VINHETAS PAULISTAS - Impressão da cidade de Santos, tomada no dia da inauguração da formosa
estátua de Braz Cubas, fundador da cidade, a qual se vê de costas, presidindo a formosa praça
onde se acha instalada (N.E.: o monumento foi inaugurado em 26 de
janeiro de 1908, na Praça da República)
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O Brasil desde o oceano
Entre Santos e Rio de Janeiro -
Reminiscências da terra entrevista - Estatística do trabalho e da renda - Fluxo das entradas aduaneiras - Os primeiros eflúvios do café - Diagrama
biológico e econômico deste grande cultivo - O enorme Brasil - Os altiplanos e sua influência - Fenômeno transcendental: a altitude retificando a
latitude - Brasil vejo e Brasil novo - A república é o órgão para a função de criar o porvir - "O gigante que dorme" - Soou a hora de despertar?
Enquanto
o Araguaya vira e segue o amplo canal para deixar o porto de Santos, os passageiros, empoleirados na
popa, gozam a pitoresca formosura do panorama litorâneo e comentam o belo e já visível futuro dessa cidade que aí fica e à qual, julgando pelo
terreno em que fora instalada, fofo e alagadiço, nunca poderia lhe prenunciar um futuro importante, se não fosse tido como órgão de seu progresso um
porto indispensável a uma vasta e riquíssima zona – todo um país dentro do país brasileiro – a zona do café paulista, que cultiva hoje em suas
fazendas dois terços da produção cafeeira do Brasil.
Santos é pois uma criação do porto e não cabe duvidar hoje
de que será uma grande cidade, ainda que tivesse que ser feita no ar. Não é necessária semelhante bizarrice, porque o solo, drenado de seus
encharcamentos, fica assentado sobre um leito firmíssimo de granito – e este material, inesgotável e à mão em morros e montículos maciços dentro da
própria cidade, provê quanto se requer para cais, edifícios e lastro de ruas.
Assim, as edificações são feitas em pedra como elemento
mais barato, e é curioso notar, nas casas antigas, que o muro de granito foi rebocado para dissimular o material. Um ingênuo extravio do conceito
havia chegado a reputar como coisa ordinária o luxo senhorial do muro de cantaria! Hoje o ostentam desnudo, em belos edifícios de um granito
particular, diferente do nosso, predominando em sua formação o feldspato em nódulos irregulares, o que lhe dá um aspecto de jaspe sem tirar a severa
nobreza da pedra. Não resulta tão compacto o granito nesta forma, nem deixa tão puras as arestas, mas, contudo, tem a suficiente dureza para que
possam os arquitetos de Santos firmar as fachadas desta formosa pedra como quem firmasse cheques sobre a eternidade.
Nos telhados se conserva a telha espanhola, tão
característica – e a combinam em telhadinhos desencontrados, suspensos, de formas e declives caprichosos, produzindo edifícios de um belo aspecto
arcaico, em que a tradição e o gosto moderno permitem fazer combinações felizes e atraentes, realçadas pelo verdor perene e as ardentes florações de
uma vegetação esplendorosa.
PANORAMA DE SANTOS - PRIMEIRAS IMPRESSÕES DO BRASIL - Panorama do porto e parte da cidade de
Santos - Vê-se os armazéns e defensas da "Companhia das Docas de Santos", que saneou o porto insalubre;
vê-se parte da baía interior e o princípio do grande canal natural, de entrada e saída do porto, a cujos dois lados podem ser prolongados os cais
indefinidamente, dando ao porto quanta capacidade lhe peça o tráfego futuro. Sobre o morro da direita, alveja, atraente e
risonha, uma ermida colonial, à qual os penitentes chegam a subir até de joelhos...
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O grande porto segue sua tarefa, no agasalho estimulante
de uma tarde fresca, enquanto reviso meus apontamentos para constatar o progresso de seu movimento, que na carta anterior não pude fazer, apenas
indicar. Procurei uma estatística dos oito meses corridos desde janeiro a agosto deste ano (1907) e não pode estar mais atestada de sugestões. Desde
logo, entraram no porto 100 vapores mais que no mesmo período do ano anterior, com um aumento de 416.842 toneladas – ou seja, seguindo esta
proporção, o movimento do porto, que foi em todo o ano passado de 1.300.000 toneladas, andará este ano roçando os dois milhões. Há que recordar o
violento progresso do porto Madero (N.E.: parte do cais do porto
de Buenos Aires, desativada em fins do século XX e transformada em complexo turístico)
para fazer analogias a esse galhardo avanço.
Na renda, o progresso segue um ritmo parecido: no mês de
julho de 1906 produziu a aduana de Santos 3.326 contos de réis, ou sejam 2.400.000 pesos papel argentinos, e em julho deste ano excedeu esta cifra
em 1.300 contos, vale dizer, um pouco menos de um milhão de nossa moeda.
NATUREZA E TRABALHO - A luta do povo brasileiro por seu progresso agrícola - Primeira fase:
aspecto da selva virgem que cobre a imensa maioria do território do Brasil
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Bem é verdade que o fenômeno do aumento da renda é geral
no Brasil, pois a aduana do Rio de Janeiro superou em julho em dois milhões de pesos argentinos a renda do mesmo mês em 1906, e das outras 20
aduanas da União, muitas, como as de Aracaju, Uruguaiana, Paraíba, Florianópolis, Maceió, Pará e Bahia, aumentaram de 50 a 100 por cento, e outras,
como Corumbá, triplicaram sua renda. O fenômeno, segundo minhas impressões, deve-se em muito pequena parte a aumentos de tarifas: seu principal
fator reside num grande aumento de exportações e importações e em uma fiscalização mais severa da coleta.
Ademais, o movimento maior em tonelagem, constatado no
porto de Santos como causa visível do aumento da renda, permite generalizar a hipótese de que é realmente esse o fator essencial deste florescimento
rentístico que se observa em todas as aduanas do Brasil.
Andando em Santos, desde que se entra até que se sai, o
café é o tema, é o comentário que cruza todos os diálogos, até se tornar uma obsessão. Entra o precioso grão em intermináveis comboios, que baixam
do altiplano de São Paulo e vão se despejando nos enormes depósitos, donde se depositam sobre o solo, formando verdadeiras montanhas segundo sua
classe, e se faz logo à pá as mesclas compondo os diversos tipos que o mercado exterior exige. Depois, outra vez ao saco e ao transatlântico, e
nele, a espalhar-se pelo mundo, para estimular com suas suaves excitações o fatigado e misterioso laboratório das idéias.
Por isto pode dizer com verdade um viajante amigo, falando
do que este país exporta, que "o Brasil anda na cabeça e nos pés da humanidade". Na cabeça, referia-se ao café, e nos pés, pelos milhões de couros
de cabrito que somam anualmente uma linha importante de suas exportações.
Outra vez no mar e tomando o majestoso Araguaya seu
rumo até Rio, em uma tarde morna, o tema do café continuou predominando, como um tenaz e agradável eflúvio da terra próxima. A colheita do ano, que
está agora terminando de se realizar, pode começar a ser calculada, e já há base para estimá-la em um terço, ou bem pouco mais, da do ano passado,
que foi em São Paulo - onde são produzidos acima de dois terços do café do Brasil - de dezesseis milhões de sacos de 60 quilos, enquanto nesta safra
não irá mais além de seis milhões de bolsas.
Mas isto, que parece uma grave perda de receita, é mais um
feliz acidente, pois a superprodução, que é o verdadeiro inimigo deste produto, vinha preocupando os governos da zona cafeeira em tal grau, que o de
São Paulo, dando uma enérgica forma de cumprimento por sua parte ao convênio de Taubaté, celebrado no ano interior para manter as cotizações,
comprou por sua conta sete milhões de sacos e os depositou, para aliviar o mercado internacional e melhorar os preços, que iam já declinando a
limites de desastre. A medida, muito discutida então, teve uma sanção feliz com a deficiente produção deste ano – mas o governo se propõe todavia a
não lançar seu estoque ao mercado, até que os preços, em franca elevação, alcancem limites que suportem a forte dose desta reserva.
O CAFÉ, DA PLANTA À MESA - Uma planta carregada de fruto - A colheita - Vista de um cafezal em
produção - A lavagem do café - O café secando no terreiro - Usina de produção e ensacamento - Porto de Santos, em marcha para a mesa universal - O
café brasileiro de moda em Buenos Aires (uma das numerosas cafeterias existentes)
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Determina-se pois, em mérito destes fatores, em parte
casuais e em parte deliberados pelos governos, uma nova curva favorável no acidentado diagrama do comércio de café brasileiro, que tem em verdade
uma história econômica instrutiva. Os grandes preços deste produto começaram em 1872, época em que a América do Norte passou a comprar café do
Brasil em importante escala. A pouca produção de então foi levada a preços que ocasionaram um deslumbramento guloso, levando todo o mundo a cultivar
café. Com isso começou a ser preparada a primeira crise, que estalou dez anos mais tarde, estabelecendo-se desde então as altas e as baixas máximas
com um turno invariável de dez em dez anos.
Este curioso fenômeno econômico tem diretas vinculações
com o processo biológico da planta do café, que começa sua produção aos seis anos e chega a seu máximo aos dez. Assim, em 1872, todo mundo se pôs,
como fica dito, a plantar café, que seis anos depois começou a produzir, crescendo anualmente a proporção do rendimento, e baixando correlativamente
os preços, de sorte que em 1882, ou seja, aos dez anos, se alcançaram as duas máximas antitéticas: a máxima de rendimento e a máxima de depreciação,
que é seu resultado lógico.
Naturalmente, veio o crack e o conseqüente abandono
do cultivo por uma elevada quantidade de plantadores arruinados. Desde esse ponto, o fenômeno do aumento de preço volta a se insinuar, e
gradualmente sobe até um ponto em que, já cicatrizadas e até esquecidas as feridas do desastre, torna outra vez a injetar sugestões e a produzir um
rápido alargamento dos plantios, que dez anos mais tarde trarão de novo a inevitável queda dos preços.
De acordo com este curioso isocronismo, à alta de 1872 e a
queda de 1882 sucedeu a elevação de 1892, que foi maior ainda que a de vinte anos antes, e logo a baixa de 1902, que também foi maior que a de 1882.
Cabe pois esperar agora uma curva ascendente de preços, a culminar em 1912, sendo de crer que a experiência adquirida e a maior eficiência
administrativa dos governos republicanos preparem com tempo o meio de conjurar a derrubada, que nos decênios anteriores foi um sucedâneo inevitável
do auge extremo nas cotizações.
É no entanto o problema tão complexo, que será obra árdua
escapar aos diversos círculos viciosos que o compõem. Por exemplo: este ano, a escassa colheita foi um bem para os estados produtores, porque lhes
ajudará a melhorar o preço – mas é indubitável que aqueles plantadores de café que não tiveram em vista mais ganho possível da pouca ou muita que
lhe deixasse a colheita, e a perderam toda, sofreram prejuízos dolorosos.
Em princípio, não há cultivo tão nobre como este: na área
de terra onde se pode colher uma bolsa de trigo se obtém quatro sacos de café, cada um dos quais vale até duas libras esterlinas – e logo esta
região do Brasil que compreende o estado de São Paulo e o Sul de Minas é admiravelmente propícia para o cultivo da preciosa planta, que enquanto na
América Central e outros países produtores de café só dura de 12 a 15 anos e dá uma média de uma libra de café por árvore, neste privilegiado
altiplano, de terra roxa, as plantas são centenárias e dão em sua plenitude uma produção de três quilos cada uma.
São pois explicáveis as febris ilusões periódicas que
levam à fatalidade da superprodução – mas o inevitável disso contrabalanceia os extraordinários prestígios do cultivo cafeeiro, que, ao nascer sofre
remissões intensas, aconselhando uma prudente continência na propagação dos plantios.
Em 1892 a América do Norte comprou, ao Brasil e a outros
países, 600 milhões de libras de café e pagou por elas 108 milhões de dólares; em 1902, ou seja, na grande queda dos preços, comprou 900 milhões de
libras e lhe custaram só 50 milhões. Este dado é o melhor comentário da natureza econômica do café. Não obstante, é fora de dúvida que o consumo
deste produto aumenta, e com uma propaganda eficaz, que pode ser reforçada por tratados comerciais, chegará o Brasil, em tempo não muito distante, a
ocupar toda sua vastíssima terra cafeeira, afirmando sobre bases amplas essa que já é hoje uma enorme e privilegiada riqueza.
Agora mesmo, nos jornais de São Paulo que comprei em
Santos, vejo que tramita no Rio de Janeiro uma fórmula, que parece excelente, para a propagação do consumo de café no Japão. A própria República
Argentina, sobre a base de compensações fáceis de combinar, pode alargar seu consumo de café em grandes proporções, desterrando o chá de nossas
sobremesas e five o'clocks (N.E.: o tradicional "chá das cinco"
horas, costume inglês) e sem prejudicar por isto em nada a erva-mate,
cujo consumo na Argentina forma a melhor renda de dois grandes estados brasileiros.
NATUREZA E TRABALHO - Segunda fase: a vitória é do homem. Onde reinava a selva, estende-se o
milharal, que dá até três colheitas por ano, ou o cafezal, que rende 100 libras esterlinas de fruto por hectare, quando o preço anda bem...
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Afastando-se o navio a certa distância da costa, é como
melhor se domina e aprecia o singular acidente geo-topográfico a que deve o Brasil sua aptidão para certas produções e indústrias que, como a
pecuária, não pareceriam ir muito de acordo com a vocação de seu território, assentado em seus dois terços sobre a grelha do Equador.
De fato: quando se fala do Brasil, tomando-se em conta sua
latitude, mas nem sempre se recorda quanto seria necessário para não fazer juízos errôneos, a altitude de que desfruta é muitas vezes mais
importante do que sua enorme área superficial, que compreende mais da metade da América fértil, alcançando medir 200.000 milhas mais que a imensa
União do Norte.
Desde certa distância no mar se vê com toda claridade esse
acidente, providencial para o Brasil, da Serra do Mar, que vem desde o Sul da Bahia, correndo paralela à costa, até morrer no norte de Rio Grande, e
cuja particularidade consiste, como se sabe, em que, em vez de ser uma serra com declive oriental e ocidental, é uma muralha de pedra que sobe e não
baixa mais, continuando em forma de altiplano ou meseta fértil, alternada de planícies e serranias, até que bem distante, no paralelo andino, se
acaba a inacabável terra do Brasil.
Deste modo, o território, colocado sob clima tórrido,
sofre uma enérgica retificação por causa da altura desse desmesurado plateau, que varia de 400 a 1.300 metros, sem tomar nota de seus picos e
morros dominantes.
Este fato deve ser tido sempre muito presente, ainda
que se trate de apreciar as possibilidades do Brasil para o desenvolvimento de grandes indústrias agro-pastoris, ou de conjeturar a influência
étnica do clima e do solo sobre a população.
Não se deve deixar levar por teorizações sobre a ação
degeneradora do excessivo calor porque, em relação a dois terços pelo menos do território brasileiro, se incorreria num erro pueril. Nos colossais e
acidentados altiplanos, tanto do litoral como do centro, a população nativa se desenvolve num meio perfeitamente compatível com uma seleção regular,
que está se produzindo, apesar de ser todavia escassa a renovação do sangue. Onde o estrangeiro entrou, a evolução tem sido rápida, perfilando-se as
características de uma sub-raça forte, industriosa e tenaz – qualidade esta última que se nutre e afina singularmente na necessidade que tem o
brasileiro de lutar apertado com a natureza, a qual não é, como normalmente figuramos, uma fomentadora do ócio nacional.
Muito mais sem fadigas foi nossa primeira idade pastoril à
bondade de Deus. O agricultor brasileiro das regiões mais ricas tem que derrubar uma árvore para pôr um pé de milho ou de café, tem que vencer a
floresta para instalar sua casa e fazer seus pequenos pastoreios, e tem que voltear, flanquear ou perfurar um morro de pedra ou saltar um rio para
estender cada quilômetro de suas audazes ferrovias. Esta necessidade de luta tem que exercer por força uma influência considerável no espírito e no
nervo da sub-raça que se está formando – e cuja aptidão de seleção se mostra até na rapidez com que vai liquidando o oneroso passivo étnico em que a
deixou a escravidão.
Convém tomar boa nota destes fatos elementares, para não
se equivocar demasiado ao julgar a verdadeira importância do Brasil, seu valor moral e específico, sua capacidade econômica e sua aptidão para o
progresso. Dando um pouco de altura ao ponto de observação, não é difícil compreender que este país é um dos melhor dotados do planeta para o
desenvolvimento rápido e firme de uma vasta civilização, em núcleos muito intensos, malgrado a forma forçosamente extensiva em que tem que se ir
espalhando a população e a cultura nessas imensidões territoriais.
Sua melhor aliada, como vimos em parte, é a geografia. Mas
esta aliada foi durante o Império sua fatalidade, porque este país, com dezesseis de seus vinte estados sobre o oceano e com outros dois servidos
por grandes rios, não podia suportar um governo centralista sem padecer uma verdadeira paralisia. Tudo o que a geografia argentina pugna para o
unitarismo, impõe a geografia brasileira o regime federal. A isso, tanto como à virtude dinâmica da forma republicana, deve-se atribuir o salto que
deu o Brasil no sentido de seu adiantamento, apenas uma forma de governo compatível com sua estrutura o deixou em condições de preparar seu destino.
HOMENS DE AÇÃO MENTAL - Dr. J. F. de Assis Brasil, que deixou a diplomacia para ensinar com o
exemplo, em sua Granja Modelo de Rio Grande, os modernos processos do trabalho agropecuário
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A circunstância, feliz para mim, de viajar no mesmo vapor
o doutor Assis Brasil, bem estimado ministro na Argentina, me permitiu obter de sua ilustrada cortesia elementos de juízo particularmente
interessantes a este fim demonstrativo, provendo-me de pontos de vista claramente significativos para estabelecer, por mera comparação de estados e
fatos, as diferenças essenciais entre o Brasil monárquico e o Brasil republicano.
De imediato, sob o Império não fez o Brasil um esforço
eficaz para sanear sua vida, mantendo íntegra sobre seu crédito a tara temível da febre amarela. A República tomou esse
trabalho de Hércules e com a cooperação de alentados homens de ciência brasileiros, limpou suas cidades insalubres e seus portos homicidas, que hoje
se oferecem à imigração mundial totalmente imunes já do sinistro perigo tradicional.
Pelo que tem de embelezamento e conforto da vida, portos
etc., Rio de Janeiro passou seu período imperial sem ir muito mais além do que lhe fizera o bom rei d. João VI. A República, em quatro anos, depois
que serenou sua vida institucional das inevitáveis sacudidas dos primeiros tempos, improvisou uma metrópole moderna no caótico casario colonial.
Desde 1855 até 1889, ou seja, em um lapso de 34 anos, o
Império construiu 8.000 quilômetros de ferrovias: a República fez já 10.000 mais, e em todo o ano corrente tocará a borda dos 20.000 quilômetros em
sua rede total, sendo isto apenas parte de um programa que vai levando linhas novas até todos os rumos do horizonte e que em três anos mais ligara
Rio de Janeiro a Mato Grosso por um lado e com Montevidéu por outro, completando já este último fim alguns trechos do sistema que já apóia sua
cabeça na fronteira uruguaia.
Mas não é isto tudo o feito em matéria de ferrovias – a
República comprou várias linhas que o Império havia contratado com garantias de 7 por cento, contratando para esta operação um empréstimo de 4 por
cento, com o qual obtém uma forte diferença e mantém a propriedade das linhas.
A dívida aumentou, certamente, mas isto era fatal no
período de agitações que se seguiu à implantação do novo regime, e logo, cabe observar que os empréstimos novos foram feitos para obras públicas,
para sanear o país, para fazer portos, para dar à metrópole sua escala de prestígio e para reduzir a onerosa carga das garantias ferroviárias. A
reorganização das finanças públicas foi habilmente planejada e posta em obra pelo governo anterior e o presente continua o propósito com severa
energia, da qual é um sintoma visível o aumento da renda, filho da ordem administrativa e da correção fiscal.
- E na política exterior?
-
É aí – expressou o senhor Assis Brasil, onde com mais firmeza se orientou a ação da República.
O Brasil mantinha, com laboriosos e complicados expedientes, uma questão de limites com cada vizinho fronteiriço. Com França debatia o Amapá,
território extenso e rico, duas vezes maior que a República do Uruguai. O império propôs dividir ao meio o território litigado e Napoleão III se
negou, declarando que só o Amazonas era um limite digno de ambos os impérios. A República submeteu a questão à arbitragem de Suíça e ganhou toda a
terra disputada.
-
O pleito com Inglaterra foi concluído por arbitragem de Itália e o que
sustentávamos com a Holanda por um acordo direto. A diferença com a Argentina terminou na forma conhecida e se acertaram igualmente os litígios com
Colômbia, Equador, Venezuela e Bolívia, tendo esta última um relevo de grande jornada diplomática, pois se evitou com o acordo uma Chartered
continental, e se formou um novo estado florescente, que, sem ter ainda mais de 40.000 habitantes, rende já uma renda anual de um milhão de libras.
-
Esta questão, que se estabeleceu, como é sabido, compensando à Bolívia com
dois milhões de libras esterlinas, trouxe em seus cordiais compromissos vantagens a ambas as nações: à Bolívia, cuja soberania no Acre era difícil e
precária, e ao Brasil, que podia organizar e organizou a exploração do caucho, havendo já recuperado, em quatro anos, os dois milhões de libras
dados à Bolívia, cuja boa amizade, por outra parte, sinceramente obtida, não foi a menor vantagem daquele acordo.
-
Resta apenas pendente uma antiga questão com o Peru, mas o fato demonstra bem clara a política
exterior do Brasil no novo regime – política de concórdia continental, de acordos pacificadores, de arbitragens e de compensações – política de
ordem na própria herança e de respeito à herança alheia. A República concluiu assim, em quinze anos, oito questões de limites, enquanto o Império em
toda sua existência chegou apenas a estabelecer dois – com o Uruguai e com o Paraguai – mas aquelas custaram 100.000 homens e 100 milhões de libras,
enquanto que os convênios da República foram lealmente entregues, ou ao compromisso recíproco ou à decisão da justiça e do Direito. Tal foi o
passado, e tal é o presente: e com ele à vista, os espíritos serenos podem conjeturar qual será o futuro, por lógica conseqüência, a política
externa do Brasil republicano
[*].
- "Mas se arma..."
- "Pode-se
dizer que se arma se armar-se se chama a comprar três navios em substituição de alguns que vendeu e de outros vários que estão já no máximo de
serviço. Isso estava também estancado – e ao se mover a nação, move-se, como tudo, em um sentido de prudente e razoável melhoramento. Em todo caso,
o que o Brasil quer é obter uma plena certeza de paz e de respeito à sua soberania. Sua herança é rica e o anseio nacional é simplesmente pôr-se em
condições de poder se consagrar a trabalhar e se engrandecer nela, sem zelos e sem receios".
Estas conversações, a cujos dados simplesmente objetivos
seria difícil negar uma força de expressão considerável, eram já tidas sob as claras luzes do Cruzeiro. No dia seguinte, ao romper a aurora, o
transatlântico, enfrentando a barra, apequenado seu molhe pela grandiosidade da natureza que surgia das ondas, fazia rumo à entrada da maravilhosa
baía de Rio, em cujo perfil exterior um estupendo capricho do criador das coisas fez com as montanhas de Gávea e Tijuca a cara e o nariz aquilino,
com o Corcovado o tronco e as pernas, e com o Pão de Açúcar os pés de um corpo humano, quimérico e grandioso, que se chama "o gigante que dorme".
Ali estava o gigante, deitado de costas – quieto em seu
secular sono de pedra – mas fantasiando sensações, pensava eu se haveria chegado o dia em que o ciclópico dormente, despertado por fim, se
incorporasse a cumprir algum grande destino. Pensava-o e gozava uma satisfação interior ao sentir que este pensamento não despertava a menor sombra
de inquietação no carinho que enche minha alma por minhas duas pátrias – a pequena e a grande – a que me ata à sua terra três vezes bendita com os
laços da infância, da juventude, do amor santificado e do sofrimento, e a que me vincula a seu excelso destino com vínculos de inesquecível gratidão
e de nobres deveres.
Vou a ver – vou a tratar de ver a alma do Brasil – e faça
minha boa estrela que as convicções posteriores confirmem a fé com que, nesta hora de religioso recolhimento, livre o coração de paixões egoístas e
a consciência de todo preconceito que possa ofuscá-la, me disponho a realizar, como melhor e mais lealmente seja dado à pequenez de meus meios, a
tarefa de informação imparcial e afetuosa, de comunicação e aproximação espiritual, que me foi encomendada, e para cujo cumprimento, por uma amável
associação de idéias, me vêm à memória, com o império de uma sina a cumprir, o belo lema de Eça de Queiroz: "Sob
o manto diáfano da Fantasia, a nudez forte da Verdade!"
O GIGANTE QUE DORME (Desenho de Hohmann, reproduzindo fielmente o perfil superior das montanhas
vistas desde o Oceano, ao enfrentar à entrada da baía do Rio de Janeiro. A entrada é à direita da imagem, onde se vê a silhueta de um barco em popa,
penetrando na baía) - ... No dia seguinte, ao romper do dia, o Araguaya, enfrentando a barra, apequenado seu molhe pela grandiosidade da
natureza que surgia das ondas, fazia rumo à entrada da maravilhosa baía do Rio de Janeiro, em cujo perfil exterior um estupendo capricho do criador
das coisas fez com as montanhas de Gávea e Tijuca a cara e o nariz aquilino, com o Corcovado o tronco e as pernas, e com o Pão de Açúcar os pés de
um corpo humano, quimérico e grandioso, que se chama "o gigante que dorme". Ali estava o gigante, deitado de costas - quieto em seu secular sono de
pedra - mas fantasiando sensações, pensava eu se havia chegado o dia em que o ciclópico dormente, despertado por fim, se incorporasse a cumprir
algum grande destino... (págs. 22-23)
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[*]
A fina suspicácia de um distinto escritor brasileiro, paladino do antigo regime e mestre da ironia, acreditou encontrar, nestas simples sínteses
comparadas do labor imperial e do labor republicano em sua pátria, um critério estreito de sectarismo, hostil à venerável pessoa do grande
imperador, com cujo desterro terminou no Brasil o regime monárquico.
Nada mais distante de meu espírito e do ânimo do brasileiro
eminente que, em amáveis conversações a bordo, nos estimulantes ócios da viagem, me provia desses pontos de vista substantivos para julgar, como
ficou julgado, que o Brasil encontrou na república federal a fórmula feliz de seu destino e o fator insuperável de sua grandeza.
Minha respeitosa simpatia pela nobre memória de d. Pedro II não
tem somente o motivo espiritual de uma sincera admiração pelas altas virtudes que lhe deram lugar de honra entre os grandes de seu tempo, como
também razões de solidariedade política, deduzidas dos vínculos que uniram historicamente o partido a que pertenço em meu pais com o governo
imperial. Também tenho sempre presente a deferência e o altruísmo fraternal com que a República Oriental foi invariavelmente considerada nos
conselhos de d. Pedro II.
Não pode, em conseqüência, minha referência impessoal e
respeitosa, ferir nenhuma delicadeza no Brasil, que deve conservar, como de fato conserva, a veneração daquele grande brasileiro que honrou sua
nação e a serviu quanto era humanamente possível dentro da insanável deficiência do regime monárquico e das dificuldades dos tempos.
Fica, pois, a
reportagem tal como foi apresentada – pois se bem seus dados, recolhidos de memória e postos grosso modo, em números e fatos redondos,
poderiam ser apurados, não ganharia nada com isso o objeto essencial da demonstração ensaiada e perderia a sobriedade do texto, que faz uma
referência de passagem e não um estudo documental. |