60 anos de futebol em S. Paulo
De Vaney
[5] - Três vultos
Só por teimosia, por vontade de fazer
ruído ou - o que é mais provável - pelo desejo, fútil, de aparecer em desusado relevo, é que certos cidadãos surgem, de quando em vez, no cenário do
futebol nacional, a afirmar que existem dúvidas, sérias dúvidas, quanto à prioridade de Charles Miller como introdutor do futebol no Brasil.
Evocam esses pseudos historiadores - que mais não passam de deploráveis confusionistas - uma
balela, há muito veiculada no Rio, de que o futebol teria sido praticado, antes de 1884, no Colégio Anchieta, de Nova Friburgo. Houve, também, quem
afirmasse, em reportagem feita pela A Noite, do Rio, em 1937, que fora Itu, São Paulo, o berço do futebol.
Esse fato da fundação do futebol já foi exaustivamente pesquisado, debatido e provado que, antes
de Charles Miller, havia bolas, mas não existia o futebol, como poderá haver mar sem haver natação, touro sem haver tourada ou - aplicando-se aos
confusionistas - cérebro sem haver inteligência.
Na História do Fluminense F. C., de Paulo Coelho Netto, à página 15, lá está, abrindo o 1º
capítulo, a afirmativa que não deixa margem a vacilações, máxime partindo do documentário de um Fluminense F. C.: "O futebol foi introduzido no
Brasil em 1894, por Charles Miller, brasileiro, filho de ingleses. Charles estudou na Inglaterra e..."
Também em O futebol no Botafogo, de Alceu Mendes de Oliveira Castro, lê-se, à página 12: "E
Charles Miller, o pai do futebol brasileiro, desembarcou em Santos, em 1894, vindo de Southampton".
Antônio Figueiredo, o cronista que nos legou a valiosa História do Futebol em São Paulo, dá
a Charles Miller o papel de introdutor do futebol em São Paulo, porque equivalia a ser, também, o introdutor do futebol no Brasil, pela razão
simples, óbvia, de que, não havendo chegado a ele, Antônio Figueiredo, qualquer informe da existência de futebol no Brasil, logo o fundador, em São
Paulo, o seria, conseqüentemente, no Brasil. E esse fato, esse detalhe é tão claro, tão cristalino, que o próprio Antônio Figueiredo, espírito
perquiridor, nem procurou se aprofundar em comentários acerca de um assunto superado por si mesmo e que só não entrava e não entra no senso de quem
não o tem ou de quem finge não o ter.
Antônio Figueiredo esgotou o assunto na introdução do futebol em São Paulo, envolvendo, em suas
apreciações, em seus comentários, até mesmo o início do futebol no Rio de Janeiro. Como se lhes escaparia uma referência a um introdutor do futebol
antes de Charles Miller?
Cabe, pois, a Charles Miller, paulista, a honra de haver
introduzido no Brasil o esporte que mais popular se tornaria e que maior número de adeptos iria contar, dentro de breve espaço de tempo.
***
O segundo nome a avultar na história do futebol paulista e
brasileiro é o de Hans Nobiling. Sua ação foi até mesmo mais ampla, arguta e decisiva do que a de Charles Miller, para quem Hans Nobiling perde,
apenas, na prioridade da introdução.
Hans Nobiling não se limitou a trazer a bola e mandar vir
outras de Hamburgo. Foi ele quem mostrou como lidar com ela e, mais popularmente, como chutá-la, defendê-la, passá-la, em sincronia de movimentos.
Ele foi, a um só tempo, ação e execução, teoria e prática, executante e mestre. Os treinos com o "Hans Nobiling Quadro" (a equipe piloto do futebol
brasileiro); a idéia de desafiar os ingleses; a transferência do desafio para o Mackenzie; a fundação do Internacional, que acabou se
consubstanciando, para ele, no aparecimento, mais rápido, do Germânia, tudo isso confere a Hans Nobiling o aspecto e a configuração de viga-mestra
na construção do edifício do futebol de São Paulo.
***
Falta um terceiro personagem, a quem muito deve,
outrossim, o futebol de São Paulo. Se Charles Miller foi o fundador; se Hans Nobiling foi o lidador, esse terceiro personagem resumiu em si a
organização do pebol bandeirante.
Não é possível escrever sobre o princípio do futebol de São Paulo sem citar, a cada trecho, o nome
de Antônio Casimiro da Costa. Mesmo que se lhe queira negar a primazia na idéia da fundação da Liga Paulista de Futebol, o que fica, como
irrefutável, é a afirmativa de que Casimiro da Costa interferiu, decididamente, para o aparecimento da primeira entidade de futebol surgida em São
Paulo e no Brasil.
Educado na Europa, acompanhando, portanto, de muito perto, a organização e o desenvolvimento do
futebol naquele continente, sobretudo na SUíça, onde esteve internado no colégio "La Chatelaine", na França e na Inglaterra, Casimiro da Costa não
olhou, apenas com olhos de ver, o que ali se processava em torno do futebol. Fê-lo, sim, com olhos de aprender, de observar detalhes, e foi esse
cabedal que ele, já com o preconcebido intuito de utilizá-lo no Brasil, adquirira na Europa, que o conduziu a firmar, como personagem de destaque
entre os que desejavam dar corpo a um ideal que era o anseio de todos, mas que, por alfa ou beta, não havia tomado consistência até aquela época
(dezembro de 1901).
Houve quem negasse a merecida auréola de idealizador da fundação da Liga Paulista de Futebol, mas
nunca existiu nem existirá quem possa negar a sua eficiente atividade, a sua decisiva compreensão, a sua determinante contribuição para que fosse
lançada a pedra fundamental, primeiro, e os alicerces, depois, desse edifício, hoje gigantesco, que se denomina: Futebol de São Paulo.
Foi ele, Casimiro da Costa, quem convocou dirigentes do São Paulo Athletic, do Mackenzie, do
Germânia, do Paulistano, para, juntamente com o Internacional, realizarem, na sede desse grêmio, uma reunião, em que se debateriam, a 13 de dezembro
de 1901, assuntos relativos à fundação da liga.
Faltaram, porém, os representantes do Mackenzie e do São Paulo Athletic, mas isso não serviu de
empecilho nem de amuo, porque lá estava Antônio Casimiro da Costa a convocar para o dia seguinte uma nova reunião, pronunciando-se, pessoalmente e
com empenho, para que o Mackenzie e o São Paulo Athletic não tornassem a faltar.
E foi dessa reunião, a 14 de dezembro, que nasceu a Liga Paulista de Futebol, na sede do S. C.
Internacional, à qual compareceram, pelo São Paulo Athletic, Charles Miller, J. Boyes e R. Crome; pelo Mackenzie, Belfort Duarte, Roberto Scholds e
Alício Carvalho; pelo Germânia, Hans Nobiling, Ritcher e Arthur Ravache; pelo Internacional, Antônio Casimiro da Costa, Antônio Queiroz, W. Holland
e Tancredo do Amaral; pelo Paulistano, Renato Miranda, Otávio Barros e João da Costa Marques.
Esses os fundadores da Liga Paulista de Futebol, primeira entidade a se organizar no Brasil.
-"E como irá viver a Liga?", indagou-se.
-"Das rendas dos jogos", explicou Antônio Casimiro da Costa.
E fez demonstrações: a Liga cobraria 2$000 pelos ingressos aos que quisessem assistir aos prélios,
e do montante apurado 50% seria para os clubes e os outros 50% para a Liga.
E em todos os detalhes da fundação, da organização, da localização, das cores a serem adotadas,
dos campos para os jogos, da difusão junto aos jornais, Antônio Casimiro da Costa tomou parte ativa e saliente. E para coroar a sua obra, Antônio
Casimiro da Costa, o Costinha, como o chamavam, carinhosamente ofereceu a taça do primeiro campeonato da Liga Paulista de Futebol e instruiu
um sapateiro da Rua Ipiranga, o velho Caetano Lizzoni, na confecção da primeira bola manufaturada no Brasil.
Poder-se-á negar a Antônio Casimiro da Costa o título de patrono do futebol oficial em São Paulo e
no Brasil?
***
O objetivo máximo, no jogo de futebol, é o arco, a meta, a vala, o gol, a cidadela, e que é
formada por três traves, em feitio retangular, e que se tornou a figuração mais expressiva para o simbolismo do futebol.
Pois bem: Charles Miller, o introdutor; Hans Nobiling, o incentivador, e Antônio Casimiro da
Costa, o realizador, foram essas três traves a formar o simbolismo da vitória do futebol de São Paulo.
Ilustração de J.C. Lobo publicada em A Tribuna com
o texto
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