TERROR NOS EUA
Os pica-paus na guerra do Afeganistão
II - A história e suas
revelações surpreendentes
Emilio Gennari (*)
Colaborador
O Afeganistão
vem sendo considerado como uma das nações mais pobres e atrasadas
do mundo. Até o início da década de 70, o país
é governado por uma monarquia que tem pouco poder. Quem manda mesmo
é um punhado de proprietários de terras que não hesita
em usar a religião muçulmana para legitimar a sua dominação.
Esta realidade faz o descontentamento crescer não só entre
o povo como nos setores progressistas e em parte do exército. É
contando com o apoio deles que, em 1973, o rei Mohamed Zahir Shah é
derrubado por seu primo Mohamed Daud que instaura um regime republicano.
A reviravolta permite as atividades
do Partido Democrático do Povo do Afeganistão (PDPA), de
inspiração comunista, que tem como base os poucos intelectuais
afegãos que residem nas cidades, os estudantes e alguns oficiais
das forças armadas. Os pontos principais do seu programa são:
a reforma agrária, a libertação da mulher e a alfabetização
em massa da população. Cedendo às pressões
dos conservadores, Daud assume posições cada vez mais moderadas
e, em 1978, tenta suprimir as atividades do PDPA numa época em que
a situação econômica e social do Afeganistão
piora a olhos vistos.
Neste contexto, duas lideranças
de esquerda são assassinadas e as manifestações de
protesto se espalham pelo país. A polícia reage com a repressão
e a prisão de vários representantes dos setores progressistas.
Mas, longe de acabar com os tumultos, estes acontecimentos abrem caminhos
para a revolta de um setor das forças armadas. Nos enfrentamentos
que se desenvolvem em abril de 1978, Daud e boa parte do seu gabinete são
mortos. O PDPA assume o poder e proclama o Afeganistão república
democrática sob o comando de Mohamed Taraki.
No mesmo ano, Taraki realiza uma
reforma agrária radical. Cerca de 250 mil camponeses são
beneficiados com uma ampla distribuição de terras e são
canceladas todas as dívidas com os antigos proprietários.
O novo regime liberta 8 mil prisioneiros políticos e declara que
a educação é um direito universal tanto para os homens
como para as mulheres.
As reações dos setores
conservadores são violentas e levam Taraki a buscar apoio na antiga
União Soviética. Esta escolha provoca duros embates no interior
do PDPA que acabam fortalecendo a oposição.
Em setembro de 1979, Taraki é
assassinado e substituído por Hafizullah Amin, homem forte do regime
anterior. Incapaz de controlar a situação do país,
Amin é morto em dezembro do mesmo ano durante a rebelião
que leva ao poder Babrak Karmal, apoiado pelo exército da União
Soviética que, no final de dezembro de 1979, ocupa a capital e,
em seguida, estende o seu controle ao resto do país.
As mudanças iniciadas com
Taraki continuam e os resultados começam a aparecer. Se em 1977
só 15% dos meninos e 2% das meninas tinham acesso à escola,
durante o governo do PDPA esta porcentagem cresce até atingir 63%
das crianças em 1987. No mesmo período, o investimento nos
serviços de saúde eleva a esperança de vida de 33
para 42 anos. As mulheres dão passos importantes para começar
a sair da situação de marginalização em que
se encontram. Durante os governos comunistas, o analfabetismo feminino
cai de 98% para 75%, milhares de mulheres se integram à vida política
do país e abandonam progressivamente as restrições
religiosas que as marginalizavam.
Nunca é demais registrar que
é a posição estratégica em relação
aos demais países da Ásia Central e do Oriente Médio
a levar Estados Unidos e União Soviética a uma acirrada disputa
pelo controle do Afeganistão. Diante da ocupação do
Exército Vermelho, a CIA norte-americana estimula a criação
de grupos guerrilheiros que contam com o apoio dos proprietários
de terras atingidos pela reforma agrária, dos serviços secretos
do Paquistão, da OTAN, de Israel e da Arábia Saudita.
Em março de 1985, o presidente
dos EUA, Ronald Reagan, autoriza oficialmente o aumento da ajuda que, desde
1979, a CIA destinava aos guerrilheiros afegãos. Através
do Paquistão, os Estados Unidos fazem chegar a eles armas e dinheiro
num montante de um bilhão de dólares anuais. A idéia
com a qual a CIA procura arregimentar adeptos em todos os países
árabes é a de que as sagradas leis islâmicas estariam
sendo violadas pelas tropas soviéticas que professam o ateísmo,
razão pela qual os seguidores de Maomé deveriam se unir para
reivindicar a independência do Afeganistão e derrubar o regime
esquerdista sustentado por Moscou.
Movidos pelo nacionalismo e pelo
fervor religioso, mais de 100 mil muçulmanos são envolvidos
nesta guerra santa que combate o exército soviético
a serviço dos interesses dos EUA. É neste contexto que um
dos filhos da elite da Arábia Saudita, Osama Bin Laden, se torna
um estreito colaborador da CIA e passa a integrar as fileiras do Partido
Islâmico de Gulbudin Hekmatiar.
Em dez anos de ataques, os guerrilheiros
armados pelos Estados Unidos destróem quase duas mil escolas, 31
hospitais, dezenas de empresas, várias centrais elétricas,
41 mil quilômetros de vias de comunicação, 906 cooperativas
de agricultores, explodem bombas em cinemas e praças cheias de gente.
Os que Reagan chama de lutadores da liberdade, Bin Laden entre eles,
se dedicam a matar sem piedade mulheres, crianças, anciãos,
líderes religiosos partidários do governo e professores.
Apesar do requinte de crueldade com
o qual costumam agir, os guerrilheiros nunca são chamados de terroristas
nem pelos EUA e nem pelos países europeus, chegando, no máximo,
a receber o apelido de rebeldes após utilizarem mísseis
ingleses e estadunidenses para derrubar dois aviões civis das linhas
aéreas do Afeganistão.
Em setembro de 1987, Babrak Karmal
se demite do cargo e o general Najibullah assume o seu lugar. Pressionado
pela nova política de Gorbatchev, o novo presidente tenta dar início
a um processo de pacificação que é recusado pelos
guerrilheiros. Entre agosto de 1988 e fevereiro de 1989, o exército
soviético sai do Afeganistão. A
situação do país
se torna ainda mais tensa, não só pelos enfrentamentos entre
os guerrilheiros e as forças de Najibullah, como pelas divisões
que se manifestam entre os 15 grupos armados que lutam para derrubar o
governo afegão, 8 dos quais são muçulmanos xiitas,
enquanto os outros 7 são sunitas.
Em maio de 1992, o exército
de general Najibullah é derrotado, os guerrilheiros ocupam a capital
do país e, em junho do mesmo ano, nomeiam Burhanudin Rabani como
presidente interino. A sua tentativa de fazer conviver a ala moderada com
o setor fundamentalista do Partido Islâmico de Hekmatiar não
vinga e as duas facções se enfrentam numa sangrenta guerra
civil.
Em 1996, os integralistas islâmicos
(Talibãs) tomam o poder. O seu exército continua contando
com a estrutura guerrilheira dos anos anteriores. Nos campos de treinamento
do Afeganistão e do Paquistão são preparadas, agora,
as forças que vão se opor aos grupos muçulmanos moderados
(que formam a Aliança do Norte) e as que ajudarão a sustentar
a guerra separatista na Chechenia, apoiada pela CIA.
A presença dos EUA em mais
este conflito não é explicada por motivos nobres. Chechenos
e norte-americanos estão interessados em afastar a Rússia
das abundantes jazidas de petróleo do Mar Cáspio. A independência
da Chechenia tiraria das mãos de Moscou o controle do principal
oleoduto que sai da região e abriria caminhos para a exploração
dos poços por parte das empresas inglesas e norte-americanas.
Neste contexto, o Afeganistão
seria uma espécie de ponto de passagem obrigatória de um
oleoduto e de um gasoduto que transportariam os combustíveis a serem
embarcados rumo aos Estados Unidos e ao Extremo Oriente. Mas há
um imprevisto. O Talibã se opõe a este brilhante plano da
CIA e os aliados de ontem se tornam inimigos dos interesses estadunidenses
que hoje aguardam ansiosos a sua concretização. Vamos entender
porque isso acontece.
Contrariando as aparências,
em nenhum momento Osama Bin Laden é um defensor dos
fracos e oprimidos contra os interesses das empresas multinacionais. E
também ele nunca traiu o setor da elite árabe interessado
em ampliar seu domínio no Oriente Médio e na Ásia
Central.
Ciente dos limites das reservas de
combustíveis fósseis, este setor busca o pleno controle das
fontes de energia e a progressiva redução da influência
americana sobre a região. Mas, para isso, o primeiro passo é
o de desestabilizar as atuais monarquias da Arábia Saudita e dos
países próximos que, hoje, têm uma posição
subserviente em relação aos Estados Unidos.
A motivação religiosa
do seu grupo é um elemento importante para fazer com que as massas
muçulmanas empobrecidas se levantem contra seus governantes e abram
caminhos rumo a um estado islâmico fundamentalista e capitalista.
O apoio popular, o controle das jazidas e a ação terrorista
dos membros de sua organização (Al-Qaida) seriam elementos
chaves para começar a reverter a situação de dependência
em relação aos interesses norte-americanos e ingleses.
Tenha sido ou não Osama Bin
Laden a planejar os atentados, a guerra declarada pelos EUA parece ser
uma mão na roda tanto para os fundamentalistas afegãos como
para os interesses ingleses e norte-americanos. De um lado, os ataques
ao Afeganistão obrigam os países árabes e muçulmanos
a escolherem entre Bin Laden (e a suposta defesa da religião islâmica)
e George W. Bush. Ao optarem pelo apoio ou pela neutralidade em relação
aos EUA, estes regimes tendem a acirrar as ações dos grupos
que se opõem a seus governos. Ao escolherem Bin Laden, não
só perdem um importante aliado militar como este se transforma,
automaticamente, em seu inimigo. As manifestações que já
foram registradas nas ruas do Paquistão e da Indonésia são
apenas uma pequena amostra do que pode vir a acontecer em níveis
bem mais amplos.
No que diz respeito aos Estados Unidos,
a guerra é um meio necessário para reafirmar o seu poder
no mundo e tentar estabelecer em bases mais favoráveis e duradouras
o seu controle sobre as reservas de petróleo e gás natural.
Não é por acaso que EUA e Inglaterra se apressam em manter
contatos com a família e o ex-rei
do Afeganistão, Mohamed Zahir Shah, deposto em 1973, para que possam
assumir o governo provisório da nação após
a eventual vitória das tropas aliadas.
Ciente de sua fragilidade política
e da realidade do país, devastado por anos de conflito, o novo governo
não passaria de uma marionete cujos movimentos, em última
análise, seriam ditados pelos interesses do capital inglês
e norte-americano. É claro que isso demandaria ações
adicionais para neutralizar a atuação dos guerrilheiros da
Aliança do Norte que hoje recebem armas e dinheiro da Rússia
(que também quer garantir o seu controle sobre a região do
Mar Cáspio), mas esta já é outra questão a
ser delineada pelo desenrolar do conflito.
Imagino que depois desta chuva de
dados históricos, contradições e surpresas, você
já deve estar meio cansado. Eu sei que não foi fácil
segurar o tranco, mas, confesse, depois do relato deste pica-pau as coisas
começam a ficar mais claras. Sabendo que as próximas páginas
vão apresentar elementos intrigantes, o segundo representante da
espécie sugere que você tome um café e dê uma
boa espreguiçada porque vem aí... O
problema das fontes de energia
(*) Emilio
Gennari. Brasil, 18 de outubro de 2001. Texto distribuído pela Internet.
Partes deste artigo:
I
- Introdução/Bibliografia
II
- A história e suas revelações surpreendentes
III
- O problema das fontes de energia
IV
- A guerra nas estrelas como caminho para a dominação
mundial
V
- Matando quatro coelhos com uma paulada só
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