Pioneiros santenses
A moda da cabeça ao léu - Os primeiros "ases" do volante
(Crônica de "Velho Tinoco", para A Tribuna")
Aí pelas alturas de 1910, há trinta e quatro anos,
portanto, os habitantes de Santópolis começaram a ficar intrigados com a presença, nos lugares públicos, freqüentados pela elite citadina, de um
jovem extremamente simpático, nem baixo nem alto, de cabelos bastos caprichosamente penteados, e sempre muito aprumado nos seus impecáveis casacos e
calças, manufaturados por elegante "tailor" (N.E.: alfaiate)
com as mais caras casimiras importadas da Inglaterra.
A presença desse rapaz causava alvoroço entre as mocinhas, candidatas ao "conjugo
vobis" (N.E.: casamento) nas igrejas da "urbs" (N.E.:
urbe, cidade) andradina. E causava alvoroço por duas ponderosas razões; 1ª, porque o moço era, com efeito, um "pedaço",
consoante agora se diria; 2ª, porque o amável cavalheiro andava sempre, houvesse sol ou caísse chuva, com a cabeça ao léu, e, nos dias de grande
canícula, com o paletó dobrado e conduzido sobre o braço esquerdo, tal qual se usa hoje com as capas, quando não há mau tempo.
Esse mocinho, se tivesse um palmo a mais na altura, seria hoje um ótimo galã de
cinema. Naqueles bons tempos, em que o Apulcro, que era contínuo do gabinete do prefeito, costumava anunciar assim qualquer candidato a uma
conferência com o governador da cidade: "Seu coroné, t'aí um 'cara' que pertende cunferençá cum vossoria..."
saindo, em seguida, a assobiar um maxixe em voga; naqueles bons tempos, - dizia eu, Luiz Caiaffa, pois assim se chamava e ainda felizmente se chama,
o precursor dos cabeças ao léu - era uma espécie de Petronius urbano; um "arbiter elegantiarum" (N.E.:
árbitro de elegância) local; um Brumel, cuja indumentária a rapaziada de Santos procurava imitar.
Caiaffinha era o "ai, Jesus" do Clube XV e dos vesperais
dançantes do Miramar, casa de diversões que ele freqüentava ainda mesmo que chovesse e onde havia eterna primavera -
consoante anunciava o saudoso Ricardo Arruda, seu proprietário.
Caiaffinha foi, pois, o pioneiro em Santos da moda
da cabeça descoberta. E essa glória ninguém lha pode roubar. Depois dele é que surgiram outras cabeças à procura de um chapéu, como, por exemplo,
Hitler, Mussolini "et caterva".
***
O primeiro automóvel que rodou pelas ruas pacatas de
Santos pertencia ao industrial anglo-egípcio Ernesto Ressman, que tinha uma oficina mecânica instalada à Praça Teles.
Em 1909, quando vim para Santos, muitas vezes quedei-me, embasbacado, numa calçada, para ver
passar, assustando a gurizada com o seu estridente "téco-téco", o automóvel de Reissman. Era uma "barata", bi-place
(N.E.: de dois lugares, motorista e um passageiro), muito alta, muito barulhenta, muito
enguiçadeira, com o guidão na vertical e pintada de verde azeitona.
Ernesto Reissman costumava passear com sua esposa nessa carripana mecânica, atraindo
sempre a curiosidade da molecada, que apostava carreiras com o estranho veículo.
Estou a rever o Reissman, com um charutão atravancando-lhe a boca, enfeitada por uma
vasta e inóspita bigodeira à Stalin e a cabeça coberta por um chapelinho de palha, de abas largas.
Ernesto Reissman foi o primeiro motorista amador que teve Santos. Eugênio Wansuit -
que ainda aí está bem vivo e são - foi o professor dos "chauffeurs" (N.E.: choferes, motoristas)
profissionais.
Desde 1910 que o Wansuit guia caminhões, limusines, "baretas",
double-faetons e outras caranguejolas a que o vulgo chama de automóvel.
Quantas e quantas vezes eu fui conduzido por ele na Fiat do Nereu Pestana, que era
então o contratante do serviço de Limpeza Pública da cidade - para a residência daquele meu velho amigo, na Ponta da Praia.
E eu quedava-me, enlevado, dentro da Fiat, admirando a perícia com que o Wansuit "trilhava", desde Vila Matias até
o Gonzaga, para depois entrar pela praia a dentro, rumo à residência de Nereu Rangel Pestana!...
O segundo automóvel, que apareceu em Santos, foi o "double-faeton" de Nereu
Pestana, um carro "alinhado" (para aquela época), pintado de vermelho, com capota de lona, beijé (N.E.: cor
bege).
O terceiro pertencia a Haroldo Gross, estimado classificador de café, e era pintado de
preto, sendo a carroceria igual à do carro de Ernesto Ressman.
Bons tempos aqueles, pois não me consta que nenhum desses pioneiros do automobilismo,
cinesíforos incipientes, haja atropelado sequer um gato vagabundo, quanto mais uma criatura humana, uma representante do gênero "homo sapiens"!...
Em tempo - E não havia "grilos"
(N.E.: guardas de trânsito, assim chamados pelos apitos que usavam) nem apitos controladores do
tráfego urbano, o que era muito melhor, portanto.
Adendo - O que não acontece atualmente, porém!
EU MESMO
|