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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - A MAIS ESPORTIVA
O jogo de 1º de novembro de 1902

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No cinqüentenário do primeiro jogo de futebol em  terras santistas, a história dessa histórica partida foi relembrada pelo jornal santista A Tribuna, em 1º de novembro de 1952 - em matéria não assinada por De Vaney, embora ele apareça na primeira foto e seja seu estilo de escrever - (ortografia atualizada nesta transcrição, e observadas as diferentes formas de grafar os mesmos nomes na matéria original):
 


"1902-1952 - Ao alto, à esquerda, os srs. Harold Cross e Quintino Ratto apontam para o trecho onde ficava o cano grande, junto ao qual se ergueu - feito de bambus - o primeiro arco para jogo de futebol. Ao lado, os dois fundadores do futebol santista, tendo às mãos uma bola moderna, mas de peso e dimensões idênticas às que foram usadas na memorável manhã de 1º de novembro de 1902. Em baixo, à esquerda, vê-se o local onde, em 1902, existia o Teatro de Variedades, à praça dos Andradas esquina da Rua 15 de Novembro. Foi ali, no teatro onde se reunia a mocidade santista, que Henrique Porchat de Assis levou avante a idéia de ser disputada a primeira partida do esporte que ia vencendo em São Paulo e no Rio de Janeiro. Ao lado, o local exato onde, há 50 anos, na data de hoje, disputava-se o primeiro jogo de futebol em Santos. O local é o mesmo; o cenário, porém, todo marcado pelo vulto dos arranha-céus, bem demonstra que o tempo caminhou..."
Imagem: reprodução parcial da matéria original

MEIO CENTENÁRIO!...
Há cinqüenta anos, na data de hoje, realizava-se em Santos o primeiro jogo de futebol

Na Praia da Barra (hoje Praia do boqueirão), às 8,25 da manhã do dia 1º de novembro de 1902... - Um movimento que surgiu no Teatro Variedades, ao tempo que político e poeta eram os "craques" da época - Henrique Porchat de Assis, o idealizador - "Tivoli", um bar cheiroso de chope e sonoro de hurrahs... - Os srs. Harold Cross e Quintino Ratto relembraram, para A Tribuna, vários episódios de grande relevo

O Teatro Variedades ficava à Praça dos Andradas, esquina com a Rua XV de Novembro. A entrada era ao lado do escritório do comissário de café Antonio Nicolau de Sá, uma entrada estreitinha, mas que se ia ampliando aos poucos até se tornar espaçosa, abrindo-se para um enorme galpão, onde funcionava o teatro.

Era ali, no Variedades, que se reunia a nata da mocidade da época.

E nos grupos que se formavam, antes ou ao intervalo das representações, conversava-se sobre todos os assuntos do momento, principalmente política (para os já maduros) e poesia (para os que ainda atravessavam a fase irresponsável da mocidade)

Saber dizer versos bonitos, naquela época, ou conhecer, de antemão, como se formaria o próximo ministério do governo da República ainda engatinhante, era algo de tão notável que se podia apontar na rua:

- "Aquele ali é um homem excepcional!"

Mas o Variedades foi sendo freqüentado, também, pelos que gostavam de esportes. E esportes, naquele tempo, só dois: ciclismo e regata. Havia a pelota, pelota basca, mas a coqueluche eram mesmo regata e ciclismo. O remo, levando a vantagem sobre o ciclismo de ser mais acessível, era mais fácil de ser praticado.

Uma noite no Variedades... - Henrique Porchat de Assis, o Dick, fazia parte do grupo dos esportistas. E ei-lo, certa noite, a convocar seus pares para uma reunião à porta do teatro. E quando o espetáculo findou, formou-se o grupo: Eduardo Machado, Quintino Ratto, Raul Schmidt, André Miller, Teodorico de Almeida, Henrique Tross, João Mourão, Gil Rodrigues, Haroldo Gross, Vitor Cross e Valter Grimsditch.

- "O assunto é o seguinte - explicou Henrique Porchat -: trata-se de transformar em realidade o que até aqui vem sendo apenas um desejo de todos nós".

- "Mandar vir para o Variedades a Sarah Bernhart?...", indagou alguém.

- "Não. Nada disso! É sobre o futebol, da nossa vontade de realizar aqui um jogo de futebol! Afinal, meus amigos, esse esporte em S. Paulo já começa a ficar de cabelos brancos, e nós, por aqui, nem vimos até hoje uma bola de perto. E que tal se fizéssemos uma tentativa?"

Todos acharam excelente a idéia:

- "Pois você, Henrique Porchat, fica encarregado de organizar tudo da melhor maneira que você achar conveniente".

- "Bem. O primeiro que se tem de fazer é comprar as bolas".

- "Compra-se".

- "Mas custa caro, heim!"

- "Quanto?"

- "Quinze mil réis cada uma".

- "Bem. Caro é. Mas abre-se uma lista para um rateio".

- "Então que se abra já!"

E a lista foi aberta.

Um hurrah diferente... - Poucos minutos depois, a quantia apurada ultrapassava o preço das duas bolas.

Henrique Porchat, o grande idealizador, estava exultante:

- "Pois vamos comemorar o acontecimento com uma chopada!"

- "Onde?"

- "No Tivoli".

O Tivoli era um bar que ficava a poucos metros do Variedades, ali mesmo na Praça dos Andradas, no local onde está sendo construído, hoje, o Edifício Rubiácea.

E quando a madrugada já ia alta, lá dentro do Tivoli cheiroso do chope bom daquela época, os hurrahs que subiam ao ar espantavam os que passavam pela praça deserta:

- "Futebol! Futebol! Futebol!..."

E o passante, intrigado, perguntava para si mesmo:

- "Futebol?... Que artista será esse que estreou esta noite no Variedades?" Ou será um político do Rio?... Ou será um novo poeta?...

Fins de outubro - Outubro de 1902 ia findando. Henrique Porchat de Assis estava em plena atividade. Todas as noites, no Variedades, ele arregimentava a rapaziada para fazer parte do "núcleo do futebol".

- "Amanhã vou a S. Paulo comprar as bolas!"

A notícia mereceu nova chopada.

E quando as bolas vieram nas mãos de Henrique Porchat de Assis, que sensação, santo Deus, na rapaziada do Variedades.

- "Posso ver? Posso ver?..."

Henrique Porchat de Assis dizia que não:

- "Domingo, você terá ocasião de ver e de jogar".

- "Mas ainda estamos no princípio da semana..."

- "O tempo corre, meu velho. Logo, chegará o domingo".

Mas que corria o tempo, que nada! Nunca a rapaziada do Variedades vira uma semana se arrastar tão lentamente como aquela última semana do mês de outubro de 1902.

Afinal, chegou o sábado. Havia representação melhorada no Variedades. Três cançonetistas francesas, das melhores, vieram de S. Paulo para reforçar o show. Mas a rapaziada nem deu conta da presença das três chanteuses gomeuses, nem dos famosos dançarinos internacionais que estreavam naquela noite:

- "Não se esqueça! Amanhã, na praia da Barra!"

- "A que horas?"

- "Às oito horas!"

Dia 1º de novembro de 1902 - Praia da Barra. Dia 1º de novembro de 1902. Oito horas da manhã. O local escolhido por Henrique Porchat de Assis para o primeiro jogo de futebol em Santos é um pedaço longo de areia, 100 metros de extensão por 70 de largura, tal qual mandavam as leis do Football Association. Ali perto ergue-se a capelinha do Embaré. Quase junto à igreja, reside Henrique Porchat de Assis. É ele o primeiro a chegar. Os outros vão vindo aos poucos! - André Peixoto Miller, Luiz Nery de Sousa Júnior, Roberto Muñez Francisco Salgado Cesar, Raul Schmidt, Gil de Souza Ruiz, Vitor Cross, Manoel Baraúna Nery, Teodoro Joyce, Quintino Rato, Walter Grimsditch, Teodureto Faria Souto, Jonas da Costa Soares, Teodorico de Almeida, Eduardo Cunha Machado, Leão Peixoto de Melo, Lucas Alves Fortunato, Francisco Martins dos Santos Filho, A. Werneck, Haroldo Cross, Agenor da Cunha Machado e João Mourão.

Henrique Porchat de Assis contou:

- Vinte e dois! Dá certo para formar dois quadros!

Poucos eram os que sabiam jogar futebol: - Haroldo Cross, Vitor Cross, Teodoro Joyme, Walter Grimsditch, Manoel Baraúna Nery e Francisco Martins dos Santos Filho. Os outros iam começar naquele momento.

E às 8 horas e 25 minutos, no dia de hoje, há 50 anos atrás, ia rolar pela primeira vez, valendo para jogo, uma bola de futebol.

- "Precisa tirar a gravata, Henrique?"

- "Não. Não precisa! Desafogue um pouco o colarinho, e basta!"

- "Levanto a barra da calça, Henrique?"

- "Se você quiser levantar, levante, mas não é obrigatório".

E o jogo começou, com a rapaziada do Variedades vestindo roupa de todos os dias, de gravata, de colete, e uns, até, de paletó.

Mas foi um sucesso! Todo o mundo gostou do jogo.

- "É eletrizante! Bole com os nervos! E como é rápido!..."

E todos os sábados, lá estava o Henrique Porchat de Assis a avisar - ele sabia que ninguém faltava, mas não custava nada um lembretezinho:

- "Amanhã, às 8 horas, na Praia da Barra!"

Hoje, a Praia da Barra tem o nome de Praia do Boqueirão.

A casa de Henrique Porchat de Assis desapareceu. O cano grande que ficava junto ao campo, passou a ser canal. A capelinha modesta é, agora, a vistosa igreja de Nossa Senhora do Embaré (N.E.: na verdade, Santo Antonio do Embaré). Mas a areia da praia continua sendo a mesma. Saudosa, talvez, daquele 1º de novembro de 1902, em que um bando alegre de rapazes fez surgir sobre ela um grão de areia muito grande, que pulava como um cabrito, e que toda a gente chamava de bola de futebol...

Haroldo Cross e Quintino Rato - Era nosso intento fazer uma entrevista com Henrique Porchat de Assis, mas um acidente sofrido por ele, na semana passada, em São Paulo, a isso nos impediu. Também Raul Schmidt surgiria em nossa reportagem sobre esse curioso assunto do cinqüentenário do futebol santista, mas motivos ponderosos o obrigaram a viajar. Dois, porém, dos que havíamos arrolado para ilustrar este trabalho, estiveram em contato, ontem, com a nossa reportagem, acompanhando-nos ao local onde se disputou o primeiro jogo de futebol em nossa cidade, e do qual eles participaram.

Trata-se dos srs. Harold Cross, classificador de café, o elemento mais antigo de nossa praça cafeeira, e Quintino Rato, o decano dos corretores de câmbio e um dos vultos de maior projeção no setor bancário de nossa cidade. Ambos tomaram parte no primeiro jogo. Harold Cross, nascido na Inglaterra, aprendera a jogar futebol no St. John's College, de Souten-on-Sea, sua cidade natal. Foi fundador, também, do C. A. Internacional e do Santos F. Clube. O sr. Quintino Rato só naquele dia é que travou conhecimento com a bola de futebol, mas era magnífico ciclista, várias vezes campeão de Santos nas famosas competições do velódromo que existia à Rua General Câmara, esquina de Conselheiro Nébias.

Estivemos com os dois componentes do grupo de precursores do futebol em Santos, no próprio local onde, cinqüenta anos antes, havia sido disputada a primeira partida daquele esporte.

- "Causou sensação aquele jogo. Muita gente parou para assisti-lo. O agrado foi enorme e a aceitação superou a todos os cálculos. Tanto que alguns meses depois fizemos construir - no local onde se encontra, hoje, a igreja da matriz de Vila Matias - o primeiro campo de futebol". (N.E.: era o terreno onde foi erguida a Igreja Coração de Maria, na Avenida Ana Costa).

Harold Cross chama a atenção para um detalhe:

- "Quem não gostou muito foi o remo. Os simpatizantes da regata, esporte que empolgava o público, passaram a nos olhar de revés. Mas nós não nos detivemos, e o futebol foi para a frente. Quem era contra, nós trazíamos para o ver. Quem era a favor, nós trazíamos para jogar. E o futebol santista foi crescendo. Jogamos, ali mesmo na areia, contra um selecionado de S. Paulo, em que formavam os famosos Prados, Juvenal, Armando, Mário e Joaquim, e, também, Aristides Castro Andrade".

- "E Santos ganhou?"

- "Ganhou. 3 a 1".

Santos, como se vê, começou vencendo em futebol, vencendo como o faz em tudo, em todos os setores cidade predestinada, que o é, à realização de grandes feitos.

Indagamos dos srs. Quintino Rato e Harold Cross se a evocação daqueles fatos não lhes trazia saudades:

- "Muitas. Muitíssimas saudades. Mas muito, muitíssimo conforto, também. O conforto de poder sentir hoje, cinqüenta anos mais tarde, que aquele núcleo de idealistas, aquela pequena legião de sonhadores teve a ventura de lançar ao solo, bem junto ao mar, a semente dessa imensa árvore que hoje se abre para o infinito! O futebol santista".


"Os srs. Harold Cross e Quintino Ratto apontam para o trecho onde ficava o cano grande, junto ao qual se ergueu - feito de bambus - o primeiro arco para jogo de futebol. ..." (N.E.: com os dois, vê-se ainda, à esquerda, o cronista esportivo De Vaney)


"...Os dois fundadores do futebol santista, tendo às mãos uma bola moderna, mas de peso e dimensões idênticas às que foram usadas na memorável manhã de 1º de novembro de 1902. ..."


"...Local onde, em 1902, existia o Teatro de Variedades, à praça dos Andradas esquina da Rua 15 de Novembro. Foi ali, no teatro onde se reunia a mocidade santista, que Henrique Porchat de Assis levou avante a idéia de ser disputada a primeira partida do esporte que ia vencendo em São Paulo e no Rio de Janeiro. ..."


"...Local exato onde, há 50 anos, na data de hoje, disputava-se o primeiro jogo de futebol em Santos. O local é o mesmo; o cenário, porém, todo marcado pelo vulto dos arranha-céus, bem demonstra que o tempo caminhou..."
Imagens: detalhes do conjunto de fotos publicado com a matéria

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