Os livros mais antigos falam em Morro das Palmeiras ou Morro da Boa Vista. Mas,
popularmente, aquele morro encravado no Bom Retiro, junto às águas tranqüilas do Rio São Jorge, chama-se Morro do Ilhéu. Por mais de 30 anos morou
lá um português, o Zé Ilhéu, que plantou cana, montou um alambique e fabricava dessas pingas boas, que o tornaram muito conhecido. Vai daí
que o morro virou Morro do Ilhéu. Mas, um belo dia chegaram os donos
de tudo aquilo, sócios na Imobiliária Bom Retiro, com muitos novos planos. Corriam os últimos anos da década de 1950, e o que se tinha em mente
era transformar aquela área pantanosa e cheia de braços de rio, pegadas ao morro, em um lugar habitável.
Resultado: Zé Ilhéu teve que ir embora, deixando tudo o que construíra para
trás. E isso é algo que sua mulher, Maria Elói, hoje com 106 anos de idade, não esquece. Os tratores começaram a agir nas encostas do morro onde
vivera no maior sossego, retirando a terra que aos poucos fez desaparecer o mangue. No final das contas, surge um novo bairro naquele canto
esquecido da Zona Noroeste.
Hoje, passados pouco mais de 20 anos do início da recuperação da área, o Bom Retiro
abriga uma população de mais de três mil pessoas. Dispõe de melhorias que bairros mais antigos reivindicam e conserva uma bica onde nasce a melhor
água de Santos.
Naqueles velhos tempos em que nem se pensava em ocupar a Zona Noroeste, um português,
fugido da guerra, fixa-se no Morro das Palmeiras. É o primeiro morador do Bom Retiro de que se tem notícia. Ali viveu com a mulher, uma antiga
escrava, hoje com 106 anos de idade, por mais de 30 anos. Até que um dia o sonho acabou: chegaram os donos da terra, com novos planos. E, enquanto
o morro desaparece, surge um novo bairro.
Nas águas tranqüilas, porém poluídas, do Rio São Jorge, as crianças do bairro têm seu lazer
A noite virou dia. O mangue se transformou em terra fértil.
Tudo aconteceu num piscar de olhos. Basta retroceder ao final da década de 1950 para constatar que o Bom Retiro
não passava de um extenso mangue, entrecortado por braços de rios, com pequenos morros aqui e acolá. Nada além de bananeiras e ervas daninhas
conseguia sobreviver. Um vazio completo, um canto esquecido dessa Santos que começava a se expandir como ela só.
Em 1955 já estava em pleno curso a corrida imobiliária e observa-se o aumento significativo de construções novas
na orla da praia, principalmente Gonzaga e Boqueirão. Nessa época, Santos já tem um número razoável de edifícios altos, mas não cresce apenas no
sentido vertical: descobre novos espaços. É preciso abrigar não só os filhos da terra, mas também os migrantes que chegam em busca de dias
melhores.
Em meio a todo esse processo, um grupo se une e resolve comprar algumas áreas que no passado pertenceram a João
Antunes. Mais especificamente, a parte correspondente ao que se conhece hoje por Bom Retiro. Um dos integrantes desse grupo era Ézio Testini,
comerciante e corretor de imóveis, que hoje dá nome a uma das ruas por aqueles lados. Foi um dos cabeças da Imobiliária Bom Retiro.
Enquanto o morro perde terras, surge um novo bairro - O grande desafio que se impunha ao grupo era
recuperar o pântano, transformá-lo em lugar habitável. Começou o serviço de aterragem e isso se deu à custa da destruição paulatina do Morro das
Palmeiras - ou Morro do Ilhéu, Morro da Boa Vista ou ainda Morro do Bom Retiro, como também é conhecido.
Aos poucos, surge um novo Bom Retiro; aos poucos, o conhecido morro, o primeiro à direita de quem chega a
Santos, perde suas velhas feições. Desapareceram os canaviais e as bananeiras que caracterizavam sua paisagem, bem como as goiabeiras e as dezenas
de pés de jambolão, capazes de deixar as crianças vesgas e com a boca cheia de água. Até hoje não parou o processo de descaracterização do morro:
a Imobiliária Bom Retiro segue retirando terras, lançando sobre o Rio São Jorge, preparando espaços para a implantação de lotes industriais.
Mas, com ou sem sacrifício do morro, a verdade é que o Bom Retiro se distingue como um dos poucos bairros
projetados de Santos. Na sua concepção, o empreendimento previa a implantação de meios-fios, guias, sarjetas, luz e água, se bem que tudo pago
pelos moradores, por meio do plano comunitário.
O projeto incluía três loteamentos distintos, com cerca de 500 lotes cada. Depois de todo aterrado, o bairro
ficou cerca de um metro acima do Jardim Santa Maria, que fica ao lado.
Os trabalhadores portuários foram os que mais se interessaram pelos lotes do Bom Retiro. A unidade, com 10
metros de frente e 25 de fundo, custava Cr$ 240 mil (velhos), com entrada e prestações de Cr$ 1.800,00 mensais. Como na época os portuários
ganhavam em média Cr$ 5 mil mensais, a prestação correspondia a um terço do salário. Se muitos passaram apertado no começo, ao final das contas
acabaram levando vantagem, já que o prazo de pagamento era de 12 anos, sem nenhum acréscimo.
O sacrifício para realizar o sonho da casa própria - As histórias que se ouve dos moradores do Bom Retiro
têm sempre um ponto comum: o apuro para pagar o lote e construir a casa.
Pergídio Ferreira dos Santos apresenta seu testemunho: em 1966, quando estava deixando o Exército, ouviu dizer
que havia uns lotes à venda no Bom Retiro. Foi lá, olhou e não gostou do que viu: o bairro parecia não ter muito futuro, deixou a idéia de lado.
Seis anos depois, retornou ao Bom Retiro e não acreditou no que estava diante de seus olhos: Imaginem: onde a
água do rio batia, agora tinha casa e rua.
Tratou de conseguir um terreno. Só que a entrada era de Cr$ 5 mil, dinheiro que ele não tinha em mãos. Achou que
valia a pena se apertar e fazer o investimento. Saiu pedindo Cr$ 500,00 para um amigo, Cr$ 500,00 para outro, juntou o salário, pegou um
adiantamento e finalmente obteve a quantia. No mês seguinte, já se pode imaginar: comprou fiado direto porque não tinha mais de onde tirar
dinheiro.
Quando estava 15 dias dentro da casa, chegaram fiscais da Prefeitura: o barraco de madeira era clandestino,
seria derrubado. Pergídio ficou desesperado, correu na Prefeitura, não deixou por menos e avisou: "Se derrubar, no cemitério tem gente".
Bem que ele queria uma casa melhor, mas primeiro precisava terminar as dívidas, guardar algum dinheiro. Só em
1975 conseguiu aprontar o baldrame, levantou as paredes aos poucos e há dois anos obteve o habite-se. A casa ainda não está como ele quer,
falta o acabamento, mas ao menos se vê livre dos aluguéis, que subiram feito bola de gás em dia de vento.
Sobre o antigo mangue, mais de 300 casas e três mil moradores - Passados pouco mais de 10 anos da venda
dos primeiros lotes, 50 por cento do Bom Retiro já estavam totalmente formados. E, não se pode esquecer, sua área era bem maior do que os 76
hectares atuais. Em 1968, quando se estabeleceu o novo abairramento de Santos, perdeu espaços para a formação do Jardim Santa Maria.
Atualmente, seus limites são dados pela Avenida José Lamacchia, Rua Joaquim Teixeira de Carvalho (junto ao Rio
São Jorge), Morro do Ilhéu e Rua João Ewesley. Em 1970 viviam nesse reduto 2.224 moradores, número que subiu para 3.162, em 1980. As moradias são
quase 400.
Em fins da década de 1950 começa a surgir o bairro que hoje já tem mais de três mil
moradores
|