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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (V)
Transporte integrado (?) - (3)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas.


Bacia do Mercado, em Santos, e as catraias que fazem a ligação com Guarujá
Foto: cartão postal da Secretaria de Turismo/Prefeitura Municipal de Santos emitido em 1970/80

Um sistema que acabou se mantendo em todo esse período, sem as substanciais alterações necessárias e prometidas, foi o transporte hidroviário regional. As reclamações foram geralmente as mesmas apontadas nesta matéria do jornal O Estado de São Paulo, publicada no dia 3 de julho de 1983:


Trafegando em precárias condições e superlotadas, as balsas colocam em risco 
a vida de mais de 35 mil passageiros que delas se utilizam diariamente
Foto: Alberto Marques Costa, publicada com a matéria (cores adicionadas por Novo Milênio)

Baixada, transporte hidroviário em crise

Waldo Claro
Da sucursal de Santos

O serviço de transporte hidroviário para passageiros e veículos na Baixada Santista pode sofrer um colapso e ficar paralisado dentro de 60 ou 90 dias, em conseqüência da grave crise que envolve o Departamento Hidroviário, responsável pelo setor. E isso fatalmente ocorrerá caso o governo do Estado não adote uma posição firme, urgente e corajosa, autorizando o aumento das tarifas e liberando, no mínimo, verba de Cr$ 100 milhões para socorrer e salvar essa modalidade de transporte de massa.

A crise atingiu tamanha proporção que, duas semanas pós denunciar a caótica situação do DH, seu diretor para o Litoral-Centro e chefe do STVC, engenheiro Pedro Paulo Pereira, foi inexplicavelmente afastado de suas funções pelo secretário de Transportes, Horácio Ortiz, fato que revoltou prefeitos, vereadores e deputados peemedebistas da Baixada Santista.

As balsas trafegam hoje em estado precário, superlotadas e com licenças vencidas, colocando em risco a vida de mais de 35 mil passageiros que, diariamente, são obrigados a delas se servirem para, deslocando-se por exemplo de Guarujá ou Vicente de Carvalho, chegarem a seus locais de trabalho, em Santos.

Das sete embarcações que o DH dispõe para a travessia Santos-Vicente de Carvalho, apenas duas - a Ademar de Barros e a Itapema - estão funcionando, em estado precário, para atender a uma demanda diária de 25 mil passageiros. Outras duas - a Paicará e a Canéu - estão alugadas à Cosipa, que não paga suas dívidas desde dezembro passado, acumuladas hoje em mais de Cr$ 20 milhões. As três barcas restantes - a Valongo, Cubatão e Piaçaguera - estão docadas para reformas gerais e, diante da situação econômica do DH, seu retorno à atividade não deve ser esperado para breve. Além do mais, o almoxarifado atingiu seu nível zero e não dispõe nem de equipamentos, nem de peças de reposição. O pessoal da manutenção, por sua vez, trabalha nas piores condições possíveis, submersos, com equipamentos de mergulho danificados e sob total insegurança.

Mas as conseqüências dessa crise não se limitam a Santos, Guarujá e Vicente de Carvalho. Em São Sebastião, as quatro barcas que servem a região também trafegam com licenças vencidas e com seus sistemas de propulsão (motor, eixo, hélice, leme etc.) em estado precário. A situação é idêntica em Bertioga, agravada ainda pelo acréscimo de 40% no movimento das três barcas, provocado pela inauguração da rodovia Mogi-Bertioga. Apenas o Litoral Sul constitui exceção: conta com boas embarcações mas, em contrapartida, o sistema de pontes e trapiches encontra-se em estado deplorável.

Tudo está por fazer. Segundo funcionários do DH, as administrações anteriores, designadas por Paulo Maluf e José Maria Marin, deixaram a frota em nível de total descalabro operacional, arruinaram as finanças, malbarataram recursos e, segundo denúncias que circulam na Baixada, marcaram sua passagem pelo DH com perseguições políticas, desvios de verbas, locupletação dos dinheiros públicos, processamentos extralegais, mordomias, favores indevidos e misteriosos desaparecimentos de materiais avaliados em vários milhões de cruzeiros. Tudo devidamente silenciado, acobertado e absorvido, como era praxe no governo malufista.

Foi essa herança que o engenheiro Pedro Paulo Pereira recebeu, ao assumir o cargo em março passado, graças ao empenho da "Frente Esmeraldo Tarquínio", integrada por prefeitos, vereadores e deputados do PMDB eleitos pela Baixada Santista. Com a vitória de Franco Montoro, todos esperavam que houvesse uma reversão das expectativas e que o Estado, ciente do descalabro em que se encontra o transporte hidroviário na região, tomasse a peito a decisão de saneá-lo e de socorrê-lo.


Catraia, na ligação de Santos a Guarujá
Foto: Alberto Marques Costa, publicada com a matéria (cores adicionadas por Novo Milênio)

Verba e aumento de tarifas

Técnico dedicado ao problema há 20 anos, Pereira não escondeu a gravidade da situação que encontrou e advertiu, logo no início, que precisava de duas coisas para resolver, a curto prazo, o problema: majoração de 100% das tarifas para passageiros (atualmente ao preço irrisório de Cr$ 10,00) e de menos de 40% para veículos (que passariam de Cr$ 210,00 para Cr$ 250 ou Cr$ 260). Além disso, uma verba de Cr$ 100 milhões para reparar as embarcações e os atracadouros, suprir o almoxarifado e cuidar de outros setores que estão prestes a paralisar. Maluf e Marin, embora autorizados pela Sunamam, não aumentaram as tarifas porque estavam em fase de campanha eleitoral e temiam repercussões negativas. Montoro, entretanto, que tomou posse há três meses, ainda não explicou por que não enfrentou o problema. Quanto à verba solicitada por Pereira, ainda se encontra em "fase de pedido" à Secretaria de Planejamento.

O sistema hidroviário arrecada mensalmente, em média, Cr$ 40 milhões com passagens e gasta, no mesmo período, depois dos aumentos no preço dos combustíveis, Cr$ 65 milhões, dos quais cerca de Cr$ 34 milhões em óleo diesel. Sobra pouco para a compra de materiais e a direção do DH, em Santos, pensa duas vezes antes de docar uma barca para reparos. Mas se, por acidente, apenas uma das embarcações for obrigada a parar, todo o sistema se desmantelará. E foi exatamente isso que o engenheiro Pedro Paulo Pereira tentou mostrar à cúpula do DH e da Secretaria de Transportes. E estava mostrando apenas a ponta de um iceberg.


Catraia, na ligação de Santos a Guarujá
Foto: Alberto Marques Costa, publicada com a matéria (cores adicionadas por Novo Milênio)

No início de junho, diante do silêncio e da indiferença, colocou seu cargo à disposição do engenheiro Gilberto Ienno, diretor-geral do DH. Ninguém, entretanto, fez a pergunta que todos deveriam ter feito: se ele pedia para sair, do que precisava para ficar? Na última quinta-feira, através de um simples telefone, lhe comunicaram que seu substituto já fora designado, tratando-se, segundo os rumores, de um engenheiro da Fepasa jejuno no assunto. A notícia circulou rápido e, enquanto políticos do PMDB e funcionários do DH lamentavam o fato, outros elementos - ligados à anterior administração - festejavam com um churrasco o afastamento de Pereira.

Mas o que surpreende os usuários da Baixada Santista não é tanto o afastamento de um técnico considerado capaz, mas "a falta de seriedade com que uma administração que se auto-proclama participativa, analisa, julga e resolve um problema que afeta os interesses de milhares de trabalhadores que dependem das balsas para chegar aos seus locais de trabalho", como declarou um usuário de Vicente de Carvalho.

De homens e mulheres que não podem pagar cinco vezes mais para se utilizar das catraias particulares, mais rápidas, limpas e confortáveis. E embora ninguém duvide que é irreversível a vocação do estuário santista para o transporte hidroviário, tudo parece indicar que só um colapso total desse sistema levará as autoridades a ele conferir a seriedade e a atenção devidas.


Catraias da Bacia do Mercado, em Santos, fazendo a ligação com Guarujá, em 1998
Foto: Prefeitura Municipal de Santos

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