HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Jogo do bicho, nos jornais... e nos postes (1)
Houve um tempo em que os prognósticos eram publicados em jornal. Com a proibição, continuou sendo
divulgado, agora de forma menos oficial...Corretores
zoológicos, eufemismo tradicional para designar aquele grupo de pessoas que - mesmo na mais absoluta ilegalidade há décadas, embora todos saibam quem
são e raramente sejam importunados - recolhem as apostas na dezena, na centena ou no milhar, descarregam as apostas nos bicheiros e depois divulgam os
resultados da extração, pagando religiosamente aos vencedores - não por acaso, apostar no bicho é "fazer uma fezinha"...
O jogo já era mal visto pela sociedade no final do século XIX, como registra em sua primeira página o jornal
Vicentino, publicado em São Vicente em 2 de outubro de 1899 (ano II, nº 6 - exemplar no acervo da
Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio - SHEC - ortografia atualizada nesta transcrição):
Imagem: reprodução parcial da matéria original
O bicho
Lentamente, como se
fosse uma inundação, o assombroso invento de um valdevinos do Rio de Janeiro, o jogo do bicho apareceu em S. Paulo, veio a Santos e
apareceu nesta boa e pacata terra de S. Vicente, a terra clássica do descanso e de paz, onde até então só se conhecia o bilhete de loteria e a
inofensiva roda em benefício da Escola do Povo.
O bicho assentou seus arraiais nesta cidade e ele que tem arcado com a perseguição feroz
e merecida da polícia da Capital da República, vai causar aqui os mesmos males que tem feito, lá, onde em qualquer canto se encontra um secreta
e onde os meios de repressão são prontos e enérgicos.
É preciso que os donos de casa se acautelem com ele, verifiquem qual o destino que tomam os
dinheiros das compras a retalho, que examinem as cadernetas e descubram-no em uma das parcelas da soma. Lá está ele escondido, por força de uma
convenção anteriormente feita entre o comprador e o vendeiro. Que os pais de família proíbam que seus filhos se deixem levar pela cantilena
sórdida desses intermediários do mal e procurem a polícia, logo que vierem seus filhos comprando no bicho, por sugestão desses daninhos
desocupados, que auferem lucros fabulosos. É preciso que todos saibam que, só em loterias, S. Vicente despende uma média de 6 contos mensais, que
esse jogo tem extraordinária força sugestiva e que aos poucos, nele, serão empregadas as economias honradas e bem ganhas.
Ele alastra-se, como erva nociva, que involuntariamente ele nos entra em casa até mesmo trazido
pelo verdadeiro. Acautelem-se todos: não há garantia nenhuma, agora, contra o impudor do banqueiro, porque este não dá nem bilhete, nem cautela,
nem recibo da aposta que é feita. O jogo, hoje, assenta na confiança e, Santo Deus, que confiança podem merecer essas harpias esfaimadas que com
um riso canalha oferecem 20% sobre a aposta.
Sabemos que o bicho está em S. Vicente, e em benefício do nosso sossego, da tranqüilidade
dos nossos lares; por amor dos nossos filhos, pedimos à polícia daqui que vigie os intermediários do jogo, que os persiga tanto como ladrões, que
em noite alta e escura nos assaltam a propriedade.
Todo o rigor é pouco com essa gente e toda a energia, por mais violenta e arbitrária que seja, é
bem e honestamente empregada. |
O assunto voltaria a ser focalizado no mesmo jornal Vicentino, semanas depois, em 4 de dezembro de 1899 (ano
II, nº 15 - exemplar no acervo da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio - SHEC - ortografia atualizada nesta
transcrição):
Imagem: reprodução da matéria original
O bicho
A polícia desta cidade,
depois de reiteradas reclamações, começou a agir com o fim de obstar o jogo do bicho. Começou por intimar os que faziam tal jogo proibido,
acudindo a intimação os cidadãos José Videira, Antonio Joaquim Barboza, Manoel Costa, Manoel Lobo, Miguel Nesi e dois menores que disseram
ingenuamente que eram associados. A autoridade intimou-os a não mais fazerem o jogo do bicho, sob pena de processo.
Há dias, infringindo essa ordem, Manoel Lobo foi recolhido ao xadrez, por medida policial
necessária e nos seus bolsos foram encontrados papéis listas e cartões de tal jogo proibido, avultando as apostas de cem a duzentos réis, o que faz
crer que as apostas eram feitas com menores.
Sabemos que os jogadores requereram habeas-corpus, como se essa medida garantidora da
liberdade pudesse proteger aos que se levantam contra a moral e a lei.
Não esmoreça a autoridade no caminho que traçou. |
No início do século XX, as sugestões de apostas eram divulgadas nos jornais, da mesma forma como décadas depois,
restando na legalidade apenas as loterias controladas pelos governos - os matemáticos publicam seus cálculos sobre os números com mais chances de ganhar
na próxima rodada. Já os resultados do bicho ilegal aparecem em enigmáticos papéis branco-azulados, colados em postes de iluminação e nas paredes
dos bares.
Em 1920, o jogo do bicho era legal e explícito:
Imagem: reprodução do jornal diário Commercio
de Santos, de 30 de janeiro de 1920, página 6
(exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda)
Com o mesmo título Bicharada, o jogo era assim indicado em 1920 no jornal santista A Tribuna, junto aos
anúncios classificados:
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Publicado em 20 de janeiro de 1920 |
Publicado em 22 de janeiro de 1920 |
Imagens: reprodução de publicações do jornal
A Tribuna
Em 1930:
Imagem: reprodução do jornal diário Commercio
de Santos, de 26 de junho de 1930, página 7
(exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda)
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