60 anos de futebol em S. Paulo
De Vaney
[10] - Imprensa e rádio
Impossível discorrer sobre a evolução
do futebol paulista sem fazer repetidas referências à imprensa. Foi ela uma de suas molas propulsoras, quer pelo auxílio do simples noticiário dos
fatos, feitos e resoluções, quer, sobretudo, pelos conceitos que emitia, pelos pontos de vista que julgava por bem expender e até mesmo pelo que de
bom havia no mal do acirrar das polêmicas, maximé quando se cruzavam, sem cessar, os balázios de tinta despejados pelas baterias dos jornais
do Rio e de São Paulo.
E tantos, tão numerosos, tão repetidos foram os atritos entre as imprensas da capital do país e da
terra bandeirante, que muita vez se chegou a pensar - tão iminente estava - em uma declaração de guerra, onde os tiros das tiradas escritas
fossem substituídos pelas bombas e bombardas de uma realidade mavórtica, que cada vez mais se ia delineando.
Mas foram, justamente, dessas questiúnculas, muitas delas adoráveis pelo que encerravam de leve,
de irônico, de humorístico, que se tornaram sensacionais, empolgando multidões, os jogos entre seleções - e até mesmo os jogos interclubes - de São
Paulo e Rio.
Às vésperas das batalhas, os prognósticos de triunfo, aqui ou lá, valiam por loas a uma
superioridade que era o ideal comum. E qualquer coisa que se escrevia, de um elogio maior à facção local, era logo rebatida, de longe, por uma
saraivada de motejos, de verrinas, de mofas e chistes que, não raro, descambavam para a zombaria, clara e desataviada, objetivando o ridículo. E,
muitas vezes, os encontros paulistas x cariocas da pena valiam mais, em espetáculo, do que o jogo paulistas x cariocas da bola de futebol...
Vibrava o público das duas capitais com a ardorosidade de Anhangüera (dr. Oscar da Mota
Mello); com as crônicas, sempre bem humoradas, do Nage (Genaro Rodrigues); com o eqüilíbrio, a segurança, o saber-dizer, a competência de
Leopoldo Sant'Anna; com as "batutadas" que Mário Vespasiano de Macedo orientava; com a maneira fina, elegante, com que o dr. Américo R. Netto
trazia à leitura os seus conceitos; com a violência e a combatividade de Furtado de Oliveira; com a mordacidade do Cagliostro (Vital de Paula
Ribeiro) e com as achas de lenha que Enio Juvenal Alves, valendo-se da cintilância de seu talento, vinha colocar, de manso, no crepitar da fogueira.
As gerações se sucedem. Nomes de valor jamais faltaram à imprensa desportiva de São Paulo. Antes,
depois, hoje, amanhã, ela será sempre magnífica, porque vem da época dos Taciano de Oliveira, Thomaz Mazzoni, Salathiel de Campos, Mugnaini Filho,
Oswaldo Silveira (o Batepé), Miguel Arco e Flecha (sob cuja presidência, na Associação dos Cronistas Esportivos, a imprensa de São Paulo
renegou a terminologia esportiva estrangeira, para adotar a brasileira), Pedro Monteleone, José Moura, Gumercindo Fleury, Mello Monteiro, Castro
Carvalho (Barão), que se impuseram à admiração e ao respeito públicos pelos seus talentos e pelas suas competências profissionais.
Na trincheira do Rio formavam, em primeira plana, Baldomero Carqueja, Ernesto FLores Filho,
Diocesano Ferreira (Dão), Cacareco, Raul Loureiro, Honório Netto Machado, Mário Polo, Otelo de Souza, Oséas Motta, Augusto Lopes, Luiz
Viana, João Teixeira de Carvalho, John Carr, Salvador Fróis e outros.
É inegável, ninguém o poderá contestar, que foram as
polêmicas, os terríveis pegas entre a imprensa de São Paulo e do Rio que, agindo como forças propulsoras, tornaram mais rápida a evolução do
futebol no Brasil.
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Nos primórdios da crônica esportiva, as funções não eram
fixas nem, muito menos, compensadoramente remuneradas.
A maioria dos cronistas trabalhava de graça, só para ter o ensejo de escrever em jornal, já
que essa era a sua inclinação, e para poder, principalmente, defender o seu clube, porque, naquele tempo, tal como hoje, o cronista tinha seu
clube preferido, com a diferença de que, antes, àquela época, ninguém fazia segredo disso.
Pelo contrário: eram comuns os escudos à lapela dos cronistas e indispensáveis as suas
presenças nas comemorações dos triunfos. O redator profissional, mas que fazia da imprensa um simples bico, tanto podia ser cronista
de esportes no domingo, como redator policial na segunda-feira, crítico teatral na terça, repórter de rua na quarta, observador político na quinta
ou - o que não era raro - ser tudo isso ao mesmo tempo... Não havia especialização. E para quê? Havia, isto sim, volume de serviço a ser atendido.
Só a partir de 1920-21 é que os proprietários de jornais olharam o cargo de cronista de
esportes por um outro ângulo, o que fazia ver o interesse sempre crescente que iam tendo os esportes, principalmente o futebol. E houve uma como que
regulamentação da profissão, tudo muito precário, sem garantias, sem compensações.
Os pagamentos eram irrisórios e a maneira de pagar mais irrisória ainda: o vale, esse
vale que foi o vale de lágrimas de uma geração inteira de jornalistas, já que não havia - com poucas exceções - outra forma de pagamento senão o
do vale a ser recebido no balcão, sempre na dependência do comportamento do fígado do gerente ou do estado financeiro da caixa.
Imprensa era diletantismo àquele tempo em que o futebol de São Paulo começou a firmar-se. E
cronista esportivo era o idealista, quase sempre com marcadas tendências a ser faquir...
Mas nunca faltaram o trabalho honesto, a produção bem
calibrada, o esforço, a dedicação, a competência e, mesmo, o espírito de sacrifício daqueles que tomaram parte nas primeiras barricadas do
jornalismo esportivo bandeirante, a quem o autor rende aqui o preito de sua homenagem, sincera e comovida.
***
O primeiro jornal esportivo a surgir em São Paulo foi, em
1891, a A Platéia Esportiva, um suplemento de A Platéia, de quatro páginas, com formato 4x33, e que tratava de turfe.
O segundo jornal foi o São Paulo Sportivo, em 1892, do mesmo formato e, como o primeiro,
consagrado às corridas de cavalos. Seguiu-se - este em Santos - o Santos Sportivo (1892), versando ainda em assuntos turfísticos. Há, em
1893, em Mogi-Mirim, o aparecimento de O Athleta, que, segundo informações colhidas naquela cidade, tratava, apenas, de temas políticos e
literatos. Em 1893, a publicação dedicada ao esporte era o Sportsman, que tinha como redator-chefe Edmundo Simões, e que só se preocupava,
como todas as outras, com o turfe. Depois, só em 1896 é que surge algo diferente: A Bicicleta, dirigida por João de Sá Rocha, e cobrando, por
exemplar, um preço verdadeiramente excepcional: 300 réis! Mas a capa - que luxo!... - era impressa em papel de cor. Vem, então, em 1898, a Gazeta
Sportiva, de distribuição gratuita, suprindo-se com matéria paga, ocupando-se de ciclismo, de pela, de caça e pesca, turfe, sob a direção de
Gurgel de Oliveira. Dois meses depois aparece o O Sport, também com os mesmos fins, especializações e métodos da Gazeta Sportiva.
Há um longo interregno, para surgir, em 1901, um outro O Athleta, este, porém, com o
objetivo de fato atlético, comandado por Crisóstomo da Silva. Nada, porém, de futebol em suas páginas. Em 1902 vem à luz um outro Sportsman,
tratando, de preferência, de coisas da esgrima. E A Bola, que aparece em 1902 também, nada tem a ver com futebol.
É, então, que sai à rua o primeiro periódico especializado em futebol. É ele o Guia do Futebol,
de Mário Cardim, esse magnífico Mário Cardim, pioneiro da imprensa futebolística no Brasil, difusor e comentador, através das páginas de seu jornal,
das regras do futebol. Foi ele, Mário Cardim, o indicador da interferência direta da crônica no movimento dos esportes, que tiveram nele o precursor
das reportagens. O Guia do Futebol surgiu no ano de 1903.
Em 1903 circulam Arte e Sport, A Vida Sportiva, esta dirigida pelo coronel Pedro
Dias de Campos, e o Sport.
Aparecem, em 1905, as primeiras revistas internas: o Ideal Sport Club e o Hespéria Sport.
Quase sete anos se passam sem publicações de jornais ou revistas de esporte, e quem interrompe o
silêncio é a Gazeta Dello Sport, editada em italiano, em 1913.
O Sport é um novo semanário ilustrado, vindo à rua em 1914, ano em que se faz notar,
também, A Crônica Sportiva Ilustrada, um semanário que superou todos os recordes de página: 16.
Eis que A Cigarra Sportiva, em 1917, se põe a circular, trazendo como programa de ação dois
pontos que não se entrosam: esporte e literatura. SIm, a literatura está zangada com o futebol. Os poetas, os romancistas, os beletristas, em suma,
não compreendem que possa haver gente - e tanta gente, santo Deus!... - que vá, aos domingos, para a soalheira ou para as chuvaradas dos campos de
futebol, assistir um bando de desocupados dar pontapés na bola e neles próprios. Não compreendem que se possa deixar de lado uma estrofe trabalhada
por Verlaine, uma frase burilada por Flaubert, um diálogo enredado por Bataille, para ir berrar como um possesso, para ir... para ir... - como é que
os futeboleiros chamam, mesmo? - ah!... para ir "torcer" como um débil mental, pelos pinotes de uma bola.
- "Se é para os vagabundos criarem músculos - dizem os literatelhos - que vão rachar lenha, o que,
pelo menos, ajuda a fazer comida..."
Mas a imprensa - Estado, Estadinho, Correio Paulistano, Platéia,
Diário Popular, Combate, Fanfulla, Gazeta - sai a campo, rica em argumentos, para fulminar os piegas, citando,
entre outras coisas, que foi entre os adeptos do futebol, e não entre os seus adversários, que Olavo Bilac, um poeta de verdade, encontrou o apoio e
o estímulo para as campanhas da Defesa Nacional e das Linhas de Tiro.
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Em 1919, publica-se um novo Sports, e em meados de 1920 é Américo R. Netto quem põe nas
mãos do público o seu Sport, bem feita revista mensal.
Jatir Gomes, Genaro Rodrigues (Nage) e Odilon Penteado brindam com o São Paulo Esportivo,
que marcaria época (1920) na imprensa de São Paulo.
Em 1922, se edita a Estampa Esportiva, secundada, em 1923, pelo Brasil Esportivo e
pela Revista Esportiva, esta em 1925.
A A Gazeta Esportiva, aparecida em 1928, é a 26ª publicação, pela ordem cronológica,
especializada em esportes, circulante em São Paulo, e é notável a sua contribuição ao desenvolvimento dos esportes.
Mestre Leopoldo Sant'Anna funda, em 1931, o Dia Esportivo, só vindo a aparecer outro jornal
de esportes em 1938, que é O Esporte, fundado por Lido Piccinini, Denner Médici e Gino Restelli.
A 29ª publicação é a Vida Palestrina, a que se
segue a Vida Esportiva Paulista, ambas em 1940, quando se inicia a era do Pacaembu, havendo na imprensa novo silêncio, que é interrompido
pelo Gol, de Blota Júnior, em 1945.
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Hoje, a imprensa desportiva de São Paulo é uma das mais
bem feitas, mais completas, mais informativas dentre quantas existiam sobre a face da Terra. Não seria possível desejar mais nem melhor. Não só nos
jornais especializados, como A Gazeta Esportiva, O Esporte, O Mundo Esportivo, Equipe, como em todos os matutinos e
vespertinos (principalmente esses), o serviço de redação, em todas as suas diferentes funções, é perfeito.
Jornais e revistas (quase todos os clubes as possuem com circulação ampla ou interna) são tirados
a cores, e a policromia é, hoje, uma das vistosas características das seções de esporte, ricas, também, pela excelência de seu texto.
Ótimos cronistas, hábeis repórteres, fartos arquivos,
desfile impressionante de serviço de coberturas, copioso material fotográfico transparecido em nítido trabalho de clicheria que ilustram
crônicas e reportagens, tudo isso faz da imprensa de hoje um dos lídimos orgulhos de São Paulo e do Brasil.
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E é nessa hora, nesse momento, em que se fala na imprensa
de hoje, na crônica de agora, admirável por todos os seus aspectos e apresentações, que se deve recordar, por um momento que seja, aquele pugilo de
rapazes, aos primórdios do nosso futebol, que tratava, nas reportagens, os jogadores de senhores ("O sr. Ibanez Salles vigiou muito bem o sr.
Vicente no match de ontem"); que se preocupavam com as descrições exteriores ("O Velódromo, ontem, parecia um buquê de flores, ali se
encontrando toda a jeunesse dorée de São Paulo") e que descreviam os lances de uma maneira toda peculiar à época ("Um formidável centro do
sr. Alípio de Carvalho foi salvo por uma defesa do sr. Rubião, com valente cabeçada, às 16,51 horas").
É nesse momento, em que São Paulo comemora o 60º aniversário da implantação do seu futebol, que se
torna perfeitamente justo recordar aquela rapaziada dos jornais de antigamente, que soube rebater, ofensa por ofensa, baldão por baldão, todos os
ataques que a literatice, epidemia já no declínio do seu surto, mas que tanto mirrara e exaurira as forças vivas do país, desferia amiúde, contra o
futebol, chamando de párias, rufiões, transviados e negligentes os que preferiam a atividade do esporte à pasmaceira de procurar nos dicionários de
rimas a palavra adequada ao fecho de um soneto que vinha sendo laboriosamente partejado havia muito tempo.
Neste instante de festivas comemorações, é necessário
evocar os jornalistas esportivos de São Paulo que se insurgiram contra a nomenclatura inglesa, traduzindo para o português, abrasileirando os
corner, hands, free-kick, sgrimage, goal-keeper etc., antecipando-se, assim, a todas as outras imprensas, em todo o
Brasil, inclusive a do Rio de Janeiro, que continua, até hoje, apegada à terminologia britânica.
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Tem que haver um lugar no coração hoje festivo, para os
que escreviam, outrora, com a pena a embeber-se dentro da própria alma, sinceros, puros em suas ações, tão dignos, como diletantes, como o são os
profissionais da imprensa de hoje e que jamais ensarilharam armas quando havia necessidade de defender o futebol de São Paulo e do Brasil.
Talvez tivessem cometido excesso os jornalistas de 1901-1925. É possível. Mas, benditos excessos
aqueles, que conseguiram colocar o futebol de São Paulo no posto, na posição, no destaque, no realce que o São Paulo de todos os setores exigia que
ele se situasse.
Foi da abnegação, do idealismo daquela gente, que pôde ser
estruturada e que surgiu, enfim, a grandeza da imprensa esportiva de hoje, onde avultam tantos nomes de ampla e merecida projeção nacional.
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No rádio, cabe a São Paulo a prioridade de uma estação no
Brasil inteiramente dedicada aos desportos: a Rádio Panamericana (1946), como já pertencera também a São Paulo, por intermédio da Rádio Educadora
(prefixo S.Q.A.E.) a primeira irradiação completa de uma peleja de futebol (São Paulo x Paraná, 19 de julho de 1931, na Floresta), sendo locutor o
dr. Nicolau Tuma.
Foi também, em São Paulo (Rádio Record, 1933), que se levou ao ar o primeiro programa diário, só
sobre assuntos de esporte, em todo o Brasil, sendo locutor, também, o dr. Nicolau Tuma, criando, outrossim, na Rádio Record, em 1934, a resenha
dominical, às 19,30 horas, apresentando um relato completo de todas as atividades esportivas do dia, não só em todo São Paulo como no Brasil inteiro
e no Exterior.
E os primeiros alto-falantes, para transmissão local de serviço vindo pelo telefone, surgiram no
Vale do Anhangabaú, em 1922, proporcionados pela A Gazeta, serviço esse que o famoso bar Meia Noite também oferecia ao público durante
longo tempo.
Hoje, o potencial da rádio esportiva paulista é impressionante. Forma um parque que superou, em
muito, ao de todos os demais centros desportivos do continente, e com o advento da televisão, a certeza de que a todos ocorre é que o serviço
informativo em São Paulo atinge neste momento, tal a sua perfeição, ao máximo de sua plenitude, ao auge de sua própria projeção.
Imprensa, rádio e televisão, constituem-se, pois, trechos vivos, palpitantes, do evoluir do
futebol em São Paulo.
Ilustração de J.C. Lobo publicada em A Tribuna com
o texto
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