60 anos de futebol em S. Paulo
De Vaney
[6] - Luta pela emancipação
O desenvolvimento do futebol, no Rio,
foi mais lento, bem mais lento do que em São Paulo. Os cariocas tiveram resumidas em Oscar Cox, a um só tempo, as figuras de Charles Miller, Hans
Nobiling e Casimiro da Costa, já que foi ele, Oscar Cox, quem introduziu, animou e organizou o futebol na Guanabara. Mas o que sobrou aos paulistas,
em decisão, para se libertarem da influência estrangeira, faltou aos cariocas em persistência para se emanciparem do jugo exercido pelo elemento
alienígena.
No princípio, São Paulo teve que se arrimar num São Paulo Athletic, escorar-se num Germânia, para
poder fazer viver o seu futebol, mas isso apenas para poder dar os primeiros passos. Depois, o São Paulo do futebol foi vivendo a sua vida,
enfrentando os seus problemas, fazendo por si mesmo o seu aprendizado. Não era possível, é intuitivo, neutralizar, por completo, a interferência
estrangeira. Mas dentro de pouco tempo um São Paulo Athletic ou um Germânia participavam do futebol paulista, não porque fossem imprescindíveis ao
futebol paulista, mas, somente, porque queriam gozar das mesmas prerrogativas e das mesmas regalias dos clubes brasileiros que, esses sim,
caminhavam a passos largos e desenvoltos.
Já no Rio o "The Paissandú Cricket Club", o "Athletic Association" e "Rio Cricket" monopolizavam o
esporte de tal maneira que nada, ou muito pouco, se poderia conseguir sem as suas participações, ou, pelo menos, sem as suas anuências.
Por isso, enquanto em São Paulo, ainda em 1901, o Mackenzie, o Internacional e o Paulistano eram
demonstrações vivas, esplêndidas, de que o paulista já começara a superar, vitoriosamente, os obstáculos que se lhe antepunham à emancipação,
enquanto isso, no Distrito Federal, o máximo que se conseguira em fins de 1901 fora a organização de um quadro avulso, o "Rio Team", de onde, mais
tarde, em 21 de julho de 1902, nasceria o Fluminense F. C.
Foi dessa vantagem, facilmente observável na cronologia
dos acontecimentos, que o futebol de São Paulo pôde atravessar todo um longo e expressivo período da história do futebol brasileiro, com marcante e
significativa superioridade, quer técnica, quer administrativa, sobre o futebol do Distrito Federal, que só em 1906, e ainda atado, manietado pelos
influxos do "Paissandú Cricket", do "Football Athletc Association", do "Rio Cricket" e do Bangu A. C. (então clube também de ingleses), é que se deu
início ao seu futebol oficial, com a criação da Liga Metropolitana de Football, ao passo que São paulo, já em 1902, fazia disputar o seu campeonato
com dois clubes estrangeiros e três grêmios brasileiros.
***
O primeiro contato do futebol de São Paulo com o do Rio
foi a 19 de outubro de 1901, no campo do São Paulo Athletic, quando não se havia fundado a entidade paulista e nem se pensava em organizar, tão
cedo, a entidade carioca.
Foram duas equipes avulsas as que realizaram o primeiro São Paulo-Rio. A de São Paulo, denominada
"São Paulo Scratch Team", e a do Rio, "Rio Team".
No primeiro jogo, 2 a 2. No dia seguinte, 1 a 1'.
Houve então, após o segundo encontro, um banquete, na noite de 20 de outubro de 1901, servido na
Rotisserie Sport, e que foi o primeiro de confraternização entre futebolistas do Brasil. Trocaram-se brindes, os mais amistosos, vivendo-se momentos
de emoções e de entusiasmo.
Depois de encerrada a parte solene do banquete, e que culminou com as taças de champanha a se
esbarrarem em honra a Eduardo VII, rei da Inglaterra, e Campos Salles, presidente do Brasil, vieram os hurras íntimos, as canções, os gritos
de guerra, a palestra viva, desenvolta e animada.
E só então, em tom de troça, é que os paulistas lembraram aos cariocas aquela pergunta contida na
carta de Oscar Cox a Henrique Vanordem, relativa às combinações para o jogo: "Será necessário que levemos conosco para São Paulo as barras da meta e
as redes?" E todos riram quando Ibanez Salles, no mesmo tom facécio, afirmou que na próxima carta Vanordem indagaria a Cox se seria preciso levar
campo para o Rio de Janeiro.
Uma hora da manhã, garoa fria a envolver a Paulicéia, e ainda havia alegria morna a boiar por
sobre o ambiente do salão de estar do Rotisserie Sport, enquanto lá fora, na rua, espiando pelas janelas e pelas portas de vidro, os populares
arregalavam os olhos assombrados pela espontaneidade dos gestos, pela diferença no fraseado, pela diferença nas atitudes, dos jantares políticos e
diplomáticos, reuniões bajulatórias, a que São Paulo estava tristemente acostumada...
Ilustração de J.C. Lobo publicada em A Tribuna com
o texto
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