Escondida em um braço de rio, lá está a Ilha Diana
Foto: Mingo Duarte, publicada com a matéria
Uma pequena grande ilha chamada Diana
Ivani Maria Cardoso
Ah! Como são bonitos os cílios de Mônica. Bem longos,
ressaltam o olhar baixo de quem ainda não aprendeu a conviver com estranhos, nos seus três anos de idade. Roupinha simples, pés no chão molhado das
marés de quarta, mãos escurecidas pela sujeira da terra que tocam suavemente uma folha. A mesma folha que ela enrola como um brinquedo, enquanto
confessa baixinho que não tem uma boneca: "Só minha amiga Débora que tem".
Assim como ela, há muitas crianças vivendo na Ilha Diana, correndo por todos os
cantos, deixando suas marcas nas chupetas e fraldas jogadas pelo chão. Pés nas águas do Rio Diana, que também recebem o esgoto das casas da Ilha. É
a força da vida impondo seu curso, indiferente aos indícios da sorte.
Nos olhos de Mônica, a força da vida
Foto: Mingo Duarte, publicada com a matéria
Ilha Diana é um pedacinho de mundo escondido na curva de
um braço do Rio Diana, logo atrás da Base Aérea de Santos. A Ilha está localizada no distrito de Bertioga, mas poucos sabem de sua existência.
Um local em que os minutos e segundos não acompanham
com a mesma precisão os relógios do tempo
Foto: Mingo Duarte, publicada com a matéria
Até os candidatos fazem confusão e, na época das eleições, muitos do Guarujá lá
aparecem em busca de votos. Os eleitores - só recentemente registrados na 118ª Zona Eleitoral de Santos - recebem as camisetas, chaveirinhos e não
dizem nada.
Aprender a calar é exercício de paciência para os 159 moradores da ilha. A lição veio
dos mais antigos, que há 53 anos (N.E.: 1991-53, portanto, em 1938) ocuparam a ilha,
depois que foram desalojados das imediações da Bocaina e Saco de Embira, quando foi preciso ceder o espaço para construção da Base Aérea de Santos e
do campo de aviação, nos terrenos que pertenciam à Marinha.
A história de cada um está ali, impregnada no dia-a-dia
Foto: Mingo Duarte, publicada com a matéria
Dona Maria Biscardi está na ilha há 40 anos. Sete filhos, mais de 30 netos (difícil
saber o número certo no emaranhado de lembranças). Viúva, tentou um segundo casamento que não deu certo e agora garante que vai ficar sozinha. "Vou
ficar aqui até sair carregada".
Mas a morte é pensamento distante nos cantos dessa ilha que recebeu o progresso
lentamente e sem reclamar. Todos vivem basicamente da pesca artesanal de camarões, mariscos, caranguejos e peixes como tainha, robalo ou bagre.
E são tantos que atravessam o caminho dessa gente. O quilo da tainha, por exemplo, que
eles vendem a Cr$ 200,00, é várias vezes dobrado nas feiras e mercados.
Bastião, o perfil do homem integrado à natureza
Foto: Mingo Duarte, publicada com a matéria
Isolados - As pequenas chatas, que se tornam ameaçadoras nos dias de
tempestade, são os únicos meios para chegar ou partir. Uma catraia certamente resolveria grande parte dos problemas, inclusive o do lixo enterrado
por todos os pontos.
Parecem isolados do mundo. Mas apenas parece, duvido que sintam solidão. Rapazes como
Eduardo Hipólito, de 19 anos, freqüentam os bailes de Vicente de Carvalho ou de Santos nos finais de semana. Tomam cerveja ou cachaça da boa
conversando nos dois botecos improvisados da ilha. Jogam futebol e ganham troféus para o Esporte Clube Diana. E sonham, claro.
A natureza segue seu rumo prazerosamente, sem pressa
Foto: Mingo Duarte, publicada com a matéria
Nos sonhos deve aparecer vez em quando a figura doce de Kátia Maria dos Santos,
assistente social que há sete anos atua como uma fada-madrinha. Começou como estagiária e depois de formada conseguiu continuar o trabalho.
"Tento despertar neles a necessidade de buscar aquilo que sentem falta, num sistema de
organização natural". Ao lado de Kátia eles lutaram pela capela, pela escola, pelo centro comunitário e continuam tentando a tarifa social da luz.
Nesse território comum, alguns líderes ocupam seu lugar. Tem a dona Dina, mulher
forte, decidida e respeitada por todos. Tem o Doro, de cara amarrada e coração meigo. Tem a figura simpática do administrador Adriano da Silva,
funcionário da Prefeitura, que acabou casando e morando na Ilha. Tem também a garra de Norma Quirino de Souza, que suou com a família para buscar
areia e pedra no final do rio para construir sua casa, que agora está linda.
E tem o Bastião Raimundo Francisco dos Santos, na dignidade de seus 65 anos, pele
queimada, olhar perdido e muito conhecimento. "Não gosto do noroeste, quando ele vem os borrachudos atacam e fica difícil..."
Kátia com as crianças, uma espécie de fada-madrinha dos habitantes do lugar
Foto: Mingo Duarte, publicada com a matéria
A festa - Bom Jesus de Iguape é o padroeiro dessa gente que tem fé, que suspira
o ano inteiro esperando pela festa em homenagem ao santo.
Esse ano já está marcada: 17 de agosto. Pediram um pontilhão novo para a Secretaria de
Turismo de Santos e ele já está sendo providenciado para receber os visitantes.
Nesse dia, a ilha respira alegria e liberdade. Canoas, catraias, barcos vão e vêm
trazendo gente de fora para a festa. As barracas, bandeirinhas, bambu e folhas de bananeira. Galinha assada, churrasquinho, muito peixe preparado
com carinho, baile dos cravos. Todos estão convidados, é só chegar.
Fica mais fácil em dia de festa esquecer que não tem médico para atender na sala
prontinha do Centro de Convivência. Que não tem padre (só mesmo no dia da festa que o padre aparece para rezar a missa e batizar os que nasceram no
último ano), que não tem terra para plantar no meio de tanto mangue.
No dia da festa, não importam os limites físicos ou geográficos. A história de cada um
fica misturada na poeira do tempo, no chão batido pelas marés de quarta.
É alegre o perfil dos moradores dessa ilha, onde os minutos e segundos acompanham o
relógio desarranjado pela própria natureza, que segue seu rumo sem pressa, prazerosamente.
Território comum, onde homens e animais parecem resignados, mas felizes
Foto: Mingo Duarte, publicada com a matéria
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