RESGATE
40 anos depois
Cassado pela Câmara em 6 de abril de 1964, Luiz Rodrigues Corvo foi homenageado ontem, na Sala Princesa Isabel
Luiz Gomes Otero
Da Reportagem
Quarenta anos depois de ter tido o seu mandato cassado,
no primeiro mês de vigência do regime militar no Governo Federal, o advogado e ex-vereador Luiz Rodrigues Corvo teve sua trajetória na política
reconhecida pelo Legislativo santista. Em uma sessão realizada na noite de ontem, ele retornou ao plenário, desta vez, para receber uma homenagem,
viabilizada por meio de uma indicação do vereador Uriel Villas Boas (PCB).
Em 1963, com apenas 22 anos, Corvo, então um estudante universitário de Direito,
filiado ao então Partido Republicano (PR), obteve uma votação expressiva, com 1.734 votos, ficando atrás somente do vereador Fernando Oliva, que
registrou 1.739 votos, ou seja, cinco a mais do que o jovem estreante.
Entretanto, ele acabou sendo cassado pela Câmara no dia 6 de abril de 1964. Exatamente
três dias antes do primeiro Ato Institucional decretado pelo regime militar do Governo Federal, que sucedeu o período da renúncia do presidente
Jânio Quadros e a deposição do seu vice, João Goulart. Na prática, Corvo
pode ser apontado como um dos primeiros políticos cassados no País naquela ocasião.
Ele relembra como surgiu o interesse pela política. "Meus pais eram admiradores de
Getúlio Vargas. Nós morávamos em uma casa modesta no Centro, na Rua São Francisco. E
lembro de ver minha mãe chorando, ouvindo no rádio a carta-testamento e a notícia de seu suicídio. Foi a partir desse instante que eu passei a me
interessar pela política".
Corvo estudou nos colégios José Bonifácio e
Santista, antes de ingressar na Faculdade de Direito de Santos. E sempre esteve engajado com os
movimentos estudantis e sindicais, antes de se lançar como candidato a vereador.
"A minha entrada na política foi algo bem natural. Muitos se surpreenderam com a minha
votação, até mesmo pelo fato de ser um estreante. Mas o fato é que sempre fiz um trabalho de base forte com o eleitorado", afirmou o ex-vereador.
LEMBRANÇA |
"Muitos se surpreenderam com a minha votação,
até mesmo pelo fato de ser um estreante"
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Luiz Rodrigues Corvo
Advogado e ex-vereador
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Naquela época, a realidade da Câmara era bem diferente da atual. Ao invés das 21 vagas
atuais (para a próxima legislatura, devem ser eleitos 17), havia 11 vereadores eleitos na Cidade. "Apesar disso, a eleição era bastante disputada.
Também havia muitos partidos políticos, como hoje".
Ao assumir o cargo, em janeiro de 1964, o PR, partido de Corvo, mantinha uma bancada
com dois integrantes (Carlos Morais Carneiro era o outro vereador). O Legislativo era presidido por João Inácio de Souza (PTB), o Joãozinho de
Instituto, pai da atual deputada federal Telma de Souza (PT), que concorre atualmente na eleição municipal.
A Câmara contava ainda com os então vereadores Oswaldo Justo (pelo PDC), José
Gonçalves (coligação PTB-PSD), Matsutaro Uehara (PSP), Aristóteles Ferreira (PSP), Benjamin Goldenberg (PRT), entre outros.
Entretanto, com o advento do Golpe Militar, ocorrido no final de março de 64, Corvo
passou a enfrentar resistências ao seu trabalho dentro da própria Câmara. "Esta mobilização culminou com o pedido de um grupo denominado Movimento
de Arregimentação Feminina, que exigiu a minha cassação. O vereador Renato Ferreira Rocha foi o autor do projeto de resolução, que acabou sendo
aprovado por unanimidade, em uma sessão extraordinária do dia 6 de abril".
A partir deste instante, ele passou a sofrer pressões de vários setores. "Solicitei um
afastamento por licença médica, que acabou sendo negado. Depois disso, entrei com uma ação na Justiça para garantir o exercício de meu mandato. O
lado irônico é que, depois que eu obtive a vitória na Justiça, em abril de 1965, o Governo Militar decretou o Ato Institucional nº 2, que tornou
legais todos os atos do Legislativo que cassaram o meu mandato".
Corvo foi eleito em 1963, aos 22 anos, pelo então Partido Republicano (PR), obtendo
1.734 votos
Foto: Carlos Marques, publicada com a matéria
Corvo acabou preso em 1965
Em abril de 1965, Luiz Rodrigues Corvo acabou sendo preso e levado para o
2º Batalhão de Caçadores (2º BC) de São Vicente, onde permaneceu por cerca de um mês,
até ser transferido para a Cadeia Pública do Centro, na Avenida São Francisco. Neste local, ele ficou detido por mais três
meses, até ser solto depois da aprovação de um habeas corpus pela Justiça.
"Depois desse episódio e do trauma da cassação, me desiludi com a política, embora
nunca tenha deixado de permanecer interessado pelo assunto. Montei um escritório na Capital, onde me especializei em Advocacia Empresarial. E
continuo atuando nesta área até hoje", informa o ex-parlamentar.
Atualmente, Corvo se considera um observador atento da evolução política do País.
"Colaborei com as campanhas do Mário Covas para o Governo do Estado e do Fernando Henrique Cardoso para a
Presidência da República. Mas sempre atuando de forma discreta. Nunca mais quis entrar na vida política, de forma efetiva".
Sobre a atual política do Governo Federal, conduzida pelo presidente
Luiz Ignácio Lula da Silva, Corvo lembrou a trajetória do PT até a chegada ao poder. "Depois de tanto criticar
os governos, o PT acabou fazendo exatamente o mesmo que as administrações que o antecederam. Tudo isso em função da questão da dívida externa e da
característica globalizada da economia mundial".
Comparando a sua época com a atual, Corvo lembra que o momento que o mundo atravessava
era bem diferente da realidade atual. "A década de 60 foi o auge da chamada Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética, que hoje não
existe mais. Some-se isso ao fato de que estávamos sob um regime de governo que coibia a liberdade de expressão, em vários aspectos".
No que se refere à questão da fidelidade partidária, Corvo relembra que, até o Golpe
Militar, os vereadores permaneciam por mais tempo em seus respectivos partidos.
"Havia uma troca mais intensa de legendas em outras esferas, ou seja, na Assembléia
Legislativa do Estado e no Congresso Nacional. Hoje em dia, o vereador é eleito por um partido e termina o mandato em outra legenda. Acho que
deveria haver uma fiscalização mais rigorosa no País, com o objetivo de garantir a fidelidade partidária".
Ladeado pelos vereadores Uriel e Gonzalez,
Luiz Corvo (à dir.) diz que Legislativo corrigiu equívoco
Foto: Carlos Marques, publicada com a matéria
Homenageado tenta controlar a emoção na Câmara
Evandro Siqueira
Da Reportagem
Na sala da Presidência do Legislativo, Corvo tenta controlar a emoção. Recebe os
amigos com abraços longos e sorriso no rosto. Mas não consegue esconder: está ansioso por voltar ao plenário da Sala Princesa Isabel pela primeira
vez após a cassação do mandato, em 1964.
Entre um cumprimento e outro, ele conversa com jornalistas. Repete exaustivamente que
a homenagem é, para ele, uma forma de a Câmara corrigir um equívoco cometido há 40 anos.
São 19h51. O presidente da Câmara, Odair Gonzalez, abre a sessão solene. Ao ser
anunciado, Corvo entra calmamente no plenário onde teve o mandato cassado. De terno preto, ele segura uma rosa. E toma seu lugar à mesa.
O autor da homenagem, vereador Uriel Villas Boas (PCB), discursa primeiro. Relembra a
trajetória do então jovem político que, embora tenha ficado apenas 44 dias na Câmara, "travou debates memoráveis" com figuras já experientes.
Em seguida, Corvo recebeu a placa em que o Legislativo santista tenta reparar o erro
que cometera. Deixou-a sobre a mesa, tomou meio copo d'água e dirigiu-se à tribuna, ainda carregando a rosa.
Sem alterar o tom calmo de voz, falou durante aproximadamente 30 minutos, usando
sempre a terceira pessoa do singular. "Esta homenagem não é para mim", explicou. "É para aquele rapaz de 22 anos que sofreu uma injusta cassação de
mandato".
Após descrever o curto período em que atuou como vereador, fazer críticas a governos
atuais e prestar uma longa declaração de carinho por Santos, Corvo pediu permissão para quebrar o protocolo. Desceu da tribuna e entregou à mulher
Cleide - a quem chamou de "rainha do coração" - a rosa que segurava desde o início.
Na platéia, as filhas do homenageado choravam a cada palavra do pai. Mas Corvo
manteve-se firme. Não deixou escorrer uma única lágrima. E terminou dizendo ter esperança de que um dia a política seja do jeito que ele planejava:
"O sonho não acabou". |