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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - TRANSPORTES
Funicular da Nova Cintra: caiu e acabou

Apelidado pelo povo de "tramway da Nova Cintra", este plano inclinado entrou em funcionamento em 26 de dezembro de 1897, mas 25 anos depois foi extinto, após um dos troles do funicular ter despencado pela encosta, com seus passageiros. Os fatos foram reportados nos dias seguintes ao acidente, pelo jornal santista A Tribuna. Assim é que em 30 de maio de 1922 era registrado (ortografia atualizada nestas transcrições):


Imagem: reprodução parcial da matéria

A catástrofe de ontem no bairro de Nova Cintra

Os feridos – As causas do sinistro – Duas mortes – Os socorros e o trabalho da polícia – Notas

Ontem, às 15,30 horas, mais ou menos, entraram a circular na cidade boatos arrepiantes acerca de um horrível desastre, que se teria dado num dos mais aprazíveis subúrbios locais.

Efetivamente, momentos depois a funestíssima nova se confirmava em toda sua chocante bruteza: o elevador que faz o serviço de transporte entre o ponto terminal dos tramways (N.E.: bondes) elétricos e o populoso bairro da Nova Cintra, situado a cavaleiro da cidade, despencara inopinadamente do alto da colina e viera, afinal, depois de várias peripécias, chocar-se, cabriolando, de encontro à aba do morro, quase ao pé da estação inicial.

É de imaginar-se o sobressalto que sacudiu a cidade, na sua tranqüila faina de segunda-feira, principalmente quando notícias mais pormenorizadas informavam que o carro sinistrado trazia nada menos de 16 passageiros, entre homens, mulheres e crianças, com a pungentíssima circunstância de que entre eles viajava uma família recém-chegada a Santos e que se divertia visitando os nossos sítios mais pitorescos.

Por longos instantes paralisou-se o trabalho, a vida como que parou longamente no coração da cidade, e todos, ansiosos e expectantes, aguardavam as minúcias da horrenda catástrofe, que aparecia, através das primeiras notícias, exageradas pela fácil impressionabilidade popular, como uma imensa calamidade, no seio da qual desapareciam todos os infortunados passageiros do veículo.

Verificou-se, afinal, depois dos primeiros trabalhos de salvação, que, apesar de feridos, uns gravemente e outros em condições mais felizes, muitos escaparam com vida.

Até a última hora tínhamos notícia de dois falecimentos, apenas, havendo ficado feridos todos os demais passageiros, em número de onze.

Como se deu o desastre - Segundo versão autorizada pelas próprias circunstâncias em que ocorreu o acidente, o desastre se deu em conseqüência do mau estado de conservação em que se encontram os elevadores e respectivos acessórios.

O acidente - e isto está patente - só se verificou por ter partido um dos cabos de aço empregados no serviço dos ascensores.

Os elevadores de Nova Cintra são propriedade do sr. Luiz de Mattos, que em 1902 obteve da Câmara Municipal concessão para explorar o serviço de condução de passageiros, entre a cidade e aquele bairro.

Os bondes, já bastante velhos, são movidos, até hoje, por meio de força hidráulica. Grande parte do material vem ainda dos primeiros dias da instalação do serviço.

Este é o primeiro grande desastre que ali se verifica e a opinião é unânime em explicá-lo pelas más condições atuais do material empregado.

A vertigem do precipício - Com uma velocidade incrível, o breack despenhava loucamente pela encosta abaixo.

Os passageiros do veículo, aterrados ante o imprevisto, perderam a noção das coisas.

Os mais nervosos, não se contendo, atiraram-se do carro abaixo, na ânsia sôfrega de se salvar.

Dois passageiros, somente, não sofreram ferimentos, e isto por não terem perdido a calma no momento do perigo.

Aos gritos desesperados das vítimas da catástrofe, acudiram diversas pessoas das imediações da Nova Cintra.

A Polícia e o Corpo de Bombeiros foram avisados imediatamente.

Os socorros - O dr. Ibrahim Nobre, delegado regional de polícia, acompanhado de diversos auxiliares, representantes da imprensa etc., começou imediatamente o serviço de socorros.

Assim, aquela autoridade, acompanhada de enfermeiros da Santa Casa, bombeiros e outras pessoas, carregando macas, transportava para o sopé do morro as vítimas que, arquejantes, jaziam aqui, acolá.

O dr. Ibrahim Nobre enviou para o Hospital da Santa Casa, em vários veículos improvisados em ambulâncias, os seguintes feridos:

Francisco Sá, negociante, português, de 67 anos de idade.
Alfredo de Abreu, casado, português, de 27 anos de idade, que no momento guiava o carro fatídico.
Sundaria de Barros, casada, brasileira, de 45 anos.
Benedita Teixeira, brasileira, com 40 anos de idade.
Ananias Mezeroni, sírio, com 42 anos de idade, casado.
D. Maria de Arruda Camargo, casada, com 40 anos de idade.
João Penteado de Camargo, com 42 anos de idade, casado, brasileiro.
Rosa Kestner, com 32 anos de idade, tcheco-eslovena.
Francellina Francisca da Conceição, solteira, brasileira, com 54 anos de idade.
Jesuína Verde, de 27 anos de idade, casada, portuguesa.
Cordélia Salles Ramos, brasileira, com 15 anos de idade.
Maria Antonietta do Espírito Santo, parda, nacional, casada, com 28 anos de idade.

Duas mortes - O negociante Francisco Sá, ao dar entrada no Hospital da Santa Casa, faleceu quando era medicado na portaria daquele estabelecimento.

Faleceu também, esmagada pelo veículo, a menor Ola Gibran, com 8 anos de idade.

Os cadáveres serão hoje examinados no necrotério do Saboó pelo médico legista da Polícia, dr. Souza Dantas.

No Hospital da Misericórdia - Em frente ao Hospital da Santa Casa de Misericórdia, enorme multidão se acotovelava, ao ter conhecimento do acidente.

Não era sem custo que os enfermeiros transpunham a massa de curiosos, a fim de conduzir os doentes às salas de operações.

As vítimas foram socorridas prontamente pelos drs. Leão de Moura, Pedro Paulo de Giovanni e Virgílio de Aguiar.

Dos feridos, os que apresentavam maior gravidade eram o sr. João Penteado de Arruda, sua esposa da. Maria de Arruda Camargo e Benedicto Teixeira.

O casal Camargo sofreu várias fraturas nos membros inferiores e Benedito Teixeira fortes lesões internas.

Os que se salvaram - Os dois passageiros a que linhas atrás nos referimos, únicos que se salvaram no desastre, são os srs. João Agnesi, morador à Rua S. Leopoldo, 33, e Amendo Exposto, que reside à Rua de S. Bento, 42.

- O sr. João Penteado de Camargo é alto funcionário da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e reside com sua esposa em S. Carlos. Atualmente se achava nesta cidade a passeio.

O inquérito - No inquérito aberto pela polícia regional, depuseram várias testemunhas.

O dr. delegado regional mandou bater várias chapas fotográficas do local do desastre e vai nomear peritos que investiguem as verdadeiras causas do sinistro.

Notas - A propósito das versões correntes sobre a causa do desastre, procurou-nos ontem o dr. Dalberto de Moura Ribeiro, engenheiro fiscal da Prefeitura, e forneceu-nos as seguintes informações, que registramos textualmente:

"O tramway de Nova Cintra consta de dois carros breaks ligados entre si por um cabo de aço que corre sobre roldanas dispostas no eixo da linha.

"O desastre foi devido à ruptura deste cabo. Mas não por se achar o mesmo em más condições de conservação ou por ser de resistência insuficiente, como pretendem alguns jornais da noite de ontem. E sim por ruptura devida tão somente à imperícia dos maquinistas que os conduziam. Esses maquinistas são ainda praticantes e entraram em serviço sem conhecimento desta Fiscalização.

"O breack que subia deve ter sido travado com tempo bastante para não ir de encontro aos pára-choques. E por ter sido tardia esta manobra, o carro chocou-se violentamente aos pára-choques, espatifando-se.

"O breack que descia ficou então solto sobre a linha e correu violentamente pelo morro afora, vindo enterrar-se no atoleiro. Com a violência do choque e o forte tranco sofrido pelo cabo, este chicoteou e partiu-se. E a ruptura dar-se-ia, por mais forte que fosse o cabo! Calcule, sr. redator, que o cabo é de aço, de 9 fios e calculado para trabalho sob 30 toneladas de carga; e os dois breacks pesam no máximo 20 toneladas! É um cabo novo, com dois anos de uso, apenas".

A autoridade policial, que no caso é o dr. Ibrahim Nobre, fará realizar hoje um exame pericial rigorosíssimo em todas as instalações do ascensor, a fim de que se verifiquem, acima de toda dúvida, as causas originárias do horrível desastre, as quais, conforme dissemos e é crença generalizada, se filiam às condições de construção do material.

No mesmo jornal, em 1º de junho de 1922: 


Foto não legendada, publicada com a matéria

Ainda a catástrofe de Nova Cintra

Últimos ecos

A comissão de peritos nomeada pela polícia, para averiguar a causa real do desastre, continua os seus estudos, havendo já examinado minuciosamente, à luz de dados técnicos, nem só a resistência dos cabos de tração, dos quais se diz que estavam em péssimo estado, como todas as demais instalações dos carros-motores, a fim de se fixar, acima de toda dúvida, se o desastre provém de imperícia dos manobreiros ou do mau estado do material em serviço.

O laudo dos peritos será apresentado sem demora e constituirá a peça fundamental do inquérito que está correndo seus termos na delegacia regional de polícia.

A fim de que os nossos leitores tenham uma noção mais clara do que foi esse horrendo desastre, publicamos hoje alguns aspectos dos escombros.

- Os feridos, que se acham internados no hospital da Santa Casa, vão passando melhor; alguns há que obterão alta ainda no correr desta semana.


Foto não legendada, publicada com a matéria

Profecias sinistras - Escreve-nos o sr. Francisco de Andrade Bastos:

"Não vemos motivo de surpresa no desastre que ontem se deu na caranguejola da Nova Cintra. Esse desastre há muito que era esperado. A última vistoria feita naquela armadilha foi efetuada aí pelo dia 23 de maio do ano passado, se não nos enganamos.

"Estamos esperando ainda o adornamento (N.E.: SIC – deve ser adernamento) de uma das barcas do Guarujá e a queda da ponte da estrada do Juquiá, para depois, então, tomarmos as providências.

"É verdade que nenhuma das altas barcas, sem equilíbrio, até hoje virou, e que a ponte provisória da Juquiá, construída há cerca de 15 anos, para servir durante 5 anos, também ainda não caiu; mas a barca virará dentro em breve, em um domingo, e a ponte cairá proximamente. Infelizmente, precisamos que uma e outra coisa aconteçam, para, depois de muitas desculpas, procurar remendar o nosso erro, a nossa incúria, o nosso descaso..."


Foto não legendada, publicada com a matéria

Sobre a origem do funicular, é esclarecedor um debate havido na Câmara Municipal de Santos, na sessão ordinária de quinta-feira, 26 de junho de 1930, reproduzida integralmente na Parte Oficial do jornal diário Commercio de Santos, no dia seguinte, 27 de junho de 1930 (página 3 - exemplar no acervo do historiador Waldir Rueda - ortografia atualizada nesta transcrição parcial):


Imagem: reprodução parcial da página original

[...]

O sr. dr. Bruno Barbosa - Sr. presidente, pedi a palavra para apresentar a seguinte indicação:

"Indico mande a Prefeitura vender em hasta pública todo o material da extinta empresa do elevador de Nova Cintra que lhe foi, há tempos, abandonado pelos proprietários. - A. Bruno Barbosa".

Há poucos dias estive em Nova Cintra, em serviço profissional, e verifiquei, sr. presidente, que há um material muito aproveitável da extinta empresa do elevador de Nova Cintra: madeirames de barracão, boa madeira capaz de dar dinheiro; talvez uns mil metros de trilhos de ferro, talvez dezenas ou centenas de tubos de calibres grandes, de modo que há ali um capital que está se perdendo, estragando, sujeito à depreciação pelo tempo. Lembrei-me, por isso, de fazer essa indicação. Não tenho muita certeza a respeito do ato de abandono por parte da Prefeitura, mas me parece que a empresa fez entrega oficial do seu material remanescente à Prefeitura, de acordo com uma cláusula do contrato que tinha de concessão.

O sr. dr. Albertino Moreira - Sr. presidente, desejo apenas prestar um esclarecimento ao nobre vereador que apresentou a indicação ora em discussão.

Os materiais que existem no Parque Nova Cintra são os restos de obras que ali foram executadas para o acesso à parte superior do morro do mesmo nome, em 1896, por Luiz José de Mattos, que para isso obtivera concessão.

Logo no início da obra, Benjamin Fontana, que se julgava proprietário daqueles terrenos, embargou-a. Os trabalhos prosseguiram, entretanto, até que a ação fosse julgada procedente, tanto em primeira como em segunda instância.

Extraída carta de sentença, a parte vencedora, já então representada por herdeiros e sucessores de Benjamin Fontana, requereu imissão de posse nos referidos terrenos.

Conheço bem esses fatos, porque ultimamente fui constituído advogado dos proprietários.

Depois de julgada desse modo a ação por sentença definitiva foi que os herdeiros e sucessores de Luiz de Mattos fizeram um acordo com a Municipalidade, pelo qual ficava caduca a concessão e a esta eram cedidos os materiais ali abandonados.

Acredito que a indicação do nobre colega terá o mérito de chamar a atenção da Prefeitura para o que se discutiu na ação a que me referi, e ficar finalmente verificado se os materiais em questão pertencem à Municipalidade ou aos sucessores de Benjamin Fontana.

Era o que tinha a dizer.

[...]

 

Imagens: reproduções parciais da página original

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