HISTÓRIAS E LENDAS DE
SANTOS - VISITANTES
Pianista Guiomar Novais
Consagrada pelo sucesso obtido nos
Estados Unidos e em outros países, a pianista brasileira Guiomar Novais esteve em Santos algumas vezes, para apresentar recitais. Em 1905, ainda
menina, mas já considerada excelente pianista, deu audiências em Santos e São Vicente, como registrou o jornalista Olao Rodrigues, em seu Almanaque
de Santos - 1972, Santos/SP (pág. 96). Ela também se apresentou no Teatro Coliseu, no Clube XV e
em outros lugares de Santos, onde existiu também um Conservatório Guiomar Novais.
Em 1922, voltou a se apresentar em Santos, nos salões do Jockey
Club, como registrou o jornal santista A Tribuna em 27 de junho de 1922, na primeira página (ortografia atualizada nestas transcrições):
Anúncio publicado no jornal santista A Tribuna, em
27 de junho de 1922
ARTES E ARTISTAS
Guiomar Novaes no Jockey Club - O recital de hoje
É hoje, finalmente, que o nosso público de elite vai
aplaudir ruidosamente, no elegante salão do Jockey Club, a notável pianista paulista Guiomar Novaes, a mais legítima glória do Brasil contemporâneo.
Seria desnecessário encarecer aqui os méritos dessa artista, para que o público
santista por ela se interessasse; Guiomar Novaes é um nome que dispensa o barulho da réclame, por isso que a sua nomeada não nasceu senão do
mérito, do valor indestrutível, da força, do seu engenho privilegiado.
Ela pode ser hoje contada no número dos artistas universalizados, para os quais a
pátria perdeu a significação limitada das fronteiras e está onde haja um núcleo de espíritos cultos, suscetíveis de ser tangidos pelas manifestações
superiores da harmonia e da beleza. Guiomar Novaes deixou de ser uma glória do seu povo, para ser a de todo o universo.
Ainda são de ontem as estrondosas manifestações que ela recebeu em sua jornada de arte
aos Estados Unidos. Contam-se por centenas e centenas as demonstrações de apreço que ela recebeu na terra norte-americana, que se encheu de espanto
e emoção diante da impressionadora força interpretativa dessa jovem pianista.
Guiomar Novaes regressa de várias e luminosas excursões no estrangeiro, mais do que
nunca insatisfeita, e realiza, dia a dia, o esforço tranqüilo para atingir a perfeição almejada. E surge a artista que Santos conhece, inteiramente
senhora do difícil instrumento a que sabe transmitir vida, numa suprema realização expressional.
A noite de hoje, no Jockey Club, há de ser mais uma impressionante apoteose da nossa
sociedade à inexcedível artista.
O recital terá início às 20,45 horas, e Guiomar executará o seguinte programa:
Chopin - Sonata, op. 58, em si menor
Allegro Maestoso
Scherzo
Largo
Presto, ma non
tanto
Rubinstein - Nocturno
Moszkowski - La Jongleuse
Chopin - Berceuse
Chopin - Estudo (revolucionário)
Mac-Dowell - Dança das Bruxas
Liszt - Murmúrio na Floresta
Liszt - Dança dos Anões
Liszt - 10ª Rapsódia Húngara.
Os bilhetes restantes acham-se à venda na secretaria do Jockey Club e no Café da
Bolsa, na esquina da Rua Quinze de Novembro e Santo Antonio.
Na parte competente desta folha acha-se uma publicação relativa a este concerto, para
a qual solicitamos a vista dos leitores. |
No dia seguinte, 28 de junho de 1922, registrou A Tribuna em sua página 4:
Foto publicada com a matéria
ARTES E ARTISTAS
Guiomar Novaes no Jockey Club - O recital de ontem
Dizer o que foi o recital de ontem no elegante salão do
Jockey Club, é recordar a noite memorável em que Guiomar Novaes realizou, no Coliseu Santista, o seu primeiro festival. Mas recordá-la em um
ambiente luxuoso e chic, em um salão confortável, onde a nossa sociedade mais à vontade pôde apreender toda a arte cristalina dessa
privilegiada artista, que por si só pode constituir o orgulho de um povo.
Muito antes da hora assinalada para o recital, ao Jockey afluíam damas, cavalheiros e
senhoritas, na pressa de lograr os lugares. De maneira que, quando chegou o instante, já o amplo salão regurgitava, apresentando o aspecto
surpreendente das suas noites maravilhosas de reunião mundana.
Na intensa claridade do salão, toilettes luxuosas põem um brilho novo; o
encanto, a graça das damas, nesse ambiente requintado de elegância, vão aumentar a poderosa sugestão, a disposição dos espíritos, para mais
embriagadoramente sentir o fascínio da arte incomparável de Guiomar Novaes.
O piano é o instrumento aristocrático por excelência. Descendente harmonioso do cravo,
ele exige o fulgor das salas e mãos marfilíneas a premir-lhe as teclas. Ao aproximar-se a hora em que a notável pianista devia surgir para o grande
público, pensávamos no papel altamente civilizador do piano, e no seu triunfo em pleno século das pianolas, derrotando o engenho americano que o
quis transformar em realejo, como se está esforçando por fazer do teatro a mecânica muda dos cinematógrafos.
Eis que surge no tablado a insigne pianista. O vasto salão vibra de entusiasmo, ao
estrépito das palmas.
Guiomar Novaes ataca com segurança a Sonata op. 53, em si menor, de Chopin. É
um encanto ouvi-la na interpretação desse melancólico Chopin, mas seria erro dizer que ela tenha pendor especial, inclinação, particular afinidade
por este ou aquele autor. Todos os autores encontram na sua arte fiel interpretação, porque a sua gama de sentimentos é infinita.
Há na alma dessa artista o segredo perturbador de todas as correspondências. Todos os
autores encontram nela o seu reflexo exato.
É assim que se explica a maneira por que em todo o programa não a sentimos deslocada
em nenhum trecho. E temo-la de uma ternura indizível no Noturno de Rubinstein; estranha em La Jongleuse, de Moszkowsky, que alguém já
definiu como o Edgard Poe da música; outra vez terna e cheia de uma romanesca indulgência na Berceuse de Chopin, e finalmente, trágica nessa
página revolucionária do mesmo autor.
A terceira parte é constituída de uma interessante peça de Mac-Dowell, Dança das
Bruxas, e três de Liszt, que finaliza o programa com a sua 10ª Rapsódia Húngara.
Os aplausos mais vibrantes repercutem no salão, ao fim de cada um dos trechos
executados.
Guiomar Novaes é reclamada no tablado, para os extras, ao que ela acede
gentilmente, executando, entre outras peças, a variação sobre o Hino Nacional, de Gottszchalk, cuja parte final é ouvida de pé, pela numerosa
assistência.
Assim finalizou a apoteótica noite de ontem, no Jockey Club. |
|