SEGREDOS DO PODER - Em uma pequena e esquecida cabine do canto esquerdo do gabinete do
prefeito de Santos estão fragmentos importantes e curiosos da história regional recente. Nesta saleta, que abrigou uma extinta linha telefônica, um
prefeito soube do presidente da República que não mais seria governador de São Paulo
Foto: Ricardo Nogueira, publicada com a matéria
GABINETE
Cabine guarda fragmentos da história
Espaço, na sala de trabalho do prefeito, é pouco notado por quem passa pelo
local
Lucas Tavares
Da Reportagem
Fragmentos importantes e curiosos da história política
regional recente estão guardados na pequena e esquecida cabine do canto esquerdo do gabinete do prefeito de Santos.
Os visitantes e jornalistas que entram na sala principal do gabinete pouco atentam
para o compartimento não usado faz mais de 20 anos, mas ainda camuflado por paredes revestidas com madeira de lei.
Nesta saleta de cerca de quatro metros quadrados, que abrigou uma extinta linha
telefônica direta, um prefeito soube do presidente da República que não mais seria eleito governador de São Paulo.
O caso aconteceu em 1966, no segundo mandato do prefeito Sílvio
Fernandes Lopes (1965-1969), membro da Arena (partido do regime). Na época, o País era governado pelo marechal
Humberto de Alencar Castelo Branco - primeiro mandatário da ditadura militar.
Em maio ou junho de 1966, pelas memórias de Fernandes Lopes, deu-se o seguinte: "Um
dia o presidente me ligou no telefone direto, naquela cabine, e disse que precisava falar comigo em Brasília para tratar das eleições de
governador".
Na conversa, de caráter estritamente confidencial e revelada somente agora a A
Tribuna, Castelo Branco deu a entender que o então prefeito - favorito para as eleições indiretas ao Palácio dos Bandeirantes - seria rifado
pelo regime militar.
Três dias depois, em Brasília, a conversa seria confirmada pessoalmente. "Ele pediu
para que eu desistisse da candidatura para evitar divisões internas no partido", recorda-se o ex-prefeito, hoje com 80 anos.
Na ocasião, o então prefeito disputava a indicação da Arena com quatro pesos-pesados
do regime. "Numa eleição do colégio eleitoral interno, o Abreu Sodré havia sido o mais votado, seguido pelo Laudo Natel, por mim e pelo Paulo Egydio
Martins".
Apesar da liderança de Sodré, a decisão final caberia aos delegados da convenção
estadual da Arena. "E, naquela época, eu ganharia fácil porque a maioria dos convencionais era do antigo PSP, que era o meu partido".
Mas a conversa com Castelo Branco iniciada na antiga cabine pôs um fim voluntário
às pretensões de Sílvio Fernandes Lopes. Nas palavras do próprio ex-prefeito: "Eles queriam que o mais votado no colégio fosse o governador. E eu
decidi retirar a candidatura porque sabia que, do contrário, seria cassado".
Abreu Sodré terminou eleito governador.
Os dossiês - As histórias mais curiosas da cabine do gabinete tiveram como
cenário o regime militar. E envolveram como personagens os prefeitos nomeados pela ditadura.
Nos anos 70, o ex-prefeito Antônio Manoel de Carvalho, o
Carvalhinho (1974 a 1979), usava o boxe para guardar supostos documentos contra adversários. Quando provocado, ameaçava abrir o cofre da cabine
para revelá-los mas nunca o fez de fato.
Resposta |
"Mandei um telex na mesma hora, dizendo que não recebia comunistas, mas todos os
santistas. E disse que, como prefeito, era nomeado pelo Governo Federal, e não pelo governador"
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Paulo Gomes Barbosa
Ex-prefeito e atual presidente da Câmara
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Telex - Dos prefeitos nomeados que usaram a saleta, só um está vivo -
Paulo Gomes Barbosa (PSDB), atual presidente da Câmara de Santos.
De Barbosa, que governou de 1980 a 1984, há uma história curiosa. O caso remonta a
1980, uma época em que a cabine era usada como sala privada de telex.
No início daquele ano, logo depois de Barbosa assumir a Prefeitura, uma greve de mais
de 48 horas estourou no Porto de Santos. Para dar guarida ao movimento, o então prefeito emprestou o gabinete a lideranças grevistas.
"De repente, chega um telex do Paulo Maluf dizendo que eu não poderia receber
comunistas no gabinete", recorda-se Barbosa, que acabara de ser nomeado prefeito pelo PDS (novo nome da Arena, com o fim do bipartidarismo).
A versão de Barbosa dá conta de que ele reagiu. "Mandei um telex na mesma hora,
dizendo que não recebia comunistas, mas todos os santistas. E disse que, como prefeito, era nomeado pelo Governo Federal, e não pelo governador".
A polêmica com Maluf ficou por isso mesmo, nos telex da cabine.
O bilhete - Após o Governo Barbosa, a saleta do telefone ficou sem uso. Apenas
um cofre pequeno foi mantido naquele espaço.
Oswaldo Justo (PMDB), que foi prefeito de 1984 a 1988,
deixou no cofre um bilhete à sucessora, Telma de Souza (PT). "Eu lembro que, no bilhete, ele dizia, em tom espirituoso, que havia deixado a
Prefeitura com dinheiro em caixa", diz João Paulo Tavares Papa (PMDB), que assumiu o gabinete há menos de um mês, sem
saber da maioria das histórias da esquecida cabine.
Cabine registrou embate entre Barbosa e Paulo Maluf. Nela, Justo deixou bilhete para
Telma
Foto: Ricardo Nogueira, publicada com a matéria
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