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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SEU BAIRRO/mapa
Jardim Castelo e os dramas das enchentes (1)

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Publicado em 10/2/1983 no jornal A Tribuna de Santos

 Leda Mondin (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)

Criança, uma vítima a mais

A criança preocupada em limpar o bueiro sujo é uma vítima a mais das enchentes que acontecem com muita freqüência no Jardim Castelo.

 

A cada chuva mais forte, moradores de diversas ruas têm suas casas invadidas pelas águas, que insistem em subir carregando junto o esgoto acumulado nas valas.

É geral o estado de abandono desse bairro, que começou a receber os primeiros moradores há uns 30 anos. Nessa época, nem se chamava Jardim Castelo e não passava de um imenso mangue, com siri, caranguejos e corujas piando nas árvores.

As coisas começaram a melhorar quando a Cohab construiu por aqueles lados seu primeiro conjunto habitacional: as unidades foram entregues em 1966 e para elas se transferiram famílias da vizinha Areia Branca, que nessa época estava sendo desfavelada.

O núcleo popular foi batizado de Jardim Castelo e, em 1968, com a reorganização do espaço urbano de Santos, o nome passou a designar um novo bairro da Zona Noroeste.

Dessa época para cá, o Jardim Castelo só fez crescer, e hoje sua população chega a 10 mil habitantes.

Mas, mesmo com tanta gente morando lá, o lugar permanece muito esquecido pela Prefeitura: além do crônico problema das enchentes, o Castelo não tem nenhuma praça urbanizada e seu único parquinho de diversões virou um monte de ferro-velho.

 

O bairro abriga ainda o Conjunto Dale Coutinho, com seus 75 prédios encardidos, muito mato e lama ao redor.


A Izildinha foi o primeiro grande estabelecimento comercial do bairro: 
antes dela, só havia chiboquinha para a venda de pinga

Uma tristeza danada tomava conta de tudo quando a noite caía. Só se ouvia coruja piando e sapo coaxando. Sem contar as dezenas de grilos formando uma grande orquestra desafinada.

Parecia que as coisas nunca iriam mudar. Muito mato, cheiro de águas paradas e o mangue sempre mais encharcado e pegajoso após cada chuva. Nada de interessante ou bonito no horizonte. Apenas um chalezinho aqui, outro bem adiante, perdidos na imensidão.

Um fim de mundo? Nem tanto, apenas o Jardim Castelo há uns 30 anos, quando começou a receber os primeiros moradores.

Quanto sacrifício enfrentaram o Lerino, o Cariri, o Miguel, seu Antônio e seu Ananias, pioneiros por aquelas bandas. Mas já que se tratava de ter um cantinho próprio e se viver livre de aluguel, estavam dispostos a ir em frente. E esperar por dias melhores.

E, pelo jeito, na época muita gente pensava assim, porque não faltou gente interessada em adquirir os lotes lamacentos perdidos na desconhecida Zona Noroeste. Os que se apressaram e chegaram primeiro, pagaram Cr$ 35,00, a prazo, por um terreno. Quem não correu logo, teve que se conformar em pagar Cr$ 75,00. Não adiantou pedir descontos!

Até os cavalos, acostumados a enfrentar qualquer parada, atolavam nas maltraçadas ruas. Mas pior mesmo foi o que aconteceu certa ocasião: seu Ananias, 25 anos de bairro, entrou para almoçar e deixou o caminhão, com o qual trabalhava, estacionado em frente de casa, na Rua José Lobo Viana, 335. Quando saiu, levou o maior susto do mundo: só a carroceria do caminhão estava de fora. O resto simplesmente afundara na lama. Imaginem o desespero de seu Ananias...

Peixes, caranguejos, siris e um morro que foi destruído - Não se poderia mesmo esperar outra coisa de um bairro entrecortado por braços de rio. Rios, aliás, que davam muito peixe, principalmente traíras, sempre gordas e vistosas como elas só. Uma beleza de se ver!

Parece desnecessário dizer que também havia siris e caranguejos aos montes. Bastava enfiar a mão na lama para senti-los mexendo-se, em posição de ataque. Era uma farra para a molecada que, sem ter onde brincar, passava horas entretida, tentando dominar os crustáceos. Quando não, os meninos subiam no morrinho que havia na Divisa com São Vicente e ficavam espreitando o município vizinho ou brincando de ver quem atirava pedras mais longe.

Quem passou tardes inteiras por ali, não gosta de olhar e ver aquele amontoado de prédios que forma o Conjunto Dale Coutinho. "Precisava destruir o morrinho da minha infância?", pergunta, inconformado, Mário de Almeida. Mas parece não existir resposta para essa e tantas outras perguntas que dizem respeito às transformações ocasionadas pelo chamado progresso.

Pois é. Muita gente vive falando mal do progresso, mas era isso que o pessoal do Jardim Castelo mais desejava quando morava naquele recanto ermo, sem água e sem luz. Arranjar água boa e fresquinha exigia penosas caminhadas até a Areia Branca e quando a noite caía escurecendo tudo não restava outra alternativa se não apelar para lamparinas, lampiões ou um punhado de lenha. E como as donas-de-casa sofriam, com aqueles pesados ferros de carvão...

Por tudo isso, foi aquela alegria quando a Prefeitura instalou dois chafarizes no Castelo. Isso não significava dispensar os baldes e chaleiras utilizados para carregar água, mas pelo menos encurtou o percurso de muita gente. Imaginem só, água jorrando bem na esquina. Melhor mesmo, apenas com a chegada da água encanada e da eletricidade, depois de uns cinco anos de vinda dos primeiros moradores.

Com o núcleo habitacional, chegaram casas comerciais e o lugar só fez crescer - O crescimento propriamente dito do Jardim Castelo está ligado à construção do primeiro conjunto habitacional da Cohab, cujas 636 casas foram entregues em 1966. E esse conjunto tem sua história ligada à Areia Branca.

Não é segredo para ninguém que a Areia Branca nasceu na raça. A eleição se aproximava e alguns políticos incentivaram a ocupação daqueles terrenos cobertos de areia branca, esquecidos lá no Noroeste de Santos. Nessa troca de voto por terreno, nasceu uma imensa favela.

E como deixar crescer uma favela em meio a uma área que surgia como a única alternativa de expansão para essa Santos que insistia em crescer? Era preciso acabar com a favela. Mas a urbanização fatalmente esbarraria na necessidade de remoção de famílias.

O impasse resultou na criação da Cohab e na construção de casas populares em terreno contíguo à favela. As 636 unidades ficaram prontas em 1966 e com a chegada de tanta gente não houve quem segurasse o Jardim Castelo.

O Bar do Eduardo e a chiboquinha do Miguel deixaram de ser as únicas casas comerciais. Surgiu a Padaria Izildinha e, para surpresa de muitos, em 1967 o Jardim Castelo ganhou um mercadinho, um açougue, uma farmácia e até uma adega.

Esses quatro estabelecimentos e a Padaria Izildinha continuam firmes por lá, se bem que tenham passado pelas mãos de diferentes proprietários. A Izildinha é bem típica de bairro e vende de tudo um pouco, incluindo chupeta, brinquedos, cadernos, esmalte, óleo de máquina e talco. A Adega Monte Serrate exibe vinhos dos mais variados e o Açougue da Economia é procurado por pessoas de diferentes bairros. A Farmácia Rocha Mar continua sendo a preferida de muita gente e o Mercadinho Caçula virou simplesmente "venda do seu Ferreira".

No que se refere a melhorias públicas, só foram conseguidas com muita luta. Depois de muito abaixo-assinado e denúncias à imprensa, o Castelo conquistou asfalto para algumas ruas, galerias de águas pluviais e transporte coletivo. E a luta continua, porque ainda resta muito para ser feito.


Seu Ananias e seu Antônio, pioneiros no J.Castelo

Veja as partes [2] e [3] desta matéria
Veja Bairros/Jardim Castelo/Conjuntos Costa e Silva e Dale Coutinho

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