Santos chega hoje aos 25 anos de autonomia
O mais importante acontecimento político de Santos, na história recente, faz 25 anos hoje: a
autonomia política, que restituiu aos santistas o direito de eleger prefeitos. Após 14 anos de regime de exceção, a mudança ocorreu por intermédio
da assinatura do Decreto-Lei 2.050 pelo presidente da República em exercício, Aureliano Chaves.
Autonomistas festejam diante do prédio da Prefeitura de Santos
Foto: arquivo, publicada com a matéria, na primeira página
POLÍTICA
Uma geração com autonomia
Hoje, faz 25 anos que se assinou o decreto-lei pelo qual se devolveu aos santistas o direito
de eleger os prefeitos da Cidade. Santos foi a primeira das 106 cidades que eram consideradas áreas de segurança nacional a ter de volta a sua
autonomia política
Rafael Motta
Da Redação
"Por quê, afinal, devemos parar de lutar? O País já
conseguiu acabar com a corrupção? O Governo já conseguiu os meios indispensáveis à prometida obra de reconstrução econômica, financeira, política e
moral do Brasil?".
Já idoso, era o que costumava indagar o ainda atuante sindicalista Leonardo Roitman, numa época em
que Santos, considerada área de segurança nacional, tinha prefeitos indicados pelo governo militar.
Ele, porém, não estava entre as cerca de 300 pessoas que, na noite de 1º de agosto de 1983,
rumaram para Brasília com a promessa de só voltar quando resgatassem a autonomia política da Cidade: morreu na madrugada daquele dia, vitimado por
um colapso cardíaco.
Em sua memória, o grupo, que viajou em cinco ônibus, se denominou Caravana Autonomista Leonardo
Roitman. Voltou para casa no dia 3, seguinte à assinatura do Decreto-Lei 2.050 pelo presidente da República em exercício, Aureliano Chaves. Após
14 anos de exceção, restituiu-se aos santistas o direito de eleger prefeitos.
O mais importante acontecimento político da Cidade, na história recente, faz 25 anos hoje. Uma
geração. E foi o sinal para que outras cidades, capitais e o País também recuperassem sua autonomia - e se desse fim à ditadura, instaurada com o
golpe de 1964.
A despeito da importância nacional do episódio, alguns dos que batalharam pelo restabelecimento do
regime democrático pleno em Santos têm a impressão de que o desfecho não recebe o devido destaque.
"Não dá para comparar a autonomia com outro acontecimento histórico. Só vi coisa igual em
conquista de Mundial (de futebol)", avalia Adelino Rodrigues, que, naquele ano, exercia o primeiro mandato na Câmara. Ele e os colegas de plenário
Eduardo Castilho Salvador e Moacir de Oliveira formaram uma Comissão Especial de Vereadores (CEV) que organizou atos pela autonomia. A caravana,
inclusive.
"Teve pedágio na orla, pararam carros, distribuíram material, estenderam faixa na final do
Campeonato Brasileiro (na qual o Flamengo venceu o Santos por 3 a 0, no Maracanã, e sagrou-se campeão)", relatou o jornalista Lane Valiengo, na
época repórter de A Tribuna.
Valiengo fez várias reportagens sobre a autonomia e esteve na caravana. "As pessoas já têm muita
preocupação com o momento atual, mas o dia deveria ser comemorado com uma grande festa popular", sugeriu.
SAIBA MAIS |
Nascido em 1917, Leonardo Roitman presidiu o Sindicato dos Empregados na Administração Portuária. Eleito
vereador em 1945 pelo Partido Comunista, foi impedido de assumir. Acabou demitido da Companhia Docas após o golpe de 1964. Um colapso cardíaco o
matou em 1º de agosto de 1983
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Luiz Rodrigues Corvo
Advogado e ex-vereador
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Bastidores - Deputado federal eleito em 1982 pelo PTB, recriado após o fim do
bipartidarismo de Arena (pró-regime) e MDB, Gastone Righi assumiu o cargo em 1983. Logo, apresentou um projeto de lei para a devolução da autonomia
santista.
A propositura passou facilmente na Câmara dos Deputados. No Senado, era o primeiro item da sessão
de 2 de agosto, pautado em regime de urgência urgentíssima.
Na véspera, Righi, outras lideranças do PTB e os ministros Leitão de Abreu (Casa Civil) e Delfim
Netto (Planejamento) se reuniram para discutir o projeto. Abreu expôs que a proposta seria "inconstitucional": só por decreto-lei se devolveria a
autonomia.
"Era uma questão de filosofia do Governo. A Carta (Magna) que
impuseram em 1967 foi a de um Estado autoritário. Mas o País caminhava para a abertura. O PDS (sucessor da Arena) estava isolado. Se o Executivo
vetasse o projeto, se revelaria uma ditadura. O decreto foi repetição do meu projeto", explicou Righi.
O ex-deputado ainda ressaltou que "Santos não agiu sozinha, mas ao acontecer a autonomia, (a
manutenção do regime) ficou insustentável.
Após retornar de Brasília, autonomistas fizeram festa diante do Palácio José Bonifácio, sede da
Prefeitura
Foto: arquivo, de 3/8/1983, publicada com a matéria
Denúncia e oposição foram caminho
O advogado Nelson Fabiano Sobrinho foi eleito vereador pelo MDB em 1972. Assim que tomou posse,
apresentou um projeto de lei para que se extinguisse a verba de mordomia instituída pelo interventor federal, Clóvis Bandeira
Brasil, para suas despesas pessoais.
Alvoroçado, o Legislativo rejeitou a propositura. Mas, para Fabiano, a iniciativa foi vitoriosa,
como demonstração de que a ausência de autonomia era prejudicial ao Município.
"Procuramos desgastar a intervenção federal. Havia nepotismo no governo (Bandeira Brasil nomeou o
filho, Alcides, secretário de Turismo), super-faturamento de obras. E a Cidade se atrasou, foi perseguida", comentou o ex-vereador.
A atuação política de Fabiano assegurou sua eleição para a Assembléia Legislativa, em 1974. Mas,
em 5 de janeiro de 1976, ele e o então deputado federal Marcelo Gato foram os últimos políticos cassados pela ditadura, por denunciarem tortura a
presos políticos.
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"Santos contribuiu de forma direta e objetiva
para a volta da democracia no País"
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Esmeraldo Tarqüínio Neto
Vice-prefeito (1984-1988)
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Nas urnas, oposição - Mesmo anestesiado pelos acontecimentos, o eleitorado santista
mostrava seu descontentamento com o regime nas eleições. Em 1974, no pleito para deputado estadual, 42,25% dos votos, na Cidade, foram destinados a
quatro candidatos do MDB (Nelson Fabiano, Del Bosco Amaral, Emílio Justo e José Gonçalves).
Na votação para deputado federal, o apoio aos oposicionistas foi ainda mais expressivo: 49,82% de
todos os votos em Santos foram dados a dois concorrentes do MDB: Athié Jorge Coury e Marcelo Gato.
O mesmo ocorreu em eleições seguintes. Para vereador, em 1976, 11 dos 19 eleitos eram da oposição.
No pleito posterior, em 1982, 11 das 19 cadeiras foram renovadas. O PDS só fez quatro vereadores.
Compunha-se, assim, um clima propício às manifestações de 1983, que culminaram na caravana e na
autonomia política.
Último nomeado - Paulo Gomes Barbosa, último prefeito nomeado de Santos e hoje vereador
pelo PSDB, repudia a versão autonomista de que os chefes de Executivo biônicos não se incomodavam com os problemas de Santos.
"Fui nomeado pelo presidente (João Baptista) Figueiredo por
meus serviços à Cidade e ao Brasil. Tem gente que fala em autonomia e nunca foi além do Riacho Grande. Eu estive em Brasília e, com o Gastone Righi,
levamos o texto do decreto ao chefe da Casa Militar, Danilo Venturini", rebateu.
Na edição de 3 de agosto de 1983, A Tribuna publicou o decreto-lei
Imagem: Patrícia Cruz/reprodução, publicada com a matéria
Golpes sucessivos abalaram Santos
Até o início da década de 1960, Santos era nacionalmente destacada pela força de seu movimento
sindical - repetidas vezes, grevista - e pela simpatia do eleitorado a esquerdistas.
O golpe de 194 despedaçou o sindicalismo. Em 1967, um Ato Institucional extinguiu os partidos
políticos. Passou a haver apenas dois: Arena (de sustentação do regime) e MDB.
Nas eleições de 1968, os santistas deram a vitória à oposição: elegeram
Esmeraldo Tarqüínio para prefeito - único negro indicado para o cargo na história da Cidade -, e dez dos 19 vereadores escolhidos eram do MDB.
Em 13 de março de 1969, o governo decretou intervenção em Santos. Tarqüínio, que nem tomara posse,
foi cassado e teve os direitos políticos suspensos por dez anos. Seu vice, Oswaldo Justo, renunciou. O general Clóvis
Bandeira Brasil foi nomeado interventor federal. Depois, o MDB perdeu a maioria na Câmara: Joaquim Coutinho Marques se
transferiu à Arena e foi eleito presidente da Casa.
Em 12 de setembro de 1969, o presidente Arthur da Costa e Silva
assinou o Decreto-Lei 865, que transformou Santos em área de interesse da segurança nacional. A partir dali, os prefeitos foram nomeados: Brasil
(que ficou no cargo até 1974) e os civis Antônio Manoel de Carvalho (1974-1979), Carlos Caldeira
Filho (1979-1980) e Paulo Gomes Barbosa (1980-1984).
Devolvida em 1983, a autonomia se consolidou em 9 de julho de 1984, com a posse do prefeito
eleito, Oswaldo Justo. Seu vice, Esmeraldo Tarquínio Neto - filho do prefeito cassado 15 anos antes.
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Foto: Rogério Soares/Arquivo |
Foto: Arquivo-1982 |
Justo (esq.), eleito em 1984, era vice de Tarquínio,
cassado em 1969
Fotos publicadas com a matéria
Num século, 40 anos de voto direto
Dos 43 prefeitos que Santos já teve - o primeiro deles, o coronel Carlos
Augusto Vasconcelos Tavares, empossado em 15 de janeiro de 1908 -, apenas 18 foram eleitos pelo voto direto.
Os demais chegaram ao cargo por meio de nomeações governamentais. Ainda: após o golpe de Estado de
1930, uma junta governativa de três componentes administrou a Cidade por um mês.
Somados os períodos de governo dos prefeitos eleitos e nomeados, conclui-se que, dos 100 anos de
existência da figura do prefeito no Município, houve 40 de autonomia política, em quatro períodos: de 1936 (com a escolha de
Aristides Bastos Machado) a 1937, de 1953 a 1964, de 1965 a 1969 e desde 1984.
O período atual de autonomia, desde a posse de Oswaldo Justo, tem sido o mais longo.
5 ÔNIBUS |
compuseram a Caravana Autonomista Leonardo Roitman,
com cerca de 300 integrantes
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Mais histórias - Outro exemplo de esforço pela autonomia foi contado pelo jornalista Luiz
Dias Guimarães, que também cobriu o tema por A Tribuna e acompanhou a caravana autonomista.
"Não se podia entrar com bandeiras no Senado (no dia em que estava pautado o projeto de Gastone
Righi). Então, os que estavam na linha de frente tiraram os casacos. Cada um usava uma camiseta branca com uma letra. Eles se juntaram e formaram a
frase Autonomia para Santos", relatou.
O projeto não foi votado, o que desolou a comitiva. Contudo, Guimarães e o repórter Virgínio
Sanches foram ao Palácio do Planalto. Com ajuda de um colega jornalista, obtiveram cópia do decreto da autonomia, assinado naquela tarde.
Levaram-na, "ainda quente", à comitiva. Foi um emocionado e triunfante retorno a Santos. |