NO SOLO, árvore foi arrancada pela força das ondas e dos ventos de 70 km/h
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria
Ondas de 3,5 m causam medo e destruição
Ondas que chegavam a 3,5 metros, ventos de até 70 km/h e um rastro de destruição
marcaram a madrugada de ontem na Ponta da Praia. Um trecho de 30 metros do asfalto cedeu na orla. Apesar de não ter causado vítimas, o fenômeno
natural ocorrido em Santos deixou inúmeros prejuízos.
No Edifício Enseada, na Avenida Bartolomeu de Gusmão,
carros e motos amanheceram submersos. No porto, o canal de navegação ficou interditado por 8 horas. Em Bertioga,
dois pescadores de Guarujá viveram momentos de tensão quando o barco que ocupavam naufragou. Eles conseguiram se salvar nadando em direção à Praia
de Guaratuba, próxima à Riviera de São Lourenço. Páginas A-3, A-9 e A-12.
DO ALTO, uma imagem impressionante com as águas do mar invadindo a avenida
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
DESTRUIÇÃO
A força das ondas
Ventos de até 70 km/h e uma forte ressaca provocaram estragos na Ponta da Praia.
Na orla, um trecho do asfalto cedeu. Na garagem de um edifício, carros e motos amanheceram submersos
Da Reportagem
Por volta da 1 hora da manhã de ontem, os moradores da
Avenida Bartolomeu de Gusmão, na Ponta da Praia, foram acordados de uma maneira diferente: com o estrondo das ondas que
chegavam a 3,5 metros e batiam na mureta da orla. Muitas pessoas, que chegaram a se lembrar das tsunamis, acordaram com ventos de
aproximadamente 70 km/h, muito frio, maré alta (pico de 1,60 metro) e um cenário de destruição.
A comparação com as ondas gigantes que arrasaram países asiáticos no final do ano
passado não é tão exagerada para alguns. "A água batia nas muretas e ultrapassava a altura das árvores. Dava medo. Era um barulho tremendo. Um
minitsunami", comparou a advogada Ivete Rabesco.
Apesar de não ter causado vítimas, o fenômeno natural ocorrido em Santos deixou
inúmeros prejuízos. Um dos piores pesadelos foi vivido pelos moradores do Edifício Enseada, na Avenida Bartolomeu de Gusmão. Quando os interfones
tocaram, entre 1h30 e 2 horas, várias pessoas não despertaram e, conseqüentemente, não conseguiram salvar os automóveis que àquela hora já boiavam
na garagem submersa.
"Interfonaram no apartamento errado e eu perdi um Honda Fit que havia comprado há três
meses", contou o dentista Paulo Roberto, que ainda espera receber o seguro do carro ou do próprio prédio - o que não deve acontecer, já que, na
maioria das vezes, não há cobertura contra os acidentes ditos naturais.
Nove carros - dos mais de 50 estacionados - e quatro motos permaneceram até a tarde de
ontem em meio a água salgada que invadiu o prédio. Um deles, um Honda Civic, é da dona-de-casa Mercedes Barbosa de Oliveira. "O problema neste
prédio é antigo. Não foi a primeira vez que aconteceu. Mas estou revoltada mesmo com o descaso. Só fiquei sabendo que meu carro estava boiando na
garagem pela manhã", lamentou Mercedes, que é deficiente física e, como os elevadores do edifício pararam de funcionar, ficou ilhada no próprio
apartamento.
O síndico Rolando Lopes Ferreira confirmou que em outras vezes já ocorreu situação
semelhante no edifício. No entanto, "os moradores que tiveram os carros danificados não devem receber qualquer tipo de indenização". Também não está
prevista qualquer obra para evitar futuras inundações na garagem.
Três bombas do Corpo de Bombeiros e duas de uma empresa contratada pelo edifício
tentavam sugar os mais de 300 mil litros de água, mas o trabalho, àquela altura, já era em vão. Há informações de que alguns carros não conseguiram
sair a tempo em virtude de uma picape ter morrido na saída da garagem e, assim, ter prendido outros automóveis.
A água arrancou árvore, ponto de ônibus, destruiu o passeio
e um trecho de 300 metros de muretas
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria
Espetáculo dantesco - "Uma noite de terror. Nunca vi nada igual. Foi um
espetáculo dantesco". A descrição é da aposentada Darci Vieira, moradora do Enseada, que retirou o carro da garagem antes da inundação e ainda teve
tempo de presenciar uma cena surreal. "Quando olhei pela janela, vi um rapaz andando de caiaque na rua (Afonso Celso de Paula Lima)", contou Darci.
Outra situação inusitada foi vivida pelo zelador do Edifício Paysage, vizinho ao
Enseada. "O telefone tocou e o vigia me disse que o prédio estava enchendo de água. De imediato, perguntei: "Mas qual é o apartamento para fecharmos
o registro?", indagou Sebastião Alves Ferreira, que minutos depois já via a água atingir o elevador do edifício.
Pier de água - Além dos edifícios, dos donos de carros estacionados na orla e
da Prefeitura, em função da destruição do calçadão e do asfalto (ver matéria), outra grande despesa ficou para os
proprietários do Píer do Chopp - também inundado. "Tem areia até na cobertura. As tábuas do piso foram arrancadas e a água chegou até o caixa",
contou o encarregado Cristiano Augusto. "Perdemos uma calculadora que custa quase R$ 4 mil, notas fiscais, e tivemos problemas com a fiação elétrica
e telefônica", completou.
No Edifício Enseada, moradores se depararam com seus carros praticamente debaixo
d'água
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
Prefeitura fará avaliação dos prejuízos hoje
Ponto de ônibus levado pelas ondas, 300 metros de muretas destruídas, problemas na
estrutura do Deck do Pescador, árvores arrancadas do solo, 30 metros de asfalto cedendo, calçadas em ruínas e mais de
50 metros de fiação elétrica danificada. Esse foi o balanço inicial da Prefeitura sobre os estragos causados pela ressaca.
Mas os prejuízos só poderão ser contabilizados com exatidão hoje, quando a maré
baixar. Às 7 horas, está prevista uma reunião no local com o secretário de Obras e Serviços Públicos, Antônio Carlos Silva Gonçalves.
"Vamos isolar o local até que esteja seguro. Agora, quando a maré baixar de vez, temos
que detectar o nível de assoreamento da pista (Rua Augusto Samuel Leão de Moura, ao lado do Aquário)".
O problema é em relação à calçada e parte da pista que cedeu na madrugada. "Como tem
areia por baixo do asfalto, ainda precisamos avaliar o que aconteceu", completou.
Um talude de proteção será construído ao lado do Aquário para sustentar o restante da
calçada e da pista. Depois, serão colocadas mais rochas junto às muretas para futuramente minimizar o impacto das ondas durante ressacas.
Explicação |
Segundo a coordenadora do Curso de
Oceanografia e diretora da Faculdade de Ciências Ambientais do Centro Universitário Monte Serrat (Unimonte), Cíntia
Miyati, a ressaca que atingiu a Ponta da Praia ontem é resultado do encontro da frente fria que chegou à região aliada a maré de sizígia - a
mais alta que existe. A sizígia ocorre somente em épocas de lua cheia ou nova (ontem era cheia), no outono ou na primavera.
"O fenômeno aconteceu em virtude da coincidência de todos esses fatores, somados ao
forte vento (de ontem)", explica. Caso seja analisada a previsão de ondas e maré, segundo Cíntia, o fenômeno é facilmente detectado. Tanto que
houve um aviso aos navegantes para não irem ao mar. "Dá para prever. Só não há exatidão quanto ao nível que as ondas podem atingir", finaliza. |
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Deck do Pescador
- O Deck do Pescador está interditado preventivamente. As longarinas (vigas de madeira) foram quebradas pelas ondas, o que provoca o risco de
queda das tábuas de sustentação. A empreiteira Girata, responsável pela construção da estrutura, vai avaliar os riscos na obra.
Além de uma árvore que foi arrancada pela maré, outras 11 estavam sendo retiradas ou
podadas para evitar queda ou maior erosão nas cercanias do Aquário. O medo da Coordenadoria de Parques e Jardins se justificava em virtude da
formação de ondas que já podiam ser vistas na entrada da baía.
Por conta do asfalto que cedeu e do entulho espalhado, a Companhia de Engenharia de
Tráfego (CET) interditou os dois sentidos da Avenida Bartolomeu de Gusmão, a partir do Canal 6. A Avenida dos Bancários, usada como rota
alternativa, acabou congestionada. Após as 17 horas, o tráfego na orla, sentido São Vicente, foi liberado.
O coordenador da Defesa Civil, Luiz Marcos Albino, disse que o fator determinante para
a ressaca não foi o avanço da maré mas, sim, os ventos de 70 km/h (ver quadro). "Há umas duas semanas, a maré chegou a até
1,70 metro, mas não havia vento nem agitação marítima. Então, não houve estrago", explicou.
Segundo ele, os bairros do Bom Retiro,
Chico de Paula e Jardim Castelo, na Zona Noroeste, também foram atingidos. A água chegou a
meio metro de altura, inundando casas. Não houve ocorrências nos morros.
Na madrugada de ontem, ondas de mais de 3,5 metros invadiram a avenida da praia,
arrastando tudo pela frente. Um restaurante à beira-mar foi inundado e teve as tábuas do piso arrancadas
Foto: Rogério Soares, publicada com a matéria
Temporal causa naufrágio de barco
Embarcação levava dois pescadores, que conseguiram nadar até a praia
Da Sucursal
Vítimas do temporal que castigou a região, com a entrada
da frente fria, dois pescadores do Perequê, em Guarujá, viveram momentos de grande tensão na madrugada de
ontem, quando o barco que ocupavam naufragou no mar de Bertioga, a cerca de 20 quilômetros do ponto de partida. Cláudio Marques dos Santos e Tomás
Francisco da Silva conseguiram se salvar nadando em direção à Praia de Guaratuba, próxima à Riviera de São Lourenço.
Eles saíram do Perequê às 8h30 da manhã de segunda-feira, rumo a alto-mar. Por volta
das 16 horas, porém, o tempo fechou, fazendo com que todos os barcos retornassem. Cláudio e Tomás, no entanto, não conseguiram fazer o motor da
embarcação funcionar e ficaram à deriva por mais de oito horas.
Por volta de meia-noite, com a força do vento, o barco virou e afundou em poucos
minutos. Usando bóias, os pescadores, então, nadaram durante cerca de 40 minutos, até chegar à Praia de Guaratuba, onde procuraram ajuda médica e
também da Polícia Militar. Eles foram medicados com soro fisiológico e dispensados em seguida.
Dizendo estar muito feliz por ter sobrevivido ao naufrágio, Cláudio comentou que antes
do barco afundar ele e Tomás chegaram a pedir ajuda, por meio de telefone celular, ao Corpo de Bombeiros e à Capitania dos Portos. "Porém, como o
barco não tinha qualquer iluminação e estava em local desconhecido, não foi possível localizá-lo".
Primeira viagem - A embarcação naufragada pertence a Tomás, um ex-taxista que
morava na Capital e que decidiu vir para Guarjá para se dedicar à pesca. Ontem de manhã, ainda atordoado com o ocorrido, ele explicou que havia
adquirido o barco há cinco dias. "Foi a minha primeira viagem", disse ele, salientando que apesar do naufrágio, não vai desistir da pesca. "Vou
correr atrás do prejuízo. Pretendo comprar um barco maior, com equipamentos mais leves, para não correr tanto risco".
Mau tempo - Apesar do mau tempo, a Defesa Civil de Guarujá não registrou
nenhuma outra ocorrência com vítimas até o final da noite. Porém, apesar disso, os morros da Cidade estão em estado de alerta. Segundo o órgão, o
índice pluviométrico da última noite chegou a 45,1 milímetros.
Cláudio e Tomás disseram que o motor do barco não funcionou
Foto: reprodução/TV Tribuna, publicada com a matéria
Ondas destroem muretas e invadem avenida em SV
Da Sucursal
A frente fria que chegou à região deixou o mar agitado e causou estragos na orla de
São Vicente, destruindo muretas e trechos do calçadão que está sendo reformado.
Na Avenida Embaixador Pedro de Toledo, no Gonzaguinha, as ondas altas chegaram a
invadir a pista. O ponto mais problemático era o trecho entre as ruas Frei Gaspar e a Praça Heróis de 32.
Além da água do mar, os veículos ainda tiveram que desviar das pedras do calçadão
danificado que foram levadas pela força da maré.
No meio da tarde, não havia nenhum agente de trânsito para orientar os motoristas, o
que deixou o tráfego lento.
As fortes ondas atingiram a orla da Praia do Gonzaguinha,
onde vários trechos do calçadão, que está em obras, foram danificados
Foto: João Vieira, publicada com a matéria
RESSACA
Ondas paralisam operação no porto por 8 h
Atividades só foram retomadas às 18h30, com atracação em Guarujá
Da Reportagem
O canal de navegação do Porto de Santos teve seu acesso
interrompido ontem por cerca de oito horas devido às fortes ondas, de até quatro metros, que atingiram a entrada do canal, na direção da Ponta da
Praia. A paralisação do trânsito das embarcações foi ordenada pela Capitania dos Portos por motivos de segurança.
O avanço das ondas começou durante a madrugada, por volta das 2 horas. Naquele
momento, a chegada das lanchas que levam os práticos - profissionais que comandam a embarcação da entrada do canal ao ponto de atracação - até o
navio começou a ser dificultada pela instabilidade do mar. Assim, às 5h30 o capitão dos Portos, Juarez Alves Júnior, acatou pedido da Praticagem de
Santos e proibiu o acesso dos cargueiros ao cais santista até a melhora das condições climáticas e das marés.
De acordo com o capitão-de-fragata da Capitania dos Portos, Álvaro Adrião Caffese
Cunha, a solicitação feita no início da madrugada de ontem foi atendida pelo órgão militar em razão do perigo iminente nos serviços dos práticos.
"Foi interditada a passagem por motivos de segurança. Uma precaução da Capitania com
os funcionários da Praticagem, porque eles têm que chegar ao navio e havia risco das lanchas irem até a Baliza 1 (altura da
Fortaleza da Barra) no mar para eles assumirem o comando".
Cunha revelou também que a interrupção foi determinada, pois, sem a presença dos
práticos, os comandantes que desconhecem os macetes do canal do porto santista, ao tentar entrar no complexo, poderiam fazer até com que os
navios encalhassem. "Eles não sabem dos perigos, como, por exemplo, dois navios colidirem".
Após a melhora nas condições de navegação, o capitão-de-fragata informou a liberação
do acesso ao cais. Segundo ele, por volta das 13 horas, os navios já podiam trafegar normalmente. "Nesse horário já não tinha mais restrição da
Marinha. Cada comandante pôde decidir se queria ou não entrar ou sair do porto".
Porém, mesmo com a autorização para o tráfego marítimo, o primeiro navio a entrar no
complexo, o panamenho Yu Gu He, o fez somente às 18h30. O capitão-de-fragata disse que a demora foi decorrente de uma reprogramação feita
pelas agências marítimas.
Balanço - De acordo com o presidente do Sindicato das Agências de Navegação
Marítima do Estado de São Paulo (Sindamar), José Eduardo Lopes, as empresas do setor não tiveram prejuízos com a interrupção dos serviços. Ele
afirmou que os trabalhos previstos para o dia eram "tranqüilos". "Não teve nenhum reflexo, nem nas agências nem nos armadores".
Lopes comentou que as empresas organizam suas operações contando com eventuais
ocorrências desse tipo. "Na navegação se trabalha com janela, ou seja, o navio tem que chegar, atracar, carregar e sair. Se isso não
acontecer por algum motivo, a carga que não foi movimentada será carregada pelo próximo navio da linha que visitar o porto". Ele comparou o
procedimento a um itinerário de ônibus. "Se um veículo tiver problemas mecânicos e parar, os passageiros que o aguardavam serão transportados pela
linha seguinte". O presidente informou ainda que as empresas não terão prejuízos financeiros, pois foram poucas horas de paralisação. "Esse período
parado não traz problemas. Isso aconteceria se fosse em Rio Grande (RS), Paranaguá (PR), onde as cargas são essencialmente de granéis e com chuva
fica impossível trabalhar. Mas em Santos não acontece com freqüência. A gente não convive com a hipótese de ficar impedido muito tempo aqui".
Um dos principais receios das empresas portuárias seria o cais ficar inacessível por
muito tempo, aumentando o preço do frete marítimo. A diária de navios conteineiros, por exemplo, chega a US$ 35 mil.
Um dos terminais de contêineres de Santos, o Tecondi, respondeu, por meio de sua
assessoria de imprensa, que a paralisação não afetou suas operações. O terminal operou ontem apenas o navio que já estava atracado em seu cais antes
das fortes ondas e tinha previsão de saída para a noite.
Ao fundo, navio posicionado na direção da Fortaleza da Barra, prestes a deixar o porto
Foto: Carlos Nogueira, publicada com a matéria
Dragagem - Apesar de altas, as ondas registradas ontem em Santos não trarão
danos ao estuário, garantiu o coordenador do Núcleo de Pesquisas Hidrodinâmicas em Engenharia da Universidade Santa Cecília (Unisanta),
Gilberto Berzin. O biólogo afirma ainda que a dragagem do canal de navegação do porto santista não será prejudicada pela ressaca do mar.
Diferente do que ocorreu no fim do ano passado no Sudeste Asiático, quando a
ocorrência de tsunamis alterou a profundidade dos portos naquela região, Berzin explica que a alteração no tamanho das ondas que atingiram a
Cidade ontem foi provocada por vários fatores, incluindo a frente fria que chegou à Baixada Santista e a maré.
Charge de Max registra o fenômeno
Imagem publicada em A Tribuna de 27/4/2005, página 2
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