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Os grandes raides em embarcações a remo
Interrompida em nossa cidade uma tentativa de Angelú e Hungria - Antônio Rocha e
José Ferreira de Andrade empreendem o mais sensacional raide já conhecido no continente - Os dois remadores do Tumiaru remam de Santos a Buenos
Aires, percorrendo 1.134 milhas!
Por Jorge Elbel
Em janeiro de 1932, quando se comemorava com imponentes
festas o 4º Centenário da fundação de S. Vicente, partiam do Rio de Janeiro três remadores do Clube de Regatas do Flamengo, tripulando uma
iole-franche a 2 remos, com destino a Santos. Era o primeiro grande raide marítimo que se efetuava por esportistas do remo.
Eram eles, os seguintes remadores: Ângelo Gamaro (Angelú), Antonio Rebelo (Engole
Garfo) e Alfredo Corrêa (Boca Larga). Precedidos de reclamos de toda a espécie, amparados pelo entusiasmo popular e por um grande diário
carioca, iniciaram o raide. Seis foram as etapas, sendo que a primeira com cerca de 16 horas de viagem, e, afinal, ei-los chegados a Santos, a 20 de
janeiro de 1932, dois dias antes da comemoração dos festejos de S. Vicente.
O que foi a chegada dos destemidos remadores a esta cidade, o carinho que os nossos
esportistas lhes dispensaram e as homenagens que receberam, tanto aqui como no Rio, por ocasião do regresso, são de sobejo conhecidos.
Após o brilhante feito dos cariocas, era voz corrente entre os remadores paulistas que
essa visita deveria ser retribuída, mas de forma que fosse, senão suplantada, pelo menos igualada.
Muitos palpites e projetos foram então discutidos mas ninguém se animava a levar
avante a idéia, já por acharem uma temeridade enfrentar o mar numa frágil embarcação de regatas, se não também pela falta de um todo apoio por parte
dos clubes de remo desta cidade.
Pelo início do ano de 1933, discutia-se numa roda de remadores as possibilidades de
retribuição da visita aos cariocas, quando, inopinadamente, aparece um moço bastante conhecido nos meios náuticos santistas, propondo-se a realizar
um raide ao Rio de Janeiro, num simples canoé.
Os presentes olharam abismados e incrédulos para o moço e sorriram, como que
desmerecendo as palavras que acabavam de ouvir. Esse moço era o conhecido remador Antônio Rocha, nessa ocasião pertencente ao
Internacional de Regatas.
Antônio Rocha, rapaz de fibra e de uma força de vontade ímpar, não desanimou enquanto
não conseguiu um barco para a efetivação do seu desejo. O feito dos remadores cariocas calara fundo no seu espírito de intrépido remador, que passou
então a conjeturar a possibilidade de uma retribuição à visita.
Sondara os dirigentes dos clubes sobre a possibilidade do empréstimo de um canoé, mas
todos recusaram, pois receavam um fracasso no raide e a possível perda do barco. Não desanimou, porém. Acercou-se dos dirigentes do veterano Clube
de Regatas Tumiaru, expondo a sua idéia e os planos que concebera.
Alguns receberam o pedido com indiferença, outros com entusiasmo, entre estes José
Vicente de Barros, que prevendo uma certa resistência de seus colegas de diretoria, prontificou-se, em caso de insucesso do raide, a adquirir um
novo barco para o clube. Diante da atitude nobre e desassombrada de seu dirigente, a diretoria deliberou ceder a Rocha o barco de que o mesmo
necessitava.
Rocha, então, tratou de adaptar o barco para a longa travessia. Escolhera o barco
Itararé. O Tumiaru mandou construir um castelo sobressalente, mais alto, para resguardar o tripulante contra uma possível agitação do mar,
impedindo assim, de certo modo, a entrada de água na parte central da embarcação.
Enfim, a 25 de fevereiro de 1933, às 18,30 horas, compareciam à sede do Clube de
Regatas Tumiaru, no Japuí, em São Vicente, os diretores srs. José Vicente de Barros, cap. Luiz Antonio Pimenta, cel. José
Rites, Jorge Elbel, Leopoldo Caiafa, Leopoldo Dietrich e o redator da A Tribuna, Antônio Guenaga, para apresentarem as despedidas ao
intrépido remador.
Minutos antes, justamente no momento em que o barco ia ser lançado à água, o cap.
Pimenta, num comovente improviso, saudou Antônio Rocha, afirmando manter a convicção de que o raide seria bem sucedido, porque admirava a coragem
desse esportista bem intencionado, que outro propósito não tinha senão levar aos seus irmãos da Guanabara um fraternal amplexo.
Rocha respondeu com breves palavras, dizendo que nem mais um minuto desejava
permanecer ali. A simplicidade do ambiente, a singeleza da despedida, chocaram-no profundamente.
O Itararé foi, então, pelos presentes, transportado até o mar. Rocha
acolheu-se, amarrou os sapatos no finca-pé e deu a primeira remada, que o reduzido número de testemunhas recebeu com calorosos aplausos.
E assim, vigorosamente impelido, remou firme em direção ao poente, para fazer a
primeira etapa que tinha por meta a Bocaina. No dia seguinte, às 4,05 horas da manhã, Rocha deixava a sede do
C. R. Santista, onde pernoitara, e acompanhado por dois remadores do Internacional rumou pelo rio Bertioga, em direção ao
mar.
No dia 27, os jornais estampavam a alvissareira notícia da chegada de Rocha a São
Sebastião. Depois de sua saída da Bocaina e após remar cerca de 3 horas, Rocha se defrontava com o oceano. Às 7 horas, pois, o ousado navegante
solitário avistava a costa brasileira, tomando então rumo do canal de São Sebastião, em cuja localidade chegou cerca das 12 horas.
Estava, pois, vencida galhardamente a 2ª etapa.
A 28, telegrafava de Ubatuba, participando sua chegada às 14,30 horas. Saíra de São
Sebastião às 7 horas da manhã. Esta etapa foi vencida com cerca de sete horas de remo.
De Ubatuba seguiu para Parati, porto do Estado do Rio. Esta etapa percorreu-a no dia 3
de março. Por essa ocasião tinha vencido cerca de 142 milhas no espaço de 6 dias. Para atingir a Baía de Guanabara restavam ainda 92 milhas.
No dia 6 de março, por volta das 14 horas, Rocha chegava a Mangaratiba, bastante
gripado e febril, após uma travessia penosa e num mar muito agitado.
A sua permanência em Mangaratiba foi de cinco longos dias, que trouxeram os seus
adeptos em constante apreensão. Atendido com todo desvelo nessa localidade, a 11 de março partia para Pedra Guaratiba, já em águas do Distrito
Federal.
Por essa altura, na capital do país faziam-se grandes preparativos para uma condigna
recepção ao intrépido remador santista.
No dia seguinte à sua chegada a Pedra Guaratiba, tentou transpor a última etapa, não o
conseguido devido à fúria do mar. Finalmente, a 13 de março de 1933, aportava à rampa do Flamengo, verificando-se a sua chegada às 11,30 horas.
A notícia da chegada de Rocha ao Rio foi recebida em São Vicente com demonstrações de
grande entusiasmo, tendo sido organizada pelos associados do Tumiaru uma passeata à noite.
Diversas homenagens lhe foram tributadas na capital do país, pelos esportistas
cariocas, sendo entusiasticamente recebido na sede do Clube de Regatas Flamengo, onde ficou hospedado.
No Rio, Rocha foi recebido pelo então ministro da Marinha, almirante Protógenes
Guimarães, que o felicitou pelo êxito da prova.
Durante um almoço que lhe foi oferecido, Angelú, remador flamenguista, expôs a Rocha o
seu projeto de realizar um raide, em double-canoé, ao Rio Grande, e possivelmente a Montevidéu. Disse que a maior dificuldade na execução do
empreendimento estava em encontrar um remador de fôlego, e, assim, convidava Rocha para seu companheiro nessa jornada, sendo pelo mesmo aceito o
convite. A realização desse raide ficou assentada, em princípio, para data que seria oportunamente fixada.
Toda a imprensa paulista e carioca se manifestou entusiasticamente sobre o grande
feito do remador vicentino.
Das homenagens recebidas por Rocha, a que mais impressionou foi a que recebeu de
Angelú, um dos tripulantes da yole Flamengo que, desejando testemunhar a sua grande admiração pelo valor do raide, mandou cortar ao
meio a linda medalha de ouro que lhe tinha sido ofertada pelos esportistas de Santos e com a metade presenteou Rocha.
A Federação Paulista das Sociedades do Remo, em sessão do Conselho e por proposta do
representante do E.C. Corintians Paulista, deliberou homenageá-lo, ofertando uma rica medalha de ouro, concedendo-lhe o honroso título de sócio
honorário, inaugurando ainda o seu retrato na galeria da entidade.
A 19 de março, devido ao seu precário estado de saúde, Rocha regressava a Santos,
sendo recebido na gare da S.P.R. por seus familiares, diretores e associados do Clube de Regatas Tumiaru e esportistas locais. Foram então
levadas a efeito inúmeras homenagens em sua honra.
Com o fito de premiar o bravo remador, foi aberta uma subscrição popular, o que veio
provar o interesse que despertou o raide entre os esportistas de Santos.
E, assim, terminou o seu primeiro empreendimento.
Raide Rio-Buenos Aires
A 15 de fevereiro de 1934, cumprindo a promessa feita, de efetuar um grande raide ao
Sul do país, partiam do Rio de Janeiro, tripulando um double-canoé, que fora batizado pela sra. Osvaldo Aranha com o nome de Tudo nos une...,
Ângelo Gamaro (Angelú) e Edgard Hungria.
Esse raide, patrocinado pelos poderes governamentais, teve a ajuda do sr. Sabbado D'Angelo,
saudoso industrial paulista, que mandou construir o barco. Seria realizado o raide em homenagem ao general Justo, então presidente da República
Argentina.
Onze dias levaram esses remadores para cobrir as 215 milhas do Rio a Santos. Fizeram
este percurso em quatro etapas, chegando a Santos no dia 26 de fevereiro.
Nessa data, por uma interessante coincidência, festejava o Clube de Regatas Tumiaru o
primeiro aniversário da partida de Antônio Rocha para o Rio no canoé Itararé.
Reuniam-se, assim, todos os diretores do clube vicentino no Café Marreiros, para um
jantar comemorativo, e foi com indizível satisfação que o grupo recebia, depois, a adesão de Angelú e Hungria, convidados a fazer parte do ágape
oferecido pela diretoria do Tumiaru.
Foram os remadores cariocas, depois de terem guardado o barco na garage do Clube de
Regatas Santista, recebidos entusiasticamente pelos esportistas ali reunidos, saudando-os, em feliz improviso, o cap. Luiz Antonio Pimenta.
De ambos os remadores, foi Hungria o que mais sentiu o esforço desprendido com a
travessia. Pois chegou com os dedos das mãos intumescidos, ressentindo-se ainda dos músculos dos bíceps. Os calos, disseminados por toda a palma da
mão, rebentaram com o constante movimento do punho do remo.
Em vista do seu precário estado de saúde, foi Hungria submetido a rigoroso exame
médico, sendo-lhe aconselhado um repouso de alguns dias para poder prosseguir no grandioso raide.
No dia 8 de março, os jornais anunciavam a contristadora notícia de que o raide do
Tudo nos une... tinha fracassado. Hungria já seguira para o Rio, e Angelú, seu companheiro, pretendia fixar residência em Santos.
A atitude dos remadores cariocas, após 10 dias de luta contra os elementos, no trajeto
do Rio-Santos, após tantos sacrifícios, é tomada em resolução extrema, devido à falta de recursos.
Aqui chegados, Angelú e Hungria foram abandonados pelos poderes governamentais, que
patrocinavam o raide, de nada valendo as providências postas em prática no sentido de poderem concluir o arriscado empreendimento, garantidos pelos
recursos que se faziam necessários.
Noticiado que foi a interrupção do raide, a Folha de Santos invocou o auxílio
de Antônio Rocha, ante a desistência de Hungria, na consecução final da arrojada tentativa e conseqüente efetivação da homenagem que se prestaria à
República Argentina.
Paulista brioso, numa prova de seu ânimo e valor, Antônio Rocha não hesitou em aceitar
a perigosa incumbência que se lhe ofereciam. E, incontinente, procurou a redação daquele vespertino para dizer que estava disposto a acompanhar
Angelú no Tudo nos une..., até Buenos Aires.
Para que Rocha e Angelú pudessem levar a efeito o que tencionavam, tornava-se
necessário um esforço conjugado dos clubes da cidade e dos esportistas em geral.
Numa reunião havida na redação da A Tribuna, deliberou-se que o raide seria
reiniciado dentro de oito dias. Constituiu-se uma comissão de esportistas para tratar das medidas preliminares e estudar a possibilidade de seu
prosseguimento. Solicitou então essa comissão do sr. comandante Mário Linhares, delegado da diretoria do Lloyd Brasileiro nesta cidade, que
respondesse a um questionário formulado com referência ao raide em apreço e, diante da resposta dada pelo ilustre homem do mar, ao questionário, a
comissão concluiu pela sua não realização naquela época do ano.
E assim, mais uma vez, fracassava o importante empreendimento.
Antônio Rocha, entretanto, não desanimou. Procurou, com carinho, um companheiro para o
importante raide. Encontra em José Ferreira de Andrade o elemento de que necessitava. Vai a São Paulo e obtém do sr. Sabbado D'Angelo o barco que os
remadores cariocas trouxeram até Santos.
Obtido o double-canoé Tudo nos une..., Rocha deliberou que ele passasse a
denominar-se Bandeirante. Aquele industrial subscreve então a importância de Cr$ 1.000,00, iniciando uma subscrição, a fim de financiar as
despesas do raide Santos-Buenos Aires.
Os clubes de São Paulo declaram apoiar incondicionalmente o interessante raide, tanto
mais que se tratava de uma realização que traria novas glórias para o esporte bandeirante.
Rocha e Andrade traçam a rota a seguir, com etapas determinadas, sem a preocupação de
tempo, visando de preferência a realização segura de cada uma.
Todos os preparativos foram procedidos calculadamente e assim toda a imprensa, no dia
31 de março, anunciava a partida do Bandeirante para o dia 1º de abril.
No dia seguinte, uma bela manhã de domingo, às oito horas, sob aplausos da multidão,
que se comprimia no cais, junto ao pontão das barcas do Guarujá, deixou o nosso estuário justamente à hora
marcada, singrando as águas deste porto, o double-canoé Bandeirante, rumando à Ponta da Praia, sendo acompanhado
por cerca de cinqüenta embarcações de todos os nossos clubes de remo.
Chegando à Ponta da Praia, os remadores fizeram uma pequena parada, descendo para uma
rápida visita de despedida ao Clube de Regatas Saldanha da Gama e Clube de Regatas Vasco da Gama.
O ex-Tudo nos une..., ostentando bandeirinhas argentina, paulista e brasileira,
é alvo da curiosidade do público. Sobre o seu castelo de proa estão vistosa e artisticamente pintados os pavilhões da Argentina, de São Paulo e do
Brasil.
Após a visita, Rocha e Andrade são cumprimentados pelos esportistas e grande número de
amigos, todos confiantes, com fé, no êxito da arrojada tentativa. Tomam lugar no Bandeirante, ouve-se troca de hurras e aleguás, vivas aos
clubes santistas, ao Tumiaru e ao esporte paulista.
O Bandeirante movimenta-se, avança entre as embarcações que coalham aquela
parte do estuário, apresentando belíssimo espetáculo. Duas lanchas acompanham também o Bandeirante, que vai se distanciando sob palmas e mais
palmas, às 10 horas, precisamente.
Transposta a ponta do Itaipu, o Bandeirante
avançou em sua rota. Entretanto, o mar grosso, àquela hora, exigia dos remadores um esforço duplo, castigados ainda pelos raios solares.
Uma parada foi então feita no Japuí, em São Vicente, sede do Clube de Regatas Tumiaru,
sendo a prova reiniciada na madrugada do dia 2, quando Rocha e Andrade seguiram rumo a Itanhaém.
Partindo às 4,30 horas, do Japuí, aportam em Itanhaém com 9 horas de remo, completando
assim auspiciosamente a primeira etapa.
Devido à forte agitação do mar, os remadores permanecem até o dia 7 em Itanhaém,
quando iniciam a segunda etapa, alcançando Guaraú, com 4 horas de remo e 17 milhas percorridas. De Guaraú, Rocha e Andrade dirigem-se para Bom
Abrigo. No dia 8, recebem-se notícias de Iguape, comunicando que tinham completado em uma única etapa desde Guaraú, em 12 horas de remo, cobrindo a
distância de 39 milhas de percurso, completando assim a terceira etapa. Nessa localidade, foram recebidos com grandes demonstrações de carinho por
parte da população.
De Iguape, seguem para a quarta etapa, que é Cananéia, onde chegam no dia 10. Este
percurso, de 32 milhas, foi coberto em oito horas. Dessa localidade recebem-se notícias da partida do Bandeirante com destino a Paranaguá,
onde chega depois de 18 horas de remo para um percurso de 36 milhas, com fortes ventos Sul contra.
A 26, partem Rocha e Andrade de Paranaguá diretamente para São Francisco. Ficaram,
portanto, retidos naquele porto durante 14 dias, devido ao mau estado do mar.
De São Francisco comunicam que com 15 horas de remo cobriram a distância de 42 milhas,
tendo feito uma pequena parada em Caiobá. Essa foi uma das mais penosas etapas.
No dia 3 de maio, completam a mais longa etapa, atingindo Itajaí, tendo remado 55
milhas.
Às 8 horas do dia 12 de maio, deixam o porto de Itajaí rumo a Florianópolis, capital
de Santa Catarina, onde chegam depois de um percurso de 50 milhas.
Como o mau tempo persistisse na costa Sul, ficam os remadores retidos em Florianópolis
até o dia 29. Diante do estado do mar, que é péssimo, a Capitania dos Portos, ali, proibiu formalmente fosse continuado o raide. Rocha, porém, não
se intimidou, telegrafando ao sr. ministro da Marinha, solicitando a devida licença, que por telegrama lhe foi concedida e, assim, no dia 29
atingiram Imbituba, penúltimo ponto de escala em Santa Catarina. No dia seguinte alcançavam o porto de Laguna, cobrindo 18 milhas em 4 horas. Esta
etapa foi feita com um passageiro a bordo. Nesta cidade, foram recebidos com todo o entusiasmo pela população, ficando como hóspedes de honra do
Clube de Regatas Almirante Lamego, que lhes dispensou todas as atenções possíveis, organizando-se grandes festas em sua honra.
De Laguna, Rocha comunica que pretende deixar aquela cidade às 12 horas do dia 1º de
junho, com destino a Torres, já no Rio Grande do Sul, onde espera chegar no dia seguinte à tarde, fazendo, se possível, uma pequena parada no farol
de Santa Marta.
Saindo de Laguna, os remadores paulistas rumaram na madrugada de 2 para o farol de
Santa Marta, próximo ao litoral daquele porto, onde pernoitaram.
Na madrugada seguinte partiram do farol, rumo a Torres e, apesar de lutarem
titanicamente durante onze horas consecutivas, os tripulantes do Bandeirantes apenas conseguem alcançar Araranguá, ainda na costa
catarinense.
A 5 de junho os remadores paulistas logram cobrir mais uma etapa, atingindo Torres,
primeiro ponto da costa rio-grandense, iniciando assim a mais difícil série de etapas longas.
Porto Alegre, capital gaúcha, que estava fora da rota do Bandeirante, é também
visitada. Em Laguna e Torres, fazem-se portadores de mensagens especiais ao sr. Flores da Cunha, interventor do Rio Grande do Sul.
Para cumprirem a missão que lhes propuseram, tiveram os remadores que fazer o percurso
pelas lagoas Itapeva e dos Patos, a fim de atingir a capital gaúcha, o que veio aumentar também a distância em milhas a percorrer.
Para poderem atingir a lagoa Itapeva, tiveram os remadores que transportar o
Bandeirante, numa distância de mais de cinco quilômetros, em uma carroça, que veio dificultar muito o seu transporte devido ao seu comprimento e
peso.
Na grande capital sulina, foram hóspedes de honra do Clube Náutico Gaúcho, que lhes
prestou toda a sorte de homenagens, assim como o Centro Paulista, daquela capital. O percurso percorrido de Torres a Porto Alegre foi de 74 milhas.
A travessia Porto Alegre-Pelotas foi bastante penosa para os remadores, visto o estado
do tempo na Lagoa dos Patos. No dia 4 de julho, chegavam a Pelotas depois de terem passado por São José do Camaquã e São Lourenço.
Partem de Pelotas no dia 12 de julho, via Lagoa Mirim, com destino a Jaguarão. Dessa
localidade seguem para Santa Vitória do Palmar, extremo Sul do país. Remaram portanto, em costa brasileira, 851 milhas.
Às 9 horas do dia 27 de julho os intrépidos remadores transpunham a Barra do Chuí, já
em águas uruguaias, rumo a Montevidéu, e alcançam La Paloma, com 58 milhas percorridas. De La Paloma rumam a Punta del Este, onde chegam a 5 de
agosto. Nessa altura do raide, grande é a curiosidade em Montevidéu e Buenos Aires, onde os clubes náuticos preparam festiva recepção aos remadores
paulistas.
No dia 7 de agosto atingem Piriápolis, já dentro do estuário uruguaio. Pretendem
seguir logo para Montevidéu, mas são impedidos pelo mau tempo.
Finalmente, no dia 10 de agosto, aportam na capital uruguaia, sendo otimamente
acolhidos pelos esportistas, entidades e autoridades. São hospedados no Rowing Clube de Montevidéu.
Os esportistas uruguaios souberam condignamente premiar com o seu sincero acolhimento
o feito soberbo dos remadores brasileiros. Dispensaram-lhes toda a sorte de gentilezas e manifestaram o seu júbilo por aquela grandiosa conquista
para o esporte sul-americano.
A 17 de agosto fazem-se novamente ao mar com destino a Sauce, mas devido a um forte
temporal arribam à praia de Rincon del Pino, a 36 milhas da capital. Isso veio impedir que Rocha e Andrade consigam atingir a capital argentina
naquele dia, como pretendiam.
Estando para ser coberta a derradeira etapa do grandioso empreendimento, em Buenos
Aires cresce o interesse e entusiasmo pela chegada dos remadores àquela capital.
Além da organização de numerosa flotilha para ir ao encontro dos destemidos
tripulantes do Bandeirante, os esportistas cuidam também de promover carinhosa recepção.
Enfim, depois de 4 meses e 19 dias de constantes apreensões, recebe-se a alvissareira
notícia da chegada dos intrépidos remadores a Buenos Aires, onde são recebidos com as honras que se dispensam aos heróis.
Completaram o raide, que tão desassombradamente se propuseram a realizar em 45 etapas,
com 1.134 milhas percorridas, em 309 horas práticas de remo, assim discriminadas:
2/4
|
Santos-Itanhaém |
9h00
|
34 milhas
|
6/4
|
Itanhaém-Guaraú |
4h00
|
17 milhas
|
7/4
|
Guaraú-Iguape |
11h00
|
39 milhas
|
10/4
|
Iguape-Cananéia |
6h30
|
26 milhas
|
12/4
|
Cananéia-Paranaguá |
18h00
|
36 milhas
|
27/4
|
Paranaguá-Caiobá |
6h00
|
20 milhas
|
28/4
|
Caiobá-S. Francisco |
8h00
|
22 milhas
|
2/5
|
S. Francisco-Araguari |
8h30
|
14 milhas
|
3/5
|
Araguari-Itajaí |
7h30
|
41 milhas
|
9/5
|
Itajaí-Bombas (mau tempo) |
4h30
|
18 milhas
|
10/5
|
Bombas-Mariscal (mau tempo) |
1h30
|
4 milhas
|
12/5
|
Mariscal-Florianópolis |
5h00
|
28 milhas
|
29/5
|
Florianópolis-Imbituba |
9h00
|
9 milhas
|
30/5
|
Imbituba-Laguna |
4h00
|
18 milhas
|
1/6
|
Laguna-Cabo de Sta. Marta |
2h30
|
10 milhas
|
3/6
|
Cabo de Sta. Marta-Araranguá |
11h00
|
27 milhas
|
4/6
|
Araranguá-Torres |
11h00
|
44 milhas
|
7/6
|
Torres-Palmar |
22h00
|
36 milhas
|
8/6
|
Palmar-Farol Itapoã |
9h00
|
18 milhas
|
10/6
|
Itapoã-Porto Alegre |
5h00
|
20 milhas
|
26/6
|
Porto Alegre-Itapoã |
5h30
|
20 milhas
|
27/6
|
Itapoã-Tapes |
2h00
|
7 milhas
|
1/7
|
Tapes-Vista Alegre |
10h00
|
40 milhas
|
3/7
|
Vista Alegre-São Lourenço |
11h00
|
44 milhas
|
4/7
|
São Lourenço-Pelotas |
7h00
|
18 milhas
|
10/7
|
Pelotas-Santa Isabel |
9h30
|
36 milhas
|
11/7
|
Santa Isabel-Farol Ponta Alegre |
5h30
|
22 milhas
|
14/7
|
Farol Ponta Alegre-Arroio Arrombados |
6h00
|
20 milhas
|
15/7
|
Arroio Arrombados-Jaguarão |
6h00
|
24 milhas
|
20/7
|
Jaguarão-Ponta São Tiago |
5h45
|
22 milhas
|
21/7
|
São Tiago-Ponta dos Afogados |
8h00
|
32 milhas
|
22/7
|
Ponta dos Afogados-Sta. Vitória Palmar |
4h12
|
18 milhas
|
24/7
|
Sta. Vitória-Rio Chuí (foi transportado por dois remadores) |
25/7
|
Rio Chuí-Ponta del Diabo |
4h00
|
16 milhas
|
28/7
|
Ponta del Diabo-Ponta Balizas |
5h30
|
32 milhas
|
29/7
|
Ponta Balizas-Cabo Sta. Maria |
6h30
|
24 milhas
|
5/8
|
Cabo Sta. Maria-La Paloma. Rocha: Cabo José Inácio |
5h30
|
32 milhas
|
6/8
|
José Inácio-Ponta de Leste |
4h00
|
20 milhas
|
7/8
|
Ponta de Leste-Piriápolis |
4h00
|
18 milhas
|
9/8
|
Piriápolis-Carrasco |
8h30
|
34 milhas
|
10/8
|
Carrasco-Montevidéu |
2h15
|
8 1/4 milhas
|
15/8
|
Montevidéu-Rincón del Pino |
8h30
|
34 milhas
|
19/8
|
Rincón del Pino-Sauce |
6h30
|
26 milhas
|
20/8
|
Sauce-Colonia |
6h00
|
24 milhas
|
28/8
|
Colonia-Buenos Aires |
5h00
|
26 milhas
|
A última etapa do raide caracterizou-se por um fato interessante, como descreve La
Razon, de Buenos Aires: "Resolvido estava que a viagem se reiniciasse durante as primeiras horas da manhã de 22,
tão depressa se dissipassem definitivamente as últimas penumbras da madrugada e, como era natural, se o tempo fosse propício, de modo a não
entorpecer o último capítulo da audaciosa aventura. Assim, na tarde de 21, horas depois do almoço, Rocha e seu companheiro subiram à embarcação que
utilizaram no raide e se dispuseram a um passeio pelas imediações da costa uruguaia, de onde os seus movimentos e as suas remadas eram observadas
por um grupo de curiosos, disseminados na praia.
"Tanto Rocha como Andrade levavam sua indumentária de passeio, de vez que os seus
propósitos, segundo ficou dito, não eram tomar rumo de Buenos Aires. A certa altura, entretanto, o primeiro advertiu o seu companheiro da
aproximação de um pailebot, que momentos antes havia deixado Colonia, e que iniciava lenta e pesadamente o trajeto ao porto de Buenos Aires.
A proa da embarcação, singrando mansamente as águas, o adeus dos seus tripulantes e a magnificência do espetáculo, influíram no espírito dos
remadores como um exemplo digno de ser imitado. Entreolharam-se, nenhum se atrevia a dizer: 'Vamos?'
Apenas um gesto e como que iluminados pelo mesmo desejo, trocaram imediatamente suas roupas de rua pelas camisetas de listas e seus calções brancos
e, um instante depois, um agitar de mãos dizia um improvisado adeus às praias uruguaias.
"Durante a primeira parte da travessia não encontraram os remadores outro obstáculo
senão uma ligeira brisa do Sul, que soprou, depois, com maior intensidade, pela proa do Bandeirante, ao meio da tarde. A elegante e veloz
marcha do barco encontrou, então, dificuldades de certo vulto, porém os braços vigorosos dos atletas paulistas eram mais fortes que a leve
adversidade da tarde.
"A média de remadas alcançou, assim, 26 por minuto, quase exatamente o número das que
empregaram no início da travessia. Mais tarde, começou a esboçar-se a costa argentina e o ritmo das remadas recrudesceu. Fez-se com outra energia.
Rocha e Andrade aceleraram as remadas e já ao anoitecer, seguindo sempre a linha de pontos traçadas pelas bóias do estuário, encontravam-se a poucos
quilômetros de nossa costa.
"E foi precisamente a orientação das bóias que extraviou os remadores, cuja rota
equivocada os levou às proximidades da Dársena Sul, quando na realidade procuravam atracar no Yacht Club Argentino. Advertidos do engano quando
estavam a poucos metros de tera, modificaram o trajeto e, meia hora depois, chegavam, finalmente, ao ponto de destino.
"Aportaram, portanto, no Yacht Clube Argentino, debaixo de estrondosa salva de palmas,
às 20 horas do dia 21 de agosto de 1934".
Toda a imprensa paulista, brasileira e argentina abre suas colunas para exaltar o
grande feito do remo brasileiro. As emissoras irradiam contínuas notícias com referência ao empolgante empreendimento, exaltando a grande prova de
resistência.
Os remadores em Buenos Aires são recebidos pelas mais altas autoridades argentinas,
sendo mesmo realizada uma imponente regata em sua honra. Nesta regata, tomam parte no grande desfile de embarcações, a fim de que o grande público
presente possa apreciar devidamente o Bandeirante navegando.
São hóspedes de honra do grande Clube de Regatas La Marina, cujos associados e
diretores lhes dispensam a mais cordial acolhida.
A imprensa argentina publica em seus diários e revistas interessantes entrevistas com
ambos remadores.
A importante revista portenha El Grafico, em seu número de setembro, estampa na
capa em tricomia os retratos de Rocha e Andrade, transcrevendo uma grande entrevista com El Capitan, como apelidaram Rocha.
Foram recebidos em audiência concedida pelo presidente da República Argentina, o
general Augustin Justo, que manteve cordial palestra com os remadores, comentando com grande interesse as principais fases do raide.
O embaixador brasileiro obsequiou-os com artísticas cigarreiras de prata, que ficaram
como lembrança de sua visita àquela embaixada.
Nesse ínterim, uma comissão de esportistas em Santos, à cuja frente se encontravam
José Vicente de Barros, Cipriano de Carvalho e Eugênio de Barros Queiroz, providenciavam para o regresso de Rocha e Andrade.
A Rádio Excelsior Sociedade, de Buenos Aires, homenageou, também, os remadores
brasileiros, dedicando-lhes meia hora de seu programa. Iniciando esse número, a estação L.R.5, a cujos estúdio compareceram os remadores,
acompanhados de várias autoridades do esporte náutico argentino, irradiou uma marcha brasileira. Falou, depois, o secretário da comissão do Tigre,
enaltecendo o feito dos remadores e dizendo da grande satisfação que os argentinos tiveram em receber os nossos patrícios.
No dia 30 de agosto, embarcavam no vapor Monte Sarmiento, com destino a Santos,
onde chegaram no dia 4 de setembro.
Inúmeras foram as provas de simpatia e regozijo apresentadas aos remadores, quando da
sua chegada a este porto.
O mundo esportivo local dispensou-lhes fraternal acolhida, sendo formado um extenso
cortejo até o centro da cidade, onde foram ovacionados pelo grande público que estacionava nas ruas do percurso.
Belo gesto teve a firma Theodor Wille e Cia., agentes da companhia do vapor em que
regressaram os remadores, dispensando a comissão promotora do pagamento do frete do Bandeirante até esta cidade. O Bandeirante ficou
exposto por muitos dias nas lojas da firma Cássio Muniz e Cia., onde foi admirado pelo público santista.
Durante o percurso de Santos a Buenos Aires, os remadores foram premiados com 11
medalhas cada um, a maior parte de ouro, além de grande número de flâmulas, galhardetes, diplomas e distintivos dos clubes sulinos, uruguaios e
argentinos, alguns deles destinados ao Clube de Regatas Tumiaru.
Foram inúmeros os ofícios e telegramas que o Clube de Regatas Tumiaru recebeu de todo
o mundo esportivo nacional, cumprimentando-o pelo sucesso do raide.
Terminado que foi o raide, recebidos magnificamente nesta cidade, justo se torna
realçar a figura de José Vicente de Barros, que foi, sem dúvida, o grande animador do raide, o incentivador constante daquela magnífica empresa e,
ao mesmo tempo, o comandante seguro do financiamento das despesas.
Não se pode, entretanto, deixar de fazer uma referência especial àquele que mais
decididamente influiu para a feliz efetivação do raide. Trata-se do conceituado industrial paulista, o saudoso sr. Sabbado D'Angelo. Depois de
contribuir com elevada soma para o financiamento da construção do Bandeirante, ex-Tudo nos une..., esteve sempre pronto a contribuir
financeiramente em favor do empreendimento.
E assim terminou a maior epopéia do remo sul-americano, façanha essa que talvez jamais
será igualada.
Dando mais uma vez expansão ao seu espírito aventureiro e ousado, que não mede o
perigo nem sacrifícios, Antônio Rocha empenha-se em novo raide, desta vez ao Rio de Janeiro. Tendo partido no dia 12 de abril de 1935, pela
madrugada, da sede do C.A.Santista, Rocha pretende cobrir a distância desta cidade à capital do país, em 6 dias.
O barco utilizado em mais esse raide é o double-canoé Bandeirante, o mesmo que
singrou as águas do litoral sul brasileiro.
Conduzem o Bandeirante, desta feita, Antônio Rocha e seu mano Álvaro, seguindo
a bordo, como observador, Osvaldo Du Pain, cronista esportivo da Folha de Santos. São portadores de diversas mensagens de clubes desta cidade
para os do Rio de Janeiro, e também para a C.B.D. e delegações de remo argentina e uruguaia, a quem é dedicado o raide, e que estão na capital do
país, para disputar o campeonato sul-americano de remo.
Chegam ao Rio de Janeiro no dia 24 de abril e hospedam-se no Clube de Regatas Vasco da
Gama, que lhes dispensa todas as atenções.
E, assim, terminam os audaciosos raides a remo levados a efeito por atletas decididos
e corajosos, provando à posteridade o quanto vale a força de vontade, perseverança e dedicação. |