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Publicado em 22/8/1982 no jornal A Tribuna de Santos
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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES
As pequenas colônias (2)

Beth Capelache de Carvalho (texto). Ademir Henrique e Anésio Borges (fotos)

Chilenos, os mais recentes

Uma das mais recentes colônias estabelecidas em Santos é a dos chilenos, composta, em sua maioria, por famílias e técnicos - engenheiros principalmente - que trabalham na Cosipa e outras indústrias de Cubatão. A maioria chegou há quatro ou cinco anos, à procura de maior estabilidade financeira, quando o Chile atravessava momentos críticos. O dinheiro chileno valia pouco, os ordenados brasileiros representavam o dobro, ou o triplo.

Quase todos vieram para faturar essa diferença, com intenção de voltar no máximo em cinco anos. Mas foram ficando, apesar de a situação ter se invertido. Atualmente, cerca de setenta famílias estão radicadas em Santos, e se reúnem em torno do Comitê Feminino do Consulado do Chile, entidade criada no ano passado [N.E.: 1981].

Mirna Oñate, presidenta do comitê, ajudou a organizá-lo. Saiu pela Cidade buscando os chilenos, espalhados, e a primeira reunião foi emocionante. Até então isoladas, as famílias chilenas enfrentavam sozinhas os problemas normais de adaptação, as dificuldades da língua, a diferença dos costumes. Juntos, tudo ficou mais gostoso.

O comitê recebe, com pequeno atraso, os jornais chilenos, que são distribuídos durante as reuniões. E até o prazer de preparar e comer empanadas (espécie de pastel com recheio de ovos, uvas-passas, azeitonas e cebola) fica maior entre conterrâneos. "Quando se está longe da terra", diz Mirna, "os amigos, vizinhos, companheiros de trabalho fazem o papel da família. A comunicação com o Chile é difícil, uma carta demora de quatro a cinco dias em trânsito".


Jansen, inventor, engenheiro e professor de inglês

O belga Jansen, inventor

Pierre Jansen, belga de Lièges, engenheiro formado pela École de Aviation Blériot de Buc, inventor desde os 13 anos, veio para o Brasil em busca de sol tropical. Durante a Segunda Guerra, ele foi atacado por um reumatismo gravíssimo, que chegou a deixá-lo cego durante nove dias, e foi curado graças ao fraco sol de Lièges.

A procura do sol constante levou-o até a Bolívia, onde ficou perto de sete anos, como professor de inglês na Academia Militar de Aviação e no Colégio Pestalozzi. Até que chegaram os americanos, ensinando a língua quase de graça e obrigando Jansen a procurar emprego em Corumbá, e, depois, em Santos.

Foram anos muito difíceis. Ele havia abandonado a engenharia e a civilização européia, mas pelo menos tinha o calor do sol e estava longe do cenário da guerra. Relutou antes de aceitar o emprego oferecido por um engenheiro francês, durante a construção da 1ª Coqueria da Cosipa (Lièges é uma cidade industrial, onde a poluição é semelhante, ou até maior que a de Cubatão), mas acabou concordando com um contrato de dois anos.

Mas ficou muito mais do que isso. Depois de seis anos na Coqueria, passou a trabalhar em vários outros setores e a fazer traduções técnicas para a empresa. Mas entrou no corte de 30 por cento do pessoal, em 1967, sendo chamado de volta, seis anos depois, para a montagem de outra parte do setor de Coqueria. No intervalo, passou pela construção civil. Mas nunca deixou suas pesquisas e invenções.

A primeira delas, aos treze anos, foram duas asas suplementares colocadas num modelo de monoplano que estava construindo com bambu. (Na Bélgica, durante 20 anos, ele seria construtor de aviões e planadores, numa pequena fábrica, quase artesanal).

A mais importante está agora patenteada. É o Variador de Velocidade de Variação Progressiva - um dispositivo que super-multiplica as relações de transmissão. Ao invés de quatro marchas fixas, o variador possibilita uma infinidade de marchas intermediárias, fazendo com que o aumento da velocidade contínua seja feito sem as interrupções bruscas das mudanças de primeira para segunda, de segunda para terceira e assim por diante.

Tanto a Chrysler como a Ford receberam cópias de seus desenhos e se interessaram pelo aparelho, que permite o uso constante do motor no seu regime de melhor rendimento - portanto, gastando pouco combustível. "Mas as multinacionais não aceitam uma patente brasileira e também cuidam para que a tramitação do processo seja bastante longa, impedindo que a invenção seja apresentada aos concorrentes". Jansen também acha bastante dificuldade para a fabricação de protótipos de seus inventos, pois a maioria das oficinas recusa-se a fabricar peças únicas.

Atualmente, ele está trabalhando no projeto de um pequeno carro de dois lugares, com três rodas, aproveitando o motor comum de motocicleta. Mas falta-lhe espaço para uma oficina e literatura com detalhes e especificações sobre os equipamentos fabricados no Brasil (pneus e tubos de aço, por exemplo).

Pierrre Jansen já tem vários outros inventos, como a embreagem hidráulica, o variador de velocidades hidráulico, o motor de ar comprimido a rotor e a bomba rotativa dosadora a vazão regulável. É o resultado de seu trabalho nas horas vagas, que agora são muitas, pois conseguiu aposentar-se do seu serviço na Cosipa.

O inventor Jansen é um dos representantes da pequena colônia belga em Santos, uma comunidade formada por poucas pessoas, entre elas as irmãs Elizabeth e Madalena, do Colégio Stella Maris.


Beatriz Rotta-Rossi, argentina naturalizada, dedica-se à arte e à política

Uma artista plástica argentina

Beatriz Rotta-Rossi desceu do navio que a trazia da Argentina, há 14 anos, e teve sua primeira visão de Santos: a Rua Xavier da Silveira, com as construções antigas, as casas alinhadas, as prostitutas. Uma imagem tão forte, aos seus olhos de artista, que resolveu ficar, e pintá-la.

No começo, como todo estrangeiro, sentiu alguma dificuldade de adaptação aos costumes brasileiros, à exagerada ingenuidade do povo, à maneira de negociar, ao candomblé. "Mas o Brasil é traiçoeiro", ela diz. "Vai entrando no sangue devagarinho, e não se pode mais ir embora. Num minuto se está dizendo 'quero um tango', e no outro já se ama tudo o que há por aqui".

Pintura, desenho, exposições, conferências tomam o seu tempo. A primeira forte impressão do Brasil, aliás, foi colhida durante sua primeira exposição, realizada em Ribeirão Preto, em 1970. Ao descer do ônibus, naquela cidade, encontrou faixas de boas-vindas escritas em espanhol. Daí pra frente, o povo, que considera "fantástico", a conquistou.

Seus primeiros trabalhos artísticos no Brasil foram feitos em companhia de Plínio Marcos e Luís Hamen. Atualmente, mantém um ateliê livre nas Faculdades Santa Cecília e está com uma exposição marcada para setembro, no Reciclagem [N.E.: um bar artístico]. Também está dando conferências, na Fafi [N.E.: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santos] e na Associação dos Médicos, sobre Sociologia da Arte. É um trabalho feito com audiovisuais, que preparou junto com Luís Negrão, e que representam uma iniciativa pioneira em Santos. Abrange música, poesia e pintura.

Mas a arte, sua maior paixão, ultimamente deu algum espaço à vocação política. Naturalizada há quatro anos, a imigrante Beatriz Rotta-Rossi passou a integrar a Comissão Executiva do Partido dos Trabalhadores, em Santos, no qual encontrou o campo ideal para o trabalho político que gostaria de executar. Uma aspiração que nasceu ainda na infância, quando "aprendeu" política ouvindo as conversas entre o pai, socialista, e a mãe, do Partido Conservador.

Sua contribuição artística para o partido é a programação visual para a campanha das candidatas Edmea Ladewig (a deputada estadual) e Telma de Souza (a vereadora).

Nenhuma atividade poderia ligá-la mais ao Brasil, e a Santos. "Já nem me alimento como argentina. Naturalista à brasileira, uso leite de coco e óleo de dendê. Saudades, só do vinho". A filha, Flávia, nascida na Argentina, fala o português sem nenhum sotaque, o que é também o sonho da mãe. "Para isso rezo todos os dias ao meu pai-de-santo".

Loureiro, uruguaio, ama a patinação

Além das suas funções de chanceler do Consulado do Uruguai em Santos, Herber Hugo Tort Loureiro dedica-se a uma atividade que em Santos parece ter conquistado um espaço definitivo - a patinação artística. Ele a pratica desde os 10 anos de idade, e por ela abandonou a carreira de arquiteto. E foi também através da patinação que travou seus primeiros contatos com o Brasil, onde viria a fixar residência.

Sua experiência como integrante de companhias internacionais, como montador de espetáculos e como participante do grupo Periquitos em Revista, da Sociedade Esportiva Palmeiras, é agora utilizada no ensino do esporte, no Clube Internacional de Regatas. Sua mulher, Leonor Queche Loureiro, organizou a escola de patinação do clube, que hoje possui uma equipe de patinadores apresentada em espetáculos beneficentes, como o Folias Internacionais e o Inter Folias.

Também foi a patinação que permitiu a Herber Loureiro conhecer quase todo o Brasil, durante tournées. Mas desde que assumiu o cargo de chanceler do consulado, ele se desligou da patinação artística como profissional, passando a atuar apenas como amador. Ele dá as aulas e organiza os shows do Internacional com um cuidado de quem busca a perfeição.

Muitas coisas, além do esporte, o ligam agora a Santos. Sua filha de três anos, Daniela, é santista, "e só quer saber de falar o português". E como sua função de chanceler não o obriga a constantes transferências, ele pode exercer por longo período, aqui, a sua atividade diplomática e a vocação para o esporte.

Veja a parte [1] desta matéria