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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - FUTEBOL - BIBLIOTECA NM
Os primeiros 60 anos do futebol paulista

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Clique na imagem para ir ao índice do livroEm 1956, o jornalista Adriano Neiva da Motta e Silva - o De Vaney - participou de um concurso nacional de crônicas sobre esportes e conseguiu provar, com números e outros dados, que Santos era a cidade mais esportiva do Brasil. Exatamente nessa mesma época, ele começava a publicar em formato de folhetim diário, então muito comum na imprensa, a história das primeiras seis décadas de futebol no Estado de São Paulo. O material, colecionado, formava um livro de 108 páginas. A publicação ocorreu no jornal santista A Tribuna, de 25 de janeiro a 29 de fevereiro de 1956 (ortografia atualizada nesta transcrição):

60 anos de futebol em S. Paulo

De Vaney


[9] - Aspectos de relevo

Aqueles garotos de rua, que viam, espantados, os ingleses a correr, em 1896, pelas bandas do Bom Retiro, foram os plantadores do futebol à beira das calçadas, o futebol dos terrenos baldios, dos quintais estreitos, dos pátios dos colégios.

Uma bola de pano, de papel, de meia, dois "arcos" que se limitavam por duas pedras colocadas em sentido horizontal ao campo, separadas por três ou quatro metros entre si. Tanto bastava. E toca a imitar o que faziam os ingleses do Bom Retiro.

Depois os imitados foram os brasileiros, os paulistas do Mackenzie, do Internacional.

Mais tarde, em busca de espaço, o menino da rua rumou para as várzeas. Havia a do Carmo, ampla, enorme, berço do futebol brasileiro, local onde se ouviu, pela primeira vez, o som surdo, cavo, sem vibração, de uma bola de futebol tombada das mãos de Charles Miller.

Foi ali, na várzea, do Carmo, que o menino das ruas, já homem feito, organizou o futebol que iria ganhar, por analogia, o nome universal de varzeano.

Se lá, pelo alto, pelos bairros elegantes da cidade, os campos iam crescendo, isso não fazia inveja à várzea, que já os começara a ter em 1902. E os campos varzeanos cresciam de maneira espantosa. Dormia-se vendo três campos novos e quando se acordava lá estavam, a se estirarem, livres do capim, mais meia dúzia deles.

E foram nascendo os clubes: Cruzeiro, Santos Dumont, Guarani. A várzea foi sendo aterrada. Não se limitou mais às imediações do Carmo. Invadiu o Glicério. Cresceu. Alastrou-se. Foi engolindo, com a terra vermelha dos aterros, toda a extensão da planície. Agigantou-se. Foi se espraiando mais e mais num lençol rubro, que, nos dias de chuva forte, dava ares sangrentos aos aspectos das jogadas. Chamaram-na, então, de a "Sangrenta várzea do Carmo", "A várzea trágica", e um clube surgiu com um nome que era todo um simbolismo: "Mancha de sangue".

Outros vieram vindo: o Argentino, Herói das Chamas, o Lira, o Botafogo, o Jaceguai. Todos grandes clubes, grandes quadros, dentro do futebol menor. Campeonatos foram organizados. A várzea vivia, então, a sua época de fastígio, chamando a atenção do público, fazendo concorrência ao Velódromo, primeiro, depois à Floresta e Parque Antártica.

Não pararam os desfiles de clubes sobre a várzea famosa: União Brasil, South Africa, Tiradentes, Rio Branco, Paraíso, Belo Horizonte, Domitília, Minerva, Diamantino, Ruggerone... E há também os desfiles de astros: Congo, Ena, Antenor, Couto, Gervásio, Virgílio de Araújo, Paulino, Patureau, Perú, Afonsinho, Farina, Cabeludo, Menotti, Felipe, Africano, Zé Campeão, Pedro Ferreira, Juvenal, Arlindo, todos ótimos, tudo nata da melhor, em futebol.

A várzea propiciou o aparecimento do homem de cor, dando oportunidade a que, com a inclusão dos David, Alibabá, Bugre, Aguiar, Salimbano, Zezinho, Benedito Leite, Horácio, Euclides, Anibal Tatú, Cipriano e tantos outros, pudessem surgir, mais tarde, os Bisoca, os Brandão, os Marteletti, Dino, Jaú, Iracino etc., que tanto honraram o futebol de São Paulo.

Foi dali, das várzeas do Carmo e do Glicério, que despontou o contingente de futebolistas que, ingressando, nem todos os melhores, nos clubes de 1ª categoria, tornaram mais popular, mais paulista, mais brasileiro do que nunca o nosso futebol.

***

O aparecimento do Coríntians vale pelo início de uma época no futebol brasileiro. Sua qualidade de clube modesto, com seus jogadores trabalhando, à noite, na construção do campo de seu grêmio; sua decisão de ir buscar na várzea, onde nasceu, os melhores elementos para sua equipe, deram rumos novos ao nosso futebol. A escola clássica, já tão pouco adotada, foi definhando de vez. A sistematização da jogada, com o passe feito sempre do mesmo jeito, no mesmo sentido, da mesma forma, terminou definitivamente.

O Coríntians trazia consigo o futebol das ruas, o futebol dos pátios, dos recreios escolares, o futebol da várzea nacional e independente, o futebol do quebra-lampião, do espatifa vidraça, o futebol jogado em trechos exíguos, onde a finta tinha que ser rápida, instantânea, o chute deveria ter calibre adequado às necessidades do momento; o passe era mais uma condição imposta pelo feitio do lance do que uma elegância dogmática; a improvisação era um recurso; a jogada feita na hora era um ardil; um futebol, em sínteses, que possuía o ritmo do samba, a cadência do jongo, o requebro macio dos lundus africanos, tudo isso em sincronização com a inteligência e o discernimento do imigrante branco.

E como símbolo dessa junção benfazeja surge, em toda a sua plenitude e para maior glória do futebol brasileiro, Arthur Friedenreich.

***

Estabilizou-se, de vez, o futebol bandeirante em seu aspecto técnico. As sucessivas derrotas que os paulistas impõem aos cariocas, a maioria delas por contagens altas, triturantes, contundentes, são sobejas demonstrações de que se firmara a superioridade do padrão paulista sobre o carioca.

Não há, durante o longo período de 1906 a 1924, quem supere a São Paulo, dentro do Brasil. Tão nítida, tão clara, tão evidente é essa sobrelevância técnica, que São Paulo não faz conta, nem chega a perceber que as suas maiores conquistas, nos confrontos entre a polpa, a espuma do futebol de São Paulo e do Rio, ele, São Paulo, as vai obter lá mesmo, no Rio, nos campos do Fluminense, do Botafogo, do Flamengo.

Dava gosto, era empolgante ver-se jogar a seleção paulista, àquela época. Firme, robusta, desempenada, na defensiva. Ágil, infiltradora, devastante, no ataque. Não há sistemas rígidos, ortodoxos, na maneira de jogar dos bandeirantes. Sente-se, apenas, que a sua estrutura se assenta no centro da linha média, onde existe um Amílcar impecável, solene, garboso, a entregar a bola, envolta no açúcar dos passe bem feitos. Ora é o flanco que ele serve, no sistema intuitivo que Rubens Salles criara, para explorar a velocidade dos extremas, quase sempre Formiga na direita, Arnaldo Silveira na canhota. Ora são os meias que Amílcar aciona, aproveitando, para isso, o trabalho conjugado dos três médios, que trocam passes entre si.

De preferência os ataques são iniciados pelas pontas, cujas finalidades são as de produzir centros para o miolo, ora altos, ora rasteiros, estes em direção aos meias, e daí ao centro-avante, que é uma espécie de ponteiro de relógio, compondo-se, com isso, a famosa e impressionante "costura paulista" que tantas vitórias concedeu e permitiu ao futebol de São Paulo.

As grandes ações dos prélios viviam-se nas áreas. Era ali que iam tombar os centros ou iam ter os passe medidos, fazendo entrar em perigo iminente, ao desdobrar das sortidas, os arcos contrários, e permitindo ao público longos momentos embebidos em emoção.

Sobem, então, ao palco do futebol paulista Amílcar, Mário de Andrada, Bartô, Sérgio, Agnelo, Haroldo, Nardini, Sebastião, Heitor, Fabbi, Cassiano, Mesquita, Brasileiro, Rodrigues, Primo, Clodoaldo e outros.

***

São Paulo se avantajara ao Rio, em organização, logo ao início, por 4 anos de diferença. Esse privilégio São Paulo o ampliou ao decorrer do tempo.

Enquanto o Rio se apegava ao clubismo, enquanto o Rio não se desaferrava do "inglesismo", enquanto o Rio se fechava em nível social inatingível, não concedendo um lugar ao sol aos clubes modestos, São Paulo, a essa altura, lutava para não permitir exclusivismos entre seus clubes, a ponto de ir, até, à solução pelas crises. São Paulo já se desligara, por completo, das influências estranhas. São Paulo já permitira o ingresso do povo, do proletário, em seu futebol, dando, com isso, a mais pura, sincera e irretorquível demonstração de democracia.

Só em 1925, quando nova cisão - e dessa vez de caráter mais sério, mais grave - abalou São Paulo, é que o Rio, que justamente a essa época conseguira dar ao seu organismo esportivo, com a fundação da A. M. E. A., um rumo certo e salutar, inicia nova fase, e só então é que se observa um decréscimo de produção em São Paulo, no momento exato em que crescia, com as injeções que São Paulo já se aplicara havia muito tempo, o futebol do Rio de Janeiro, que somente em 1923, dez anos após São Paulo, permitiu o início do nivelamento das classes, em futebol.

Não houve, propriamente, uma queda de ordem técnica, e isso porque o 1 a 0 dos cariocas, no campeonato brasileiro de 1924, o 1 a 1 e os 3 a 2, também dos cariocas, nos campeonatos nacionais de 925, todos os jogos realizados no Rio de Janeiro, tais resultados não poderiam servir de índice, nem muito menos abalar o crédito de quem, como o futebol de São Paulo, o possuía, e muito, no conceito do Brasil.

Houve, sim, um decréscimo geral, um como enfraquecimento nos métodos, um amolecimento nas energias de organização, um abalo nos fundamentos, tudo em virtude da tendência, cada vez mais calara (embora cada vez mais velada), para a adoção do futebol remunerado.

Tornaram-se sensíveis, em 1925, os vínculos, iniciados em 1913, do futebol profissional, que, por não viver às claras, se julgou qualificar-se de marrom. Deu-se, assim, em 1925, a eclosão de um choque entre correntes eminentemente sociais, atrito esse que se vinha tornando inevitável havia muito tempo.

Da luta entre o que se poderia chamar de ambiente aristocrático (os contrários ao futebol remunerado) e o elemento que se deveria classificar de evolução social (o profissionalismo) nasceu um anseio de liberdade mútua.

O que se chamou de erro, indo buscar-se no futebol plebeu, à custa de compensações materiais, os reforços de ordem técnica de que se carecia, deve ser olhado, hoje, como um recurso natural, uma defesa instintiva, uma contingência e uma imposição de momento, já que os fins (a hegemonia) justificavam os meios (a imperiosidade, cada vez mais clamante, que cada clube tinha de superar o adversário).

O que faltou, àquele tempo, visto hoje aos longes dos anos que passaram, é possível analisar clara e objetivamente. O que faltou foi, apenas, serenidade; foi um nada de compreensão recíproca; foi espírito de cooperação e honrosa transigência.

Abalou-se, com a guerra que se seguiu à rebelião de 1924, o futebol paulista. Nem era para menos. Ainda assim houve forças bastantes no futebol de São Paulo para poder comportar duas vidas, duas existências, duas entidades que se queriam exterminar, mas que, pelo próprio esforço por elas despendido para as suas subsistências, ensejavam a São Paulo um crescente nível de progresso, embora, isoladamente, visto por ângulos diferentes, o aspecto que oferecia era o de desengonço, descontrole e desespero.

Não sofreram soluções de continuidade as marchas triunfais do futebol paulista através das veredas do futebol brasileiro.

A crise de 1925-1929 não impede, apesar de todos os seus aparentes malefícios, que o desmembramento enfraqueça São Paulo em seu poderio futebolístico. Mercê de suas inexauríveis reservas, há o bastante para poder brilhar através das conquistas da A.P.E.A. e aos feitos da L.A.F.

Surgem, para garantir o renome do futebol paulista, os Nestor, Feitiço, Aparício, Tatu, Filó, Osses, Tuffy, Serafim, Athié, Pepe, Bisoca, Araken, Camarão, Siriri, Evangelista, Ministrinho, Rato, De Maria, Tedesco, Nerino, Gogliardo, Gambinha, Guimarães, Luizinho, Sinésio, Nabor, Rogério, Mono, Abate e outros.

O cetro de campeão do Brasil retorna a São Paulo - e São Paulo está em plena crise - em 1926. Não tem solução campal em 1927, não se o disputa em 1928 e fixa-se em São Paulo em 1929. Tudo como antes, apesar do conflito: vitórias.

O lado disciplinar, que os atalhos lamacentos da cisão tornam, às vezes, lastimáveis, não chegam a interferir, danosamente, na desenvoltura do caminhar do futebol de São Paulo.

A ausência dos paulistas na equipe brasileira que vai disputar em 1930 o mundial de Montevidéu é a causa direta do mau sucesso do conjunto nacional. Procura-se culpar São Paulo, como se houvesse culpa para quem deseja apenas reivindicar um direito, como era aquele que São Paulo julgava ter, tal o de contar com um seu membro na direção do selecionado, tal como aconteceu em 1920, em 1921, em 1923, quando, ferido em seus brios, São Paulo se julgou no direito - que de todo lhe assistia - de não colaborar com quem o espezinhava, sofrendo com isso, para sincera mágoa de São Paulo, o futebol do Brasil.

***

Em 1931 sangra-se, com profundos golpes em sua epiderme, o futebol de São Paulo, já que a Itália - e era facílimo então - contrata um punhado de craques bandeirantes. Mas as suas feridas cicatrizam-se depressa sob a ação adstringente que as reservas dos seus celeiros lhe proporcionam.

Em 1932, na Revolução Constitucionalista, destaca-se, entre a mocidade heróica que acorreu às armas por São Paulo, pelo Brasil, a rapaziada do futebol, formando-se batalhões de esportistas, muitos dos quais deixam suas vidas em holocausto à causa sagrada. E já em 1933 tudo é renovado no futebol de São Paulo. Os quadros surgem recheados de músculos novos, de sangue novo, de nova vitalidade. É uma era de renovação que se firma, que avulta, que palpita, que se sente latejante nos triunfos magníficos que os paulistas obtêm, quer em cotejos São Paulo-Rio, quer no grande certame interclubes, que reúne todos os clubes dos grandes centros, quer no campeonato brasileiro, que também é conquistado por São Paulo.

Voltam a vencer, em 1934, com a gente nova de 1933, os quadros e os combinados paulistas que tomam parte em jogos interclubes ou em torneios inter-selecionados.

São Paulo é, então, bicampeão do Brasil. É de progresso o ambiente no futebol paulista. Chega a época dos Romeu, Jaú, Junqueira, Tunga, Waldemar de Brito, Mendes, Imparato, Nascimento, Jurandir, Neves, Saci, Armandinho, Raul, Luna, Zarzur, Tuffy, Iracino, Hércules, Orozimobo, Batatais, Lara, Carnera, Brandão, Tim, Del Nero, Canhoto e outros.

Joga-se um ótimo futebol em São Paulo. Futebol das escolas de Friedenreich, de Petronilho de Brito, desse Petronilho de Brito que foi obrigado a ir dar espetáculos em Buenos Aires porque se lhe fechava as portas a incompreensão do profissionalismo.

Mas a guerra de uma cisão sem precedentes, que se instalara no Rio, entre clubes cariocas, enseja facilidades para a conquista de jogadores de São Paulo. E o futebol paulista perde, uns após outros, a maioria de seus melhores valores. É um êxodo mais amplo, mais contundente do que o de 1931. Maiores, por isso, as feridas abertas.

Surge, então, o fenômeno curioso: o Rio, que sempre abastecera São Paulo, arma-se com produtos paulistas para enfrentar São Paulo. Os cariocas, mercê do reforço recebido, iniciam uma nova fase. São Paulo Paulo luta, em 1937, em 1938, para surgir, na mesma plana de outrora, no mesmo nível que ocupava antes do abalo produzido pelas conquistas de seus elementos, que principiara em 1934, que prosseguira em 1935, que culminara em 1936 e 1937.

Assenhorearam-se, os guanabarinos, do futebol brasileiro, como se haviam assenhoreado antes do mercado paulista. Mas São Paulo não se queixa nem se detém. O equilíbrio de forças aparece em 1939, torna-se mais patente em 1940, quando o "goal average" decide o campeonato brasileiro para os cariocas.

A vantagem, o desequilíbrio, passam a pender para São Paulo, quando, nos campeonatos brasileiros de 1941 e 1942, os paulistas - e ambas as vezes no Rio - retornam com o cetro, com a auréola de novo bicampeonato.

A inauguração do Pacaembu fizera surgir, em 1940, a frase de que "o dinheiro está em São Paulo, mas o futebol está no Rio". 1941-1942 são, porém, um desânimo na frase cantante, são pontos finais naquela afirmativa reticente.

O fenômeno, depois, se inverte: é São Paulo que se vai abastecer no Rio. Começa pelas transferências difíceis e sensacionais. Mais tarde, com o correr do tempo, as aquisições paulistas no Rio se tornam comuns, diárias, banais, só enfeitadas, de longe em longe, por certos espaventos jornalísticos e radiofônicos, de uma aquisição menos fácil... Assim ocorreu em 1943, em 1944, em 1945, em 1946 em 1947, quando, então, São Paulo parecia um velho taxidermista, embevecido em colecionar material já fartamente usado nas exposições dos empalhados.

O renome do jogador era o que primeiro São Paulo visa. Depois é que ia ver o que ele poderia render tecnicamente.

Foi um período, aquele, que se pode chamar de subestimação do jogador paulista pelo próprio paulista. E de tal forma se habituou São Paulo a adquirir elementos velhos, gastos, cambaios, que os cariocas, em tom jocoso, puseram-se a dividir, simbolicamente, os seus jogadores em três categorias: os moços, os velhos e os... "para São Paulo".

O curioso, o que causava espécie e até mesmo grande hilaridade, é que, de tempo em tempo, surgia no Rio um elemento de valor, de excelente capacidade técnica, que os cariocas tinham vindo buscar em São Paulo, sem que os paulistas soubessem - ou não quisessem saber - de sua existência.

Mas, a partir de 1938, o aspecto muda de figura. Há equilíbrio nas transferências. São Paulo olha para si mesmo, para o seu Interior, e é lá que vai buscar o que precisa. Sobe, daí avante, o jogador interiorano, e isso valoriza, em conseqüência, o mercado interno. A "Lei do acesso e do descenso" é um passo a mais para a garimpagem perfeita dos diamantes que poderiam ir brilhar em outros rios...

Os cariocas sentem que São Paulo está, novamente, a se armar. Sentem, porque a sua vitória no campeonato de 1949, outra vez por "goal-average", não convence nem a eles próprios.

Em 1950, o Maracanã, que abria os olhos nessa tarde (17 de junho), vê, estupefato, uma equipe de jovens paulistas empolgar a multidão, com um futebol de primeira água, e que lhe concede o direito de ser a primeira equipe a obter uma vitória no monumental estádio e justamente sobre a seleção carioca: 3 a 1.

E no campeonato do mundo, onde o elemento de São Paulo foi quase que totalmente desprezado, posto à margem na formação do selecionado brasileiro, aparece aquela triste e eloqüente demonstração de que o elemento de escol n futebol da capital da República, e que pontificara durante vários anos, atingira o clímax de seu desgaste, tanto que foi Bauer (o único paulista da seleção) o nome que mais se impôs no conceito dos muitos comentaristas estrangeiros que no Brasil estiveram.

Pouco depois, com a base assentada nos homens de São Paulo, muitos dos quais tanto poderiam ter sido úteis ao Brasil de 50, o futebol nacional levanta o Panamericano do Chile e obtém o seu primeiro título de honra em torneios fora do país.

Antes, em 1951, São Paulo, por intermédio do Palmeiras, conquista para o Brasil a taça e maior relevo até então disputada na América do SUl, "Copa-Rio", superando as equipes estrangeiras.

Também no "Torneio Rio-São Paulo" os bandeirantes prosseguem vitoriosos em seu monopólio, tomando para si os títulos de 50, 51, 52, 53, 54 e 55, únicos postos em disputa.

Por fim, para coroar, surge, brilhante, a conquista do campeonato brasileiro de 1952 pelos paulistas, quando, no Rio, na noite de 4 de junho, no Maracanã, os de São Paulo abatem os do Rio por 3 a 0, relembrando, pela contagem, pelo realce, pela projeção, as imortais epopéias de outrora, e que serão imitadas amanhã, porque o destino glorioso de São Paulo é caminhar para o alto, como caminhou rumo ao bicampeonato brasileiro que soube conquistar tão brilhantemente em 1955.

***

E aqui, neste ponto, volta o autor a dizer como o fez no início, na apresentação deste trabalho: - "As opiniões se dividem entre futebol-intuição e o futebol-metodização".

Não se farão referências aqui, neste retrospecto das atividades do futebol de São Paulo, à parte tática. A tática é uma função do meio, como o é, também, o dos caminhos que conduzem a Roma. Toda a tática é bem aceita quando conduz à vitória. Não há táticas rendosas sem que para as suas execuções se possam contar com elementos tecnicamente capacitados. No dia em que falhou Crouchy, Napoleão perdeu Waterloo.

A única referência, sobre o assunto, que o autor se permitiu exarar, foi aquela em torno da primeira sistematização do futebol paulista, quando toda a sua estrutura repousava na figura do centro médio, cabendo aos médios de ala a tarefa que hoje se atribui aos "volantes", ficando para os zagueiros o que atualmente se denomina de cobertura.

A evolução tática é uma questão de ponto de vista e, como tal, muito variável em seus aspectos. Poder-se-á dizer que o futebol de antigamente, com os ataques pelos flancos ou em passes curtos, pelas meias, obrigando a defensiva contrária a bater-se com arrojo frente ao seu arco, e o guardião a ser constantemente empenhado, era mais vistoso, mais emocionante, do ponto de vista dramático, teatral, coreográfico.

Mas, em contraposição, poder-se-á rebater que o futebol hodierno inspira maior segurança, é mais regido e mais rígido, e os seus princípios, antes maleáveis, mutáveis, libérrimos e facilmente compreensíveis, passaram a ter aspectos canônicos, cada qual vendo e entendendo a seu modo esta ou aquela maneira de colocar um esquema em ação.

Por que, então, ingressar por longo tempo num assunto tão vário, tão inconsistente, como o da evolução da tática co futebol de São Paulo?

Em uma  coisa, além das demais já aqui expostas, o futebol evoluiu, e muito, muitíssimo: no preparo físico. É algo de assombroso o que se fez em al sentido, a partir de 1940.

Quanto ao futebol, como espetáculo, cada um pensa como quer, já que o homem da arquibancada não é nem pode ser diferente do freqüentador das platéias dos teatros: seu gosto varia muito...

Ilustração de J.C. Lobo publicada em A Tribuna com o texto

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