HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
OS IMIGRANTES
A colônia italiana (2)
Beth Capelache de Carvalho (texto). Ademir Henrique e Arquivo de A Tribuna (fotos)
Na Societá Italiana, as festas típicas lembradas pela colônia
Societá Italiana
Para auxiliar o grande número de imigrantes que
chegaram a Santos em fins do século passado [N.E.: século XIX], foi criada, a 22 de agosto de 1897, a Societá Italiana di
Beneficenza. O grupo de fundadores era liderado por Paolo Santucci e o principal objetivo da entidade era prestar todo tipo de socorro ao imigrante
recém-chegado ao Brasil. Suas cores seriam o vermelho, o branco e o azul e seu símbolo, a "Loba Romana".
Inicialmente instalada na Rua do Rosário (atual João pessoa), a Societá Italiana foi mais tarde transferida para
a Rua Eduardo Ferreira, no local onde hoje se encontra a sede do Sindicato dos Estivadores. Ali permaneceu durante muitos anos e depois de várias
mudanças foi construído o prédio da Av. Ana Costa, onde a "Loba" está até hoje, e onde teve o nome mudado para Societá Italiana di Santos. O primeiro
presidente foi Silvério Maimone.
Durante a Segunda Guerra, a Societá Italiana foi ocupada e boa parte de seus arquivos se perdeu. Mas ainda
existem relíquias como uma arca de madeira, vinda da Itália e doada pelas mães dos
associados que morreram durante a Primeira Guerra Mundial.
Além da ocupação de sua sociedade, os italianos sofreram, durante a Segunda Guerra, a ameaça de terem de sair da
Cidade, como os japoneses e os alemães. Mas isso não aconteceu, embora houvesse muitos simpatizantes do Eixo e até alguns balilas, alunos da
escola italiana que usavam a camisa preta da juventude fascista. As discussões sobre a guerra eram feitas em torno do Fanfula, jornal em
italiano, editado no Brasil, que trazia as notícias da Europa.
San Lucido - Conta a lenda que no ano 700 d.C. uma embarcação sarracena que passava ao largo da Cidade de
San Lucido, movida pela possibilidade de saquear o povoado, e pelos rumores da existência de uma mulher belíssima nos arredores, desembarcou na parte
baixa da cidade, disposta ao ataque. Os habitantes, que ainda eram pagãos, recorreram, em seu desespero, a um santo cristão, e prometeram consagrar-lhe
a cidade, se a livrasse dos invasores.
Quando tudo parecia perdido, o mar começou a refletir os raios do sol tão fortemente que os sarracenos ficaram
quase cegos, e foram repelidos rapidamente. San Giovanni Batista, o autor do milagre, foi aclamado padroeiro da cidade, que se chamou San Lucido porque
o reflexo do sol na água, em italiano, é luciare.
San Lucido, pequena colônia pesqueira da Grécia, mais tarde colônia
romana, situa-se logo após o Golfo de Policastro e é banhada pelas águas limpas e azuladas do Mar Tirreno. Considerada a pérola da
Calábria, é a cidade de origem da maior parte das famílias italianas que residem em Santos.
Até hoje, o povo de San Lucido comemora, todos os anos, no dia de San Giovanni (São João), a vitória sobre os
sarracenos. Em Santos, a colônia relembra esta data durante a maior festa promovida durante o ano pela Societá Italiana: a Noite Calabrese, em homenagem
a San Lucido, com jantar típico, baile e show. Há também apresentação de um conjunto folclórico com danças típicas da região, dirigido pelo
maestro Gilberto Lasso.
Além da festa de San Lucido, a Societá Italiana prmove também outras comemorações, como a Páscoa, o Dia das
Mães, a Festa Delle Regioni, em homenagem a todas as regiões italianas, e a Festa Della Befana, com sorteio de brinquedos, distribuição de doces aos
filhos, netos e sobrinhos dos associados.
Na Societá Italiana também são promovidos cursos de língua italiana e balé e, para agosto, está programada uma
solenidade comemorativa do centenário de Giusepe Garibaldi. Além disso, a Societá está sempre aberta para as necessidades santistas, tendo sido, durante
mais de 20 anos, a sede da APEE e durante 10 anos, a sede do Mobral (N.E.: o antigo Movimento Brasileiro de Alfabetização).
O Vice-cônsul da Itália
em Santos, Paolo Leone, cita entre os mais importantes representantes da colônia em Santos alguns ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial, todos
agraciados com o título de Cavaliere di Vottorio Veneto, além de medalha de ouro comemorativa. São eles: Bruno Eugênio, Gio Carlo di San Pancrazio,
Augusto di Marchi, Solferino di Piero, Santo Franzese, Francesco Lambertini, Gennaro Lorusso, Antonio Merola, Domênico Portolense, Hugo Romiti,
Domênico Russo, Sebastiano Vincenzo e Veltri Antonio.
Os salões do Parque Balneário Hotel, que se tornou famoso graças à família Fracarolli, de
Valdiero
|
Os Gerbi, de Florença e Pisa
Nona
Minerva nasceu no Brasil, e seus pais não vieram propriamente como imigrantes, mas por conta própria. Eram
toscanos: a mãe, de Florença, a cidade das flores; o pai, de Pisa. Mesmo assim, ela é a matriarca de uma das poucas famílias de ascendência italiana
em Santos que ainda conservam os costumes trazidos pelos imigrantes.
Em torno de nona Minerva se reúnem os nove filhos, genros e noras, netos e bisnetos, nos feriados, dias
santos e também nas festas familiares. Sempre há alguma coisa para comemorar, e pelo menos uma vez por semana a família Santos (Gerbi é o sobrenome
italiano de dona Minerva) se encontra em autêntico estilo italiano, muito barulhento e alegre.
Uma tradição que começou em 1890, quando a família Gerbi chegou ao Brasil, desembarcando no Rio de Janeiro.
Depois de passar por Juiz de Fora, Ribeirão Preto, Batatais e São Paulo, eles vieram para Santos, onde José Gerbi, irmão de nona Minerva, iria
exercer o ofício com o qual se tornaria famoso entre os construtores da época: os acabamentos artísticos em gesso.
A arte dos Gerbi embelezou a Bolsa do Café, onde fizeram todos os estuques, florões e
acabamentos em gesso; também a Alfândega foi "arrematada" por eles, assim como a Fonte Luminosa do Gonzaga, e o prédio do antigo Ao Preço Fixo, hoje
demolido. São obras de José Gerbi o Relógio de Sol que funcionava no Boqueirão, as maquetes da Bolsa do Café
e do Santos Futebol Clube; a parte artística, em gesso, da biquinha velha de São Vicente; os acabamentos em gesso do Atlântico
Hotel e os arremates artísticos das casas mais bonitas de Santos construídas pelos anos 20.
Funcionário da Companhia Construtora Santista, José Gerbi tornou-se amigo de Martins Fontes, que era o médico da
empresa e também atendia os doentes da família. Nona Minerva acaba falando mais sobre o irmão - o Pepino (diminutivo de Giuseppe) -, que
na sua opinião foi a pessoa mais importante da família, já que ajudou a Cidade a tornar mais belas as suas construções.
Em casa da família Gerbi, não se comia arroz com feijão. O prato forte de todo o dia era o bordo - caldo
de carne com macarrão feito em casa - seguido de brocholi, frango ou peixe. O bordo podia ser substituído pelo minestroni, sopa de
caldo de feijão com toda qualidade de verduras, lingüiça e carne de porco.
A festa mais comemorada era o Natal, mas não se costumava trocar presentes. A família toda comprava roupas
novas, e a cena (ceia) tinha panetone, leitão ou cabrito, castanhacho (doce feito de farinha de castanhas), além de outros pratos, sempre
regados com muito vinho.
No dia 6 de janeiro, as crianças esperavam a Befana, uma velhinha que anda a cavalo (dizem que é a mulher do
Papai Noel) e traz doces para os que ficaram bonzinhos. Ao lado da cama, o menino deve deixar um pé de meia e um pouco de capim para o cavalo. Porém, se
ele não se comportou direito, está arriscado a receber, em vez de doces, um chuchu, um tomate ou outro legume qualquer.
Um belo dia, junto com os doces, a Befana deixa um bilhetinho, dizendo que no ano que vem não virá mais. Isso é
sinal de que o menino deixou de ser criança, e deve passar a agir como um adulto responsável.
Os netos e bisnetos de dona Minerva também esperam a Befana no dia 6 de janeiro, são capazes de brigar na rua
para defender os irmãos e os primos, reúnem-se em festas barulhentíssimas, para as quais sempre é feita muita comida. A família está sempre muito unida,
e esta, segundo a nona, é a maior vantagem de manter viva a melhor tradição de seus antepassados.
Estuques, florões e acabamentos em gesso da Bolsa do Café:
a arte dos Gerbi, uma família de imigrantes
Os Franzese, de San Lucido
Eraldo Aurélio Franzese, ex-secretário de Assuntos
Jurídicos e Administrativos de Santos, e advogado dos mais procurados nos meios trabalhistas, também é italiano, de
San Lucido. A família Franzese começou a emigrar para o Brasil em 1880, quando Nicola Franzese fez toda a
viagem num barco a vela. Depois de trabalhar muito por aqui, ele voltou à Itália
levando as livras esterlinas que economizara escondidas nas costuras do colete. Com elas, pôde comprar propriedades em sua terra, e não retornou ao
Brasil.
Mas seu filho, Vicente Franzese, emigrou em 1908 e radicou-se em São Paulo, onde trabalhou como cobrador de
bonde e apagador de lampiões, para a Companhia Light. Em 1910, chegou Ernesto Franzese, e, em 1926, Eraldo Franzese, que, como o irmão, foi trabalhar
como cobrador de bonde e apagador de lampiões. O resto de sua família, inclusive Eraldo Aurélio, chegaria em 1932, a bordo do Princesa Maria.
De San Lucido, Eraldo lembra das montanhas e florestas, e da uva amassada com o pé. Da infância em Santos,
lembra-se da adaptação difícil à língua brasileira, e o aprendizado do ofício de alfaiate. Aos 17 anos já estava montando a sua alfaiataria e, por
influência dos amigos, foi estudar no Tarquínio Silva, onde foi presidente do diretório.
Estudou Contabilidade, formou-se em Ciências Econômicas, e depois cursou a Faculdade de Direito. Enquanto isso,
fazia parte das diretorias do Centro dos Estudantes, do Diretório José Bonifácio e do Centro Acadêmico da Faculdade de Ciências Econômicas, além de ter
sido vice-presidente da União dos Estudantes do Estado.
Para exercer a profissão de advogado, largou a alfaiataria e optou pela nacionalidade brasileira, à qual faz
restrições, devido a algumas falhas importantes. Em 1964, com a Revolução, foi contratado por vários sindicatos, para defender os dirigentes que estavm
sendo processados pelas auditorias militares, e para defesa dos trabalhadores que perderam os seus direitos devido aos excessos da Revolução.
Foi secretário de Assuntos Jurídicos, e depois acumulou a Secretaria de Assuntos Administrativos. Foi eleito
Secretário do Ano, Homem Público do Ano, além de receber vários troféus por serviços prestados como secretário. Tem também o título de Homem Público do
Ano, outorgado pelo Clube de Diretores Lojistas. Além disso, é presidente da Fundação Lusíada, e foi eleito pelo consulado de Portugal para representar
a comunidade portuguesa de Santos em um congresso em Portugal.
Armador - Mas Eraldo não é o único Franzese importante na Cidade. Seguindo a tradição da gente de San
Lucido, seu tio Francesco Franzese dedicou-se à pesca, e agora possui uma frota de seis barcos camaroneiros, e está construindo um estaleiro.
Francesco chegou ao Brasil em 1949, e começou vendendo peixe na rua e no Mercado Municipal,
até entrar na indústria da pesca, há uns 15 anos. Hoje tem dois filhos, um brasileiro e outro italiano, que mora em Belo Horizonte.
Veja as partes [1] e [3] desta matéria
|