XII - Conclusão
Eis-nos chegados, afinal ao termo de
nossa tarefa. Embora tivéssemos prometido, em artigo anterior, dissecar, página por página, argumento por argumento, asneira por asneira, o
Vademecum de Salomão Carnaúba, julgamo-nos desobrigados desse enfadoso mister. O que já fizemos a respeito parece-nos suficiente para que o
bom povo de Santos forme uma opinião segura sobre a capacidade intelectual e moral do audacioso forasteiro que, mal desembarcado, logo se arvorou
em orientador das massas populares e crítico veemente das nossas leis, da nossa Administração e dos nossos homens, como se já tivera conosco um
passado de lutas e sofrimentos comuns que a tanto o autorizassem.
Tivemos de chamar à ordem, severamente, esse intruso e mais o seu colega e patrício, o poeta
Duarte, que também se arrogou o direito de tomar a palavra diante do povo, para agredir os melhores elementos sociais e políticos de nossa terra,
em frases tão grosseiras como gramaticalmente erradas.
O silêncio em que nos conservamos a princípio, relativamente à atitude desaforada dos dois
palradores, cuja ignorância confundimos, foi interpretado como a confissão tácita de nossa parte de que a causa da Municipalidade não tinha defesa
possível.
O motivo proposital do nosso silêncio foi muito outro: não quisemos que à nossa intenção
jornalística se atribuísse o pouco delicado intuito de influir junto à consciência dos egrégios membros da câmara julgadora, levando até eles o
nosso pensamento, que reflete o dos nossos amigos da situação local.
Decorrido, porém, o tempo necessário para que os juízes estudassem o assunto, firmando a
respeito sua abalizada opinião - entendemos que era chegado o momento de esclarecer o público e castigar os impostores que o estavam iludindo há
longos meses.
Estamos convencidos de que nos desempenhamos cabalmente de nosso duplo objetivo. Acreditamos que
não haverá hoje em nossa terra um só homem de boa fé e de perfeita retidão moral - que, depois da contribuição que trouxemos ao debate, considere
ilegal ou ilícito o contrato celebrado entre a nossa Municipalidade e Alberto Reissman.
Aliás, se a insuficiência de nossos predicados jornalísticos não bastou acaso para dirimir todas
as dúvidas - aí está a Resolução do Senado, negando unanimemente provimento ao Recurso que lhe foi interposto, para varrer dos espíritos
imparciais os últimos vestígios dessas dúvidas restantes.
Quanto ao patrono-mor e ao sub-patrono dos recorrentes, acreditamos também, sem excesso de
vaidade ou presunção, que o nosso público, hoje, pensará de ambos exatamente o contrário do que pensava talvez há quinze dias.
Esses enérgicos defensores dos direitos populares, paladinos intransigentes da lei, cultores do
Direito, profligadores dos abusos governamentais, não passam de dois consumados charlatães, cuja ignorância extravasa, em catadupas diluviais,
pelas páginas do Recurso e do Memorial, arrastando na sua enchente catadupal de asneiras, todas as regras lógicas e gramaticais, todas as
conquistas do Direito, as leis escritas e as simples enunciações do bom senso comum.
Em toda a extensão daquelas peças, os seus autores comprovaram a absoluta inanidade de seu saber
profissional. Nelas não se invoca, em favor da causa que pleiteiam, um só princípio doutrinal firmado por mestre; um único preceito jurídico,
adequado ao caso; uma opinião douta, uma teoria aceitável, um brocardo que revele estudo, competência e aptidão. Citam apenas, como demonstração
de preparo, um decrépito versículo de Salomão, que todo o mundo sabe de cor e que eles, vergonhosamente, atribuíram a um tirano de Roma, cujo nome
não declinaram, porque não existe.
Orientadores desse quilate, por certo que o nosso povo os dispensa; e o severo castigo que lhes
aplicamos nestas colunas, sempre devotadas aos interesses e à grandeza social de Santos, servirá de aviso e conselho aos forasteiros futuros, para
que não abusem atrevidamente da índole hospitaleira de nossa população.
Imagem: trecho do livro O Matadouro
Modelo de Santos, de Alberto Sousa (página 67) |