TERROR NOS EUA
Os pica-paus na guerra do Afeganistão
III - O problema das fontes de
energia
Emilio Gennari (*)
Colaborador
Com certeza,
você deve ter percebido que o pica-pau anterior nos alertou sobre
uma disputa que vem acontecendo há mais de uma década: a
guerra pelo controle das reservas de petróleo e de gás natural.
Sabendo da importância deste assunto, ouvi com atenção
o que outro pássaro destemido tinha a dizer após a olhada
que ele conseguiu dar através do segundo pequeno furo que já
foi feito na muralha.
Antes de começar o seu relato,
ele me aconselhou a pegar um Atlas
e a abri-lo nas páginas que contém os mapas do Oriente
Médio e da Ásia Central.
Dessa forma, é bem mais fácil acompanhar e entender os seus
argumentos. Dada a dica, aí vai a narração
que ele me fez com uma paciência e precisão surpreendentes.
Diz o pica-pau que se o consumo mundial
de petróleo continuar aumentando do jeito que está, até
2020 estarão esgotadas cerca de dois terços das reservas
de combustíveis fósseis do planeta. Um prazo de 19 anos parece
algo distante no tempo, mas, como se trata de uma matéria-prima
estratégica para a economia mundial, a corrida para garantir o acesso
a estes recursos vai se acirrar cada vez mais.
Neste contexto, a posição
dos Estados Unidos é bastante vulnerável por, pelo menos,
três razões. A primeira vem de uma constatação
inquietante. Se os EUA tivessem que contar somente com as reservas que
estão em seu território, teriam petróleo suficiente
para não mais do que quatro anos. Isso sem contar que, por exemplo,
a exploração das jazidas do Alaska
demandaria investimentos mínimos da ordem de 20 bilhões de
dólares só na construção de um oleoduto e enfrentaria
fortes oposições dos grupos ecologistas.
A segunda está no fato de
que 82 em cada 100 barris do petróleo importado pelos Estados
Unidos vem da Arábia Saudita.
A monarquia que governa este país, principal aliado dos EUA no mundo
árabe, enfrenta uma oposição crescente contida através
de uma dura repressão a toda expressão de sentimento antigovernamental.
Apesar dos sucessos obtidos até agora, a freqüência dos
ataques terroristas na Arábia e o descontentamento em relação
ao seu governo são suficientes para vislumbrar que esta dominação
não vai durar para sempre.
O último motivo de preocupação
não repousa somente na constatação de que países
como o Irã e o Iraque
estão longe de ter um relacionamento amigável com os Estados
Unidos, mas, sobretudo, no fato de que as empresas de capital francês
(Total e Elf) fizeram pesados investimentos no Irã e se associaram
à Rússia na exploração
das jazidas do Mar Cáspio. Esta aliança permite à
Rússia controlar, direta ou indiretamente, um território
que inclui as regiões produtoras do Cáucaso (entre elas a
Chechenia)
e de boa parte da Ásia Central.
Uma saída para a situação
desconfortável em que se encontram os interesses norte-americanos
já havia sido revelada no início de 1998 pelo tenente-coronel
da reserva Lester W. Grau, que, entre outras coisas, foi assessor político
e econômico no quartel geral das Forças Aliadas da Europa
Central em Brunssum, Holanda. Na matéria publicada pela revista
Foreign
Affairs, Lester reconhece a fragilidade das condições
de abastecimento dos Estados Unidos, avalia as alternativas para melhorar
esta situação e aponta como caminho mais viável a
construção de um oleoduto que sairia das jazidas do Cazaquistão
ou do Turcomenistão, próximas
ao Mar Cáspio, passaria pelas cidades de Herat e Kandahar, no Afeganistão,
entraria no Paquistão por
Quetta e terminaria no porto de Karachi.
Daí, petróleo e gás
seriam facilmente embarcados rumo aos EUA, China
e Japão, evitando assim as
águas conturbadas do Golfo Pérsico, que já foram palco
de violentos enfrentamentos. O custo da obra giraria em torno dos 2 bilhões
de dólares e daria acesso a reservas de petróleo 33% maiores
que as do Alaska e a uma quantidade de gás natural estimada em 50%
do total já descoberto a nível mundial. O único problema
técnico é a presença em território afegão
de um tal de Osama Bin Laden, cujas forças se recusam em atender
às expectativas de seus antigos aliados.
Eu já estava fechando o Atlas
quando o pica-pau enfiou o bico entre as páginas e o abriu no mapa
do Extremo Oriente. De início não entendi, mas ele me
disse que eu estava
esquecendo de dois países importantes nesta disputa pelo acesso
aos combustíveis fósseis: a China
e o Japão.
Aquele pássaro sabido me contou
que, nos dois últimos anos, a China mudou a configuração
de sua Força Aérea de defensiva para ofensiva e produziu
novos mísseis estratégicos de longo alcance. Além
disso, vem deslocando boa parte de seus efetivos militares que estavam
na fronteira Norte com a Rússia para seu lado Oeste (de onde espera
aumentar o fornecimento de petróleo e gás natural) e para
os mares do Leste e do Sul da China.
Aparentemente, isso poderia ser explicado em função das conturbadas
relações políticas deste país com a ilha
de Taiwan, que já sofreu sérias ameaças militares.
Mas uma análise mais atenta revela que é justamente nestes
mares que se encontram jazidas promissoras de petróleo e gás
natural.
Na corrida às reservas de
combustíveis fósseis, a China
já declarou o Mar do Sul como parte do seu território marítimo
nacional e reafirmou o seu direito de usar a força
para protegê-lo. Esta postura agressiva estimulou a Indonésia,
a Malásia, a Tailândia,
o Vietnam e as Filipinas
a reforçar seus efetivos aéreos e navais nesta região,
cujo controle é objeto de disputa.
O Japão
não ficou pra trás e aumentou a sua capacidade de operação
com novos navios de guerra e aviões de combate armados com mísseis.
No Mar do Leste, os japoneses estão disputando diretamente o controle
das futuras jazidas e no do Sul procuram garantir não só
a manutenção de suas rotas comerciais com o sudeste asiático,
como o próprio abastecimento de petróleo. De fato, 80% dos
petroleiros que levam o produto para o país atravessam as águas
do Mar do Sul da China e uma guerra nesta região representaria um
alto custo para o Japão.
Ciente de todas as implicações
e do jogo de interesses que estariam envolvidos num possível conflito
neste canto do globo, há três anos os Estados Unidos vêm
pressionando o Japão para que assuma um papel mais ativo no equilíbrio
militar daquela área. Isso implicaria em pesados investimentos que
superariam as necessidades de autodefesa permitidas pela constituição
nipônica.
Além dos limites legais, o
horror e a rejeição diante de um ataque armado a outro país
são sentimentos ainda presentes entre o povo que não consegue
esquecer os efeitos devastadores das bombas atômicas. Ao mesmo tempo,
porém, não faltam especialistas que vêm apontando os
gastos em armamentos, a serem realizados pelo estado japonês, como
um caminho para enveredar numa nova fase de crescimento econômico,
além, claro, de poder enfrentar melhor as tensões com as
nações vizinhas.
Diz o pica-pau que ele ficou preocupado
com a decisão do Japão de enviar navios de guerra em apoio
à esquadra norte-americana. Ele sabe que a ajuda se dará
nas áreas
de transporte, reabastecimento, serviços médicos, proteção
às instalações militares dos EUA no Japão,
apoio aos serviços de inteligência e ajuda humanitária
aos refugiados. Mas, após o fim da Segunda Guerra Mundial, esta
é a primeira vez que o país envia parte de suas forças
armadas para uma zona de guerra longe de seu território e a utiliza
para tarefas que nada têm a ver com a sua autodefesa.
Ao que parece, em nome da necessidade
de responder aos ataques terroristas do dia 11 de setembro como "renovado
desafio à liberdade", o Japão ensaia os primeiros passos
para justificar um aumento dos gastos militares e levar as pessoas a reduzir
suas resistências em relação à idéia
de uma guerra ofensiva. É como se os senhores do poder estivessem
tirando os sapatos para entrar na consciência do povo sem serem ouvidos
e plantar aí as sementes das atitudes que gostariam de ver brotar
no futuro.
O pica-pau me garante que as nuvens
no horizonte dos Mares da China não estão ainda tão
escuras a ponto de ameaçarem uma tempestade iminente. A chuva ainda
pode demorar, mas a depender do desfecho dos enfrentamentos no Afeganistão,
o aumento da tensão nesta região do mundo tende a ser inevitável.
Na dúvida, é melhor ficarmos de olhos e ouvidos bem abertos
já que, por um bom tempo, as notícias que virão do
Extremo Oriente serão cobertas pelo show de imagens da parafernália
de guerra norte-americana.
(*) Emilio
Gennari. Brasil, 18 de outubro de 2001. Texto distribuído pela Internet.
Partes deste artigo:
I
- Introdução/Bibliografia
II
- A história e suas revelações surpreendentes
III
- O problema das fontes de energia
IV
- A guerra nas estrelas como caminho para a dominação
mundial
V
- Matando quatro coelhos com uma paulada só
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