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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (U)
Sem memória (9-b)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas.

A transformação contínua das cidades nem sempre é devidamente documentada. Em conseqüência, perdem-se valiosas referências para os pesquisadores não apenas da evolução arquitetônica, como também das mudanças comportamentais, históricas, geográficas etc. Apenas nos primeiros anos do século XXI os remanescentes do patrimônio arquitetônico santista começaram a ser tratados como relíquias e valorizados como referência de suas épocas, como se observa nesta matéria de 6 de março de 2005 do jornal santista A Tribuna:


RELÍQUIA - O belo casarão erguido no cruzamento das ruas 7 de Setembro e Constituição,
na Vila Nova, mudou de dono.
Rafael Moraes, que adquiriu o imóvel, vai transformá-lo em centro cultural
Foto: Ricardo Nogueira, publicada com a matéria

Domingo, 6 de Março de 2005, 10:16
PATRIMÔNIO
Um sonho muito além dos jardins

O imponente casarão da Vila Nova vai ser transformado em um centro cultural

Elcira Nuñez y Nuñez
Da Reportagem

Desde criança, Rafael Moraes namorava da calçada, através das grades de ferro, o jardim florido e arborizado do belo casarão erguido no cruzamento das ruas 7 de Setembro e Constituição, na Vila Nova. E neste ano realizou um sonho: comprou o imóvel, considerado uma relíquia histórica e arquitetônica, para criar um centro cultural, que abrigará o Museu Martins Fontes.

"Eu ficava encantado com a casa, passava na calçada e ficava namorando. Mas entre ela e eu existia um abismo. Antes de estar à venda, pedi para conhecê-la por dentro e me apaixonei ainda mais. Ela é uma beleza. Comprá-la foi um sonho de criança realizado. É preciso acreditar nos sonhos e correr atrás", aconselha.

Construído em 1900 pela Companhia Docas de Santos para ser a residência dos funcionários, o imóvel em estilo neocolonial tem projeto assinado pela firma Ramos de Azevedo, responsável também pela construção do Teatro Municipal de São Paulo. Tombado, em dezembro do ano passado, pelo Condepasa, o casarão pertencia ao português José Duarte Castelo Branco, que o colocou à venda, no ano passado, por R$ 700 mil.

Entre os interessados na compra, a maioria, antes do tombamento, pensava em demolir o casarão. Mas Rafael, que coleciona e comercializa antiguidades desde 95, não. "Talvez por isso houve uma empatia muito grande entre mim e o dono. Ele sabia do meu amor pela casa e dos meus projetos para ela".

O preço que pagou para realizar seu sonho, Rafael não revela, mas conta que foi bem menor do que o valor pedido. Quanto ao imóvel ser tombado, ele só vê vantagens. "Só há coisas positivas. Tombado, o imóvel está protegido de alterações e descaracterizações, isento do IPTU e do ISS e ainda tem algumas regalias do projeto Alegra Santos".

O antiquário arrematou em leilão na Capital, no ano passado, também alguns móveis e objetos que decoravam a casa, antes de estar à venda. "Foi aí que aumentou a minha vontade de adquirir o casarão. Havia coisas maravilhosas. Um comprador pagou R$ 630 mil por um quadro do português Columbano Bordalo Pinheiro".


Erguido na esquina das ruas 7 de Setembro e Constituição, o imóvel aguçou a curiosidade das pessoas durante anos
Foto: Ricardo Nogueira, publicada com a matéria

Viagem no tempo - Com entrada pela Rua da Constituição, 278, o imóvel possui 1.200 metros quadrados de área construída e é rodeado por um belo jardim com flores e árvores frutíferas, como sapoti, carambola, tamarindo, goiaba, ameixa e muitas outras. A imensa área verde abriga ainda muitos viveiros, uma fonte e um carramanchão.

Visitá-lo é fazer uma viagem no tempo, regressar ao início do século 20, quando a Vila Nova era um bairro novo e elegante. Quando as ruas eram iluminadas por lampiões, cozinhava-se em fogão a lenha e não havia especulação imobiliária.

Com 21 cômodos, com espaço para sala de música, adega, escritório, o imóvel chama a atenção por sua beleza e boa conservação. Não possui rachaduras e o piso em ipê e pau-marfim, assim como a escadaria em mármore branco, está quase intacto, apesar do tempo.

Outros detalhes chamam a atenção como um jardim secreto, ao qual se chega abrindo uma porta, a largura das paredes - 80 cm de espessura -, os lustres de alabastro e jacarandá, as maçanetas de ferro e porcelana e os belíssimos azulejos portugueses e espanhóis que adornam as paredes internas e a fachada. "Na área externa, há uma variedade de painéis feitos em Lisboa e no Liceu de Artes e Ofício, em São Paulo. Um dos mais lindos é de Nossa Senhora da Conceição, a quem pedi ajuda para a gente comprar a casa e deu certo".

Restauração - As obras de restauração começarão no segundo semestre deste ano e o centro cultural e o museu devem funcionar a partir de 2006. Rafael também adquiriu um imóvel ao lado do casarão, que dará lugar a lojas, numa espécie de bulevar. "Elas ficarão viradas para o bosque, ao lado do café e restaurante, integradas ao casarão".

O centro cultural, que terá projeto paisagístico de Roberto de Sá, será palco de eventos, como workshops, lançamentos de livros, vernissages. "O centro tornará a casa um bem para a Cidade. Vamos marcar uma reunião com o secretário da Cultura Carlos Pinto para saber quais as carências do Município, que atividades culturais necessitam de espaço para abrigar na casa".

Mas a menina dos olhos de Rafael é o Museu Martins Fontes. Em homenagem ao médico e poeta santista, o antiquário idealizou um projeto, no ano passado, que superou suas expectativas. Incluiu o lançamento do livro Vivendo Martins Fontes, de Edith Pires Gonçalves Dias, de um documentário e uma exposição com fotos, livros e objetos do poeta santista na Casa Natal. "O contato com Edith Pires Gonçalves foi maravilhoso, sua figura cheia de vitalidade me tocou muito. A admiração que temos por Martins Fontes nos ligou".


Rafael Moraes namorava a casa desde a infância
Foto: Ricardo Nogueira, publicada com a matéria

Dívida com o poeta - Rafael aprendeu a gostar do poeta através das lembranças de sua avó e acredita que Santos tem uma dívida para com o poeta. "Estar envolvido com a obra de Martins Fontes é gratificante. É preciso resgatar sua memória. O enterro dele foi um dos mais significativos. A Cidade parou, o comércio fechou. Ele foi um ser humano completo, médico, uma pessoa de caráter limpo e um bom poeta. Seus livros serviram de merchandising da Cidade em todo o País, destacaram nossas belezas. Temos uma dívida e chegou a hora de pagar".

Para o museu, Roberto Fontes Gomes, sobrinho do poeta, se prontificou a doar seu acervo. "Quando conversamos, ele disse que se houvesse um lugar digno de abrigar os objetos de Martins Fontes ele os cederia".

Rafael conta que ainda não está definido se será criada uma fundação ou instituto. "O acervo será do Município, mas ficará sob os cuidados do instituto ou fundação". Para definir a melhor forma de gerir o espaço cultural serão realizadas reuniões com empresários da Cidade. "O importante é que nossa cultura não seja esquecida".


O painel de Nossa Senhora da Conceição é um dos mais lindos
e chama a atenção de quem visita o casarão
Foto: Ricardo Nogueira, publicada com a matéria

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