Na Ilha Diana, a tranqüilidade é característica predominante...
Na Ilha Diana ainda se vive da pesca
Texto: Manuela Luís E. Campanella
Fotos: Ademir Henrique
A realidade do pescador artesanal no Estado de São Paulo
vem sendo estudada há um mês por uma equipe de técnicos da Coordenadoria da Sudepe, na Capital. Em Santos, os contatos com as comunidades de
pescadores aconteceram esta semana, em Bertioga e Ilha Diana. Nesta última localidade, a equipe, formada por Marli Terezinha Pereira, Adaylza
Piedamonte Lima e João Coutinho, fez um levantamento das reais necessidades do pescador e sua família.
Esse trabalho faz parte do Programa de Extensão Pesqueira implantado pela Sudepe, com
a intenção de incentivar a união dos pescadores, para que eles sintam a necessidade de formar entidades de classe que venham ao encontro de seus
problemas diários. Por outro lado, pretende preservar o pescador artesanal, que a cada dia abandona sua atividade de origem.
Na Ilha Diana, as famílias sobrevivem da pesca, embora alguns já procurem conciliar o
trabalho diário em repartições públicas com a pescaria. Nessa comunidade, onde o acesso só é possível de barco, a invasão de turistas ou
imobiliárias ainda não aconteceu, para a felicidade de todos. Mas essa não deixa de ser a maior preocupação dos habitantes da Ilha.
...ao entardecer, o pescador sai em busca do pescado...
Os barcos e as águas paradas transmitem uma
tranqüilidade difícil nos dias de hoje. As pontes de madeira velha, conseguidas no "lixão", não são muito seguras, mas ficam repletas de crianças e
cães que percebem a chegada de visitantes.
Mulheres sentadas em troncos de árvores espalhados pelo chão, conversam
despreocupadas, com os filhos pequenos ao colo, e os demais se divertem jogando bola. Enquanto isso, seus maridos pescam camarão, siri, marisco,
ostras e outros peixes, nas águas do Rio Diana, no estuário de Santos, ou em Bertioga, para sobreviver. Essas são as características principais da
vida na Ilha Diana, pertencente ao Município de Santos, e onde vive uma comunidade de pescadores artesanais.
A lei, entre os habitantes da Ilha, é "cada um para si e Deus para todos", comenta um
pescador, que considera difícil a união de todos a ponto de que sejam feitas discussões dos problemas diários pela comunidade. Mas em um detalhe
eles concordam: a pesca ainda é profissão rentável, e ninguém pretende abandoná-la por completo. Mauri Martins da Silva, que mora há 17 anos na Ilha
Diana, diz que desde pequeno só conhece a pesca como profissão, e há muito tempo não via uma safra tão boa de camarão sete-barbas, como este ano.
Eles saem para pescar por volta das 17 horas, e de madrugada estão no
Mercado Municipal para vender sua produção. Dependendo do tamanho, da espécie e da oferta de outros pescadores, eles recebem
de Cr$ 70,00 a Cr$ 200,00 por quilo. "Às vezes pescamos o camarão aqui em frente, e outros tipos de peixe no estuário, perto da
Ilha Barnabé, mas esse é duvidoso, porque a poluição é constante".
Continuando, Mauri explica que, no camarão por ele vendido, o peixeiro ganha até Cr$
150,00 em quilo, e o problema, que aliás acontece em todo o Litoral, é que o pescado fica inacessível para o consumidor e não rende muito para o
pescador, cabendo ao intermediário o lucro maior, pois este não teve trabalho para pescá-lo. "O ideal para nós, da ilha, seria a formação de uma
cooperativa para a comercialização do camarão e dos outros peixes. Assim, não teríamos problemas, e nosso poder de barganha com os comerciantes
aumentaria. Venderíamos o pescado pelo preço justo e não mais pelo que o comerciante oferecesse", comentou Mauri.
Terminada a safra do camarão, os pescadores buscam outras capturas, como as de ostras,
vendidas em latas (com capacidade para quatro dúzias), a Cr$ 200,00; mariscos, siris, tainha, corvina e bagre. Mas, no caso da pesca destas últimas
espécies, a captura é feita em parceria, pois há a necessidade de redes grandes. Benedito de Jesus, outro pescador, explica que geralmente
acompanham a embarcação três ou quatro pescadores, e a produção é dividida em seis partes, cabendo ao dono do barco três partes.
Embora, na ilha, todos tenham aprendido a pescar com seus antepassados, e encontrem na
profissão seu meio de sobrevivência, alguns procuram obter, no futuro, aposentadorias melhores e buscam atividades paralelas para aumentar a renda
mensal. Assim, os pescadores da Ilha Diana trabalham pela manhã na Prefeitura de Guarujá, ou em estaleiros em Vicente de Carvalho, e à noite
aproveitam para colocar as embarcações no mar.
Eles próprios explicam que dificilmente conseguiriam viver com o salário mínimo, pois
suas famílias são numerosas, em média com sete filhos. Mas, além desses pescadores que trabalham fora, há outros que possuem casas na Diana, e só
aparecem lá nos fins de semana, embora se digam pescadores profissionais e tenham a carteira da Colônia dos Pescadores. Estes, só pescam na safra,
pois ganham salários de até Cr$ 50 mil mensais, moram em outras localidades e talvez tenham encontrado na ilha um refúgio.
Mas, além desse tipo de pescadores, o que oferece maior perigo são os turistas e as
imobiliárias. E a preocupação maior dos habitantes da ilha é que paulistas descubram aquele lugar, acabem comprando as casas, se instalando, e a
invasão comece a acontecer de forma incontrolável. Exemplos desses existem em todas as localidades do Estado. Começam a surgir as praias
particulares, as placas indicando "propriedade particular", e o pescador tem, a cada dia, seu campo de ação mais restrito.
Uma solução satisfatória, no caso da ilha, deverá ser adotada, após contatos com os
órgãos responsáveis pelo patrimônio da União. Para alguns, o ideal seria transferir a posse da terra para a Colônia dos Pescadores, com usufruto dos
pescadores. Estes, por sua vez, somente poderiam vender as terras para outros pescadores, evitando assim o extermínio da comunidade de pesca
artesanal.
Além desse problema, outros com caráter reivindicatório foram levantados pelos
pescadores e suas famílias, durante o encontro com os técnicos da Sudepe. A instalação de energia elétrica se alia à legalização das terras, embora
outros aspectos também sejam lembrados.
...as mulheres ficam em casa.
A participação das mulheres - As mulheres da ilha falaram também da promessa do
prefeito, em janeiro deste ano (N.E. 1981), de construção da nova escola, que também serve
de igreja. Atualmente, a escola-igreja funciona em um barraco onde foram improvisados o altar, com alguns vasos e flores, e o quadro-negro, onde a
professora vai ensinar, todos os dias, as crianças da ilha.
Na nova escola, comentam as mulheres, poderia funcionar uma espécie de clube, que
serviria de sede para bailes, festas, realização de cursos e até pronto-socorro, com medicamentos básicos. Até agora, o atendimento de urgência é
feito na Base Aérea, que leva o pescador de ambulância até os hospitais. As missas, quando existem, são celebradas pelo capelão da Base, padre Pedro
Antônio Bach.
As mulheres também se habilitam para dirigir as embarcações em caso de necessidade,
durante a ausência dos maridos. Antes, as crianças nasciam pela mão da parteira, mas depois que esta faleceu, as gestantes são levadas, nas
embarcações, para Vicente de Carvalho ou Santos, e algumas chegam lá remando. A visita freqüente de um médico e um dentista à ilha, é outro pedido
das mulheres, que, com muita simplicidade, falam de suas vidas.
A maioria delas trabalha em casa, cuida dos filhos, mas também há as que limpam
apartamentos em Guarujá, como é o caso de dona Luíza Hipólito, uma senhora de 70 anos que sai de casa às 5 horas e retorna ao pôr-do-sol. Casada aos
12 anos, ela é mãe de 16 filhos, dos quais somente seis sobreviveram. Da Ilha Diana ela só sai para trabalhar, ou, quando morrer, comenta com
alegria.
A escola que serve de igreja...
Sudepe quer atingir pescador e sua família
O coordenador da Sudepe em São Paulo, Antônio de Castilho, recebeu recentemente o
Programa de Extensão Pesqueira, da Superintendência da Sudepe em Brasília, e deveria aplicá-lo no Estado, em todas as comunidades de pescadores
artesanais. Mas ele e sua equipe de técnicos não aceitaram as normas ditadas, e iniciaram um trabalho de levantamento junto às comunidades de
pescadores, para conhecer de perto suas reais necessidades.
"Estamos cansados de pacotes. Quem deve fazer esse pacote é o pescador,
pois é somente ele que sabe seus problemas, e somente ele sabe pescar. Nossa obrigação é manter os contatos com sua comunidade, e agir como parte
integrante nas suas reivindicações junto às autoridades municipais, federais ou estaduais", comentou Castilho.
O objetivo do Programa de Extensão Pesqueira é prover o setor artesanal, no Estado, de
conhecimentos técnicos, recursos financeiros e suporte de infra-estrutura visando a maior eficiência produtiva e níveis de renda mais elevados, para
as diferentes camadas da população envolvidas no setor pesqueiro. Além disso, promover a fixação do pescador em sua respectiva área.
Dessa forma, pretende-se melhorar a infra-estrutura de produção, dinamizar os
processos de beneficiamento e comercialização do pescado, organizar entidades associativas representativas dos artesanais e desenvolver atividades
educativas, sociais, capacitação de mão-de-obra, alimentação, saúde e habitação.
"Por isso - argumenta Castilho - iniciamos esse trabalho de visita aos núcleos dos
pescadores, incentivando sua união, na esperança de que sejam criadas associações nessas comunidades, voltadas para resolver os problemas diários
dos que pescam. Esse esquema foi iniciado em São Paulo e deverá ser estendido a outros estados".
O trabalho dos técnicos, sem dúvida, poderá ser visto como empecilho para as entidades
já existentes, como as colônias de pescadores, mas Castilho explica que de forma alguma a Sudepe está contra as colônias. Sua meta principal é
analisar o pescador dentro da comunidade, com sua família, enquanto nas colônias é praticamente impossível solucionar os problemas que surgem
diariamente em tais comunidades.
Com relação à formação de cooperativas de pescadores artesanais, ele argumenta que a
Sudepe não está incentivando tais entidades. Os técnicos simplesmente colocam a idéia e deixam que o profissional da pesca decida se essa associação
é ou não viável, e se virá amenizar os problemas. Caso eles considerem isso importante, a Sudepe colocará técnicos no assunto à sua disposição.
Em Ilhabela, por exemplo, a idéia da cooperativa foi muito bem aceita, e na próxima
semana os pescadores se reunirão para estudar o assunto e analisar os prós e contras. Em Bertioga, os pescadores fizeram muitas críticas à atuação
da colônia, e estão pensando em criar uma entidade que os congregue e defenda seus interesses.
Nessa localidade, os problemas parecem ser mais graves do que na Ilha Diana. Os
pescadores reclamam por um píer para atracação, falta de assistência médica e odontológica, influência dos intermediários na comercialização do
pescado, falta de regularização dos documentos, abusos cometidos pela fiscalização, falta de financiamentos e a própria ausência da Sudepe no local.
A partir desse encontro, já foram marcadas outras reuniões, para organizar a formação da entidade de classe.
A importância desse trabalho da Sudepe extrapola o simples contato com o pescador
artesanal, mas faz parte de uma iniciativa que surge agora, e pretende ser levada adiante com a inauguração de bases operacionais de viabilização da
Extensão Pesqueira, em Santos e demais localidades do Estado. Castilho faz questão de afirmar que os técnicos à disposição do pescador artesanal não
fazem mais do que sua obrigação, pois de nada adianta existir a Sudepe se o pescador for aos poucos se afastando da atividade.
Durante a realização dos cursos nas diferentes localidades, foram elaborados
documentos contendo as principais reivindicações das comunidades de pescadores. Tais documentos serão levados ao I Encontro Estadual de Pesca
Artesanal, promovido pela Sudepe para a primeira quinzena de julho (N.E.: de 1981), em
Santos. As reivindicações e os problemas serão levados por casais representativos dessas comunidades. A seguir, a Sudepe pretende realizar um
Encontro Nacional do Pescador Artesanal, em São Paulo.
...em breve será ampliada e abrigará até um pronto-socorro
|