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Ilustração de Belmonte, publicada no livro
Mezinhas do passado
"PRIMEIRO MÉDICO
Quae sunt remedia
Quae in maladia
Dite Hydropesia
Convenit facere?
ARQUES
Clysterium donare
Postea saignare
Ensuita purgare...
(Moliére)"
O purgante, a sangria, o clistel e a sanguessuga foram, incontestavelmente, os principais meios terapêuticos do passado.
A medicina empírica da época, misto de superstições africanas e alquimia árabe, resumia-se, quanto ao diagnóstico, na observação do desequilíbrio dos "humores", da influência dos astros
e do ar. Vinha da Idade Média essa terapia imobilizada pela Escolástica.
Munidos de sua seringa de folha para o clistel, de sua caixa de estanho onde guardavam, como escrevia um capitão general em 1777, "dois até
três bisturis, alguma lanceta, ponta agulha, serra faca e torqueneta", iam os barbeiros, isto é, os "surjões" da época, abrindo veias, rasgando tumores, arrancando dentes e pondo bichas, a torto e a direito.
Para as sangrias era, entretanto, necessário a observação das estações a as posições dos astros. Essas intervenções violentas feitas com instrumentos sujos, por barbeiros improvisados
cirurgiões, completamente ignorantes dos mais rudimentares meios de assepsia, resultavam muitas vezes em gangrenas, erisipelas e outras infecções. O diagnóstico era pouco variado: "espinhela caída", para todas as dores intercostais, lumbago e queda
dos órgãos abdominais. "Ar de estupor" para hemiplegia, paralisia e outros sintomas de origem sifilítica. "Nó nas tripas", para apendicite, peritonite etc. De resto, a maior parte dos males vagos e misteriosos que afligiam o homem do tempo era
diagnosticada pelo nome genérico de "humores".
Fazer descarregar esses "humores", por meio do purgante e da sangria, era o primeiro cuidado de qualquer físico em qualquer doença.
Em Piratininga, o médico era raro; mesmo em Portugal, onde as artes médicas eram privilégio dos judeus, também os físicos eram suspeitos ao Santo Ofício. Poucos eram por isso, os
cristãos velhos de então, curiosos dos estudos da aplicação dos simples.
Daí o recurso dos curandeiros, das benzedeiras e dos barbeiros, os únicos entendidos na arte de curar.
Raríssimos são os médicos em São Paulo até os fins do século XVI. Longos anos após a sua fundação, ainda não havia o primeiro médico. A 16 de agosto de 1597 instala-se o primeiro serviço
médico em Piratininga com a nomeação do barbeiro Antonio Ruiz, "homem experimentado e examinado". Arrancava dentes e punha bichas. Nos princípios do século XVII aparece entretanto um tal João Costa, antigo meirinho de minas e por alcunha o "Meirinhão";
era dentista, boticário e genro de Domingos Luís, o Carvoeiro. Acabou sacristão na igreja de Santo Antonio, arrancando dentes e pondo bichas.
A falta de médico, entretanto, nota-se ainda mais tarde, pois em 1722 o Senado da Câmara dos "homens bons" de Piratininga ponderava que "era muito
conveniente houvesse um médico de profissão nesta cidade, pelo prejuízo que estão experimentando todos os moradores dela em falta de médico". Deliberaram por isso estabelecer "uma côngrua
certa por ano de duzentos mil réis". Mas, apesar desta providência, a medicina continua a ser exercida pela benzedeira e pelo "surjão", quase sempre também barbeiro e que reunia a este ofício o de dentista e
sangrador.
Entre esses, tem-se notícia dum certo Antonio Motta, aprendiz de Antonio Carneiro, cirurgião no hospital do Rio. Em 1732 o governo da Metrópole estabelece ainda o ordenado de cem mil
réis anuais ao "médico que quisesse ter partido e obrigação de curar a praça de Santos". Em 1733, entretanto, se estabelece em Piratininga o dr. Ferreira Machado, "surjão" e físico e
"que curou aos moradores da mesma Cidade com grande acerto e aceitação de todos".
E assim eram tão precários os meios de curar da época, que uma Bandeira aprestada por João Baptista Victoriano, por volta de 1740, não levava como medicamento através do sertão bruto,
senão uma fórmula para benzer e exorcizar o ar, a fim de afugentar moléstias: "ar vivo, ar morto, ar de estupor, ar de perlesia, ar arrenegado, ar escomungado, ar te arrenego".
A farmacopéia era um pouco mais variada. Misto de receitas árabes, alquimia medieval, fetichismo bugre e hervaria africana, era a botica da época, uma variedade de ervas, emplastros,
purgantes, revulsivos e benzimentos.
Purgantes, como a salsaparrilha, o manã, o calomelanos e a jalapa. Vomitórios como a poaia, o xarope emético; secantes para as feridas, como o alvaiade, os "olhos de Caranguejos", a
pedra hume. Cautérios, como a pedra Lipes. Revulsivos como a "mosca de Milão", a trementina (terebentina), os pós de cantáridas etc.
Os serotos, isto é, a cera da terra, misturada a um cáustico qualquer, tinham grande aplicação; assim era o seroto D. João, o basilicão etc.
Os ungüentos, onde entravam abundantemente os sais de cobre, chumbo e estanho, os óleos e os bálsamos, com a sua ação emoliente e analgésica, tinham grande aplicação em quase todas as
moléstias de formas dolorosas; assim o Balsamo Católico, espécie de panacéia para toda e qualquer dor, o bálsamo anódino, o Óleo de ouro, o óleo de Aparício, Ungüento de Alteya e o Ungüento Branco.
Os sais de chumbo eram usados no "Extrato de Saturno" para as feridas de queimaduras.
Os emplastros que na Idade Média eram chamados "vigários das fricções", eram medicamentos muito aplicados na época.
Assim o emplastro dos Doze Apóstolos, o emplastro Manus Dei e outros escudetes, como eram chamados na época, cuja composição cáustica agia como revulsivo em todas as formas de
bronquites, reumatismo, dores e pontadas.
As virtudes sutis das pedras preciosas, que desde os egípcios aos alquimistas árabes da Idade Média, eram louvadas com entusiasmo, também não eram desprezadas pelos antigos físicos de
Piratininga. As pedras preciosas deviam então à sua raridade e origem exótica os prejuízos sobre os seus poderes curativos.
O diamante e a crisolita curavam o fígado; a esmeralda tinha "virtudes eréticas"; a safira fechava feridas intestinais; o jacinto possuía poder soporífero; as pérolas e os aljôfares eram
cordiais; o coral curava enxaqueca etc.
"Mea onça de oiro bem limado e meo d'aljofar moído e meo de coral e lança em vaso pesado com mea onça de camphora"... Assim já receitava o Mestre Mangaacha em sua famosa Recepta de Pós de texugo contra peste em Portugal no século XV.
Nos finais do século XVIII, entretanto, já se notam em Piratininga alguns progressos nos meios de curar; e em 1774 o brigadeiro José Custódio de Sá e Faria, que marcha para Iguatemi com
um destacamento e artilharia, leva um cirurgião aprovado, Manoel Miz dos Santos, a quem se arbitrou a quantia de cento e cinqüenta mil réis por ano, e uma farta leva de remédios, onde não faltam os purgantes, os cautérios, os ungüentos, os
emplastros e as pedras que curam.
A lista é longa e o seu custo relativamente dispendioso, pois custou na época a elevada quantia de noventa mil réis. Levam almofarizes, boiões, um tomo da Pharmacopéa tubarense,
mercúrio doce, pedra hume, triaga magna, pós de Joanes, benzoártico Curvo, madrepérola, coral aljofar e uma variedade de bálsamos e óleos.
Ilustração de Belmonte, publicada no livro
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