RELÍQUIA - O belo casarão erguido no cruzamento das ruas 7 de Setembro e Constituição,
na Vila Nova, mudou de dono.
Rafael Moraes, que adquiriu o imóvel, vai transformá-lo em centro cultural
Foto: Ricardo Nogueira, publicada com a matéria
Domingo, 6 de Março de
2005, 10:16
PATRIMÔNIO
Um sonho muito além dos jardins
O imponente casarão da Vila Nova vai ser transformado em um centro cultural
Elcira Nuñez y Nuñez
Da Reportagem
Desde criança, Rafael Moraes namorava da calçada,
através das grades de ferro, o jardim florido e arborizado do belo casarão erguido no cruzamento das ruas 7 de Setembro e Constituição, na
Vila Nova. E neste ano realizou um sonho: comprou o imóvel, considerado uma relíquia histórica e arquitetônica, para
criar um centro cultural, que abrigará o Museu Martins Fontes.
"Eu ficava encantado com a casa, passava na calçada e ficava namorando. Mas entre ela
e eu existia um abismo. Antes de estar à venda, pedi para conhecê-la por dentro e me apaixonei ainda mais. Ela é uma beleza. Comprá-la foi um sonho
de criança realizado. É preciso acreditar nos sonhos e correr atrás", aconselha.
Construído em 1900 pela Companhia Docas de Santos
para ser a residência dos funcionários, o imóvel em estilo neocolonial tem projeto assinado pela firma Ramos de Azevedo, responsável também pela
construção do Teatro Municipal de São Paulo. Tombado, em dezembro do ano passado, pelo Condepasa, o casarão pertencia ao português José Duarte
Castelo Branco, que o colocou à venda, no ano passado, por R$ 700 mil.
Entre os interessados na compra, a maioria, antes do tombamento, pensava em demolir o
casarão. Mas Rafael, que coleciona e comercializa antiguidades desde 95, não. "Talvez por isso houve uma empatia muito grande entre mim e o dono.
Ele sabia do meu amor pela casa e dos meus projetos para ela".
O preço que pagou para realizar seu sonho, Rafael não revela, mas conta que foi bem
menor do que o valor pedido. Quanto ao imóvel ser tombado, ele só vê vantagens. "Só há coisas positivas. Tombado, o imóvel está protegido de
alterações e descaracterizações, isento do IPTU e do ISS e ainda tem algumas regalias do projeto Alegra Santos".
O antiquário arrematou em leilão na Capital, no ano passado, também alguns móveis e
objetos que decoravam a casa, antes de estar à venda. "Foi aí que aumentou a minha vontade de adquirir o casarão. Havia coisas maravilhosas. Um
comprador pagou R$ 630 mil por um quadro do português Columbano Bordalo Pinheiro".
Erguido na esquina das ruas 7 de Setembro e Constituição, o imóvel aguçou a
curiosidade das pessoas durante anos
Foto: Ricardo Nogueira, publicada com a matéria
Viagem no tempo - Com entrada pela Rua da Constituição, 278, o imóvel possui
1.200 metros quadrados de área construída e é rodeado por um belo jardim com flores e árvores frutíferas, como sapoti, carambola, tamarindo, goiaba,
ameixa e muitas outras. A imensa área verde abriga ainda muitos viveiros, uma fonte e um carramanchão.
Visitá-lo é fazer uma viagem no tempo, regressar ao início do século 20, quando a Vila
Nova era um bairro novo e elegante. Quando as ruas eram iluminadas por lampiões, cozinhava-se em fogão a lenha e não havia especulação imobiliária.
Com 21 cômodos, com espaço para sala de música, adega, escritório, o imóvel chama a
atenção por sua beleza e boa conservação. Não possui rachaduras e o piso em ipê e pau-marfim, assim como a escadaria em mármore branco, está quase
intacto, apesar do tempo.
Outros detalhes chamam a atenção como um jardim secreto, ao qual se chega abrindo uma
porta, a largura das paredes - 80 cm de espessura -, os lustres de alabastro e jacarandá, as maçanetas de ferro e porcelana e os belíssimos azulejos
portugueses e espanhóis que adornam as paredes internas e a fachada. "Na área externa, há uma variedade de painéis feitos em Lisboa e no Liceu de
Artes e Ofício, em São Paulo. Um dos mais lindos é de Nossa Senhora da Conceição, a quem pedi ajuda para a gente comprar a casa e deu certo".
Restauração - As obras de restauração começarão no segundo semestre deste ano e
o centro cultural e o museu devem funcionar a partir de 2006. Rafael também adquiriu um imóvel ao lado do casarão, que dará lugar a lojas, numa
espécie de bulevar. "Elas ficarão viradas para o bosque, ao lado do café e restaurante, integradas ao casarão".
O centro cultural, que terá projeto paisagístico de Roberto de Sá, será palco de
eventos, como workshops, lançamentos de livros, vernissages. "O centro tornará a casa um bem para a Cidade. Vamos marcar uma reunião
com o secretário da Cultura Carlos Pinto para saber quais as carências do Município, que atividades culturais necessitam de espaço para abrigar na
casa".
Mas a menina dos olhos de Rafael é o Museu Martins Fontes. Em homenagem ao médico e
poeta santista, o antiquário idealizou um projeto, no ano passado, que superou suas expectativas. Incluiu o lançamento do livro Vivendo Martins
Fontes, de Edith Pires Gonçalves Dias, de um documentário e uma exposição com fotos, livros e objetos do poeta santista na Casa Natal. "O
contato com Edith Pires Gonçalves foi maravilhoso, sua figura cheia de vitalidade me tocou muito. A admiração que temos por Martins Fontes nos
ligou".
Rafael Moraes namorava a casa desde a infância
Foto: Ricardo Nogueira, publicada com a matéria
Dívida com o poeta - Rafael aprendeu a gostar do poeta através das lembranças
de sua avó e acredita que Santos tem uma dívida para com o poeta. "Estar envolvido com a obra de Martins Fontes
é gratificante. É preciso resgatar sua memória. O enterro dele foi um dos mais significativos. A Cidade parou, o comércio fechou. Ele foi um ser
humano completo, médico, uma pessoa de caráter limpo e um bom poeta. Seus livros serviram de merchandising da Cidade em todo o País,
destacaram nossas belezas. Temos uma dívida e chegou a hora de pagar".
Para o museu, Roberto Fontes Gomes, sobrinho do poeta, se prontificou a doar seu
acervo. "Quando conversamos, ele disse que se houvesse um lugar digno de abrigar os objetos de Martins Fontes ele os cederia".
Rafael conta que ainda não está definido se será criada uma fundação ou instituto. "O
acervo será do Município, mas ficará sob os cuidados do instituto ou fundação". Para definir a melhor forma de gerir o espaço cultural serão
realizadas reuniões com empresários da Cidade. "O importante é que nossa cultura não seja esquecida".
O painel de Nossa Senhora da Conceição é um dos mais lindos
e chama a atenção de quem visita o casarão
Foto: Ricardo Nogueira, publicada com a matéria
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