XI - O voto do Senado O
Senado Estadual votou, anteontem, unanimemente, o Parecer da Comissão de Recursos, que concluiu negando provimento ao Recurso interposto por
alguns munícipes desconhecidos, do ato pelo qual nossa Municipalidade contratou com Alberto Reissman o serviço de matança de gado para o
consumo local e a construção de um Matadouro Modelo.
Precede o Parecer um longo, fiel e metódico Relatório da questão, todo ele baseado nas razões e
documentos apresentados por ambas as partes; vêm depois os considerandos, luminosa e juridicamente fundamentados, servindo de base à Resolução que
o Senado soberanamente aprovou, pondo termo ao litígio.
O Parecer é firmado por dois dos mais egrégios cultores do Direito em nosso Estado, lentes
respeitados da Faculdade Jurídica de S. Paulo. É o quanto basta para se compreender facilmente que a decisão foi tomada com o mais escrupuloso
acatamento aos dispositivos constitucionais e às leis ordinárias que tratam da matéria.
O desapontamento dos adversários da situação local deveria ter sido grande, quando viram o Ato
da Municipalidade prestigiado pelo voto unânime da câmara julgadora.
Os recorrentes, insuflados por seus dois patronos, um e outro desprovidos de inteligência e
cultura, mas hipertrofiados de audácia e presunção, estavam convencidos de que ganhariam o pleito e assim o diziam publicamente, estadeando por
toda a parte o seu orgulho insensato e agressivo.
Quando, por estas colunas, começamos a esclarecer o público sobre todos os aspectos do problema,
a fim de forrá-lo à ilusão em que porventura estivesse a respeito, à falta de informações precisas - assoalhou-se que a nossa conduta era ditada
pela necessidade em que o Partido Municipal se achava de influir indiretamente no espírito dos julgadores, cujo voto se inclinava a favor dos
recorrentes.
A não ser que queiram atribuir às opiniões de nossa folha uma influência maior do que elas têm
realmente no seio das várias classes sociais e políticas do Estado - hão de os nossos adversários confessar que a sua causa era péssima, e por
isso mesmo caiu, esmagada pelo voto unânime de uma assembléia ilustre, onde luzem glórias imorredouras da nossa jurisprudência.
A causa era péssima, era injusta, era destituída completamente de qualquer fundamento legal. Foi
levantada pelo consórcio espúrio do interesse pessoal ferido com a exploração partidária alimentada pelo despeito. A sua queda era fatal e nós a
prevíramos com toda a segurança desde o começo dos nossos artigos.
O Senado reconheceu que a Municipalidade santista, celebrando o contrato que originou o Recurso,
ora negado, não criou nenhum monopólio industrial ou comercial em favor da concessionária, a quem apenas transferiu a execução de um serviço que
por ela própria já era executado; e este é o aspecto principal do problema, e foi em torno dele que mantivemos principalmente a nossa discussão.
A resolução da câmara julgadora, fundando-se na mesma razão jurídica que sustentamos
energicamente nestas colunas, enche-nos do mais justo desvanecimento, porque a palavra dos mestres e o voto formal dos legisladores provaram que
defendíamos a boa doutrina, no exclusivo intuito, aliás, de elucidar o povo santista sobre a legalidade e a retidão com que a Municipalidade
agira, procurando servir os interesses atuais e porvindouros da nossa terra.
Estamos certos de que os nossos conterrâneos de ânimo imparcial, depois da leitura cuidadosa
destes artigos e do Parecer do Senado, dar-se-ão por amplamente convencidos da lisura com que procedeu o Poder Municipal e das grandes vantagens
indiscutíveis que Santos vai usufruir com a construção do seu Matadouro Modelo, com o estabelecimento de frigoríficos no Mercado e com o comércio
rendosíssimo da exportação de carnes beneficiadas para os outros estados do Brasil e do estrangeiro, comércio que vai ser o ponto de partida de
nossa expansão econômica dentro em breve.
A guerra que se moveu a essa iniciativa patriótica foi filha exclusiva de pretensões industriais
malogradas, por parte de concorrentes infelizes, aos quais se agregaram alguns jornalecos rebentados, visando subvenções; meia dúzia de
oposicionistas, que as fatalidades do ostracismo levam ao desespero; e dois ou três advogados adventícios que querem, pelo escândalo e pelo
barulho, suprir a falta de capacidade profissional, e tomar pé no nosso foro, onde tantos talentos esplêndidos fulguram, e no nosso meio político,
onde os homens de peso, de responsabilidade e de orientação firme, que nele trabalham pelo bem de Santos, dispensam a espontânea mas escusada
colaboração dos que não puderam triunfar na própria terra do seu nascimento.
O voto do Senado Paulista, honroso para a administração pública do Município, é, ao mesmo tempo,
consolador para os que foram vítimas, não só da injustiça dos homens de boa fé, que hoje reconhecem dignamente o seu erro, como também das
agressões afrontosas e covardes de indivíduos que, por viverem até hoje alheios ao nosso meio, só procuram promover agitações, a fim de aproveitar
pessoalmente com elas, de galgarem posições, e à sombra das posições ganharem mais facilmente a vida, que lhes tem sido descaroável e rude.
Imagem: trecho do livro O Matadouro
Modelo de Santos, de Alberto Sousa (página 63) |