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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Restaurantes sobre o mar, na Ponta da Praia

Instalados sobre uma plataforma acima do mar, na Ponta da Praia, dois restaurantes bastante populares entre os turistas foram fechados no início do século XXI por ordem do Serviço do Patrimônio da União (SPU), já que estavam em área pertencente à União. E já entraram para a literatura nacional, como neste conto de Alberto Martins, publicado na página 8 do caderno Ilustríssima do jornal paulistano Folha de São Paulo, em 2 de junho de 2013:

Imagem: reprodução da página 8 com a matéria e a ilustração criada por Alberto Martins

IMAGINAÇÃO - Prosa, poesia e tradução

Lívia e o cemitério africano

Texto e ilustração: Alberto Martins

Tinha neblina no Alto da Serra.

Por um momento cheguei a me perguntar se não seria melhor pegar a alça de retorno e voltar para São Paulo - mas o menino estava tão animado com a perspectiva de almoçar na Ponta da Praia que decidi não abrir mão do passeio e mergulhei, temeroso e feliz, na massa úmida de neblina.

Pouco depois um rasgo azul abriu o nevoeiro e, duas centenas de metros abaixo, as nuvens se dissiparam por completo. Uma curva despejou dentro do carro a visão da Baixada, com seus rios, mangues, trilhos, um pontilhão de pedestres, o labirinto de canos da Cosipa, uma vila bastante precária e pequenas elevações que podiam esconder sambaquis pré-históricos. Lá na ponta, o litoral feito em pedaços, cortado, recortado e montado outra vez com fatias de Vicente de Carvalho, Guarujá, Santos, São Vicente e Praia Grande - cacos de cidades ligadas e desligadas ao sabor dos acidentes geográficos.

Diante da visão, a conversa dentro do carro ganhou volume e até minha mãe, que parecia sonolenta naquela manhã, agitou-se no banco e deu mostras de estar atenta à paisagem.

*

Na Ponta da Praia, a novidade eram dois restaurantes recém-construídos que avançavam seus deques de madeira sobre o mar. O primeiro estava lotado. No segundo, sem música, uma família com cinco crianças terminava a refeição. Ficamos quinze ou vinte minutos à espera do garçom, enquanto o vento sacudia as pontas da toalha, arrastando pelo chão casquinhas de camarão frito e guardanapos de papel.

Pedi uma porção de peixe.

Notei que minha mãe não tirava os olhos das pedras empilhadas à beira-mar. o menino, meio corpo debruçado na balaustrada do deque, se entretinha com o movimento dos barcos que iam e vinham entre o píer, a Pouca Farinha, o Góes, a Ilha das Palmas. Tentei puxar conversa com minha mãe uma, duas, três vezes, sem sucesso - até que também comecei a achar interessantes aquelas pedras.

Primeiro, imaginei que tivessem sido lançadas do mar por um cortejo de barcaças em movimento. Depois corrigi minha imaginação: o mais provável é que tivessem sido despejadas das caçambas de caminhões e empilhadas na areia, rente à água, enquanto se construía o calçadão. Até a Segunda Guerra todos aqueles terrenos eram ocupados por 109 chácaras de japoneses que, logo depois de Pearl Harbor, foram expulsos de seus lotes. Com a edificação da orla, as pedras extraídas do interior da ilha foram empilhadas na beira-mar para proteger a cidade contra os golpes de ressacas e marés. Dava para ver que tinham caído e se acomodado de maneira aleatória, formando encaixes muito particulares; não uma face justaposta a outra, como num muro solidamente assentado por um canteiro - mas quina com quina, aresta contra aresta.

Comemos o peixe. Pedi uma porção de fritas, três copos de água de coco - e fiquei em silêncio: minha mãe estava realmente estranha. Talvez fosse o desconforto de pisar um chão de madeira suspenso dois ou três metros acima do mar. Perguntei se ela gostaria de mudar de mesa, de sentar-se mais atrás, em terra firme - e ela, que nos últimos tempos tinha tão pouca autoridade, me respondeu com um gesto duro, exigindo silêncio. Não queria ser distraída. O menino se ergueu com dificuldade e foi explorar o deque de uma ponta a outra. Enquanto as fritas não chegavam, resolvi descer até o calçadão e me aproximar da rampa de pedra que era usada para recolher ou baixar pequenos barcos até a água.

Uma ondinha fraca cobriu algumas pedras e sumiu, borbulhando, nos buracos. Deixou atrás de si um rastro brilhante, logo ocupado por um batalhão de baratinhas d'água. Mas bastou eu passar o peso do corpo de uma perna para outra, que elas sumiram como por milagre entre as frestas. Então reparei nas cracas. Pareciam craterinhas de vulcão e, não sei por quê, me lembrei das fotografias da Lua com sua areia cinza-claro, riscada de cicatrizes. Mais abaixo, me surpreendi ao encontrar fiapos verdes ondulando conforme a entrada e a saída da água - então ainda havia vida por ali. Ainda havia oxigênio e clorofila e nutrientes o bastante para que brotassem algas naquele mar pesado, oleoso.

Virei a cabeça de lado para aproximar o ouvido - queria escutar melhor a mistura dos sons, aquele encontro tumultuado de pedra e água - e prendi a respiração. Num primeiro anel, giravam as buzinas e os motores dos automóveis que passavam na avenida; a música de um rádio apoiado na mureta da praia. Atravessando esse anel havia outro, com pássaros, uma brecada, o assovio deslocado de um amolador de facas e uma conversa interminável junto ao carrinho de churros. Abaixo disso, havia o choque-choque morno das marolas, quebrado vez ou outra por uma rebentação mais forte, na esteira de uma lancha. Mais abaixo, o borbulhar contínuo da água salgada, entrando e saindo dos buracos entre as pedras. E, mais fundo ainda, por baixo de todos esses sons, num último aro feito de microalto-falantes e tentáculos e membranas, colada nas pedras, abaixo da linha d'água, produzindo um rumor incessante de guizos - a respiração afiada dos mariscos.

SOBRE O TEXTO - A série em que a Ilustríssima adianta os principais lançamentos do ano apresenta trecho de Lívia e o Cemitério Africano, novela em que Alberto Martins retoma a prosa autobiográfica de A História dos Ossos (2005). O livro, ilustrado com gravuras do autor como a reproduzida nesta página, sai no final do mês na coleção Nova Prosa, da Editora 34.

"ALBERTO MARTINS, 54, editor, escritor e artista plástico, é autor de Em Trânsito (Companhia das Letras). Pág. 8"

Imagem e legenda: reprodução parcial da página 2 de Ilustríssima de 2/6/2013

A respeito desses estabelecimentos, lembrou o blogue JuicySantos.com.br, em matéria publicada em 11 de julho de 2012 por Flávia Saad (acesso: 9/7/2013):

O que aconteceu com o Píer 1 da Ponta da Praia?
Por Flávia Saad - 11/07/2012

No início da década de 2000, dois píeres foram construídos na Ponta da Praia e explorados comercialmente – o primeiro como restaurante (em frente ao Vasco da Gama) e o outro, como bar, com o nome de Píer do Chopp.

Eram duas opções bem populares de entretenimento e gastronomia em Santos. Lembro que, sempre que recebia algum amigo de fora da cidade, levava lá e eles babavam com a vista para a baía, com os navios passando e de frente para a Fortaleza da Barra.

Foto publicada com a matéria

Mas, se você passou recentemente pelo local, deve ter notado algumas mudanças. Afinal de contas, o que aconteceu com os píeres da Ponta da Praia?

Bom, a mudança não é tão recente assim. O primeiro píer, aquele que era um bar, virou uma plataforma náutica de embarque para barcos, veleiros, canoas, caiaques etc. e um tipo de mirante onde o pessoal senta pra admirar a vista há um ano, mais ou menos.

Já o segundo agora está fechado em definitivo e o restaurante mudou para o próprio Vasco da Gama.

Foto publicada com a matéria

A questão se arrasta desde 2010, segundo uma matéria do jornal A Tribuna. Ambas as áreas pertencem ao Governo Federal e, por isso, a Superintendência de Patrimônio da União exigiu a saída do permissionário já naquela época. Só que recorre daqui, recorre de lá e o píer continuava aberto até meados de 2012. Mas as condições eram péssimas: bastava passar por lá para sentir o cheiro horrível de comida podre e óleo velho.

Foi uma ordem de desocupação da Justiça, em junho deste ano, que determinou o fechamento. A Prefeitura disse que vai aguardar o repasse da área para a União para iniciar a recuperação do píer.

E agora, o que será que vai aparecer no lugar do Píer 1?

A instalação do Pier 1 defronte ao Clube de Regatas Vasco da Gama, funcionando em 2011

Imagens: Google Maps/Street View, em março de 2011 (acesso: 9/7/2013)

 

A instalação defronte ao Clube de Regatas Vasco da Gama, em abril de 2011

Imagens: Google Maps/Street View, em abril de 2011 (acesso: 9/7/2013)

 

As duas instalações, em imagem por satélite, em Google Maps, abril de 2011 (acesso: 9/7/2013)

 

A instalação defronte à Rua Francisco Hayden já havia sido demolida no início de 2011

Imagens: Google Maps/Street View, em março e abril de 2011 (acesso: 9/7/2013)

Página da Prefeitura de Santos na Internet (consultada em 5/5/2004) informava sobre os píeres da Ponta da Praia:
Embora definidos como estruturas construídas em pilares sobre o mar e enraizadas em terra, destinadas a servir de cais acostáveis, em Santos os píeres acolhem os visitantes com duas agradáveis choperias. Elas oferecem visão privilegiada da entrada e saída de navios, dos barcos pesqueiros rumo ao alto mar, dos iates dos turistas e da imponente Fortaleza da Barra.

Com 70 m de comprimento e mais de 30 m de largura, os dois estabelecimentos, com aproximadamente 230 m2, juntos têm capacidade de atendimento de cerca de 400 pessoas. Cada plataforma consta de dois módulos, com estrutura em alvenaria revestida de tijolo cerâmico aparente. Um dos módulos abriga os sanitários e o outro contém balcão e cozinha. Para uni-los foi erguida uma estrutura de ferro galvanizado a fogo, que sustenta cinco toldos quadrados, confeccionados com material plástico branco. Eles servem de cobertura para as cadeiras e mesas em madeira escura, que combinam com o piso em tábua corrida.

Bastante procurado por executivos, no final da tarde, o Píer 1 é cercado de plantas e tochas que permanecem acesas à noite, paisagismo que lembra os bares caribenhos. O Píer do Chopp recebe os mais jovens com decoração despojada, mas à luz de velas.

Inaugurados em agosto de 2000, tiveram seu projeto respaldado no trabalho de fomento que a Prefeitura Municipal vem dando ao turismo, a partir de 1997. A Prefeitura realizou as obras estruturais. Todas as intervenções e equipamentos ficaram a cargo dos permissionários, que ganharam a licitação para direito de exploração da área.
Av. Saldanha da Gama, em frente aos clubes de regatas. Ambos funcionam a partir das 11h00. O Píer 1 (Tel.3261-6121) fecha na segunda e o Píer do Chopp (Tel. 3261-21221) fecha na terça.

Foto publicada com a matéria

Na primeira página (A-1) da edição de 3 de setembro de 2011, o jornal santista A Tribuna publicou esta foto-legenda:

PARA CONTEMPLAR -  Inaugurada há quatro meses, a rampa náutica no calçadão da Ponta da Praia, em frentes aos clubes, é o ponto certo para contemplar o mar e a entrada de navios no Porto de Santos. Os mastros lembram as antigas caravelas e, no piso, a rosa-dos-ventos com os quatro pontos cardeais. Tudo isso em uma área de 350 m²

Foto: Alexsander Ferraz

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