionais e as demais ações que poderiam garantir a
eliminação deste perigo para a vida da humanidade porque
estava preocupado em "proteger as companhias farmacêuticas e de biotecnologia
americanas".
O resultado já está
debaixo dos nossos olhos: qualquer pó branco suspeito é
motivo de pânico e de correrias que só favorecem as indústrias
de antibióticos e de máscaras
antigás. Quando o lucro vem antes da vida, o resultado final não
pode ser diferente do que já cansamos de constatar.
Dito isso, o terceiro pássaro
bateu asas e saiu apressado de volta à muralha. Já estava
achando que o meu trabalho de relator havia terminado, quando vi chegar
um pica-pau com as penas meio chamuscadas pelo fogo. Cansado e ferido,
me conta que um míssil das forças aliadas o pegou
de raspão na hora em que estava tirando o olho do último
buraquinho.
Ainda não sabe se esta foi
uma retaliação contra a espécie ou uma ameaça,
mas, apesar dos pica-paus não terem um FBI e nem uma CIA, são
suficientemente inteligentes para entender que não se trata de um
erro ou daquilo que numa guerra engorda a lista dos danos colaterais.
Preocupado em divulgar suas informações, me pede para não
ficar enrolando e chamar o seu relato com o título...
Matando quatro coelhos com uma paulada só
(*) Emilio
Gennari. Brasil, 18 de outubro de 2001. Texto distribuído pela Internet.
Partes deste artigo:
I
- Introdução/Bibliografia
II
- A história e suas revelações surpreendentes
III
- O problema das fontes de energia
IV
- A guerra nas estrelas como caminho para a dominação
mundial
V
- Matando quatro coelhos com uma paulada só
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