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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - AUTONOMIA
O pleito, na solenidade vicentina (2)

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Historicamente uma cidade guerreira, que sempre lutou por seus direitos, ao ponto de ser marcada com epítetos como Moscou Brasileira e Cidade Vermelha, Santos foi duramente castigada pela Ditadura Militar, com a perda de sua autonomia política e administrativa, em função de seu enquadramento como Área de Segurança Nacional. Desde então, cada oportunidade foi aproveitada para pleitear e debater a volta da autonomia para Santos. Como aconteceu durante as comemorações do 450º aniversário da fundação de São Vicente, em janeiro de 1982. Essa movimentação foi registrada assim pelo antigo jornal Cidade de Santos, em 23 de janeiro de 1982:
 


Foto publicada no jornal Cidade de Santos, em 23/1/1982

Emoção e autonomia nos 450 anos

Um longo e emocionado abraço marcou o momento em que o almirante-de-esquadra e ministro do Superior Tribunal Militar, Júlio de Sá Bierrenbach, e o empresário Carlos Caldeira Filho se tornaram os mais novos cidadãos vicentinos, ontem à noite, na Câmara daquele que é o mais antigo município brasileiro. A solenidade, assistida por cerca de 600 pessoas que lotavam o plenário da Câmara de São Vicente, encerrou as comemorações das festividades dos 450 anos de fundação da cidade e provocou, como há muitos anos não ocorria na região, uma das maiores reuniões de políticos, empresários e líderes de diversos setores da sociedade.

Iniciada com cerca de 1 hora e meia de atraso, provocado pela grande procura dos homenageados por parte de seus amigos e admiradores (que antes do início da sessão solene lotaram a sala da Presidência da Câmara), a homenagem a Carlos Caldeira e Júlio de Sá Bierrenbach conseguiu reunir, numa só noite e lugar, políticos como o senador Franco Montoro e Orestes Quércia, do PMDB (que se sentaram lado a lado no espaço reservado às autoridades), o deputado federal Antonio Erasmo Dias, o secretário de Estado Sylvio Fernandes Lopes, o deputado Athiê Jorge Koury (que representava o governador Paulo Salim Maluf), Mário Covas, presidente do Diretório Regional do PMDB de São Paulo; e vários políticos da Baixada Santista, com exceção dos prefeitos da região, que apenas mandaram representantes.

Em seus discursos, marcadamente políticos, Carlos Caldeira e Júlio Bierrenbach defenderam, mais uma vez, suas posições em favor da volta da autonomia a Santos, sendo que o almirante-de-esquadra foi enfático em reivindicar também a elaboração de uma Constituição que represente os anseios da sociedade brasileira.

Antes das solenidades, ainda na sala da Presidência da Câmara vicentina, Júlio de Sá Bierrenbach reiterava suas declarações em defesa da autonomia de Santos e dizia concordar com a luta do coronel Antonio Erasmo Dias que, momentos antes, afirmara: "A autonomia tem que vir logo, antes de 15 de fevereiro (data máxima para a desincompatibilização dos candidatos à Prefeitura), para que o PDS possa se preparar. Se não, é melhor entregar a prefeitura logo pro Esmeraldo Tarquínio".

O papa João Paulo II mandou telegrama, fazendo "votos de que a evocação do passado significativo na história pátria, e na irradiação da mensagem do Evangelho por todo o dileto Brasil, leve cidadãos atuais a renovado empenho de participação e colaboração no bem comum".

"Sem liberdade, não há democracia"

Esta é a íntegra do discurso do empresário Carlos Caldeira Filho:

A representação legítima do povo, no poder, é o traço fundamental da democracia. Nem é necessário acrescer a expressão da liberdade, de vez que esta é a substância que não pode ser destacada da legítima representação, e sem esta não pode haver democracia. Mas a legítima representação do povo não pode e não deve significar a sua própria asfixia, na medida em que o detentor eventual do poder procure sacrificar as demais parcelas da sociedade que não tenham interesses coincidentes com o grupo dominante. A nação, politicamente organizada sob a forma de Estado, não é a expressão de uma única ideologia, de um único pensamento, de uma única tendência, de uma única crença. É o consenso, respeitoso e harmônico, de ideologias, pensamentos, tendências e crenças, diversos mas conviventes, numa fusão efetiva que persegue o bem comum, de todos, sem que cada um perca a sua individualidade.

O povo, nas diferenças naturais das pessoas que o formam, há que estar representado, no poder, em todas as suas múltiplas aspirações e tendências, embora sob o governo da corrente que, no momento, seja dominante. Essa dominância, contudo, não pode conduzir à absurda pretensão de extirpar os contrários, nem à brutalidade de levá-los a sucumbir pela privação dos seus mais fundamentais direitos.

O exercício do poder não é nenhuma guerra, e muito menos interna, com sacrifício dos governados. É, ao reverso, a arte de fazer opções, em que a escolha de uma delas não conduz à eliminação das demais, significando, antes, que todas foram extremamente úteis e necessárias para que se pudesse eleger a melhor. Somente assim se concebe a direção estatal, que deve ser conscientizada de sua natureza cíclica, na conformidade da alternância de supremacias, não por efeito do exercício da força, mas por força do exercício das liberdades. A legítima representação do povo deve adotar os matizes das correntes várias que o formam. Predominâncias e supremacias podem existir. Exclusividade, jamais. Mesmo na seleção das opções dominantes, não se pode desconsiderar todas as demais que compuseram o quadro da escolha.

O regime democrático não é só o governo do povo. É, também, o governo para o povo. Porque voltada para o povo, em todas as suas camadas, em todas as suas parcelas, em todas as suas aspirações, não pode a atividade governamental submeter ao critério pessoal do seu titular ou do grupo que este integra, a garantia do exercício dos direitos fundamentais dos governados. Quem governa tem o dever de resguardar esses direitos.

A lei, sim. Essa submissão deve ser perseguida. E, mesmo assim, à lei como tal considerada o produto da atividade livre do legislador, liberta das condicionantes que, muitas vezes, lhe cegam o entendimento do que seja o bem comum, substituindo-o pela satisfação dos desejos dos que dispõem de poder para fazer letra morta o princípio da tripartição constitucional de competências.

A operatividade do governo é uma permanente atenção às necessidades do povo, quaisquer que sejam as origens das camadas necessitadas ou as tendências de pensamento dos que as compõem. Toda e qualquer discriminação que se pretenda fazer, na direção da atividade estatal para benefício de uns e sacrifício de outros, é odiosamente rejeitada pelo regime democrático. Nenhum critério político-partidário pode legitimar essa desprezível discriminação, que é um violento atentado à essência do princípio da igualdade, que a nossa Constituição garante. Isto porque, o povo não tem um só partido. Forma partidos, no plural, na medida em que as suas múltiplas tendências levam a variadas correntes políticas.

Ora, se a síntese da democracia é o governo do povo, vale dizer que é o governo dos partidos, de todos. É contra-senso, no regime democrático, falar-se em partido do governo. Não há partido do governo na democracia, até porque a partir do momento em que alguém toma posse em cargo de governo para o qual foi eleito, passa a representar todos os governados. Em verdade, o governante, uma vez no poder, deixa de ser representante do seu partido, e passa a ser, necessariamente, representante do povo, obrigado por suas funções a buscar o bem comum, a satisfazer com a sua atividade, e com a que imprime à Administração, o bem estar de toda a coletividade.

Logo após ter assumido a Prefeitura de Santos, em visita que fiz à Câmara, os ilustres vereadores me indagaram quem seria o meu líder, preocupados com o interesse político do relacionamento com o Executivo. A minha resposta causou certa surpresa, que a imprensa publicou nestes termos: "O povo espera que os senhores vereadores sejam, todos, líderes do Prefeito, porque o Prefeito só quer o bem da cidade, como acredito que os senhores também o queiram. São, portanto, todos, meus líderes, e o povo tem, como eu, 19 líderes na Câmara".

A verdadeira política, no sentido mais puro do termo, aplicada à administração pública, consiste em governar sem favorecimento partidário, buscando a sublimanção do interesse público e a satisfação das necessidades coletivas. Talvez por isso, e porque procurei na minha atuação administrativa pública, apesar de nomeado, perseguir esses objetivos, acima de preocupações partidárias, e com atuante oposição crítica, fui sumamente honrado com a outorga que o povo me fez, pela unanimidade de seus ilustres representantes, da cidadania emérita de Santos. Semelhante título, conferindo-me igual honraria, outorga-me agora a Câmara de São Vicente, por iniciativa de seu ilustre Presidente Raimundo dos Santos Oliveira, e com aprovação também total dos senhores vereadores.

Honra-me sobremaneira este título. E por motivos vários:

a) primeiro, pela concessão em si, partindo, como parte, da Câmara Municipal mais antiga das Américas, templo ancião de culto à democracia, tribuna livre do povo para a palavra de seus representantes;

b) pela quadra histórica que atravessamos, quando, após 450 anos, o exercício democrático nesta Casa prova, e cada vez mais, que não há melhor forma de governo que a democracia, apesar de todos os vícios que nela são instalados, não por culpa do regime, mas sim por artes cavilosas dos que têm interesses pessoais em subverter a ordem;

c) pelas razões apontadas na justificativa da outorga, ditadas exclusivamente pela generosa bondade e amizade deste povo calunga, a quem meus avós José Ribeiro dos Santos e José Rodrigues Caldeira se agregaram, este último em 1892, há, portanto, exatamente 90 anos, adquirindo o Sítio Itaipu, e transmitindo, ambos, a seus descendentes, a admiração pela gente e pelas coisas desta terra;

d) finalmente, pela extraordinária alegria de receber o título juntamente com o ministro almirante Júlio de Sá Bierrenbach, a quem não só me unem laços estreitos de família, mas, sobretudo, a quem admiro e respeito, por sua formação exemplar, por seu caráter, e pelo patrimônio de coragem cívica e convicção democrática, que tem dado à sua brilhante atuação, em todos os postos que ocupou e ocupa, e em todos os momentos de sua vida, a marca indelével dos grandes homens desta República.

A sua afirmação de princípios, lançada em recente nota pública, revela a grandeza de sua estatura moral e de sua envergadura de homem público, que não teme pela responsabilidade de seus atos, na medida em que conhece e afirma seus direitos e obrigações, como homem, como militar, como magistrado e como cidadão brasileiro.

Vale a pena relembrar o que disse, a este último respeito, na nota referida, a título de afirmação de princípios: "Como cidadão brasileiro, velarei pelo cumprimento de minha Constituição, defendendo, sempre, a independência dos Poderes por ela assegurada. Insurgir-me-ei, sempre que entender presente qualquer tentativa de intromissão de um Poder em outro."

Eis, aí, uma síntese precisa do que seja exercício de cidadania. Percebe-se, aí, a consciência da responsabilidade, e o vigor na defesa das instituições. De nada valem os princípios constitucionais, se não se tornam efetivos e respeitados. A tripartição do Poder, com a divisão de competências, para tornar possível a concepção de um sistema democrático de freios e contrapesos, é princípio assegurado pela nossa Constituição. Mas a sua efetividade vem sendo ainda seriamente comprometida pelas incursões do Executivo em áreas outras do Poder, não só concretamente positivadas, como, o que é pior, exercitadas indiretamente através de pressões e ameaças que podem subjugar os titulares de outras competências, e dão forma, apenas aparente, de legalidade.

A autonomia municipal está lá na Constituição, assegurada expressamente no artigo 15, não só politicamente pela eleição direta de prefeito, vice-prefeito e vereadores, como pela administração própria no que respeita ao seu peculiar interesse.

Mas, de que valem esse princípio e essa garantia, quando se nega, a uns Municípios, a sua autonomia política, e a outros, os meios que possibilitem a independência administrativa?

A luta pelo fortalecimento da célula municipal e pela devolução efetiva de todos os direitos que constituem a essência da autonomia do Município, precisa deixar de ser apenas literatura, e tornar-se concreta, em movimentos nacionais de conscientização, a nível popular. A Constituição é nossa, é de todos, é do povo. Cumpri-la e defendê-la é dever de todos nós, cidadãos brasileiros. Direi mesmo, que, nas circunstâncias atuais, temos que pugnar até por termos direito a essa defesa, pois a tanto se nos tenta impedir.

Por derradeiro, é oportuno salientar que o cumprimento da Constituição, a defesa do princípio da independência dos Poderes do Estado, e a insurreição contra qualquer tentativa de usurpação de competências, sintetizam a magistral trilogia dos postulados, afirmados pelo ministro Almirante Bierrenbach, e que devem, sem dúvida, ser adotados por todos os cidadãos brasileiros, que queiram, sinceramente, como declarou o nosso querido presidente João Figueiredo, fazer deste País uma democracia.


À noite, entrega de títulos na Câmara Municipal
Foto publicada com a matéria

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