Imagem: reprodução parcial da matéria
A catástrofe de ontem no bairro de Nova Cintra
Os feridos – As causas do sinistro – Duas mortes – Os socorros e o trabalho da polícia
– Notas
Ontem, às 15,30 horas, mais ou menos, entraram a circular na
cidade boatos arrepiantes acerca de um horrível desastre, que se teria dado num dos mais aprazíveis subúrbios locais.
Efetivamente, momentos depois a funestíssima nova se confirmava em toda sua chocante
bruteza: o elevador que faz o serviço de transporte entre o ponto terminal dos tramways (N.E.: bondes)
elétricos e o populoso bairro da Nova Cintra, situado a cavaleiro da cidade, despencara inopinadamente do alto da colina e viera, afinal, depois de
várias peripécias, chocar-se, cabriolando, de encontro à aba do morro, quase ao pé da estação inicial.
É de imaginar-se o sobressalto que sacudiu a cidade, na sua tranqüila faina de
segunda-feira, principalmente quando notícias mais pormenorizadas informavam que o carro sinistrado trazia nada menos de 16 passageiros, entre
homens, mulheres e crianças, com a pungentíssima circunstância de que entre eles viajava uma família recém-chegada a Santos e que se divertia
visitando os nossos sítios mais pitorescos.
Por longos instantes paralisou-se o trabalho, a vida como que parou longamente no coração da
cidade, e todos, ansiosos e expectantes, aguardavam as minúcias da horrenda catástrofe, que aparecia, através das primeiras notícias, exageradas
pela fácil impressionabilidade popular, como uma imensa calamidade, no seio da qual desapareciam todos os infortunados passageiros do veículo.
Verificou-se, afinal, depois dos primeiros trabalhos de salvação, que, apesar de feridos,
uns gravemente e outros em condições mais felizes, muitos escaparam com vida.
Até a última hora tínhamos notícia de dois falecimentos, apenas, havendo ficado feridos
todos os demais passageiros, em número de onze.
Como se deu o desastre - Segundo versão autorizada pelas próprias circunstâncias em
que ocorreu o acidente, o desastre se deu em conseqüência do mau estado de conservação em que se encontram os elevadores e respectivos acessórios.
O acidente - e isto está patente - só se verificou por ter partido um dos cabos de
aço empregados no serviço dos ascensores.
Os elevadores de Nova Cintra são propriedade do sr. Luiz de Mattos, que em 1902 obteve da
Câmara Municipal concessão para explorar o serviço de condução de passageiros, entre a cidade e aquele bairro.
Os bondes, já bastante velhos, são movidos, até hoje, por meio de força hidráulica. Grande
parte do material vem ainda dos primeiros dias da instalação do serviço.
Este é o primeiro grande desastre que ali se verifica e a opinião é unânime em explicá-lo
pelas más condições atuais do material empregado.
A vertigem do precipício - Com uma velocidade incrível, o breack despenhava
loucamente pela encosta abaixo.
Os passageiros do veículo, aterrados ante o imprevisto, perderam a noção das coisas.
Os mais nervosos, não se contendo, atiraram-se do carro abaixo, na ânsia sôfrega de se
salvar.
Dois passageiros, somente, não sofreram ferimentos, e isto por não terem perdido a calma no
momento do perigo.
Aos gritos desesperados das vítimas da catástrofe, acudiram diversas pessoas das imediações
da Nova Cintra.
A Polícia e o Corpo de Bombeiros foram avisados imediatamente.
Os socorros - O dr. Ibrahim Nobre, delegado regional de polícia, acompanhado de
diversos auxiliares, representantes da imprensa etc., começou imediatamente o serviço de socorros.
Assim, aquela autoridade, acompanhada de enfermeiros da Santa Casa, bombeiros e outras
pessoas, carregando macas, transportava para o sopé do morro as vítimas que, arquejantes, jaziam aqui, acolá.
O dr. Ibrahim Nobre enviou para o Hospital da Santa Casa, em vários veículos improvisados em
ambulâncias, os seguintes feridos:
Francisco Sá,
negociante, português, de 67 anos de idade.
Alfredo de Abreu,
casado, português, de 27 anos de idade, que no momento guiava o carro fatídico.
Sundaria de Barros,
casada, brasileira, de 45 anos.
Benedita Teixeira,
brasileira, com 40 anos de idade.
Ananias Mezeroni,
sírio, com 42 anos de idade, casado.
D. Maria de Arruda
Camargo, casada, com 40 anos de idade.
João Penteado de
Camargo, com 42 anos de idade, casado, brasileiro.
Rosa Kestner, com 32
anos de idade, tcheco-eslovena.
Francellina Francisca
da Conceição, solteira, brasileira, com 54 anos de idade.
Jesuína Verde, de 27
anos de idade, casada, portuguesa.
Cordélia Salles Ramos,
brasileira, com 15 anos de idade.
Maria Antonietta do
Espírito Santo, parda, nacional, casada, com 28 anos de idade.
Duas mortes - O negociante Francisco Sá, ao dar entrada no Hospital da Santa Casa,
faleceu quando era medicado na portaria daquele estabelecimento.
Faleceu também, esmagada pelo veículo, a menor Ola Gibran, com 8 anos de idade.
Os cadáveres serão hoje examinados no necrotério do Saboó pelo médico legista da Polícia,
dr. Souza Dantas.
No Hospital da Misericórdia - Em frente ao Hospital da Santa Casa de Misericórdia,
enorme multidão se acotovelava, ao ter conhecimento do acidente.
Não era sem custo que os enfermeiros transpunham a massa de curiosos, a fim de conduzir os
doentes às salas de operações.
As vítimas foram socorridas prontamente pelos drs. Leão de Moura, Pedro Paulo de Giovanni e
Virgílio de Aguiar.
Dos feridos, os que apresentavam maior gravidade eram o sr. João Penteado de Arruda, sua
esposa da. Maria de Arruda Camargo e Benedicto Teixeira.
O casal Camargo sofreu várias fraturas nos membros inferiores e Benedito Teixeira fortes
lesões internas.
Os que se salvaram - Os dois passageiros a que linhas atrás nos referimos, únicos que
se salvaram no desastre, são os srs. João Agnesi, morador à Rua S. Leopoldo, 33, e Amendo Exposto, que reside à Rua de S. Bento, 42.
- O sr. João Penteado de Camargo é alto funcionário da Companhia Paulista de Estradas de
Ferro e reside com sua esposa em S. Carlos. Atualmente se achava nesta cidade a passeio.
O inquérito - No inquérito aberto pela polícia regional, depuseram várias
testemunhas.
O dr. delegado regional mandou bater várias chapas fotográficas do local do desastre e vai
nomear peritos que investiguem as verdadeiras causas do sinistro.
Notas - A propósito das versões correntes sobre a causa do desastre, procurou-nos
ontem o dr. Dalberto de Moura Ribeiro, engenheiro fiscal da Prefeitura, e forneceu-nos as seguintes informações, que registramos textualmente:
"O tramway de Nova Cintra consta de dois carros
breaks ligados entre si por um cabo de aço que corre sobre roldanas dispostas no eixo da linha.
"O desastre foi devido à ruptura deste cabo. Mas não por se achar o mesmo em más condições
de conservação ou por ser de resistência insuficiente, como pretendem alguns jornais da noite de ontem. E sim por ruptura devida tão somente à
imperícia dos maquinistas que os conduziam. Esses maquinistas são ainda praticantes e entraram em serviço sem conhecimento desta Fiscalização.
"O breack que subia deve ter sido travado com tempo bastante para não ir de encontro
aos pára-choques. E por ter sido tardia esta manobra, o carro chocou-se violentamente aos pára-choques, espatifando-se.
"O breack que descia ficou então solto sobre a linha e correu violentamente pelo
morro afora, vindo enterrar-se no atoleiro. Com a violência do choque e o forte tranco sofrido pelo cabo, este chicoteou e partiu-se. E a ruptura
dar-se-ia, por mais forte que fosse o cabo! Calcule, sr. redator, que o cabo é de aço, de 9 fios e calculado para trabalho sob 30 toneladas de
carga; e os dois breacks pesam no máximo 20 toneladas! É um cabo novo, com dois anos de uso, apenas".
A autoridade policial, que no caso é o dr. Ibrahim Nobre, fará realizar hoje um exame
pericial rigorosíssimo em todas as instalações do ascensor, a fim de que se verifiquem, acima de toda dúvida, as causas originárias do horrível
desastre, as quais, conforme dissemos e é crença generalizada, se filiam às condições de construção do material. |