HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
O incêndio do petroleiro Cerro Gordo
Aconteceu em janeiro de 1951, quando o navio estava atracado em Santos
A história de um dos mais
graves incêndios a bordo de navio, no porto santista, foi registrada pelo jornal santista A Tribuna, em 25 de janeiro de 1951, página 16
(última), e continuando na página 6 (ortografia atualizada nesta transcrição):
Imagem: reprodução da última página da
A Tribuna de 25/1/1951
Presa das chamas, no porto, um navio petroleiro
Quando se achava atracado em frente ao armazém da Ilha Barnabé,
descarregando gasolina, o Cerro Gordo, de bandeira norte-americana, foi dominado pelo fogo - As chamas chegaram a atingir as cabinas de
dois guindastes da Ilha - Os tripulantes abandonaram o navio incendiado, estando alguns deles desaparecidos - Graças à eficiência dos serviços de
socorro, o sinistro não atingiu proporções catastróficas, alcançando os depósitos da Ilha Barnabé - Incendiou-se também um rebocador que prestava
auxílio
INCÊNDIO A BORDO - Detalhes
fotográficos obtidos pela reportagem d'A Tribuna durante os serviços de combate ao fogo que irrompeu a bordo do petroleiro Cerro Gordo.
A primeira foto, em cima, à esquerda, mostra a ponte-de-comando, inteiramente destruída pelas chamas, danificando ainda, e seriamente, as chapas
de ferro; à direita, os rebocadores em plena atividade; em baixo, mais dois aspectos do serviço de combate ao fogo, pelos rebocadores S. Paulo,
Osmary e Neptuno
Fotos publicadas com a matéria
Ontem, à noite, ocorreu um sinistro de graves proporções, no porto, incendiando-se um navio
petroleiro, de bandeira norte-americana, atracado em frente ao armazém da Ilha Barnabé.
As colunas de fogo, que subiram a grande altura, eram perfeitamente visíveis de todos os pontos
da cidade, impressionando e inquietando a população, tanto mais quando se soube que o sinistro corria a poucos metros da Ilha Barnabé, onde estão
depositados, calculadamente, 200 milhões de litros de combustíveis líquidos.
Se as chamas atingissem aquele departamento da Companhia Docas,
não haveria dúvida que o sinistro assumiria proporções catastróficas imprevisíveis. Felizmente, o fogo foi circunscrito ao fogo de irrupção, sendo
apenas atingidas duas cabines de guindastes da Ilha Barnabé, devendo-se louvar, desde logo, o serviço de proteção da Ilha, executado com dedicação
e destemor pelo pessoal da empresa portuária.
Foi o Cerro Gordo - O navio sinistrado foi o Cerro Gordo, de bandeira
norte-americana, pertencente à frota da Tex-Oil, de Nova York, sendo agentes em Santos a Agência Marítima Grieg. Trata-se de um barco petroleiro
de grande porte, com capacidade para transporte de 15 mil toneladas de carga. Chegada ao porto na manhã de ontem e ontem mesmo atracou ao cais da
Ilha Barnabé para proceder à descarga de grande quantidade de querosene, óleo Diesel, gasolina comum e gasolina de aviação, num total de 1.500
toneladas.
O Cerro Gordo, que é comandado pelo capitão H. Lindbloom, possuía uma tripulação de 40
homens, inclusive a oficialidade, sendo a maioria de nacionalidade norte-americana. De nacionalidades diferentes, há apenas um sueco, um norueguês
e um português.
Deveria primeiro tocar no porto do Rio de Janeiro, para descarga de cerca de 6 mil toneladas de
combustíveis, porém o comandante recebera ordem para escalar, antes, em Santos, em face das dificuldades de atracação imperantes no porto do Rio
de Janeiro.
Hoje, o Cerro Gordo, completadas as operações de descarga, deixaria o porto, rumo à
capital federal.
Exatamente às 21 horas irrompeu o fogo a bordo. Nessa ocasião, o navio rematava a descarga da
gasolina comum para, em seguida, proceder à descarga da gasolina de aviação. O querosene e o óleo Diesel já haviam sido descarregados durante o
dia. Foi instantânea a propagação do fogo. Deu-se imediatamente o alarma. Os demais navios fundeados no estuário fizeram soar continuadamente as
suas sirenes, enquanto o pessoal da Ilha Barnabé, de prontidão, dava início ao serviço simultâneo de combate às chamas e de proteção da própria
Ilha. Rebocadores da Companhia Docas e da firma Wilson, Sons e Cia. afluíram sem demora ao local, tratando antes de desatracar o Cerro Gordo,
levando-o para o largo.
A tripulação abandona o navio - Logo que se manifestou o fogo, os tripulantes trataram de
abandonar o navio, temerosos de uma explosão. Alguns se serviram dos botes de bordo, enquanto outros, mais afoitos, se atiraram à água, nadando
para longe. Os primeiros náufragos, em número de quatro, foram recolhidos por uma lancha da Polícia Marítima e levados para o pontão do
Guarujá. Mais tarde, uma lancha da Alfândega recolheu mais quatro homens, os quais se
achavam num pequeno bote, sem remos, impulsionando-o com as mãos.
O combate ao fogo - O Corpo de Bombeiros não participou de início
do combate ao fogo, por ocorrer o sinistro no mar, não dispondo essa corporação de material apropriado. Dois rebocadores da firma Wilson, Sons e
Cia., o Rosmary e o Neptuno, além do São Paulo, da Companhia Docas, afluíram ao local. Desatracado e levado o navio para o
largo, deu-se imediato combate ao elemento ígneo. Enquanto os rebocadores da Wilson, Sons e Cia. funcionavam com suas possantes mangueiras, o
São Paulo atacava o fogo por meio de Fomit, que é uma matéria química apropriada para combate ao combustível incandescente.
O pessoal da Ilha Barnabé tratou de circunscrever as chamas ao foco de irrupção, estendendo na
área circundante verdadeiras cortinas de Fomit, evitando, desse modo, que o fogo se propagasse às instalações da Ilha.
Durou exatamente sessenta minutos o combate.
Um rebocador presa das chamas - O rebocador Rosmary, da firma Wilson, Sons e Cia.,
companheiro do Neptuno, que auxiliava o serviço de extinção do fogo, viu-se a certo momento atingido pelas chamas, sofrendo graves
prejuízos, tendo que abandonar a sua meritória tarefa.
Atingidas duas cabinas de guindastes da Ilha Barnabé - Durante os primeiros 30 minutos, o
fogo cresceu de intensidade, oferecendo as mais pessimistas expectativas, pela proximidade do sinistro com as instalações da Ilha Barnabé. A certa
altura, em que pese o esforço desenvolvido, uma coluna de fogo atingiu as dependências da Ilha, dominando as cabinas de madeira de dois
guindastes. O fato, porém, não causou maiores conseqüências, pois as chamas foram prontamente extintas pelo Fomit.
Uma hora após, ou exatamente às 22 horas, o fogo estava praticamente extinto a bordo do Cerro
Gordo, iniciando-se pouco depois o serviço de rescaldo, que prosseguiu durante a madrugada.
É importante assinalar que até as 24 horas, aproximadamente, o Cerro Gordo apresentava perigo de
uma explosão, perspectiva essa que logo mais desapareceu por completo, em face das providências adotadas.
Incalculáveis os prejuízos - Os prejuízos sofridos pelo petroleiro norte-americano são
consideráveis, não se podendo ainda determinar a sua extensão. Como dissemos, havia ainda gasolina para descarregar em Santos, além das seis mil
toneladas desse combustível que o navio deveria conduzir para o Rio de Janeiro.
Só uma verificação exata durante o dia de hoje, por peritos, poderá ser considerado o vulto dos
prejuízos, parecendo que o navio não está totalmente perdido, pis o fogo deixou de atingir compartimentos importantes, como, por exemplo, os
depósitos de combustíveis. Se tal se verificasse, estaríamos descrevendo uma catástrofe, tal a quantidade de gasolina que ainda se acha a bordo.
Desconhecidas as causas do sinistro - Não se conhecem ainda as causas que determinaram o
sinistro. Falamos a alguns náufragos e todos eles manifestaram completa ignorância sobre esse ponto. Surgiram várias versões, inclusive uma, de
que fagulhas lançadas por uma embarcação teriam atingido o lençol de gasolina que se achava na superfície d'água e ali derramada durante a
descarga.
Todavia, não há um detalhe preciso e certo sobre a origem do fogo, o que só poderá ser
determinado através do inquérito que será hoje aberto na Capitania dos Portos.
Alguns tripulantes desaparecidos - Como dissemos, a tripulação do Cerro Gordo
compunha-se de 40 homens. Boa parte achava-se em terra, inclusive o comandante. Até as 2 horas da madrugada, ainda faltavam cerca de 10
tripulantes. Os demais foram alojados em hotéis da cidade e na Missão aos Marinheiros, por intermédio da Agência Marítima Grieg.
Segundo nos informaram, há alguns tripulantes feridos.
Colaboração do Corpo de Bombeiros - Conforme expusemos, o principal trabalho no árduo
combate às chamas foi desenvolvido pelo pessoal dos rebocadores da Companhia Docas e da firma Wilson Sons e Co., que enfrentou desassombradamente
o fogo que consumia o Cerro Gordo. Impossibilitado de compartilhar dessa corajosa tarefa, por falta de aparelhamento adequado, o Corpo de
Bombeiros de Santos não deixou, entretanto, de oferecer sua parcela de colaboração.
As chamas ainda apresentavam séria ameaça quando se aproximou um rebocador conduzindo os soldados
do fogo com o seu material, adaptado à embarcação. Os bombeiros prestaram grande auxílio, colaborando ativamente com o pessoal dos rebocadores, já
exausto pela ação quase sobre-humana de circunscrever o fogo, impedindo que o sinistro assumisse proporções catastróficas, caso se verificasse a
explosão do combustível depositado nos porões do navio petroleiro.
Os bombeiros, na ocasião em que redigimos essas notas, já alta madrugada, entregavam-se ainda aos
serviços de rescaldo, extinguindo os últimos focos inflamados.
Foi o segundo navio que viu incendiar-se - A reportagem d'A Tribuna, logo após a
manifestação do sinistro, acorreu às proximidades do local, tendo colhido algumas fotografias do Cerro Gordo envolto em chamas.
Falamos a vários náufragos, os quais não souberam precisar a origem do fogo. O
primeiro-maquinista, John H. Tomilnson, afirmou que se achava na sala de bombas quando se declarou o fogo, imediatamente deu o alarma, fazendo
cessar o funcionamento das bombas de condução do líquido para a Ilha Barnabé. E atirou-se à água, sendo recolhido por uma lancha da Polícia
Marítima.
Um outro tripulante nos declarou que era a segunda vez que via um navio, de cuja guarnição fazia
parte, incendiar-se. E os dois fatos, afirmou, ocorreram em Santos, o primeiro dos quais em 1934.
O cozinheiro de bordo - Falamos também ao cozinheiro de bordo, Manoel Bailão, cidadão
nascido em Portugal e naturalizado norte-americano. Disse que se achava em companhia do comandante Lindbloom, no pontão das barcas do Guarujá,
quando teve conhecimento do sinistro. Devido à falta de condução no momento, o comandante não pôde, como pretendia, seguir para o seu navio,
circunstância que muito o contrariou.
Segundo Manoel Bailão, o capitão Lindbloom mostrou-se desolado com o ocorrido, preocupando-se
também com a sorte dos seus companheiros. Aduziu o nosso informante que o navio descarregara durante o dia grande parte de gasolina comum, além de
querosene e óleo Diesel, interrompendo essa operação por volta das 19 horas, quando soprou forte vento, seguido de violenta chuva. Deveria o navio
recomeçar a descarga às 20 horas, como recomeçou, para afinal interrompê-la definitivamente, de modo tão lamentável.
Náufragos do Cerro Gordo quando
eram ouvidos pelo tenente Mário di Vicenzi, da Polícia Marítima; em baixo, o cozinheiro de bordo falando à reportagem
Fotos publicadas com a matéria, na página
6
A cooperação das autoridades - Todas
as autoridades marítimas prestaram eficiente cooperação.
Afluíram ao cais e também ao local do sinistro, entre outros, os srs. Miguel
Teixeira Pinto, delegado auxiliar de Polícia; J.J. Cruz Seco, diretor da Polícia Marítima; Luiz Mendes Gonçalves, inspetor da Alfândega; J. Calmon
de Brito, guarda-mor da Alfândega; inspetor Alberto Alves Ferreira, da Guarda Civil, bem como o dr. Antonio Alves Freire,
inspetor geral da Companhia Docas, o qual chegou a orientar pessoalmente o serviço de proteção da Ilha Barnabé.
Merece referência especial o pessoal da Polícia Marítima,
pelo esforço e dedicação como se houve no serviço de assistência aos náufragos, recolhendo-os, muitos deles para terra.
Soubemos que elementos da Polícia Marítima, inclusive o seu diretor, permaneceram a
bordo durante o incêndio, sendo depois destacados quatro guardas marítimos para pernoite a bordo, a despeito do grande perigo que o navio
oferecia.
O pessoal da Guardamoria também foi excelente colaborador.
E por último deve-se louvar o desprendimento e a dedicação do pessoal dos rebocadores São Paulo, Neptuno e Rosmary, um pugilo
de verdadeiros heróis.
- A Rádio Guarujá Paulista, em colaboração com A Tribuna,
irradiou todas as fases do incêndio, servindo como locutor Osvaldo Eduardo.
- O prefeito de S. Vicente, dr. José Monteiro, pôs à
disposição das autoridades de Santos para qualquer socorro de emergência uma ambulância e pessoal habilitado. |
O mesmo jornal A Tribuna registrou no dia seguinte (26/1/1951), página 16
(última) e continuando na página 5, tendo a ortografia atualizada nesta transcrição:
Interditado o petroleiro Cerro Gordo
A despeito das graves avarias que sofreu, o navio norte-americano Cerro Gordo está a
salvo - Os derradeiros focos de incêndio foram dominados às 12 horas de ontem, pelo Corpo de Bombeiros - Depuseram ontem, na Polícia Marítima, o
comandante, segundo-piloto e rádio-telegrafista de bordo - Desaparecido o maquinista do rebocador Lady Rose Mary
Imagem: reprodução parcial da última
página da A Tribuna de 26/1/1951
Teve larga repercussão o sinistro ocorrido na noite de anteontem, no estuário. Como já
adiantamos, em desenvolvida reportagem, o navio-petroleiro Cerro Gordo, da Texaco, então atracado ao armazém da Ilha Barnabé,
descarregando gasolina, foi presa das chamas.
A ocorrência alarmou a população, já pelo tipo do navio e qualidade da carga que conduzia, já
pela proximidade do centro do sinistro com os depósitos de inflamáveis da Cia. Docas.
Milagrosamente, o acidente não assumiu as proporções catastróficas que todos receavam, pois,
graças ao serviço de socorro, o fogo foi praticamente debelado uma hora depois, sem alcançar a perigosa carga que o navio transportava,
evitando-se , assim, a explosão e as suas desoladoras e imprevisíveis conseqüências.
Como já acentuamos, o Cerro Gordo havia descarregado grande parte do combustível
destinado a Santos, mas em seus tanques ainda existiam seis mil toneladas de gasolina e óleo pertencentes a consignatários ou consignatário do
Rio de Janeiro, para onde o barco se dirigiria, terminadas as operações em nosso porto.
Observado o fogo, o pessoal da Ilha Barnabé tratou de partir as amarras do navio, a fim de que
ele se movimentasse para outro ponto menos perigoso, isolando-o do contado com o armazém e, conseqüentemente, com os reservatórios de
inflamáveis da Docas.
A esse tempo, a grande maioria dos tripulantes havia abandonado o petroleiro, alguns utilizando
os botes de bordo, outros, os coletes salva-vidas, sendo depois recolhidos por embarcações da Polícia Marítima, Alfândega e rebocadores. Não
houve perda de vidas entre os tripulantes do petroleiro. Apenas ferimentos produzidos pelo fogo em quatro ou cinco deles, sem gravidade, aliás.
Está salvo o Cerro Gordo - reportagem da A Tribuna, ontem pela manhã,
esteve a bordo do Cerro Gordo. Conduzidos pelo sargento Luiz de Oliveira Costa, da Polícia Marítima, visitamos quase todas as dependências do
navio, inclusive as casas de máquinas, inteirando-nos, ainda que superficialmente, do vulto das avarias. Navio construído, quase por completo,
de ferro, e ferro bom, com reduzido porcentual de madeira, o fogo encontrou resistência para a sua extensão. Há compartimentos afetados,
bastante afetados, como há chapas retorcidas, aço possivelmente destemperado pela ação do elemento ígneo, mas também existem muitas dependências
intactas, e, como observação curiosa, assinalamos que em alguns alojamentos nem mesmo as roupas de cama foram sequer chamuscadas.
Contudo, os prejuízos são consideráveis, não se conhecendo ainda a sua extensão exata. Durante
a tarde de ontem, a peritagem examinou diversas dependências, interrompendo o seu trabalho na casa de máquinas, onde o calor derivado do
incêndio é asfixiante, como observamos. O serviço de peritagem deverá continuar hoje.
A despeito, pois, da gravidade das avarias, cujo teor técnico nos escapa, pode-se considerar
salvo o Cerro Gordo. Quem, como nós, o viu anteontem envolto em chamas, carregado de gasolina, fundeado a pouca distância da Ilha
Barnabé, na iminência de explosão, só pode atribuir a verdadeiro milagre a sua situação atual, ferido, muito ferido, mas salvo de uma tragédia.
Quando chegamos a bordo, ainda lá permanecia uma guarnição do Corpo de Bombeiros, dirigida por
Odemar Passos. E foi às 12 horas, exatamente, que se extinguiram os derradeiros focos ignescentes. Os soldados do fogo deixaram, em seguida, o
navio, lá permanecendo ainda, como o fazem desde o primeiro momento do sinistro, voluntários da Polícia Marítima, chefiados pelo sargento Luiz
de Oliveira Costa. Também lá se encontravam alguns oficiais de bordo, inclusive o imediato.
Uma única vítima? - Como já dissemos, não há nenhum tripulante do Cerro Gordo
desaparecido. Cinco ou seis homens, cujo paradeiro até a madrugada de ontem se desconhecia, já se reuniram aos companheiros.
Há, parece, uma vítima, o maquinista do rebocador Lady Rose Mary, de sobrenome Penelas,
o qual, tendo se isolado dos seus companheiros, quando mais forte lavrava o fogo, não mais foi visto, causando apreensão o seu desaparecimento.
O rebocador Lady Rose Mary - O rebocador Lady Rose Mary, já adiantamos
ontem, foi também presa das chamas, quando socorria o Cerro Gordo. Sofreu avarias em algumas dependências, sobretudo na popa. Mesmo
assim, já ontem estava em plena atividade no estuário. Avistamo-lo às 13 horas, quando ajudava a atracação do vapor argentino Campero.
Esse rebocador achava-se anteontem prestando auxílio ao vapor norueguês Bradanger, que
teve as amarras partidas, em conseqüência da ventania que soprara às últimas horas da tarde, e logo depois foi espontaneamente acudir o
petroleiro norte-americano, parecendo que custou a vida do seu maquinista a sua ação meritória.
Deve-se acrescentar que o navio Bradanger, desgarrado, chegou a investir contra o
Cerro Gordo, não ocorrendo o abalroamento, informaram-nos, devido ao socorro do Lady Rose Mary.
Como se vê, o petroleiro ianque escapou da colisão para sofrer, logo depois, o incêndio.
O rebocador Mestre Sebastião - Trabalho eficiente e que revelou apreciável
espírito de dedicação e desprendimento da sua guarnição, executou-o o rebocador Mestre Sebastião, do Loide Brasileiro, de que é mestre o
sr. Manoel de Sousa Leão. Foi o primeiro a partir em socorro do Cerro Gordo, levando a bordo dois voluntários, o sr. Edgard Perdigão,
alto funcionário da Alfândega e vereador à Câmara Municipal, e o jovem Carlos de Paula.
O Mestre Sebastião prestou grande serviço durante o sinistro. Estando com as amarras
partidas, o Cerro Gordo ficou ao léu, desgovernado, com a sua tripulação já fora, cabendo ao rebocador do Loide Brasileiro a missão de
separá-lo do cais, dando-lhe situação normal, toda a vez que a maré o levava para algum ponto perigoso.
O coronel Bonorino, agente do Loide, expediu ontem um telegrama à diretoria dessa empresa de
navegação nacional, solicitando seja aprovado o seu elogio à tripulação pelo denodo, destemor e abnegação como se houve, sugerindo ainda à
diretoria do Loide qualquer outra recompensa.
O Mestre Sebastião, durante o socorro, perdeu algum material, principalmente mangueiras.
Interditado o Cerro Gordo - O Cerro Gordo está interditado. Ontem, na
Polícia Marítima, foi aberta rigorosa sindicância, de ordem meramente policial, sendo ouvidos o comandante, o 2º piloto e o rádio-telegrafista
do navio petroleiro, além de alguns trabalhadores da Cia. Docas que servem na Ilha Barnabé. As declarações foram tomadas pelo dr. Adolfo
Molinari, delegado adjunto à Polícia Marítima, sendo a sindicância orientada pessoalmente pelo sr. J. J. Cruz Secco.
Depoimento do comandante do Cerro Gordo - Em seu depoimento, o comandante do
Cerro Gordo, capitão de longo curso Harry Lindbloom, declarou que não se encontrava a bordo na ocasião do sinistro. Permanecia na estação
flutuante do Guarujá, aguardando condução para regressar a bordo, quando conheceu do acidente e logo reconheceu o seu navio.
Interpelado sobre a origem do incêndio, respondeu supor que haja ocorrido em conseqüência de
contato entre cabos de aço, ou alguma fagulha proveniente do rebocador que se achava nas imediações do seu navio, ou ainda determinado por algum
cigarro que, por descuido, tenha sido atirado em lugar inflamável. Não sabe precisar o vulto dos prejuízos. E, por último, fez elogiosas
referências à Polícia Marítima.
Declarações do 2º piloto - Também ouvido, o 2º piloto, sr. Harroll Kosonen, declarou que
pouco antes de 21 horas notou fogo no mar, junto ao navio, em diversos pontos. Comunicou-se com a casa de máquinas e determinou fossem fechadas
todas as válvulas dos tanques. Depois, achando-se na popa, observou fogo nesse local, tendo ele e outros tripulantes tentado debelar as chamas,
que se alastravam assustadoramente, em diversos pontos. Não lhe cabendo fazer mais nada, atirou-se ao mar, munido de colete salva-vida, e nadou
até ser recolhido por um rebocador. Declarou ainda que a carga do navio não está perdida.
O depoimento do radiotelegrafista Franklin Elkins foi rápido. Declarou não se achar a bordo no
momento do sinistro.
O inquérito na Capitania dos Portos - Hoje, deverá ser iniciado o inquérito na Capitania
dos Portos, sob a direção do capitão-de-mar-e-guerra Américo Jacques Mascarenhas Silveira, o qual, como outras autoridades, afluiu ao cais na
noite do sinistro, adotando providências que lhe eram compatíveis.
- O Cerro Gordo está guardado, como dissemos, por elementos da Polícia Marítima. Essa
repartição teve destacada atuação durante o incêndio, já prestando socorro aos náufragos, já tomando conta do navio, que estava ao léu,
abandonado pela tripulação, sendo seu diretor, o sr. J. J. Cruz Secco, o primeiro homem a entrar a bordo, acompanhado de alguns voluntários,
adotando úteis providências.
Receberam socorros na Assistência - Durante a noite de anteontem e madrugada de ontem,
passaram pelo Pronto Socorro e receberam medicação, por apresentarem sintomas de intoxicação: John King, de 52 anos de idade; George Cloteau, de
36 anos de idade; Jorcele Fortier, de 35 anos de idade, todos de nacionalidade norte-americana e tripulantes do Cerro Gordo, e mais:
Antônio Crispim Dantas, de 38 anos de idade, brasileiro, casado, residente à Rua Tiago Ferreira, 108, no Itapema; Manoel Quintino Filho, de 35
anos de idade, brasileiro, domiciliado à Rua Braz Cubas, 378; Salvador de Jesus, de 37 anos de idade, morador à Avenida Rei Alberto, 315; Tiago
Bahia de Barros, de 50 anos de idade, residente no Parque Bitaru, em São Vicente, e Manoel Bento da Silva, de 23 anos de idade, morador á
Avenida Conselheiro Nébias n. 65.
O SINISTRO DO CERRO GORDO - A
primeira fotografia mostra o petroleiro Cerro Gordo, fundeado agora em frente ao Rio Sandi, após o incêndio que o acometeu; as duas fotos
seguintes apresentam detalhes das instalações do barco norte-americano e a última o rebocador Lady Rose Mary, da firma Wilson, Sons & Co.
Ltd., que também sofreu incêndio quando socorria o barco petroleiro. Todas as fotografias foram colhidas na manhã de ontem
Fotos publicadas com a matéria
Novo acidente ocorreu ontem no estuário
Outro acidente verificou-se, ontem, em nosso porto. Foi o terceiro a ocorrer no
espaço de 48 horas, não se revestindo, contudo, da gravidade dos anteriores.
Às 18,40 horas, exatamente, quando se movimentava pelo estuário, o
navio-petroleiro Esso-Brasil abalroou o Raul Soares, da frota do Loide Brasileiro, que se achava ancorado
em frente ao edifício da Alfândega.
O barco nacional, que chegara anteontem ao porto, vai receber aqui mesmo os
reparos de que necessita, prosseguindo depois viagem para o Rio de Janeiro.
Segundo soubemos, houve pronto entendimento entre o cel. Bonorino, agente do
Loide, e a agência do Esso Brasil, que se responsabilizou, esta, pelas despesas que decorrerão com os reparos do Raul Soares.
Não teve, pois, as proporções dos dois acidentes ocorridos anteontem o
abalroamento a que fizemos referência. |
Um resumo da história foi feito por Geraldo
Ferrone (membro do Instituto Histórico e Geográfico de Santos - IHGS), no artigo Estes são os grandes sinistros de
Santos, publicado no Almanaque de
Santos - 1969, editado por Roteiros Turísticos de Santos, de P. Bandeira Jr., tendo como redator responsável Olao Rodrigues (exemplar no acervo
da filha de Olao, Heliete Rodrigues Herrera), páginas
162 a 167:
Cerro Gordo - No dia 24 de janeiro de 1951, às 21 horas, houve violento incêndio a bordo do
navio norte-americano Cerro Gordo, petroleiro da Tex Oil, com capacidade para transporte de até 15 mil toneladas de carga; havia
chegado ao porto pela manhã e atracou ao cais da Ilha Barnabé para proceder à descarga de querosene, óleo Diesel, gasolina comum e gasolina de
aviação, no total de 1.500 toneladas. Com parte da carga já descarregada, o Cerro Gordo foi
tomado das chamas e levado ao largo do Estuário, onde recebeu socorros de rebocadores da Docas e da firma Wilson Sons & Cia. Foi imediata a
propagação do fogo, o que levou seus tripulantes e também o comandante a abandonarem o navio, temerosos de uma explosão, que, por certo,
atingiria ouros navios, dependências da docas e até mesmo unidades do centro urbano.
Houve alvoroço na Cidade, imediata repercussão na Capital e em outros centros. Por milagre, aduzimos, o
acidente não assumiu as proporções catastróficas que todos temiam. O navio foi interditado, houve sindicância e o Cerro Gordo, com
muitas avarias, deixou o porto dias depois, continuando sua jornada marítima, após envolto em chamas, carregado de gasolina e fundeado a pouca
distância do maior depósito de inflamáveis de Santos. Foi milagre.
Nesse episódio do Cerro Gordo devemos destacar uma autoridade que, destemerosamente, com perigo de
vida, pois até o comandante havia abandonado o navio, permaneceu a bordo durante toda a noite do sinistro, indiferente ao perigo de explosão,
mas enérgico e zeloso no cumprimento do dever: o comandante da Polícia Marítima, José Joaquim da Cruz Secco. |
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