Na década de 1930, a São Paulo Railway começava a concorrer com os primeiros ônibus
interurbanos. Este, na linha Santos/São Paulo, visto junto à ferrovia, na Avenida Martins
Fontes ou já na Via Bandeirantes, junto à entrada de Santos pelo bairro do Saboó
Foto: acervo do historiador Waldir Rueda
De Santos a Cubatão
Jorge Martins Franco (*)
Colaborador
No fim de janeiro do ano de 1946 tomei, em Santos, o trem das
7 horas da manhã. Assentei-me no fundo de um vagão, lado direito. A gare ainda tinha movimento de viajantes
andando e outros entrando nos vagões. Ao ranger da segunda sirene a máquina apitava e a composição partia. Logo o que vi foi o grande pátio de
manobras e a casa das máquinas. Depois, à esquerda, vi o grande armazém de exportação seguido do da importação, cada um com mais de 100 metros de
extensão.
Já em grande velocidade, o trem passava pelo Saboó, um bairro na encosta do morro. Um grande
cemitério, o maior da Cidade, cujo portão de entrada ostentava a seguinte expressão kantiana em linha latina: "Nós que aqui estamos por vós
esperamos". Afora umas poucas casas no plano, o bairro apresentava um acesso tortuoso. No meu lado, ainda nesse bairro, o campo de futebol da SPR,
onde o clube mantido pela empresa mandava seus jogos, e do qual meu pai havia sido treinador.
A partir daí, do meu lado, manguezal com vegetação rasteira sem fim até o Rio Casqueiro.
Após o Saboó, à esquerda, por alguns quilômetros, os trilhos da linha do bonde 1, singela, com alguns desvios no trajeto para ultrapassagem; o bonde
levava passageiros para São Vicente. Ao seu lado, uma estreita via para veículos até o bairro Chico de Paula. A partir daí, nenhuma construção à
direita e pouquíssimas à esquerda na Alemoa. Continuava em linha reta até as proximidades do Rio Casqueiro, assim impropriamente chamado porque na
verdade é um braço de mar. Ultrapassava uma ponte de ferro, mão e contra-mão. Ao seu lado, à esquerda, uma ponte simples destinada a veículos.
Então, uma curva para a direita e novamente ganhava velocidade.
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A viagem de trem, com conforto, durava 20 minutos
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No Jardim Casqueiro, poucas casas à esquerda e logo nova curva também à esquerda. O panorama
nos apresentava ainda manguezal no meu lado; do outro, um casarão amarelo do DER isolado, ostentando à sua frente uma grande e copada árvore.
Mais à frente, uma curva para a esquerda e nova linha reta até o atual bairro da Vila Nova,
ainda dominado pelo pântano. Nova curva, mais uma reta e eis Cubatão, vilarejo de umas poucas ruas. Em todo esse trajeto uma pista estreita para
veículos à esquerda. Essa pista atravessaria o vilarejo. Até aí o nome dessa pista era Via Bandeirantes. Dela, em frente da estação, saía uma linha
de trem com vagões pequenos, para o lado esquerdo, que levava mercadorias para o bairro do Curtume, com bifurcação para o bairro dos Pilões, sempre
à margem do Rio Cubatão.
Ônibus para o vilarejo quase não havia. Pelo trem a viagem durava 20 minutos. Havia
conforto. A máquina a vapor até que fazia pouco barulho. E a pista estreita lateral à ferrovia iria atravessar o vilarejo e o Rio Cubatão mais à
frente. Seria o início do Caminho do Mar, que subia a serra rumo a São Paulo.
Nunca a linha férrea da SPR deveria ter sido substituída pelos
ônibus. Será que as futuras gerações podem esperar pelo retorno dos trens?
(*) Jorge Martins Franco é advogado.
Transporte intermunicipal desde Santos, no centro de Cubatão
Foto de Walter Mello, publicada no jornal santista A Tribuna em 21/5/2006
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