Problemas de Santos
Saneamento - Casas populares - Rearborização da cidade
Lincoln Feliciano
Saneamento - Há tempos, o dr. Plínio
Penteado Whitaker, ex-diretor da Repartição do Saneamento, deu, aos jornais, interessante entrevista sobre um grande plano de obras novas, a ser
executado em Santos, São Vicente e Guarujá, segundo o dec.-lei n. 11.800, de
31-12-1940, e consistente, além do mais, na construção de canais, no Marapé, no Saboó e em São
Vicente, drenando estes as águas pluviais da enorme zona entre o rio São Jorge e a baía de Santos.
Quer isso dizer que, com a ampliação das redes, sanitária e pluvial, em projeto,
imensas áreas serão ganhas, aos charcos e ao mangue, para o distendimento das três cidades, pelo que ainda mais premente se torna a solução do velho
e repisado problema de sua urbanização, de conformidade com um traçado técnica e racionalmente feito, compreendendo, além desse saneamento: o
tráfego, com o transporte coletivo, a comunicação entre os bairros e o estacionamento e a modificação, com o zoneamento, a defesa paisagística e o
aproveitamento das belezas naturais.
Isso, aliás, não constitui nenhuma novidade. Júlio Verne, num dos seus sugestivos
romances, idealizou o tipo de uma cidade assim, denominada France Ville, na América. Naquele tempo, isso parecia só imaginação, mas, com o
correr dos anos, viu-se que o engenhoso escritor tinha razão, ao preconizar essa cidade de ruas largas, arvorejadas, grandes espaços destinados a
parques, sendo todas as residências obrigadas a ter na frente um jardim bem cuidado, perpetuamente florido, com espécies de flores previamente
escolhidas e variadas, para que não houvesse a monotonia da uniformidade.
Só assim teríamos, em Santos, a modificação de sua parte central, com o rasgamento de
uma ampla avenida comercial, para o que já deram sugestões os competentes engenheiros Paulo Martins e Ismael de Sousa; o estabelecimento do nosso
centro cívico, que bem poderia ser na Praça Mauá, onde já se eleva, imponente, o Paço Municipal;
a extinção dos chalés de madeira em certos bairros, e, principalmente, nos morros, para que, de futuro, não tivéssemos de nos haver com um caso tão
sério como o dos mucambos, no Recife; e, enfim, a modernização e o embelezamento da cidade para que a sua parte velha, de ruas espremidas e tortas,
perdesse esse seu aspecto feioso, dos tempos coloniais.
Casas populares - Diga-se, de
passagem, que não adiante nada querer acabar, compulsoriamente, com as habitações em casas de madeira servidas de fossas, em cortiços e porões, se
não há nada para oferecer ao pobre ou ao operário, em troca. Afirma o dr. Plínio Penteado Whitaker, nessa entrevista, que há, em Santos, 5.000 casas
servidas por fossas. É nessas fossas que se criam os mosquitos que, à noite, botam a boca no mundo e não deixam ninguém dormir.
Para facilitar a solução do problema da construção barata, convém lembrar o seguinte
alvitre, de Henrique Lefévre: "Já estamos em tempo e em condições de transformar a construção numa indústria, onde tudo
obedeça a padrões, como acontece nos Estados Unidos. Ali, a estandardização é de tal ordem que certas revistas publicam projetos de casas,
discriminando o material a ser aplicado, por seus respectivos números, e fazendo um cálculo muito aproximado do custo. Ora, desde que tudo se
produza em série, sai infinitamente mais barato e isso é condição essencial para o êxito da casa popular".
Para tanto, porém, necessário seria que se instituísse um organismo oficial, que
auxiliasse a construção da casa própria, cercando-se de garantias, mas impedindo a usura, como sucede em certos lugares, onde os governos invertem
muito dinheiro, anualmente, na construção de bairros populares.
Foi assim que o governo de Pernambuco, oferecendo áreas aterradas aos pobres e aos
operários, já conseguiu, em Recife, construir muitas vilas, com inúmeras casas, que são ninhos de moradas modernas e higiênicas, em substituição a
mucambos, envoltos em lama.
Nessa zona, que o canal, a ser aberto entre o rio São Jorge e a baía de Santos, vai
ganhar ao mangue, segundo a entrevista do dr. Plínio Penteado Whitaker, não se poderia fazer a nossa cidade operária, com casinhas estandardizadas,
modernas e higiênicas, em substituição às favelas que se estão formando em nossos morros e que tanto enfeiam a cidade?
Avenida Afonso Pena em 1944
Foto publicada na mesma edição que a matéria
Rearborização da cidade - Embora se
goste muito de Santos, tem-se de confessar que é uma cidade extraordinariamente quente, quase insuportável, durante o verão.
Quem sai de casa, de automóvel, não nota, no seu excesso, este calor tropical. Quando
se anda a pé, porém, por muitas e muitas de nossas ruas e praças, lambidas de vegetação e, conseqüentemente, sem nenhuma sombra, é que se sente a
quentura escaldante do sol.
Eis porque o problema da sombra, entre nós, se me figura merecedor da máxima atenção
dos poderes públicos. Santos precisa de árvores, árvores, muitas árvores.
Delas, há espécies exóticas e indígenas, que se adaptariam perfeitamente ao nosso
clima.
O chapéu-de-sol é, sem dúvida, a árvore mais adequada às nossas praias. Quando
educado, ele forma, com sua ampla e espessa folhagem, uma verdadeira calota esférica, que produz sombra larga, compacta e fresca. Os pedestres
acham, nessas árvores amigas, verdadeiros oásis, tranqüilos e repousantes.
O alecrim-de-Campinas, tão em moda, está sendo disseminado em várias cidades,
inclusive Santos, com ótimos resultados. Há ainda o oiti, do qual, na Praça Rui Barbosa, se vêem bonitos exemplares, e
entre as árvores também de adorno o ipê, o pau d'arco, as acácias, com cachos de flores amarelas, os flamboiantes, com lindas flores vermelhas,
felizmente já plantados nas avenidas Campos Sales e Francisco Glicério, as quaresmeiras, com flores roxas, da cor do manto do Senhor dos Passos...
A mangueira é muito espalhada, em Belém do Pará.
O jacarandá floresce em azul. É árvore imponentíssima. Em Cape Town, África do Sul, há
a Avenida Brasil, arborizada com jacarandás levados da Bahia, pelos ingleses.
Enquanto isso, nós importamos plátanos, ligustros e outras árvores estrangeiras...
Ainda há a paineira. Lembro-me do lugar chamado Paineiras, no Rio de Janeiro. Árvore
majestosa, de grande porte, oferece o contraste de cachos róseos, maravilhosos. De longe, a árvore parece que mergulhou os ramos num banho de tinta.
O curioso da paineira, segundo um suelto anônimo do Correio da Manhã, é marcar, durante sua evolução anual, três aspectos totalmente
diversos. Enquanto não tem flores, é o símbolo da força, muito verde e muito alta, ramos de elegante esgalhe, sustentando inúmeros ninhos de
pássaros. Depois abre a anthese, e fica cor-de-rosa. Mais tarde, os frutos disseminam as sementes: blocos de paina branca esvoaçam então, pelos
ares, como flocos de neve. Os poetas, daí, tiram a conclusão de que a beleza passa depressa e que, do que foi assim agradável aos olhos, resta
somente uma saudade. A paineira é, de fato, a árvore cheia de mocidade que, depois, aparece toda de cabelos brancos...
O juazeiro tem folhas de um verde intenso adrede modeladas às reações vigorosas da
luz. Euclides da Cunha conta, nos Sertões, que, no Norte, nos meses e anos ardentes, quando o verão mata a vegetação, os juazeiros "agitam
as ramagens virentes, alheios às estações, floridos sempre, salpicando o deserto com as flores cor de ouro, álacres, esbatidas no pardo dos
restolhos, à maneira de manchas verdejantes e festivas".
O umbuzeiro também desafia as secas duradouras. É a árvores sagrada dos sertões do
Nordeste. Tem "copa arredondada, um plano perfeito sobre o chão, ao modo de plantas ornamentais entregues à solicitude
de práticos jardineiros".
Euclides da Cunha, descrevendo a nossa flora tropical, que tem mutações de apoteoses,
fala também dos mulungús rotundos, com suas largas flores vermelhas; das caraíbas e baraúnas, que, altas, refrondescem; dos mariseiros, que ramalham
ressoantes; das quixabeiras, de folhas pequeninas e frutos que lembram contas de ônix; dos icoseiros, que procuram várzeas; das umburamas, que
perfumam os ares, e de muitas outras árvores e arbustos, que se aprumam, triunfantes, mesmo no solo queimado pelos estios flamívomos do Norte do
Brasil.
Em Santos, até nos cemitérios há necessidade de sombras, de verduras, de flores...
Porque não se plantam, neles, casuarinas, roseiras e bugainvílias como o fez Pedro
Bruno, no cemitério da ilha do Paquetá, no Rio de Janeiro? - Vendo-o tão fresco e florido, tive vontade ali ficar sepultado.
As árvores, aqui em Santos, deveriam ser plantadas na proporção das ruas que se abrem
e dos prédios que se levantam.
Disse, há tempos, Costa Rego, pela A Tribuna, que o rigor crescente do verão
carioca se deve à carência de árvores.
Isso também se aplica em Santos. "Árvores, muitas
árvores, mais árvore, eis o que urge reclamar. A sombra é um perene programa de governo municipal". |